A posição das mulheres trabalhadoras num mundo em evolução: Uma jornalista
Portuguesa na Conferência Internacional do Trabalho
DOSSIER: HISTÓRIA, HISTÓRIA DAS MULHERES, HISTÓRIA DO GÉNERO. PRODUÇÃO E
TRANSMISSÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO
RESUMÉ
Cet article fait partie d'une recherche plus vaste sur les relations entre le
Portugal et l'Organisation Internationale du Travail centrée sur l'inclusion
des femmes dans les délégations tripartites à la Conférence Internationale du
Travail (CIT). Dans cet article on part de la participation de la première
portugaise à intégrer la délégation syndicale, en 1964, une époque où il
n'existait pas le droit de liberté syndicale et le Portugal était sous une
forte pression internationale. En 1964, la CIT discute le sujet des «femmes
travailleuses dans un monde en mutation». Les questions principales discutées
lors de la Conférence sont présentées ici.
Mots-clés: Conférence Internationale du Travail, tripartisme, femmes
travailleuses, Portugal et l'Organisation Internationale du Travail.
Há 50 anos, em 1964, a jornalista do Diário de Notícias, Alda Mafra integrou a
delegação sindical portuguesa à 48.ª Conferência Internacional do Trabalho
(CIT), que decorreu em Genebra. A delegação sindical era composta por seis
elementos. Alda Mafra era a única mulher e foi indicada pela Corporação da
Imprensa e Artes Gráficas2, como conselheira, para participar numa das
Comissões especializadas da 48.ª CIT, a que discutiu o tema as «mulheres
trabalhadoras num mundo em mudança».
A sua participação assume particular interesse por diferentes ordens de razão.
É, na história da participação das portuguesas nas delegações às CIT, a
primeira mulher a integrar uma delegação sindical3. Alda Mafra tinha 32 anos.
Foi, muito provavelmente, de 19514a 1974, uma das portuguesas mais jovens a
participar naquele forummundial do trabalho.
Numa época em que uma mulher casada precisava da autorização do marido para
requerer o passaporte que lhe permitisse sair de Portugal (a lei foi alterada
em 1969), algumas, poucas, tiveram essa prerrogativa, em especial num período
de grande vigilância sobre todas as relações de nacionais com estrangeiros.
Viviam-se tempos de ditadura e de censura. Os jornais eram censurados, o que
significava que a publicação, de qualquer linha e fotografia eram sujeitas a um
apurado escrutínio da Censura (César, 2001).
A imagem externa de Portugal era negativa, pelo que o regime procurava através
de algumas iniciativas ganhar a simpatia internacional. Portugal sempre
considerou que seria preferível fazer parte das organizações internacionais ao
invés de estar fora, ainda que nem sempre tenha conseguido ajustar a sua
política aos compromissos que foi assumindo5. A participação de Portugal na
Organização Internacional do Trabalho (OIT) desde a sua fundação, em 1919, é
exemplo disso. O período mais longo desta relação é vivido em tempo de
ditadura.
Os estudos sobre essa relação estão ainda no início, no entanto destacamos
desde já a investigação que foi realizada sobre esta temática por Cristina
Rodrigues. Trabalhar em Portugal, 1919-1933e Portugal e a Organização
Internacional do Trabalho 1933-1974, respetivamente, publicações que resultam
da sua tese de mestrado e de doutoramento.
A adesão à OIT significa que cada Estado tem que jogar «as regras do jogo». Uma
delas é através da incorporação dos princípios das Convenções no direito
interno, preferencialmente por via da sua ratificação.
Um outro sinal do respeito pelas regras é assegurar, em cada ano, a
participação de delegações tripartidas (representantes dos governos, das
organizações patronais e das organizações sindicais). O tripartismo constitui,
aliás, uma das pedras basilares, quer da constituição quer do funcionamento da
OIT. A representação tripartida foi, sempre, uma das regras defendidas para a
participação dos Estados, mas a Organização institui uma outra regra, bem menos
respeitada, a da representação feminina, como delegada ou conselheira em cada
CIT. «Os governos devem ter em atenção que as mulheres são igualmente elegíveis
como os homens na nomeação como delegados ou conselheiros à Conferência,
independentemente da natureza dos itens(...), quando estão na agenda questões
que afetam especialmente as mulheres, pelo menos um dos conselheiros deve ser
uma mulher» (ILO,1965: XVII).
O sexto itemda agenda da 48.ª CIT (1964) tratou da «posição da mulher, num
mundo em evolução», como titula Alda Mafra no seu relatório6. A partir dele
podemos perceber que o modo funcionamento das conferências e, em particular,
das comissões especializadas, mereceram-lhe um interesse particular. Em segundo
lugar, importa notar que a jornalista teve a preocupação de desfazer, desde
logo, uma pretensa ideia de que numa comissão dedicada às mulheres fossem
tratados assuntos naturalmente vocacionados para as mulheres, nomeadamente
temas literários. A jornalista refere deste modo a Conferência da OIT a que
assistiu. «Aparentemente para quem não esteja inteirado das características e
do âmbito em que decor-rem reuniões de semelhante envergadura, o título
escolhido sugere, em si, palestra de maior ou menor interesse... e pouco mais.
A verdade, porém, é bem diferente».
Alda Mafra destaca dois relatórios que serviram de base à discussão na comissão
a que assistiu. O primeiro de 1963 preparado pelo BureauInternacional do
Trabalho7(BIT) tratava do emprego das mulheres num mundo em mudança. Este
relatório composto por quatro partes é bastante detalhado e resultou de uma
investigação realizada pelo BIT.
A primeira parte descreve a situação e apresenta as tendências (incluindo
estatísticas) do emprego das mulheres no mundo. A segunda parte destaca o
emprego das mulheres com responsabilidades familiares. A terceira parte é
dedicada aos problemas das mulheres trabalhadoras dos países em vias de
desenvolvimento e a quarta parte refere-se às instituições ou mecanismos
instalados, que a nível nacional, se ocupem dos problemas das mulheres
trabalhadoras. No final está incluído o texto do questionário enviado aos
países sobre o tema, situação no respetivo país e tipo de instrumento a adotar,
se uma Convenção, uma Convenção completada por uma Recomendação ou uma
Recomendação autónoma.
O segundo relatório, discutido na 48.ª CIT, em 1964, inclui a resposta dos
Estados membros ao questionário e que servia para obter a opinião dos membros
das delegações tripartidas quanto ao tipo de norma a adotar, se uma
Recomendação ou Convenção.
A jornalista que assinou no Diário de Notícias, durante a década de 1960,
crónicas sobre a cidade de Lisboa, ao participar como conselheira da delegação
sindical à 48.ª CIT, beneficiou de um debate a que apenas alguns poderiam ter
acesso e que, com os condicionalismos da época (censura e ausência de liberdade
de opinião e de associação), descreveu num relatório de cinco páginas.
De ressalvar a forma descritiva e didática como Alda Mafra apresenta o
funcionamento da Conferência Internacional do Trabalho e da Comissão
especializada para a qual foi nomeada. O seu relatório é uma exposição objetiva
dos trabalhos a que assistiu e reflete uma importante temática que o regime
político da altura desvalorizava ou não queria compreender, a evolução do papel
da mulher na sociedade.
Relativamente à participação das delegações tripartidas de outros países, a
conselheira técnica portuguesa parece ter sido sensível à diversidade de
posições «pessoais» expressas na Comissão e que, em sua opinião, traduziriam o
desenvolvimento da questão em função do nível de industrialização dos países. A
descrição que faz incentivou-nos à leitura das atas da Comissão sobre as
«mulheres trabalhadoras num mundo em mudança».
Num primeiro nível, para identificar os argumentos e questões a que Alda Mafra
parece ter sido sensível ou, que, pelo menos, quis deixar descrito no seu
relatório. Num segundo nível, para identificar as omissões, em particular em
matérias que se relacionam diretamente com as mulheres trabalhadoras, de que é
exemplo, a maternidade no trabalho, tema tão caro à Organização, tendo sido
objeto de uma das primeiras convenções adotadas, em 1919, a Convenção (n.º 3)
relativa à proteção da maternidade.
Participaram nesta Comissão representantes dos governos, das organizações
patronais e das organizações sindicais de 65 países. Portugal esteve
representado através de dois membros, um da delegação governamental e um da
delegação sindical, aliás as únicas duas mulheres da delegação portuguesa.
A diversidade de países de todas as regiões do mundo refletiu-se nas posições
assumidas publicamente, nalguns casos independentemente do grupo de pertença
(governo, patronal ou sindical). Apesar da diversidade de países, estando
representantes tripartidos de países em vias de desenvolvimento (para utilizar
a nomenclatura da época) e de países industrializados foi possível concluir os
trabalhos com a adoção de quatro resoluções relativas à situação das mulheres
trabalhadoras que refletissem «o grau de desenvolvimento social e económico»
dos países a nível mundial. Foram, então, adotadas as seguintes resoluções: a
Resolução relativa às mulheres trabalhadoras num mundo em mudança; a Resolução
relativa ao Desenvolvimento Económico e Social das Mulheres dos países em vias
de desenvolvimento; a Resolução relativa ao emprego em part-time8e, finalmente,
a Resolução relativa à Proteção da Maternidade. Foi ainda decidida a
continuação da discussão para decisão e votação, no ano seguinte, de um texto
de Recomendação sobre o emprego das mulheres (com responsabilidades
familiares). Segundo Carol Lubin e Anne Winslow (1990), com a adoção desta
recomendação a OIT começa, ainda que timidamente, a dar os primeiros passos
para aliviar as mulheres relativamente aos obstáculos que enfrentam para
trabalhar fora de casa.
Da leitura das atas das reuniões da Comissão e da sessão plenária pode
perceber-se quais os temas que proporcionaram debates mais acalorados e quais
os países mais ativamente implicados no debate. Destacam-se, por exemplo, as
intervenções à volta do «insubstituível» papel desempenhado pela mulher na
família, a primazia que, em situação de desemprego, deveria ser dada ao emprego
masculino e ainda a questão do part-timeenquanto modalidade considerada mais
adequada para as mulheres conciliarem as responsabilidades familiares com um
emprego fora de casa. O delegado do governo de Chipre chegou, mesmo, a declarar
estar a ser produzido um sério erro de julgamento ao ser dada prioridade à
entrada das mulheres no emprego, em especial aquelas que têm responsabilidades
familiares, quando muitos países não tinham, ou não tinham criado, empregos
suficientes para os homens.
Alguns delegados exprimiram-se quanto ao irrealismo das propostas para a
maioria dos países em vias de desenvolvimento, outros, oriundos de países
industrializados, defendiam que a promoção do emprego das mulheres não deveria
ser mais importante do que a «integridade moral e material da família» e
outros, ainda, em particular dos países do Bloco Socialista defendiam que esta
questão não deveria ser tratada à margem da discussão, por exemplo da Política
de Emprego, tema de outra comissão especializada.
Das 16 reuniões da Comissão das Mulheres Trabalhadoras resultaram várias
descrições de situações muito diferentes, que decorriam não apenas do nível de
desenvolvimento económico e social dos países, mas também do «panorama»
político.
A representante das organizações patronais da Bulgária destacou o importante
papel que a mulher desempenhava no seu país e defendeu a existência de plena
igualdade com os homens. Na questão da proteção da maternidade invocou a
licença de 120 dias, paga na totalidade, a redução de duas horas diárias nos
primeiros oito meses de vida da criança e, ainda, a possibilidade da mãe de
requerer uma licença de seis meses não paga, mas com a garantia de todos os
outros direitos. Em Portugal a licença por maternidade era de 30 dias. A
ratificação da Convenção (n.º 103) relativa à proteção da maternidade, adotada
na OIT em 1952, foi ratificada 30 anos depois, em 1982.
Ainda sobre a questão da proteção da maternidade, a conselheira do grupo
sindical da Áustria defendeu uma posição progressista, para a época, ao referir
que essa questão era uma obrigação da sociedade e que não deveria ser razão de
discriminação contra as mulheres, porque isso seria uma discriminação contra
uma função social por elas desempenhada em favor de toda a sociedade.
Posição bem diferente foi defendida pelo representante sindical de Itália que
enfatizou a importância da família enquanto unidade fundamental e natural da
sociedade e que a promoção do trabalho das mulheres fora de casa não poderia,
de modo algum, ser motivo para a dissolução da família. Alertando para os
riscos da desintegração familiar, concluiu que nem os homens trabalhadores nem
as mulheres trabalhadoras são instrumentos técnicos do desenvolvimento
económico e social, são seres humanos com responsabilidades relativas ao
progresso e à moral da sociedade baseado na unidade familiar, pelo que defendeu
que a Resolução que a OIT aprovasse deveria antes de mais defender a família no
mundo em desenvolvimento.
Como se depreende, dos exemplos aqui apresentados, o debate que ocorreu, de 17
de junho a 9 de julho de 1964, entre os representantes tripartidos de 65 países
e de várias organizações internacionais, as posições esgrimidas, quer na
comissão quer na sessão plenária, exprimem bem a mudança que se assistia em
muitos países, em especial os industrializados, quanto à crescente participação
das mulheres no mundo do trabalho oficial e registado.
Em Portugal esta questão era abordada em meios restritos, em particular nas
universidades. A censura e o fechamento da sociedade portuguesa limitaram o
conhecimento e a problematização daquele que era ou deveria ser o papel das
mulheres num mundo em mudança.
Na década de 1960, a emigração sobretudo masculina para a Europa e a guerra
colonial (que teve início em 1961) teve, entre outros resultados, uma acelerada
entrada de muitas mulheres no mundo do trabalho. Nuns casos para substituir o
trabalho que antes era realizado pelos homens e, noutros, porque o
desenvolvimento dos serviços e a crescente escolarização das raparigas levou a
um movimento de incorporação das mulheres no trabalho pago, fora de casa, que
as estatísticas oficiais testemunhavam.
Em 1967, a Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa organizou um
colóquio sobre a mulher na sociedade contemporânea. Participaram intelectuais
de várias áreas do conhecimento, homens e mulheres9, que advogaram a igualdade
de oportunidades e contestavam a «posição de inferioridade» e de desigualdade
(na lei e na prática) a que estavam votadas as mulheres. Maria de Lourdes Lima
dos Santos foi uma das personalidades que interveio no referido colóquio, tendo
introduzido «os problemas da integração da mulher na vida social». Em sua
opinião a participação dos indivíduos, homens e mulheres, pode ser mais ou
menos perturbada pelos conflitos decorrentes do desequilíbrio entre a
sobrevivência de modelos tradicionais e a introdução de novos estilos de vida.
Se, no caso da mulher, a sua própria condição feminina dificulta a integração
na sociedade moderna, é preciso não esquecer que isso mais não é do que um dos
muitos desajustamentos característicos de uma modificação rápida,
desajustamentos que se repercutem sobre todos os membros da sociedade
(AAVV,1967: 60).
A mesma autora continuava, afirmando que «as transformações ocorridas perante a
industrialização das sociedades, operando-se na família, no trabalho e na vida
coletiva, criaram novas exigências para satisfazer as quais a mulher se vê,
realmente, estorvada por uma imagem, resíduo de outras épocas» (AAVV,1967: 60).
Foi esta problemática que norteou os trabalhos da comissão sobre as mulheres
trabalhadoras, em 1964, no forummundial do trabalho.
O nível de desenvolvimento de cada país foi um argumento largamente invocado
pelos governos para justificar a prioridade que seria dada à criação de
condições para as mulheres trabalharem fora de casa e, ao mesmo tempo,
conciliarem as responsabilidades familiares.
A posição que foi defendida pelo governo português está referida na resposta ao
questionário e refletia uma orientação de cautela quanto a alterações
legislativas que tivessem impacto económico (argumento, aliás, utilizado
praticamente ao longo de todo o período da relação do país com a Organização).
«O superior interesse da economia nacional» foi, por exemplo, uma das
expressões usadas pelo governo português. Mas, também, foi defendida a
salvaguarda da estrutura familiar baseada numa clara divisão sexual de
responsabilidades, em que cabe ao homem a responsabilidade por ser o chefe de
família e o ganha-pão e à mulher assegurar a exclusividade das atividades
domésticas e de cuidado às crianças. Se as mulheres casadas trabalhassem fora
de casa, o seu salário deveria ser encarado como um adicional e nunca poderiam
entrar em competição com os homens.
Segundo dados do Censo de 1960, citados por Sérgio Ribeiro no colóquio da
Associação Académica da Faculdade de Direito, «cerca de 80% da população ativa
com profissão» era composta por homens e «cerca de 20% da população ativa com
profissão» era composta por mulheres. A taxa de atividade das mulheres era mais
elevada entre os 12 e os 24 anos de idade, começando a diminuir a partir dos 25
anos de idade, muito provavelmente por razões familiares relacionadas com o
casamento e a maternidade. Não é por isso de estranhar que o governo português
tenha considerado pouco importante, na resposta ao questionário da OIT, a
criação de estruturas de apoio, uma vez que as mulheres casadas ficando em casa
não necessitariam desse tipo de serviços.
Em síntese, a participação de Alda Mafra na 48.ª CIT fica registada como a
primeira portuguesa membro da delegação das organizações sindicais e uma das
raras mulheres a integrar a delegação portuguesa até à instauração do regime
democrático (25 de abril de 1974). Filha do jornalista Aprígio Gomes, que havia
sido nomeado para a Câmara Corporativa, a conselheira técnica produziu um
relatório da sua experiência numa conferência tripartida, muito provavelmente,
a única a que assistiu de acordo com os registos da OIT. As suas impressões
permitem-nos perceber aquilo que mais a interessou e que quis distinguir.
A discussão de 1964 havia sido decidida em 1962, pelo Conselho de Administração
da OIT. As delegações tripartidas dos países membros da Organização tiveram
como missão para tratar, na 48.ª CIT, entre outros temas, a questão das
mulheres trabalhadoras num mundo em mudança. Esta temática veio inaugurar uma
nova abordagem, da Organização, quanto à promoção da igualdade para as mulheres
no trabalho. Se é certo que a proteção da maternidade sempre fez parte da
história da OIT, desde a sua fundação, outras questões mais relacionadas com a
criação de condições para a efetiva participação das mulheres, com
responsabilidades familiares, no trabalho, só mais tarde foram objeto de estudo
e de instrumento normativo. É verdade que o tema não mereceu a unanimidade para
que fosse adotado um instrumento de caráter vinculativo, logo mais forte, como
é uma convenção. Os governos, as estruturas sindicais e patronais concordaram
em 1964 com a adoção de instrumentos mais flexíveis, como é o caso das quatro
Resoluções aprovadas e em 1965 adotaram uma Recomendação. Os governos ficaram,
assim, menos comprometidos.
Em 1964, Portugal tinha ratificado três das nove convenções até aí adotadas que
se relacionam, em particular, com as mulheres trabalhadoras. Ratificou em 1931
a convenção (n.º 4) de 1919, sobre o trabalho noturno de mulheres. Em 1937
ratificou a convenção (n.º 45) de 1935, sobre o emprego de mulheres em
trabalhos subterrâneos e, em 1959 ratificou a convenção (n.º 111) de 1958 sobre
a discriminação no emprego e na profissão. Se é verdade que, quer a decisão de
ratificação quer o processo, foram sempre morosos e difíceis, não deixa de
suscitar alguma surpresa a rápida ratificação quer da convenção (n.º 45), dois
anos após a sua adoção, quer da convenção (n.º 111), um ano após ter sido
aprovada na Conferência Internacional do Trabalho. Ao consultarmos o processo
de ratificação da Convenção (n.º 111) parece não haver dúvidas quanto ao
interesse de Portugal em demonstrar a nível internacional a «não existência de
discriminação racial em todos os seus territórios». A Convenção proíbe a
discriminação em razão de vários fatores para além do sexo, neste caso racial.
Um argumento utilizado para a rápida ratificação foi as «grandes implicações
políticas» desta norma e a imagem que produziria de Portugal, no contexto das
organizações internacionais. A pressão externa sobre o regime político deu
origem a uma alteração jurídica de modo a que o direito refletisse a sociedade
(Rodrigues, 2013).
Na 48.ª CIT, para além de ter sido questionada a legitimidade da delegação
sindical portuguesa, Portugal foi, igualmente, mais uma vez alvo de denúncia
por parte de alguns países pela política de opressão dos povos africanos.
A moção apresentada contra o país foi noticiada pelo Diário de Notícias, no dia
em que encerraram os trabalhos da 48.ª CIT, em Genebra. Mais uma vez os
representantes do governo português conseguiram fazer valer a sua posição e a
moção foi rejeitada. Por oposição, na imprensa portuguesa não houve qualquer
eco quanto à adoção das quatro resoluções relativas às mulheres trabalhadoras,
nem mesmo quanto à adoção da importante Convenção relativa à Política de
Emprego, que estipula no artigo primeiro que:
haverá livre escolha de emprego e que cada trabalhador terá todas as
possibilidades de adquirir as qualificações necessárias para ocupar um emprego
que lhe convenha e de utilizar, neste emprego, as suas qualificações e os seus
dons, independentemente da sua raça, cor, sexo, religião, opinião política,
ascendência nacional ou origem social. [sublinhado nosso]
Neste artigo damos conta daquilo que pode ser caracterizado como a forma
episódica e casuística do modo como participaram as portuguesas nas delegações
tripartidas à Conferência Internacional do Trabalho. Entre 1951 e 1974, não
chegaram a duas dezenas as mulheres que integraram as delegações tripartidas.
Mais de 90 por cento participaram como conselheiras ou secretárias da delegação
governamental. Conhece-se muito pouco desta realidade, quem eram, em que
comissões especializadas participaram e de modo influíram nas suas
organizações. Essa investigação está por fazer. A consulta ao arquivo histórico
da OIT e a outros arquivos nacionais, à imprensa e a realização de entrevistas
a algumas das protagonistas da história constitui um estimulante desafio para a
investigação do papel das portuguesas nas relações internacionais e, neste
caso, na mais antiga agência do sistema das Nações Unidas.