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EuPTHUHu1645-00862008000200006

EuPTHUHu1645-00862008000200006

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN1645-0086
ano2008
Issue0002
Article number00006

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A experiência masculina de infertilidade e de reprodução medicamente assistida

A infertilidade é clinicamente definida como a incapacidade de conceber um filho ou de levar uma gravidez a termo após um ano de relacionamento sexual regular e sem utilização de contraceptivos (WHO, 1992).

Apesar de as taxas de incidência variarem conforme as regiões, estima-se que em todo o mundo aproximadamente 1 em cada 10 casais sofra de infertilidade (WHO, 2003). Até ao momento não existem estudos relativos à incidência e prevalência dos problemas de fertilidade em Portugal, sendo apenas possível extrapolar a partir da realidade europeia. O aumento da infertilidade, que nos últimos anos se considera ter adquirido proporções epidémicas, parece estar relacionado, entre outros factores, com a tendência dos casais para retardar a parentalidade (Cousineau & Domar, 2007).

Paralelamente a este aumento da infertilidade, ao longo das últimas épocas tem-se assistido também a um progresso significativo nas técnicas destinadas a auxiliarem os casais inférteis no seu desejo de procriação, denominadas Técnicas de Reprodução Medicamente Assistidas (TRMA). Dependendo da natureza do problema de fertilidade, diferentes técnicas estão disponíveis, desde procedimentos menos intrusivos e dispendiosos, como a simples estimulação hormonal, a técnicas mais complexas, como a Fertilização In Vitro, realizada em laboratório e que envolve uma série de procedimentos potencialmente stressantes para ambos os membros do casal, nomeadamente injecções diárias, recolhas de sangue, ecografias, uma punção ovárica para recolha dos gâmetas femininos com anestesia geral, recolha de esperma através de masturbação e biopsia testicular (Eugster & Vingerhoets, 1999).

Apesar de estas técnicas serem, muitas vezes, a única forma destes casais alcançarem a parentalidade, implicam um desgaste físico significativo, especialmente para as mulheres (Eugster & Vingerhoets, 1999): para além das questões referidas inerentes ao tratamento, destas técnicas derivam alguns efeitos secundários e riscos obstétricos como uma probabilidade acrescida de gravidez múltipla e de parto pré­termo, sendo por isso a gravidez considerada de alto risco (Leiblum, 1997).

Apesar do exposto, homens e mulheres parecem avaliar (retrospectivamente) os tratamentos de RMA como mais exigentes psicológica do que fisicamente (van Balen, Trimbos-Kempre, & Naaktgeboren, 1996). De facto, a literatura científica aponta para elevados níveis de stress relacionados com o diagnóstico de infertilidade e com o tratamento, também devido às baixas probabilidades de sucesso que estes apresentam (Boivin & Takefman, 1995; Hynes, Callan, Terry, & Gallois, 1992).

QUESTÕES DE GÉNERO

A parentalidade é uma parte fundamental do projecto de vida de homens e mulheres, na qual as famílias e a sociedade em geral depositam grandes expectativas. Desta forma, o impacto da infertilidade e RMA não pode ser individualizado de aspectos relativos ao contexto social, histórico, económico, político e cultural. De igual forma, o significado que a infertilidade tem na vida dos homens e das mulheres não pode ser considerado sem se tomar em atenção os papéis de género (Hardy & Makuch, 2002).

Embora na maioria dos casos apenas um dos membros do casal seja alvo do diagnóstico de infertilidade, esta deve ser conceptualizada como um problema do casal. Tal não implica, no entanto, que ambos os membros sejam afectados e reajam de forma semelhante. De facto, a literatura tem vindo a evidenciar o maior impacto que a infertilidade e respectivo tratamento provoca nas mulheres, comparativamente aos seus parceiros. Para as mulheres, o diagnóstico de infertilidade pode pôr em causa o seu sentido de identidade feminina, originando sentimentos de fracasso, falta de controlo e baixa auto-estima (Cousineau & Domar, 2007). São normalmente elas que tomam a iniciativa de procurar ajuda médica (Hardy & Makuch, 2002) e parecem ter maior dificuldade em abandoná-la, no caso de fracassos repetidos (Ulbrich, Trema­gliocoyle, & Llabre, 1990; cit. Webb & Daniluk, 1999). Por outro lado, as mulheres são geralmente o alvo dos procedimentos de RMA, tendo de se submeter a uma série de técnicas (mais ou menos) intrusivas, de monitorizar diariamente o seu ciclo menstrual e de alterar a sua rotina de forma a acomodar regimes de tratamentos bastante rígidos. Estes e outros factores, como os efeitos secundários resultantes da estimulação hormonal a que são sujeitas (Eugster & Vingerhoets, 1999), parecem justificar os níveis mais elevados de ansiedade que apresentam durante o tratamento (Beaure­paire, Jones, Thiering, Saunders, & Tennant, 1994; Edelmann, Connolly, & Bartlett, 1994).

Estes dados, oriundos da investigação sobre as consequências psicossociais da infertilidade, tem levado alguns autores a sugerir que a paternidade é um papel menos importante na vida dos homens e que, consequentemente, estes sofrem menos com a existência de problemas de fertilidade e investem menos em tratamentos de RMA (Hardy & Makuch, 2002). No entanto, outros autores sugerem que a literatura científica tem menosprezado o impacto da infertilidade nos homens, ao focar as suas investigações essencialmente nas mulheres, e vários estudos têm demonstrado que estes também são significativamente afectados pela infertilidade.

Apesar de parecerem mais capazes do que as suas companheiras de aceitar um estilo de vida sem filhos (Wright, Bissonnette, & Duchesne, 1991), quando deparados com problemas de fertilidade, os homens reportam menor auto-estima, maior inadequação relativamente ao seu papel social e níveis mais elevados de ansiedade, do que quando não existe qualquer diagnóstico de infertilidade (Glover, Gannon, & Abel, 1999; cit. Cousineau & Domar, 2007).

Quanto confrontados com este tipo de dificuldades, os homens tendem a aumentar o seu envolvimento no trabalho e noutras actividades, sendo mais optimistas e orientados à resolução de problemas do que as suas esposas e recorrendo menos a suporte social (Jordan & Revenson, 1999). No entanto parecem assumir uma postura algo passiva no que respeita ao seu envolvimento nos tratamentos (Webb & Daniluk, 1999).

Alguns autores sugerem que, dado às expectativas sociais associadas ao papel masculino tradicional, os homens tendem a conter a sua reactividade emocional, assumindo uma postura estóica de suporte da relação (Berg & Wilson, 1991; cit. Cousineau & Domar, 2007), o que poderá também explicar os níveis mais baixos de stress por estes reportados (Greil, 1997).

O impacto da infertilidade parece ser maior para ambos os membros do casal quando a causa é masculina do que quando é feminina ou idiopática (Mikulincer, Horesh, Levy-Shiff, Manovich, & Shalec, 1998): homens inférteis reportaram maior reactividade emocional negativa e ansiedade do que homens sem diagnóstico de infertilidade (Natchingall, Becker, & Wozny, 1992; cit. Hardy & Makuch, 2002). Dados exploratórios recentes, obtidos por alguns de nós, parecem também indicar que estes homens apresentam valores mais elevados de culpa, medo e tristeza, enquanto as suas esposas apresentaram valores mais elevados de ansiedade (Moura-Ramos, Gameiro, & Canavarro, 2007).

Webb e Daniluk (1999) referem ainda que quando confrontados com um diagnóstico de infertilidade, os homens experimentam um sentimento profundo de perda, luto e inadequação social, para o qual contribuem certamente as associações populares entre fertilidade, masculinidade e virilidade (Throsby & Gill, 2004). Além disso, alguns homens experimentam períodos de impotência e ansiedade relacionada com a sua performance sexual (Berger, 1980; cit. Burns, 1999; Saleh, Ranga, & Raina, 2003; cit. Cousineau & Domar, 2007).

INSEMINAÇÃO COM DADOR

A lei portuguesa que regula a Reprodução Medicamente Assistida é recente (Lei . 32/2006 de 26 de Julho). O Artigo. 10º desta lei autoriza que se recorra à dádiva de ovócitos, de espermatozóides ou de embriões. No entanto esta ainda não é uma prática comum em Portugal, sendo que a maior parte dos casais que opta por esta opção recorre a clínicas espanholas para o efeito. Não existem assim estatísticas sobre a frequência da sua realização por casais portugueses.

O recurso a dador de esperma é indicado quando existe um factor de infertilidade masculina, mais concretamente, oligospermia (índices baixos de concentração ou mobilidade do esperma) ou azoospermia (inexistência de esperma fértil) (Klock, 1997).

Se nos primórdios da medicina reprodutiva, o principal foco de atenção recaía sobre o bem-estar dos casais inférteis e o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes, com a entrada nos anos 90, questões relativas ao efeito que estas técnicas têm nas crianças começaram a ser colocadas. A investigação científica passou a focar-se, então, no estudo destas famílias no que respeita a indicadores de bem-estar e índices de desenvolvimento bio-psicosocial (Borrero, 2001).

Um estudo desenvolvido em França entre 1987 e 1994, de 21597 gestações obtidas após inseminação artificial com recurso a dador de esperma, mostrou que a taxa de partos prematuros, abortamentos espontâneos e gravidezes ectópicas, bem como o peso do bebé à nascença, não diferem dos valores verificados na população em geral (Lansac, Thepot, Mayaux, Czyglick, Wack, & Selva, 1997).

Estudos sobre famílias que recorreram a dador de esperma mostram que a maior parte destes pais estão satisfeitos com a sua opção e, com pequenas excepções, este facto não influenciou a sua relação com os seus filhos, dos quais sentem ser os “verdadeiros” pais (Brewaeys, 1996). Estes pais apresentam também uma baixa taxa de divórcio e satisfação conjugal elevada (Klock & Maier, 1991; Humphrey & Humphrey, 1987; cit. Golombok, 2001; Schover, Collins, & Richards, 1992).

De igual forma, as crianças têm relações positivas com os seus pais e desenvolvem-se de forma saudável (Chan, Raboy, & Patterson, 1998; Golombok et. al, 1996; Golombok, McCallum, & Goodman, 2001; Natchtingall, Pitcher, Tschann, Becker, & Szkupinski-Quiroga, 1997), sugerindo que o laço genético é menos importante para um bom funcionamento familiar que um desejo forte para ser pai (Golombok, 2001). Algumas famílias foram ainda examinadas quando a criança tinha 11-12 anos de idade, ou seja, no início da adolescência, e verificou-se que se caracterizavam por casamentos estáveis e satisfatórios, pais psicologicamente saudáveis, altos níveis de carinho entre pais e criança e níveis apropriados de disciplina e controlo (Golombok, 2002).

Um tema muito debatido no contexto do recurso a dador tem sido a opção entre contar ou omitir a verdade à criança. A literatura científica aponta para o facto de que os casais, apesar de terem contado a alguém (família ou amigos) que recorreram a inseminação com dador de esperma, não tencionam contar a verdade à criança (Daniels, 2007; Klock, 1997). As razões apontadas para tal atitude estão relacionadas com (Daniels, 2007; Golombok et. al, 2004; Zoldbrod & Covington, 1999): 1) o facto de não verem necessidade em contar a verdade; 2) o desejo de proteger a auto-estima do pai e a sua relação com o seu filho; e 3) o desejo de proteger a criança (do estigma social, de uma possível reacção à notícia, por não ser possível oferecer informação sobre a identidade do pai genético). Nos últimos anos, no entanto, a atitude em relação a esta questão tem vindo a mudar, sendo que nalguns países, como é o caso do Reino Unido, Austrália e Suécia, a legislação deixou de proteger o anonimato do dador.

Um estudo mais recente sobre esta temática aponta para um aumento da intenção dos pais de contar a verdade aos seus filhos (Golombok et al., 2004). Este estudo identificou também algumas diferenças (não clinicamente significativas) entre os casais que tinham intenção de contar a verdade à criança e os que não tinham: os primeiros reportaram ter discussões menos frequentes e menos graves com os seus filhos e consideraram que estes apresentavam menos stress e problemas de comportamento. Finalmente consideravam-se a si mesmo como pais mais competentes do que os casais que não tinham intenção de contar a verdade aos seus filhos. Estes resultados são congruentes com um estudo anterior que apontava para menores dificuldades nestas famílias (Golombok, MacCallum, Goodman, & Rutter, 2002).

Este estudo mostrou ainda que na generalidade, os casais que tinham contado a verdade aos seus filhos avaliaram a experiência como positiva. Esta revelação foi encarada com curiosidade ou desinteresse por parte dos filhos, sendo que, neste último caso, se colocou a hipótese de, dado a idade dos filhos, estes ainda não compreenderem o que lhes estava a ser dito (Lycett, Daniels, Curson, & Golombok, 2005).

QUESTÕES RELATIVAS À INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA

Aspectos gerais da Intervenção Psicológica em casais que recorrem a RM

Como foi referido, a compreensão da vivência de casais com problemas de fertilidade parece, em função do exposto, resultar incompleta se não tivermos em conta o enquadramento social e cultural em que estes se encontram (Hardy & Ma­kuch, 2002). De facto, dada a enorme importância atribuída à família e à parentalidade, mesmo nas sociedades mais ocidentais, não é de admirar que estes casais se sintam muitas vezes isolados na sua dor.

Apesar de tudo, na maior parte dos casos, o acompanhamento destes casais resume-se aos aspectos médicos, sendo os aspectos psicossociais ainda descurados em Portugal. Esta realidade está certamente a ser alterada, sendo possível encontrar no nosso país serviços públicos e privados em que o acompanhamento psicológico é disponibilizado aos utentes e, em alguns casos, em que é mesmo protocolar.

Devendo ser disponibilizado em qualquer fase de diagnóstico e tratamento, o acompanhamento psicológico neste contexto deve permitir ao utente (Boivin, Appleton, Baetens, Baron, Bitzer, & Corrigan 2001; Gameiro, Moura-Ramos, Canavarro, & Santos, 2006): 1) reflectir sobre todas as opções e implicações dos tratamentos disponíveis; 2) receber suporte emocional; e 3) desenvolver recursos suficientes para lidar adaptativamente com o desafio da infertilidade, tratamentos associados e respectivos resultados.

Desta forma, o acompanhamento deve assumir uma forte valência psico-educativa e preventiva. Esta componente é essencial para que os casais possam, num primeiro momento, normalizar a sua vivência e, num segundo momento, ter uma melhor compreensão das exigências inerentes aos processos que terão de enfrentar, bem como tomar decisões mais informadas. Neste processo de antevisão do tratamento, o psicólogo deve ajudar os casais a desenvolver estratégias e estilos de coping adaptativos e fornecer suporte emocional para que estes possam ventilar as suas emoções e explorar questões que sintam como mais ameaçadoras (Newton, 1999). Segundo esta perspectiva, desaconselha-se que os casais encarem a ajuda psicológica como o último recurso, ao qual se recorre apenas em situações extremas.

Esta valência preventiva é de especial importância se tivermos em conta, por um lado, que o principal factor de abandono dos tratamentos de RMA parece ser, mais do que por motivos financeiros ou por decisão médica, o desgaste psicológico experimentado (Cousineau & Domar, 2007), e por outro, que o nível de depressão anterior ao primeiro ciclo de tratamento parece predizer o abandono dos pacientes após esse primeiro ciclo (Smeenk, Verhaak, Stolwijk, Kremer, & Braat, 2004).

O psicólogo deve, posteriormente, estar atento à evolução do bem-estar e saúde mental dos casais, uma vez que são previsíveis níveis crescentes de ansiedade à medida que estes vão avançando nos tratamentos (Slade, Emery, & Lieberman, 1997). Para além disso, o psicólogo deve ainda estar preparado para intervir de forma mais estruturada em casos específicos que possam surgir, como é exemplo: 1) diagnóstico e intervenção em psicopatologia; 2) terapia familiar e de casal; 3) terapia no luto; 4) situações de crise; entre outras.

Aspectos da Intervenção Psicológica especificamente dirigida à promoção do bem-estar nos homens

Dado o papel de suporte que o homem tende a assumir e o facto de a mulher ser o centro das intervenções médicas, é fácil esta tornar-se também o centro da atenção dos terapeutas, mais do que o casal e, em particular, o homem. Questões culturais ajudam a que tal aconteça. O psicólogo deve ser sensível e estar de igual forma atento ao bem-estar do homem, procurando envolvê-lo no processo de tratamento, em geral, e chamando-o a discutir sobre aspectos específicos para os quais pode contribuir mais activamente. São eles, segundo Throsby E Gill (2004): 1) administração das injecções necessárias à estimulação hormonal, na esposa; 2) apoio e promoção de um ambiente de intimidade e partilha com a esposa; 3) participação na tomada de decisões e 4) fornecimento de esperma.

A estes pontos gostaríamos de acrescentar um quinto, relacionado com a gestão dos aspectos financeiros inerentes aos tratamentos. De facto, quando existem dificuldades financeiras, os homens parecem ter maiores dificuldades de adaptação do que as mulheres. Tal parece estar relacionado com as concepções culturais do homem enquanto responsável pelo sustento familiar e consequentemente, por este se sentir particularmente implicado nestes aspectos (Moura-Ramos et al., 2007).

O debate, desconstrução e consequente reestruturação cognitiva de crenças e representações sociais sobre infertilidade, masculinidade e RMA, bem como sobre o comportamento sexual e papéis associados ao género, parece ser também especialmente importante quando a infertilidade diagnosticada é masculina, uma vez que se entende que estas crenças e representações poderão estar, pelo menos em parte, na origem da pior adaptação do casal neste contexto.

De especial importância parece ser ainda a terapia sexual, uma vez que alguns casais sentem que os tratamentos têm um efeito adverso na sua vida sexual e alguns homens, como referido, experimentam mesmo períodos de impotência (Berger, 1980; cit. Burns, 1999; Saleh, Ranga, & Raina, 2003; cit. Cousineau & Domar, 2007). Por vezes, a forma mais simples de prevenir dificuldades sexuais é questionar o casal sobre a sua relação e cada membro do casal sobre eventuais problemas. Geralmente, os casais respondem com algum alívio por poderem discutir estes problemas e o terapeuta tem assim a oportunidade de normalizar as dificuldades, fornecer informação e apresentar sugestões (Burns, 1999). Nalguns casos uma intervenção mais estruturada pode revelar-se necessária, podendo o terapeuta, se assim considerar necessário, reencaminhar o(s) paciente(s) para um especialista em terapia sexual. Quando tal acontece, aconselha-se a que o tratamento de RMA seja suspenso.

Intervenção Psicológica no contexto da inseminação com dador de esperma

Para além dos aspectos mencionados, aos quais poderíamos acrescentar outros, o acompanhamento psicológico assume especial relevo em situações tão complexas como quando um casal pondera recorrer a um dador de esperma. Neste contexto, o objectivo primário do acompanhamento deverá ser garantir que todas as partes (casal, dador e criança) beneficiem do recurso a um dador. Tal implica uma compreensão dos factores que levaram à necessidade de se recorrer ao dador, bem como de todas as implicações psicossociais que resultam desta opção (Daniels, 2001).

Assim sendo, Zoldbrod e Covington (1999) consideram que o acompanhamento psicológico deve ser dirigido aos seguintes aspectos, que passamos a abordar com algum detalhe, na perspectiva destes clínicos:

Exploração das consequências (médicas e emocionais) da infertilidade masculina e resolução do luto pela perda de um filho genético. Antes de o casal ponderar o recurso a dador, é aconselhável que sentimentos de perda resultantes do diagnóstico de infertilidade masculina e de perda de um filho genético sejam processados. A resolução saudável deste luto pressupõe a construção de um sentido pessoal desta experiência por parte do casal, a aceitação do facto de que o homem não terá relação biológica com o bebé e de que a ligação de cada membro do casal ao bebé não será equalitária. Pressupõe ainda um aumento das competências de decisão do casal, uma relação conjugal mais próxima, a reavaliação do significado de masculinidade e paternidade, bem como um desenvolvimento dos recursos pessoais.

Ponderação da possibilidade de recorrer a dador de esperma como alternativa para construção da família. Em todo este processo, sentimentos de perda de controlo sobre a própria vida e raiva são comuns, desencadeando muitas vezes conflitos conjugais. O recurso a um dador aparece como uma opção viável, que muitos casais se sentem tentados a adoptar de imediato como forma de evitar este “turbilhão” emocional. Assim sendo, alguns autores sugerem que deve haver um período instituído (3 a 6 meses) entre a altura do diagnóstico e a altura em que se apresenta aos casais a opção de recorrer a dador, de forma a garantir que o processo de luto seja vivido e a evitar tomadas de decisão precipitadas.

O casal deve então ser auxiliado a ponderar as várias possíveis implicações da sua decisão, bem como os prós e contras. O simples facto de que este seria o passo lógico a tomar na cadeia de tratamento médicos disponíveis, não deve ser razão suficiente para o casal optar por recorrer a um dador. De igual forma, ao considerar o recurso a dador, o casal deve ter em conta a sua história pessoal, as suas personalidades, culturas e ambiente circundante. Esta deve ser uma decisão conjunta e nenhum dos membros deve sentir-se coagido para o efeito.

O psicólogo deve assim providenciar um espaço neutro onde o casal se sinta confortável para explorar as suas atitudes e crenças relativas ao recurso a gâmetas de terceiros. Simultaneamente, deve levantar questões importantes que o casal não tenha ainda ponderado ou que esteja a evitar.

A decisão de não prosseguir com o tratamento não têm necessariamente que significar que os casais rejeitam esta alternativa, poderão simplesmente adiá-la para uma altura em que se sintam mais preparados ou seguros de que esta é a opção que mais convém a todas as partes.

Tópicos relativos ao dador de esperma e à confidencialidade. O casal confronta-se então com questões sobre o quanto é que quer saber a respeito do dador, com quem é que quer partilhar o facto de ter recorrido a dador e se pretende revelar este facto à criança.

O psicólogo não deve advogar a favor do segredo ou revelação, deve antes respeitar a capacidade decisiva do casal, ajudando de forma construtiva a esta decisão, fornecendo informação e explicando sobre as diferentes implicações de cada uma das decisões. Deve também alertar para a responsabilidade da escolha e da importância de o casal se sentir confortável com a mesma.

Outro aspecto importante que compete ao psicólogo é saber orientar os casais no processo de revelação à criança, quando estes assim o desejam, ajudando-os a que esta revelação não seja feita de forma ambígua, bem como a anteciparem e saberem lidar com as possíveis reacções por parte da criança.

O Grupo de Psicologia e Aconselhamento da Sociedade Europeia para a Reprodução Humana e Embriologia (ESRHE), aponta ainda outros objectivos do acompanhamento psicológico (Appleton, 2001a, 2001b; Baetens, 2001; Baron, 2001; cit. Daniels, 2001), descritos na figura 1.

Assegurar o bem-estar do pai não genético do bebé

Levar os membros do casal a confrontarem-se com a possível falta de apoio social na persecução da sua decisão

Discussão dos aspectos éticos, legais, religiosos e culturais relacionados

Clarificar o papel do dador, no caso de ele ser próximo do casal e assegurar que este sabe os limites e fronteiras da relação que poderá estabelecer com o bebé, incluindo contactos futuros

Assegurar de que o dador não é de forma alguma coagido

Avaliar a existência de contra indicações ao procedimento, tanto por parte do casal como do dador

Figura 1 Outros objectivos do acompanhamento psicológico (Appleton, 2001a, 2001b; Baetens, 2001; Baron, 2001; cit. Daniels, 2001)

Este último ponto é merecedor de especial consideração por parte do psicólogo, pois compete-lhe avaliar sobre a adequação e preparação dos casais para a parentalidade. Apesar de muitas das vezes os casais chegarem por si próprios à conclusão de que não estão preparados para ser pais, o psicólogo pode ser chamado a dar o seu parecer. Nestas situações, para além de aspectos mais gerais contra-indicativos às TRMA (cf. Gameiro, Moura-Ramos, & Canavarro, 2006), Zoldbrod (1999) enumera ainda: 1) o marido encarar o dador como símbolo do seu fracasso enquanto homem; 2) o marido apresentar sentimentos intensos de culpa relacionados com o diagnóstico de infertilidade; 3) a coerção de um dos membros do casal para o tratamento, por parte do outro; e 4) a instabilidade e conflito conjugal, especialmente se relacionado com a inseminação com recurso a dador.

CASO CLÍNICO

O caso clínico de seguida apresentado pretende ilustrar algumas das dificuldade que um homem com problemas de fertilidade poderá experimentar, bem como as possíveis implicações negativas de não ser disponibilizado um acompanhamento psicológico continuado e especializado.

João é um homem de 36 anos, casado 3 anos com Maria, de 37, com quem manteve uma relação prévia ao casamento de cerca de 1 ano. Ambos são licenciados e encontram-se empregados. O casal recorreu à Unidade de Intervenção Psicológica da Maternidade Dr. Daniel de Matos, dos Hospitais da Universidade de Coimbra, pelas 32 semanas de gestação, por dificuldades de adaptação à gravidez.

Infertilidade

Tendo sempre desejado ser pais, João e Maria iniciaram as tentativas para engravidar logo após o casamento. De acordo com João, esse era o seu maior sonho, também partilhado por Maria. Este refere, inclusivamente, que na lua-de-mel não utilizaram qualquer tipo de método contraceptivo com vista à gravidez ocorrer com brevidade.

Como Maria sabia ter problemas de ovulação, após um ano de tentativas sucessivas, o casal procurou um ginecologista que a medicou com comprimidos estimulantes da ovulação. Após um novo período de tentativas sem sucesso, realizaram novos exames, tendo sido detectado, através da análise do espermograma de João, que este tinha um número de espermatozóides muito abaixo dos valores normais, pelo que foram aconselhados a submeterem-se a RMA.

João refere ter sido muito difícil aceitar este diagnóstico, tendo chorado bastante. Eu sempre quis ser pai, o mundo caiu um bocado (...). Dois dias depois de ter conhecimento do diagnóstico de infertilidade, João decidiu contar a Maria, que também recebeu a notícia com muita tristeza, tendo, no entanto, afirmado que enquanto casal deveriam enfrentar este problema como sendo de ambos, motivando-o para encarar a situação. Uma vez que Maria poderia engravidar naturalmente, João considerou que o facto de ser infértil era injusto para a Maria, tendo mesmo ponderado o divórcio de forma a permitir-lhe ter filhos por concepção natural com outro homem.

Tratamentos de RMA prévios à inseminação com recurso a dador

Perante o diagnóstico de infertilidades, João propôs a Maria uma solução de compromisso: tentariam engravidar por RMA e, simultaneamente, iniciariam um processo de adopção, opção esta que Maria recusou. Deste modo, avançaram apenas com as técnicas de RMA, que realizaram numa clínica privada do Norte. Após a realização de vários testes de diagnóstico (espermograma com lavagem de esperma e biopsia testicular), efectuaram uma Injecção Introcitóplasmátiva de Espermatozóide (ICSI), uma técnica muito semelhante à Fertilização In Vitro, com a particularidade de o espermatozíode ser directamente inserido no interior do gâmeta feminino. Embora todos os óvulos tenham sido fecundados, o tratamento não resultou em gravidez e os embriões congelados não subsistiram.

Ao longo deste processo, João confessa que, numa primeira fase, após ter sabido que não poderia conceber naturalmente, sentiu-se bastante desapontado e pessimista quanto ao futuro, num primeiro momento fui-me bastante abaixo, o que viria a mudar com a possibilidade de RMA. Segundo João, empolguei-me com a ideia de tentar um tratamento e estava com muita esperança. Apesar de me informarem acerca da probabilidade de sucesso, eu achava sempre que ia resultar. Questionado sobre os aspectos mais difíceis inerentes a este primeiro ciclo de tratamento, João refere o tempo de espera, tanto pelos resultados dos exames de diagnóstico, como para ser chamado para fazer a biopsia, bem como para saber se Maria teria engravidado ou não.

João considera que este período foi caracterizado por momentos de atrito entre o casal e dificuldades de comunicação, cada um procurando diferentes pessoas para desabafar, cada um vivia no seu mundo, sentindo-se mesmo preterido por Maria, em favor da sua família de origem. As discussões tornaram-se cada vez mais frequentes, sendo cada vez mais difícil conversarem, repetíamos sempre as mesmas coisas e nunca chegávamos a nenhuma conclusão diferente, eu acabava muitas vezes a chorar sozinho. Estas dificuldades reflectiam-se também ao nível do relacionamento sexual, quase inexistente.

Nesta fase da vida, João concentrou-se no trabalho e recorreu à internet como forma de se informar, contactar e desabafar com outras pessoas com o mesmo tipo de dificuldades. Durante todo este processo, João considera que nunca se sentiu inferiorizado, nunca me considerei menos homem, todavia pensasse muitas vezes porquê eu? No que respeita a outros relacionamentos, João refere ter-se isolado bastante dos seus familiares próximos, nomeadamente do seu irmão e sobrinhos pois não conseguia estar com eles nem brincar com eles. Queria também ser pai, sentir as emoções do meu irmão, e não estava a conseguir isso...

Para além de Maria, João recorreu ao seu pai para desabafar e discutir o problema de infertilidade e as várias opções de concepção disponíveis, tendo-lhe este aconselhado a avançar com as técnicas de RMA e, num segundo momento, a recorrer a dador. João refere não ter procurado conversar com os seus colegas ou amigos pois temeu a crítica (...) sei que ia ser criticado. O mesmo medo sentiu relativamente à sua mãe e irmão, não contei ao meu irmão porque acho que era uma coisa minha, íntima, e ele não tinha nada que saber. À minha mãe, acho que lhe dava logo uma coisinha ! Ela sabe da inseminação, não sabe é do dador.

Inseminação com recurso a dador de esperma

A opção de recorrerem a dador de esperma foi pela primeira vez colocada pelo médico que acompanhou o casal, três dias após a notícia do insucesso do primeiro ciclo de tratamentos.

Numa fase inicial, prévia ao tratamento mal sucedido, nenhum dos elementos do casal ponderou seriamente esta hipótese, uma vez que nunca reflectiram sobre a possibilidade deste ser mal sucedido. Embora João tenha reafirmado a sua vontade em iniciar um processo de adopção, Maria mostrou sempre o desejo de ter um filho biológico, mesmo que por dador. Reticente em avançar com este processo, João discutiu este assunto com o médico que os acompanhou, que o aconselhou a avançar, afirmando Você vai ver, para a frente que as coisas vão-se resolver.

Durante o processo de decisão, e reflectindo sobre os factores favoráveis e desfavoráveis à decisão de recurso a dador, João refere que, se por um lado Maria poderia ter um filho biológico, por outro, esta opção colocar-lhes-ia algumas questões, nomeadamente, um dia mais tarde, a decisão de revelar ou não a paternidade à criança e restante família, e até mesmo na eventualidade de numa situação de conflito entre ambos, um deles poder utilizar esse facto para ferir o outro. Ainda a este respeito, se avançassem com a opção de recurso a dador, João refere ter dito a Maria que possivelmente este se sentiria retraído e mais distante durante a gravidez e após o parto, embora acreditasse que à medida em que fosse estabelecendo laços afectivos com o bebé, iria conseguir adaptar-se. Contrariamente, caso adoptassem, como ambos manter-se-iam numa situação de igualdade no que respeita à parentalidade, estas dificuldades não se colocariam e, para além disso, estariam a ajudar uma criança.

Perante nova recusa de Maria em adoptar, duas semanas depois, o casal regressou à mesma clínica para iniciar o pedido de esperma, que proveio de um dador anónimo espanhol, seleccionado tendo em conta as características do casal, tais como, altura, cor dos olhos e de cabelo, etnia e peso. Após esta selecção, foi realizada a inseminação e Maria engravidou.

João revela ter-se sentido seguro quanto à decisão tomada e não se ter sentido ambíguo em relação a uma possível gravidez. No entanto, confessa que se apercebeu de que todo o processo estava a ser demasiado rápido, mas dado o desejo de Maria em engravidar e o facto desta ter 35 anos, proporcionou que esta decisão fosse tomada de imediato. Actualmente, ao reflectir sobre este processo de ponderação, João admite que esta foi uma grande precipitação da nossa parte; eu precisava de muito mais tempo para fazer o luto. Considera mesmo ter sido um bocado, se calhar, coagido a ir para a frente, especialmente pelo facto de Maria não ter ponderado outra opção.

Reflectindo sobre comportamentos menos adaptativos, que começou a desenvolver ainda na fase de tratamento anterior ao recurso a dador, João refere ter-se isolado de Maria, tendo começado a sair mais vezes à noite sozinho, a consumir bebidas alcoólicas e a conduzir sob o efeito do álcool. Quando chegava a casas habitualmente não falavam pois esta muitas vezes acusava-o de estar embriagado, recusando-se a conversar com ele naquele estado. Em algumas destas saídas, João chegou mesmo a ser responsável por alguns acidentes de viação de pequena gravidade. Refere ainda ter-se auto-medicado em momentos em que era perturbado com pensamentos suicidas: foi uma fase um bocado estúpida da minha vida, como eu não conseguia tomar uma decisão, olha!, pode ser que tome medicação, que apanhe assim uma dose letal e acabou! Estes comportamentos mantiveram-se durante o tratamento com recurso a dador e durante a gravidez de Maria.

Gravidez e parto

O casal teve conhecimento da gravidez um mês após a inseminação. João recebeu a notícia num misto de felicidade e tristeza, gostava que fosse meu...

A gravidez decorreu com normalidade, exceptuando algumas hemorragias durante o terceiro e quarto mês de gestação. Devido ao facto de ser uma gestação por RMA, Maria esteve de baixa médica a partir do segundo mês de gravidez. O parto foi vaginal, eutócito e com anestesia epidural. O bebé, de sexo feminino, pesava 2800 gramas e apresentava um apgar de 9 e 10. Embora receoso da sua reacção quando visse pela primeira vez a bebé, João assistiu ao parto, experiência que considera ter sido espectacular.

Por volta do segundo, terceiro mês de gravidez, João começou a pensar com mais frequência no facto de não ser o pai biológico e demonstrou novamente a Maria o desejo de prosseguir com a adopção, o que esta mais uma vez rejeitou. Por esta altura, as dificuldades de comunicação e sexuais entre o casal exacerbaram-se, pois Maria tinha medo de abortar se tivesse relações, e, na opinião de João, recorria excessivamente à mãe e à irmã para fazer o enxoval da bebé. João sentia-se excluído, não conseguindo entusiasmar-se tanto com a gravidez como Maria. Nesta altura, os seus comportamentos desadaptativos acentuaram-se.

Por volta do quinto, sexto mês, o distanciamento entre o casal aumentou e João afirma mesmo ter-se excluído da gravidez: durante a gravidez o termo de responsabilidade para mim não era muito lógico... Ajudei a que a criança estivesse ali dentro, tudo bem, mas é dela. Acho que me começou a pertencer no momento em que lhe peguei na Maternidade. Apesar de tudo, João reconhece que este sentimento de não pertença foi construído por si e que as outras pessoas não o alimentaram. João questionava-se frequentemente se um dia seria capaz de se adaptar à bebé, será que a vou considerar minha filha, será que vou conseguir ser um bom pai nos primeiros meses?

O nascimento de Ana, ao possibilitar uma interacção mais directa e a prestação de cuidados básicos, contribuiu para uma mudança psicológica que se foi tornando cada vez mais efectiva: andar a correr a comprar bombas de leite, estar aqui até às tantas da manhã a tirar leite da Maria., depois ir ferver, depois dar à miúda, depois mudar as fraldas... Queria era tomar conta da miúda, estarmos os três juntos. No entanto João manteve alguns receios em relação à reacção das outras pessoas, pois por vezes comentavam que Ana saia toda à mãe, o que muitas vezes o intimidava quando tinha de a apresentar às restantes pessoas.

Situação actual

Actualmente Ana tem 10 meses de idade. João considera-se um bom pai e refere não pensar nem sofrer com a questão de não ser seu pai biológico. Descreve a sua relação com Ana como normal, sendo, no entanto, raro dizer A nossa filha (...) A Ana pertence-lhe mais a ela, também pertence a mim, mas... é diferente... Embora grande parte das dificuldades relacionadas com a paternidade estejam resolvidas, o casal não conseguiu reestruturar a sua relação e encontra-se em processo de divórcio.

O casal considera que não deve contar a verdade à criança, crendo que não perigo de que esta um dia o venha a descobrir por outra pessoas. Embora por vezes pensem que Ana tem o direito de saber que João não é o seu pai biológico, consideram ser esta a melhor opção para os três, sobretudo para Ana, pois esta poderia ficar muito revoltada por não poder saber quem é o seu pai biológico, o que poderia reflectir-se também na relação entre os três.

Nos dias de hoje e fazendo um balanço sobre tudo o que se passou, João considera que recorrer a um dador é um grande desafio para qualquer casal, especialmente se não existir uma relação bastante sólida, baseada no suporte mútuo e se não houver uma rede formal e informal de apoio ao casal. Se pudesse voltar atrás, João considera que primeiro que tudo procurava consolidar mais a sua relação conjugal, e, antes de tomar a sua decisão, procurava acompanhamento psicológico. Refere que, mantendo-se todo o cenário idêntico ao que viveu, actualmente não teria optado por recorrer a um dador.

O casal solicitou acompanhamento psicológico na clínica privada onde realizaram os tratamentos, no entanto, este tipo de apoio não era disponibilizado. João considera que este teria sido especialmente importante para nos acalmar durante os tratamentos; para nos elucidar, tanto a um como a outro, nomeadamente, para me dar apoio a mim para ir para o dador; e também a nível de casal, para termos mais certezas dos sentimentos entre nós.

Questionado sobre o que aconselharia a quem estivesse a passar por um processo semelhante, João refere terem a certeza de ter uma relação sólida, pedirem aconselhamento psicológico é muito, muito importante, darem apoio um ao outro e não tomarem decisões precipitadas.

DISCUSSÃO

O caso clínico apresentado reflecte alguns dos tópicos abordados ao longo deste artigo e em geral presentes na literatura científica sobre o tema. É um caso amplamente ilustrativo do impacto da infertilidade masculina no casal e especialmente no homem, de algumas das dificuldades que os casais que recorrem a RMA podem ter de enfrentar e de possíveis repercussões negativas do recurso a dador de esperma, tanto para este como para o bebé.

Fazendo-nos reflectir sobre a necessidade de ser disponibilizado acompanhamento psicológico nos serviços de saúde reprodutiva, o caso enfatiza a necessidade do clínico não descurar o bem-estar de ambos os membros do casal e de estar atento a indicadores de possível mal ajustamento. O acompanhamento psicológico deve então ser iniciado precocemente, ainda na fase de diagnóstico da infertilidade, de forma a prevenir distúrbios emocionais graves e a promover tomadas de decisão informadas e reflectidas, no que respeita às opções de tratamento.

Por outro lado, este caso chama também a atenção para a necessidade dos clínicos manterem uma postura vigilante em relação à evolução do bem-estar do casal ao longo de todo o processo de tratamento e mesmo, quando estes são bem sucedidos, nas fases de gravidez e pós-parto. Nestas fases mais tardias, a intervenção pode contemplar, para além dos aspectos específicos às questões de RMA, outros objectivos terapêuticos, tais como: 1) facilitar a aquisição de formas de coping mais adaptativas; 2) assegurar a qualidade da relação conjugal; 3) promover o estabelecimento de um vínculo afectivo com o bebe; e ainda, quando presente, 4) redução de sintomatologia psicopatológica manifestada quer a nível individual, quer conjugal.

Este caso ilustra ainda o desafio que constitui para um casal decidir sobre o possível recurso a um dador, validando o papel crucial que os técnicos de saúde mental podem ter neste momento, enquanto moderadores do processo de decisão.

Finalmente, valida ainda a necessidade destes estarem atentos a possíveis contra-indicações ao tratamento de RMA, tal como se verificam neste caso particular (p.e., instabilidade e conflito conjugal). Perante cenários semelhantes ao apresentado, os psicólogos devem aconselhar o casal a suspender a sua decisão enquanto um período de luto pela paternidade não biológica não se considerar terminado e/ou as dificuldades não forem ultrapassadas.

Apesar do caso ilustrado não representar um percurso adaptativo, é importante salientar que os estudos têm mostrado um cenário bastante mais positivo, no qual os pais estão satisfeitos com a sua opção e têm relações saudáveis com os seus filhos. A compreensão dos mecanismos que estão por trás desta boa adaptação poderá dar importantes pistas para o aumento da eficácia preventiva do acompanhamento psicológico neste contexto.


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