The caring self: the work experiences of home care aides
RECENSÕES
Stacey, Clare L. (2011), The caring self: the work experiences of home care
aides,Ithaca and London, Cornell University Press, 199 páginas.
Joana Pimentel Alves1
1Universidade de Coimbra
The Caring Self: the work experiences of home care aides,de Clare L. Stacey, é
um trabalho singular no âmbito dos estudos sobre o cuidado. Diferente por
aquilo que escolhe observar, os/as cuidadores/as domiciliários/as remunerados,
e pelo modo como o faz, optando por uma abordagem metodológica que combina
entrevistas em profundidade com observação etnográfica dos contextos de
produção de cuidado. O resultado é uma reflexão que traz a público quem cuida a
partir do(s) espaço(s) onde o(s) cuidado(s) acontece(m), mas com interesse não
só para quem estuda a produção do cuidado, como também os temas do trabalho,
das desigualdades sociais e das questões de género.
Um dos pontos fortes desta obra é o seu objeto analítico. Pela sua
invisibilidade social, os/as cuidadores/as domiciliários/as tendem a ser
constantemente esquecidos/as pela academia, não tendo sido Stacey diferente a
isto. Na introdução conta-nos como inicialmente não procurava fazer um trabalho
sobre quem cuida, mas antes sobre os idosos e as pessoas com doenças crónicas,
nomeadamente, aqueles/as com baixos rendimentos, com o objetivo de compreender
como conseguiam viver num contexto que os invisibilizava. Algo que muda com a
sua chegada ao terreno. «Na linha da frente do cuidado» confronta-se com outro
tipo de invisibilidade, com a ausência de reconhecimento sentida por quem
cuida, levando-a a mudar de objeto analítico (pp. 15-16). Vê surgir novas
interrogações (p. 16), nascidas da observação de uma situação específica entre
de Ruth e Annie, mas que trespassam largamente o âmbito daquela relação, e
decide fazer uma (re)focalização teórica face ao seu projeto inicial. E isso dá
um enorme peso à observação etnográfica no contexto desta obra.
Stacey propõe assim perceber como é que os/as cuidadores/as domiciliários pagos
encontram significado e identidade no trabalho de cuidar ' ao que chamou the
caring self 'dentro de um contexto de real desvantagem estrutural (pobreza,
aumento do volume de trabalho, baixos salários e poucos benefícios).
O livro divide-se em duas partes. Na primeira parte, em dois capítulos, procura
perceber os percursos dos/as cuidadores/as e como estes influenciam a sua
relação com o cuidado. Conclui serem transversais a todas as pessoas que
entrevistou duas coisas: o contexto de desvantagem estrutural que estão
sujeitas e a existência de experiências passadas como cuidadores/as informais.
No primeiro capítulo, «Os custos do cuidado» (pp. 24-42), faz uma discussão
sobre a correlação entre a desigualdade social (de origem) dos/as cuidadores/as
e a prestação de cuidados domiciliários. A história de Lette, uma mexicana
emigrada nos EUA, torna evidente como fatores políticos, económicos e
biográficos «empurram» determinadas pessoas para a única atividade disponível
no setor dos serviços, um trabalho que é desigual, invisível e mal pago. Quem
aceita este trabalho são especialmente mulheres com baixos níveis de
escolaridade e provenientes de contextos desfavorecidos, para as quais não
existem outras alternativas, e cuja aceitação do trabalho presente não permite
suplantar as suas condições de origem, pelos baixos salários auferidos e pelos
benefícios serem praticamente inexistentes.
Através das biografias dos/as cuidadores/as Stacey percebe que, embora os
cuidados se alimentem das desigualdades estruturais, quem cuida encontra
significado e identidade no trabalho de cuidar. A análise das «trajetórias de
cuidado» revela assim que a maioria dos entrevistados/as havia cuidado de
alguém que lhes era próximo antes de se tornarem cuidadores/as formais. A sua
familiaridade com o fenómeno acaba a ser usada como justificativa para posição
atual. Cuidar é uma competência «natural» que mobilizaram inicialmente para
cuidarem gratuitamente dos mais próximos e que agora serve de mais-valia para
desempenharem um papel no mercado de trabalho pago. Mas ao colocarem a enfâse
na «naturalidade», ao invés de evidenciarem os constrangimentos que no passado
os/as leva-ram a assumir obrigações de cuidado, parece não existir consciência
da sua parte, nomeadamente das mulheres, da pressão cultural para cuidar.
No segundo capítulo (pp. 43-84), conhecemos melhor, através de uma descrição
etnográfica, como são prestados os cuidados. A natureza e a intensidade (física
e emocional) das tarefas desempenhadas, levam Stacey a referir-se ao cui-dado
domiciliário pago como um «trabalho sujo». «Sujo» mais pelos impactos
negativos, do que pela natureza das atividades: pelo desgaste físico,
psicológico, pelos baixos salários e pela ausência de proteção social, quem
cuida está sujeito a um trabalho muito exigente e pesado que nem sempre
consegue gerir. Apesar disso, as pessoas desenvolvem laços entre si, que
valorizam nos seus discursos, e isso complexifica as relações. Cuidar dia e
noite de pessoas (muito) dependentes não é fácil e muitos fazem-no durante mais
horas que aquelas que estão estabelecidas nos seus contratos de trabalho, sem
exigirem qualquer tipo de compensação financeira por isso. A componente
emocional é valorizada e as razões utilitaristas parecem nem entrar na equação
quando a autora os/as interroga sobre as relações que estabelecem com quem
cuidam. Por mais «sujo» que seja o trabalho, só os laços (afetivos) parecem
importar.
A segunda parte da obra inicia com o terceiro capítulo. Neste refletem-se «As
recompensas de cuidar» (pp. 85-136). Num trabalho tão duro e tão desigual,
parece não haver lugar a recompensas (positivas). Mas, como ficou evidente no
último capítulo, quem cuida aprende a valorizar a componente afetiva e isso
torna-se o elemento chave para a construção do the caring self(pp. 107-125):
uma identidade situada que permite aos/às cuidadores/as «(...) comunicarem a si
mesmos e aos outros que o seu trabalho é motivado por razões altruístas e de
grande qualidade» (p. 107). Percebe-se, assim, o porquê destas pessoas
continua-rem a cuidar apesar do estigma e exploração de que são alvos. Cai por
terra a certeza generalizada de que estas pessoas cuidam porque não existem
melhores alternativas de trabalho? Não, pois é certo que tal acontece. No
entanto, o reconhecimento da existência do the caring selfmostra-nos um outro
lado da realidade, muitas vezes esquecido neste tipo de estudos: muitas pessoas
escolhem fazer este trabalho. Claro que a formação desta identidade não é inume
a fatores como a raça, classe e o género, e que estes são cruciais para o modo
como se realizam e sentem no trabalho: mulheres e homens sentem e realizam o
seu trabalho diferentemente, e as cuidadoras afro-americanas experienciam
situações de descriminação racial que afetam profundamente o modo como cuidam e
a narrativa sobre o cuidado.
Em «Organizando o cuidado domiciliário» (pp. 137-155), quarto capítulo, Stacey
explora a questão da defesa dos trabalhadores deste setor, especificamente
através da sua sindicalização. A autora conclui que seria importante ouvir a
voz destas pessoas e dar-lhes destaque nas investigações sobre o trabalho e
sindicalismo, o que não tem acontecido. Percebe também que poucos/as
trabalhadores/as estão sindicalizados e que existe um desfasamento entre os
interesses destas pessoas e a agenda dos sindicatos.
Na «Conclusão: melhorar as condições de prestação do trabalho pago» (pp. 156-
169), Stacey sumariza as principais questões debatidas nesta obra, com destaque
para as questões sobre a identidade e a desigualdade existentes no cui-dado
domiciliário. Deixa ainda um importante alerta sobre o the caring self: é que
embora este reforce o compromisso entre os/as cuidadores/as e as pessoas
cuidadas, ele é «perigoso» nomeadamente para as mulheres. E não deixa de
explicarnos porquê: para Stacey este essencializa o papel das mulheres como
cuidadoras, focando as suas competências naturais para cuidar e obscurece
aquela que, no seu ponto de vista, deveria ser «a» questão: a remuneração digna
do trabalho de cuidar.
No início deste texto, disse que a obra de Stacey interessava a um público mais
amplo que aquele que à partida o título parecia anunciar. A recensão agora a
chegar ao fim, dá conta da complexidade das questões trazidas por esta obra e
dos muitos contributos que nos deixa. Stacey coloca em evidência aspetos muitas
vezes esquecidos nos trabalhos sobre a produção de cuidado. Destaque para os
«percursos de cuidado» dos/as cuidadores/as, essenciais para compreendermos
como quem cuida vê o cuidado e ao seu papel, ou a importância do contexto em
que o cuidado é produzido para percebermos o modo como as relações se
desenvolvem, a relevância dada aos laços afetivos desenvolvidos nas relações de
cui-dado e papel que assumem na construção do the caring self. Não obstante,
Stacey esquece outros aspetos que tornariam o seu trabalho ainda mais
interessante. Em primeiro lugar, dá pouca relevância ao papel da pesquisa
etnográfica para esta investigação, apesar desta ter sido uma mais-valia para a
realização deste trabalho e um dos aspetos que o tornam atípico. Depois, apesar
da importância dada aos laços afetivos para perceber o que leva as pessoas a
cuidarem, a autora esquece um contributo teórico que lhe teria sido muito útil
para aprofundar esta questão.
Refiro-me ao paradigma da dádiva. Por fim, penso que seria de esperar mais
discussão teórica feminista por parte de uma autora que tem trabalhado a
questão. A obra em tudo teria ganho com uma maior problematização sobre a
questão entre o cuidado e as mulheres e a recuperação de teóricas como Carol
Gilligan, Joan C. Tronto, Eva Feder Kittay, ou o trabalho de Nancy R. Hooyman e
Judith Gonyea que segundo o olhar crítico da perspetiva feminista analisa a
prestação de cuidados nos Estados Unidos.