O papel da intimidade conjugal na qualidade de vida da mulher com cancro da
mama
O diagnóstico e tratamento do cancro da mama impõem à mulher e à sua família um
conjunto de importantes desafios (Wimberly, Carver, Laurenceau, Harris, &
Antoni, 2005). Constituindo-se como uma experiência adversa e potencialmente
traumática, pode ter um impacto profundo em diferentes áreas de vida da mulher
e dos seus outros significativos, influenciando a qualidade de vida de ambos
(Breitbart & Holland, 1993; Dias, Manuel, Xavier, & Costa, 2002;
Hewitt, Herdman, & Holland, 2004; Thornton & Perez, 2007). No entanto,
e ainda que esta seja indubitavelmente uma experiência adversa e desafiante,
não implica necessariamente um percurso emocionalmente desajustado (Ganz et
al., 1996). Efectivamente, grande parte dos estudos realizados sobre a
adaptação ao cancro da mama tem mostrado que a maioria das mulheres é
resiliente, conseguindo adaptar-se bem ao diagnóstico e às exigências
psicológicas, físicas e sociais associadas aos tratamentos (Bloom, Peterson,
& Kang, 2007; Ganz et al., 1996; Helgeson, Snyder, & Seltman, 2004;
Hewitt et al., 2004; Massie & Shakin, 1993; Moreira, Silva, &
Canavarro, 2008).
A qualidade de vida da doente em cada fase do cancro da mama pode ser
influenciada por um vasto conjunto de factores como, por exemplo, a severidade
da doença, a presença de efeitos secundários decorrentes dos tratamentos, o
tipo de cirurgia, a etapa do ciclo vital em que a mulher se encontra, os seus
recursos pessoais para lidar com a doença, entre muitos outros (Carlsen,
Dalton, Frederiksen, Diderishsen, & Johansen, 2007; Knobf, 2007). Um dos
factores com maior influência neste processo de adaptação parece ser a
existência de relações interpessoais significativas (Bloom, Stewart, Johnston,
Banks, & Fobair, 2001; Bolger, Foster, Vinokur, & Ng, 1996; Lederberg,
1998; Michael, Berkman, Colditz, Holmes, & Kawachi, 2002; Pistrang &
Barker, 1995; Wimberly et al., 2005).
Com efeito, vários estudos têm mostrado que as relações interpessoais próximas
e, em particular, a relação com o companheiro, desempenham um papel
determinante na forma como o indivíduo se adapta a um qualquer acontecimento de
vida perturbador, incluindo o diagnóstico e tratamento de uma doença
oncológica, como o cancro da mama (Bloom et al., 2001; Bolger et al., 1996;
Helgeson & Cohen, 1996; Wimberly et al., 2005). Efectivamente, para alguns
autores, o envolvimento numa relação interpessoal próxima é um factor
suficiente para predizer um melhor ajustamento à doença (Burman & Margolin,
1992; Ross, Mirowsky, & Goldstein, 1990). De acordo com Bolger et al.
(1996), a vantagem adaptativa decorrente da presença de relações significativas
está relacionada com o apoio emocional e instrumental que estas relações muitas
vezes proporcionam ao doente.
Assim, ao longo das duas últimas décadas, os investigadores e clínicos ligados
à psico-oncologia, têm vindo a enfatizar a necessidade de se perspectivar a
doença, nomeadamente o cancro da mama, no contexto da família e,
especificamente, da relação conjugal (Manne & Badr, 2008). Dos inúmeros
estudos que, nesta sequência, têm surgido, parece ser consensual a influência
da qualidade da relação conjugal na adaptação da doente ao diagnóstico e aos
tratamentos do cancro da mama (Giese-Davis, Hermanson, Koopman, Weibel, &
Spiegel, 2000), tendo-se verificado, frequentemente, o papel preditor de uma
relação conjugal positiva neste processo de adaptação (Bloom et al., 2001;
Bolger et al., 1996; Burman & Margolin, 1992; Coyne & Anderson, 1999;
Pistrang & Barker, 1995; Skerrett, 1998). Outros estudos têm ainda
evidenciado que a satisfação conjugal relatada por estes casais não difere
significativamente da população em geral (Fuller & Swensen, 1992),
constatando-se muito frequentemente uma melhoria da qualidade da relação e uma
maior aproximação emocional dos dois elementos do casal após o diagnóstico da
doença (Dorval, Maunsell, Taylor-Brown, & Kilpatrick, 1999; Taylor-Brown,
Kilpatrick, Maunsell, & Dorval, 2000). Podendo o cancro da mama ser
conceptualizado como um ponto de viragem para trajectórias individuais mais
adaptativas e até para o desenvolvimento pessoal e relacional da mulher (Silva,
Moreira, Pinto, & Canavarro, no prelo), pode constituir-se também como uma
oportunidade para o desenvolvimento de uma relação caracterizada por níveis
superiores de intimidade conjugal (Manne & Badr, 2008).
A intimidade representa um dos componentes principais de uma relação
interpessoal próxima (Clark & Reis, 1988; Manne et al., 2004; Mitchell et
al., 2008; Prager, 1995). Não obstante a existência de múltiplas perspectivas e
definições deste conceito, a intimidade tem sido conceptualizada, pela maioria
dos autores, como um constructo multidimensional, constituído por alguns
elementos centrais (Berscheid, 1985; Hatfield & Rapson, 1993; Prager,
1995). Para além da presença de afectoe confiançana relação com o outro, Hook,
Gerstein, Detterich, e Gridle (2003), referem que a validação pessoale a auto-
revelaçãoconstituem elementos fundamentais no estabelecimento de uma relação ou
interacção íntimas, estando estes dois últimos componentes presentes na maioria
das conceptualizações teóricas. Assim, de acordo com estes autores, a validação
pessoalrelacionase com o sentimento de que se é aceite e compreendido pelo
outro, o que permite a abertura e a auto-revelação no contexto da relação. Por
sua vez, a auto-revelaçãoconsiste na comunicação, verbal ou não verbal, de
informação pessoal relevante a outro indivíduo, de factos, pensamentos e
sentimentos (Manne & Badr, 2008; Reis & Patrick, 1996; Reis &
Shaver, 1988), componente que tem vindo a ser amplamente estudada no contexto
do cancro da mama (e.g. Figueiredo, Fries, & Ingram, 2004; Pistrang &
Barker, 1992; Porter, Keefe, Hurwitz, & Faber, 2005). Para que se
estabeleça a intimidade na relação, perante a autorevelação de um dos elementos
da díade o outro deve responder empaticamente, de forma a que o primeiro se
sinta compreendido e apoiado (Manne & Badr, 2008). Os dois componentes
referidos são também essenciais no modelo integrador proposto por Reis e Shaver
(1988) e, mais tarde, desenvolvido por Reis e Patrick (1996), segundo o qual a
intimidade consiste num processo interactivo, no qual um dos elementos da díade
revela informação pessoal ao outro que, por sua vez, responde de forma
empática, conduzindo a que o primeiro se sinta validado, compreendido e
cuidado.
Na investigação sobre a adaptação ao cancro da mama, alguns estudos têm
concluído que as doentes que comunicam abertamente com o seu parceiro têm uma
maior probabilidade de se adaptarem melhor à doença (Northouse, Dorris, &
Charron-Moore, 1995; Pistrang & Barker, 1995), apresentando níveis
inferiores de distresspsicológico e uma melhor qualidade de vida (Porter et
al., 2005). Também Cordova, Cunningham, Carlson, e Andrykowski (2001),
constataram que as doentes que conversavam com o seu companheiro sobre os seus
sentimentos relacionados com a doença relatavam níveis inferiores de depressão
e melhor bem-estar psicológico. Efectivamente, a revelação de pensamentos e
sentimentos pode facilitar a adaptação à doença, na medida em que proporciona
ao doente uma oportunidade de validação e de encontro de um significado para a
experiência (Lepore & Helgeson, 1998). Alguns estudos têm constatado que,
em famílias que conseguem falar abertamente sobre a doença, os doentes reportam
menos queixas físicas e psicológicas e níveis superiores de auto-estima e
controlo percebido (Mesters et al., 1997). Também Spiegel, Bloom, e Gottheil
(1983), observaram que um ambiente familiar no qual é encorajada a discussão
aberta de sentimentos e problemas, prediz menor perturbação do humor em doentes
com cancro da mama durante o primeiro ano da doença. Em suma, doentes e
parceiros que são capazes de revelar os seus pensamentos e sentimentos,
nomeadamente aqueles que estão relacionados com a doença, parecem apresentar
uma maior intimidade, empatia e satisfação conjugal o que, por sua vez,
proporciona uma melhor adaptação individual e melhor qualidade de vida perante
a doença (Giese-Davis et al., 2000; Pistrang & Barker, 1995).
Não obstante a multiplicidade de estudos realizados no âmbito da relação
conjugal da mulher com cancro da mama e de alguns aspectos relacionados com a
intimidade terem vindo a ser abordados, a investigação deste conceito enquanto
constructo integrador e global, no contexto específico desta população, não tem
sido alvo de atenção de muitos investigadores. Apenas Manne et al. (2004)
procuraram estudar este constructo de forma global, tentando validar o modelo
anteriormente referido (Reis & Patrick, 1996; Reis & Shaver, 1988),
numa amostra de casais em que a mulher tinha cancro da mama. Dada a escassez de
estudos realizados em Portugal que incidam sobre esta temática, este estudo foi
elaborado com o objectivo de analisar a relação entre a intimidade conjugal e a
qualidade de vida de uma amostra de mulheres sobreviventes ou recentemente
diagnosticadas com cancro da mama. Especificamente, o presente trabalho
pretende: (1) conhecer e comparar a qualidade de vida de mulheres em fases
distintas do cancro da mama (diagnóstico e sobrevivência); (2) analisar e
comparar a qualidade da relação e diferentes dimensões da intimidade conjugal
de mulheres em diferentes fase da doença; (3) explorar o papel preditor da
intimidade na qualidade de vida de mulheres com cancro da mama ou sobreviventes
desta doença.
MÉTODO
O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito de um projecto longitudinal mais
amplo, designado
Adaptação ao cancro da mama e aos seus tratamentos: Influência de factores
individuais e interpessoais1, conduzido por elementos da Unidade de Intervenção
Psicológica (UnIP), dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), com a
aprovação da Comissão de Ética deste hospital.
Participantes e Procedimento
A amostra é constituída por um total de 141 mulheres, distribuídas por três
grupos distintos. Neste estudo apenas foram incluídas mulheres casadas ou a
viver em união de facto, ou ainda as que pertencendo a outro estado civil
mantinham um relacionamento amoroso no momento em que participaram no estudo.
Deste modo, um grupo de 47 mulheres recentemente diagnosticadas com cancro da
mama (grupo diagnóstico) foi recrutado no serviço de Ginecologia C dos HUC,
aquando o seu internamento para realização de cirurgia da mama (mastectomia ou
cirurgia conservadora). Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão:
idade igual ou superior a 18 anos, ausência de história pessoal de cancro da
mama, tempo máximo de diagnóstico da doença de 4 meses e não realização
anterior de qualquer tratamento neoadjuvante. As doentes foram convidadas a
participar no estudo durante o período em que estavam internadas, tendo-lhes
sido explicados, numa entrevista individual, os objectivos da investigação, o
papel do investigador e as normas de confidencialidade subjacentes ao estudo.
Nesta entrevista, conduzida preferencialmente no primeiro dia de internamento,
eram preenchidos o consentimento informado e a ficha de dados sócio-
demográficos, dadas as instruções de preenchimento dos questionários e
esclarecidas quaisquer dúvidas relacionadas com estes. O protocolo de avaliação
era preenchido posteriormente pela doente e entregue aos investigadores,
preferencialmente antes da cirurgia. A informação clínica das doentes foi
obtida através da consulta dos respectivos processos clínicos hospitalares.
Todas as doentes tinham já conhecimento prévio do seu diagnóstico e a sua
inclusão no estudo era do conhecimento da equipa médica responsável.
Da amostra faz também parte um grupo de 47 mulheres sobreviventes de cancro da
mama (grupo sobreviventes), recrutadas no mesmo serviço dos HUC e nas várias
extensões do Movimento Vencer e Viver, do núcleo regional do centro da Liga
Portuguesa Contra o Cancro, associação constituída por mulheres sobreviventes
de cancro da mama, que prestam apoio a outras mulheres com a mesma doença. As
participantes que foram recrutadas no serviço de Ginecologia (n= 27)
encontravam-se internadas para realização de cirurgia reconstrutiva da mama,
tendo a recolha dos dados seguido o procedimento anteriormente descrito. As
participantes pertencentes à associação de voluntariado (n= 20) foram
contactadas pessoalmente pelos investigadores aquando a realização da reunião
mensal da extensão a que pertencem, tendo-lhes sido explicados os objectivos do
estudo, o papel do investigador e as normas de confidencialidade subjacentes ao
mesmo. Os protocolos de avaliação, bem como a ficha de dados sócio-demográficos
e clínicos, o consentimento informado e um envelope endereçado e selado, foram
entregues na sede de cada extensão, tendo sido posteriormente devolvidos por
correio. Para participarem no estudo, estas mulheres deveriam ter finalizado
qualquer tratamento de quimioterapia ou radioterapia há pelo menos um ano,
sendo a sua situação clínica estável e indicadora de remissão total da doença.
Utilizou-se ainda um grupo de controlo, constituído por 47 mulheres
pertencentes à população geral, com idade igual ou superior ao limite inferior
de idade dos grupos clínicos e ausência de história pessoal de doença
oncológica. A todas as respondentes foram explicados os objectivos do estudo e
entregue o protocolo de avaliação e o consentimento informado. As
características sócio-demográficas da amostra encontram-se no Quadro 1.
Quadro 1
Características sócio-demográficas da amostra
Como se pode observar no Quadro 1, os grupos que constituem a amostra apenas
diferem significativamente na variável situação profissional, [χ²(6, N= 136) =
40.77; p= .000], sendo que a maioria das sobreviventes encontra-se já
reformada, enquanto que as restantes participantes estão ainda, na sua maioria,
activas profissionalmente. Nas restantes características sociodemográficas os
grupos não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre si,
nomeadamente, na idade média [F(2, 133 = 2.99, p= .05] e entre as diferentes
categorias de idade [χ²(2, N= 136) = 1.37; p= .51], no estado civil [χ²(6, N=
140) = 5.01; p= .54], na duração média da relação [F(2, 115) = 1.24; p= .29] e
na escolaridade [χ²(6, N= 140) = 9.66; p= .14].
Relativamente às características clínicas da amostra, o tipo de cancro mais
frequente, em ambos os grupos, foi o Carcinoma Ductal Invasivo (CDI), tendo
sido diagnosticado em 83% dos casos no grupo de diagnóstico e em 67.9% dos
casos no grupo de sobreviventes. Não foram encontradas diferenças
estatisticamente significativas na distribuição dos casos pelas diferentes
categorias de diagnóstico [χ²(4, N= 73) = 5.433; p= .246]. No que diz respeito
ao tempo decorrido desde o diagnóstico, as mulheres sobreviventes receberam o
seu diagnóstico, em média, há 81.98 meses (DP= 65.81), enquanto as pertencentes
ao outro grupo clínico foram diagnosticadas, em média, há 1.43 meses (DP= 0.6).
Dentro do grupo de sobreviventes, a grande maioria realizou mastectomia
(84.4%), tendo o tratamento conjunto de quimioterapia e radioterapia sido o
mais frequentemente realizado (44.4%).
Instrumentos
Personal Assessment of Intimacy in Relationships 'PAIR (Schaefer & Olson,
1981; Versão Portuguesa: Moreira & Canavarro, 2007). Este questionário de
autoresposta, cotado numa escala de resposta de zero (discordo totalmente) a
quatro (concordo totalmente), pretende medir o grau de intimidade numa relação
diádica. A versão portuguesa (Moreira, Amaral & Canavarro, 2008) é
constituída por 3 factores: (1) Validação Pessoal ' pretende avaliar o
sentimento de validação de opiniões e sentimentos e de aceitação por parte do
companheiro num conjunto de diferentes áreas; (2) Comunicação ' avalia a
capacidade e possibilidade de expressão de opiniões, sentimentos e desejos na
relação; (3) Abertura ao Exterior ' avalia a abertura da díade conjugal aos
outros e a partilha de amigos comuns. Este instrumento engloba ainda uma escala
de Convencionalidade, que tem como objectivo avaliar a desejabilidade social
presente nas respostas do indivíduo. A consistência interna dos três factores
do instrumento, analisada através do alpha de Cronbach, nos três grupos que
constituem a presente amostra é, de uma forma geral, boa. No grupo de controlo,
verificaram-se valores entre .74 e 92; no grupo de diagnóstico entre .72 e .93;
e, por último, no grupo de sobreviventes entre .85 e .90.
Versão breve do World Health Organization Quality of Life para Português de
PortugalWHOQOL-Bref (WHOQOL-Group, 1998; Versão Portuguesa: Canavarro et al.,
2006; Vaz Serra et al., 2006). Este instrumento é constituído por 26 itens e
constitui uma medida genérica, multidimensional e multicultural da avaliação
subjectiva da qualidade de vida. A versão portuguesa deste instrumento
apresenta boas propriedades psicométricas (Vaz Serra et al., 2006) e é
constituída por uma faceta geral, que avalia a percepção geral de qualidade de
vida e a percepção geral de saúde, e por 24 facetas específicas, que avaliam
aspectos específicos da qualidade de vida (e.g.: actividade sexual, relações
sociais, apoio social, dor e desconforto, etc.). As 24 facetas distribuem-se
por 4 domínios distintos: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Ambiente. Nos
três grupos que constituem a presente amostra, o instrumento apresentou, de uma
forma geral, valores razoáveis a bons de consistência interna para cada
domínio. No grupo de controlo, verificaram-se valores de alpha de Cronbachentre
.61 e .84; no grupo de diagnóstico entre .65 e .89 e, por último, no grupo de
sobreviventes, entre .72 e .86.
Escala de avaliação subjectiva da qualidade da relação.A qualidade da relação
estabelecida com o companheiro foi avaliada através da questão Como avalia a
qualidade da sua relação?,cotada numa escala de resposta de zero (extremamente
má) a dez (extremamente boa).
Ficha de dados sociodemográficos e clínicos.Foi utilizada uma ficha de dados
sociodemográficos e clínicos, que permitiu obter informações relevantes sobre o
contexto social e demográfico do indivíduo e dados clínicos relacionados com a
doença, cirurgia e tratamentos, tais como a duração da doença, o tipo de
cirurgia e o tipo de tratamentos efectuados.
Análises Estatísticas
O tratamento estatístico dos dados foi realizado recorrendo ao pacote
estatístico SPSS, versão 15. Para a caracterização da amostra recorreu-se à
estatística descritiva (frequências relativas, médias, desviospadrão).
Utilizou-se o teste do qui-quadrado e a análise de variância univariada (ANOVA)
para análise das diferenças entre as características sócio-demográficas e
clínicas dos grupos. Para a análise das diferenças de médias nos factores de
intimidade e domínios de qualidade de vida entre os três grupos, efectuou-se
uma análise de variância multivariada (MANOVA). Observada a significância
multivariada, procedeu-se à análise da variância univariada para cada variável
dependente, prosseguindo-se com o teste post-hoc de Tukey HSD para detecção das
diferenças entre os pares de médias.
Com o objectivo de testar se os diferentes factores da intimidade são bons
preditores dos vários domínios da qualidade de vida nos dois grupos clínicos
estudados, foram efectuadas análises de regressão linear múltipla (método
enter). Apenas foram testadas as variáveis preditoras que se correlacionavam a
um nível significativo com as variáveis dependentes em estudo. Quando a duração
e/ou a qualidade da relação se correlacionavam significativamente com as
variáveis dependentes, eram igualmente introduzidas no modelo, de forma a
controlar estatisticamente a sua influência. Neste caso, as regressões
hierárquicas eram realizadas em 2 blocos, para cada variável dependente: (1)
qualidade e/ou duração da relação; (2) validação pessoal, comunicação e
abertura ao exterior. Quando a duração e/ou a qualidade da relação não se
correlacionavam com as variáveis dependentes, os três domínios da intimidade
eram introduzidos simultaneamente no modelo, em apenas um bloco.
RESULTADOS
A qualidade de vida nas fases de diagnóstico e de sobrevivência do cancro da
mama
Começou por se comparar os diferentes grupos no que respeita à sua qualidade de
vida, considerando os diferentes domínios e faceta geral do WHOQOL-bref. Os
resultados, apresentados no Quadro 2, mostram que os grupos apenas diferem
entre si nas relações sociais[F(2, 137) = 4.12, p< .05]. Neste domínio, são as
mulheres recentemente diagnosticadas com cancro da mama que apresentam, em
média, uma qualidade de vida superior, distinguindo-se significativamente dos
restantes dois grupos.
Quadro 2
Pontuações médias de
qualidade de vida: comparação
entre grupos
Whoqol-bref Diagnóstico Sobreviventes Controlo
(1) (2) (3) F p Posthoc*
Média (DP) Média (DP) Média (DP)
Faceta 58.97 (14.59) 65.16 (17.28) 63.56 1.79 .171 ---
Geral (14.59)
Domínios
Físico 65.53 (14.60) 66.03 (17.46) 70.74 1.45 .239 ---
(16.81)
Psicológico71.83 (13.87) 73.49 (13.83) 69.59 0.92 .401 ---
(14.25)
Relações 80.25 (13.98) 72.34 (17.03) 71.63 4.12 .018 1>2,3
Sociais (16.91)
Ambiente 65.15 (13.50) 63.16 (15.50) 62.57 0.39 .676 ---
(14.97)
Roy's
Largest
Root=
.139; F(5,
134) =
3.73, p =
.003;
Potência =
.93
*Tukey HSD
A análise das diferenças nas facetas que compõem este domínio (Relações
Pessoais, Apoio Social e Actividade Sexual), revelou que os três grupos não se
distinguem entre si na faceta actividade sexual[F(2, 137) = 1.42, p= .250],
tendo sido encontradas diferenças estatisticamente significativas nas relações
pessoais[F(2, 137) = 4.769; p= .010] e no apoio social[F(2, 137) = 9.44; p
≤.001]. Em ambas, observaram-se pontuações superiores no grupo de diagnóstico,
que se distinguiu significativamente da população geral, mas não do grupo de
sobreviventes.
A qualidade da relação e a intimidade conjugal nas fases de diagnóstico e de
sobrevivência do cancro da mama
Foram analisadas as diferenças entre as pontuações médias da qualidade da
relação entre os grupos de diagnóstico (M= 8.51; DP= 1.84), sobreviventes (M=
8.42; DP= 2.01) e população geral (M= 7.72; DP= 1.95), não tendo sido
encontradas diferenças significativas entre os grupos [F(2, 119) = 2.15, p=
.290].
Procedeu-se à análise da variância multivariada para testar eventuais
diferenças entre os grupos, relativamente aos diferentes factores da intimidade
e à escala de convencionalidade do PAIR. Tal como é possível observar no Quadro
3, os três grupos diferem significativamente entre si nos factores validação
pessoal[F(2, 137) = 3.41, p< .05], comunicação[F(2, 137) = 5.53; p< .05] e na
escala de convencionalidade[F(2, 137) = 3.79; p< .05]. Através do teste
posthocde Tukey, verificou-se que as mulheres recentemente diagnosticadas com
cancro da mama apresentam pontuações superiores no factor comunicação,
diferindo significativamente dos restantes dois grupos. Relativamente ao factor
validação pessoal, ainda que tenha sido detectado um efeito significativo na
análise da variância, a comparação múltipla de médias não evidenciou diferenças
significativas entre os grupos. Por fim, na escala de convencionalidade,
observouse que as mulheres do grupo de diagnóstico apresentam uma maior
desejabilidade social nas suas respostas, quando comparadas com as
sobreviventes, mas não com a população geral.
Quadro 3
Pontuações médias de
intimidade: comparação entre
grupos
Diagnóstico Sobreviventes Controlo
PAIR (1) (2)
(3) F p Posthoc*
Média (DP) Média (DP) Média
(DP)
Validação pessoa40.21 (9.33) 35.33 (10.62) 35.74 3.41 .036 ---
(10.13)
Comunicação 30.00 (7.79) 24.93 (7.58) 25.87 5.53 .005 1>2,3
(8.12)
Abertura ao 13.77 (3.62) 12.43 (4.49) 12.02 2.36 .099 ---
exterior (4.06)
Convencionalidade 16.52 (4.77) 14.09 (4.85) 14.44 3.79 .025 1>2
(4.80)
Roy's Largest Root=
.082; F(4,135) =
2.76, p = .031;
Potência = .75
*Tukey HSD
A Intimidade como preditora da qualidade de vida em diferentes fases do cancro
da mama?
Com o objectivo de explorar o papel preditor das diferentes dimensões da
intimidade na qualidade de vida do grupo de mulheres recentemente
diagnosticadas e do grupo de sobreviventes, procedeu-se à realização de
diferentes regressões múltiplas. Previamente, foram analisadas as correlações
entre as variáveis em estudo (c.f. análises estatísticas).
No Quadro 4 são apresentadas as correlações entre os domínios da qualidade de
vida, a duração e qualidade da relação conjugal e os factores de intimidade,
nos dois grupos clínicos.
Quadro 4
Matriz de correlações entre
os factores relacionais e a
qualidade de vida
Diagnóstico Geral QFísica Qualidade de Vida Relações Ambiente
Psicológica Sociais
Duração da .25 -.09 -.04 -.46** -.24
relação
Qualidade da .38* .04 .48** .23 .37*
relação
Intimidade
Validação .18 .26 .46** .33* .47**
Pessoal
Comunicação .20 .16 .46** .46** .49**
Abertura ao .08 .07 .33* .37* .33*
Exterior
Sobreviventes
Duração da .32 -.11 -.05 -.01 -.01
relação
Qualidade da -.10 -.01 .34* .36* .07
relação
Intimidade
Validação .13 .22 .57** .66** .34*
Pessoal
Comunicação .07 .29* .49** .67** .34*
Abertura ao
Exterior .26 .23 .38** .61** .29*
*p <
.05;
**p <
.01
Relativamente ao grupo de diagnóstico, pode observar-se que relações mais
duradouras estão significativamente associadas a uma menor qualidade de vida no
domínio relações sociais. No que diz respeito à qualidade da relação, esta
associa-se positiva e significativamente com a qualidade de vida gerale com os
domínios psicológicoe ambiente. Quanto às dimensões de intimidade, maiores
níveis de intimidade em todos os factores deste constructo associam-se a
pontuações mais elevadas nos domínios psicológico, relações sociaise ambienteda
qualidade de vida.
O padrão de associações entre as variáveis encontrado no grupo de sobreviventes
apresenta algumas diferenças relativamente ao grupo de diagnóstico. Assim, a
duração da relação não se encontra significativamente associada com nenhum
domínio da qualidade de vida. Por sua vez, a qualidade da relação associa-se
significativa e positivamente com a qualidade de vida psicológicae social. A
intimidade, nas suas três dimensões, correlaciona-se significativamente com uma
melhor qualidade de vida nos domínios psicológico, relações sociaise ambiente.
Apesar da qualidade da relação e dos factores de intimidade apresentarem
correlações significativas com vários domínios da qualidade de vida no grupo de
diagnóstico, nenhum demonstrou ser um preditor significativo destas variáveis.
Apenas no grupo de sobreviventes foram encontrados modelos significativos. Os
resultados são apresentados no Quadro 5.
Quadro 5
Intimidade como preditora dos domínios
Psicológico e Relações Sociais da
qualidade de vida, na fase de
sobrevivênciaDomínios Qualidade de vida
βpPsicológico
Comparando a contribuição da qualidade da relação e das três dimensões de
intimidade no domínio psicológicoda qualidade de vida das sobreviventes,
observou-se que, apesar de todas as variáveis se correlacionarem
significativamente com este domínio (cf. Quadro 4), apenas a validação
pessoalsurge como um preditor significativo (p< .05), num modelo que explica
32.7% da variância total [F(4,42) = 5.10, p< .01]. As dimensões da intimidade
contribuiram para a explicação de 25.8% desta variância.
Relativamente ao domínio relações sociais, o modelo encontrado [F(4,42) =
11.89, p≤.001] contribuiu para 53.1% da variância total explicada, sendo que
44.2% desta é explicada pelas dimensões de intimidade. Ainda que todas as
variáveis introduzidas no modelo se correlacionem significativamente com este
domínio, apenas a dimensão abertura ao exteriormostrou ser um preditor
significativo (p< .05). Note-se que, quando são introduzidas no segundo bloco
as dimensões da intimidade, a qualidade da relação deixa de predizer
significativamente este domínio da qualidade de vida.
No que diz respeito ao domínio ambiente, ainda que as correlações entre este e
as dimensões da intimidade sejam significativas, o modelo preditor encontrado
não se revelou estatisticamente significativo [F(3, 43) = 2.17, p= .11].
DISCUSSÃO
O presente trabalho teve como principal objectivo contribuir para um maior
conhecimento da forma como a experiência adversa e, simultaneamente, desafiante
que é o cancro da mama influencia a qualidade de vida da mulher, bem como da
forma como a intimidade na relação com o seu companheiro influencia a sua
qualidade de vida, em duas etapas distintas da doença. Assim, pretendeu-se
conhecer a relação estabelecida entre a qualidade de vida e as diferentes
dimensões da intimidade, explorando simultaneamente o papel preditor destas
dimensões em duas etapas da doença: o diagnóstico e a sobrevivência. O presente
estudo assume-se como pioneiro em Portugal, representando um contributo
importante para a evolução do conhecimento na área.
A partir da análise dos resultados foi elaborado um conjunto de reflexões
importantes, apresentadas de seguida.
Relativamente às pontuações médias obtidas para cada domínio e faceta geral da
qualidade de vida, em cada etapa da doença, os resultados mostraram resultados
muito semelhantes entre os grupos na maioria dos domínios. Relativamente ao
grupo de diagnóstico e, tendo em linha de conta todas as mudanças que
caracterizam esta fase (Barraclough, 1999; Veach, Nicholas, & Barton,
2002), seria, à partida, de esperar resultados inferiores, nomeadamente nos
domínios físico e psicológico, tal como tem sido reportado em outros estudos
(Bloom et al., 1987; Bloom, Kang, Petersen, & Stewart, 2007; Ganz et al.,
1996; Maguire, Lee, & Bevington, 1998; Morris, Greer, & White, 1977).
Contudo, é importante verificar que este grupo de mulheres tinha recebido o seu
diagnóstico muito recentemente, não apresentando ainda, na sua maioria,
sintomas físicos negativos decorrentes da sua doença, o que pode explicar a
ausência de diferenças entre os grupos no domínio físico da qualidade de vida.
No que diz respeito ao domínio psicológico, o facto de não se verificarem
pontuações médias inferiores neste grupo pode ser, em parte, explicado pela
satisfação com as relações pessoais e com o apoio social recebido, que poderão
actuar como importantes factores protectores, como será explicado
posteriormente. Contudo, outros estudos seriam fundamentais para esclarecer
estes resultados, identificando outros potenciais factores protectores
intervenientes nesta fase da doença. Os resultados obtidos no grupo de
sobreviventes vão ao encontro do que é comummente referido na literatura, ou
seja, de que a qualidade de vida nesta fase da doença é comparável à da
população geral (Dorval, Maunsell, Deschenes, Brisson, & Masse, 1998;
Kornblith et al., 2007; Moreira et al., 2008; Tomich & Helgeson, 2002) ou
até mesmo superior (Ganz, Rowland, Desmond, Meyerowitz, & Wyatt, 1998;
Peuckmann et al., 2007).
A única diferença significativa foi encontrada no domínio relações sociais, no
qual as mulheres que tinham recebido recentemente o seu diagnóstico exibiram
pontuações médias superiores, distinguindo-se significativamente dos restantes
dois grupos. Importante será igualmente de realçar que, na análise das facetas
que constituem este domínio, as diferenças encontradas situaram-se apenas ao
nível das relações pessoais(avaliada pela questão: Até que ponto está
satisfeito(a) com as suas relações pessoais?) e do apoio social(avaliada pela
questão: Até que ponto está satisfeito(a) com o apoio que recebe dos seus
amigos?), mas não da actividade sexual(avaliada pela questão: Até que ponto
está satisfeito(a) com a sua vida sexual?). Estes resultados, que mostram um
nível elevado de satisfação com as relações pessoais e com o apoio recebido por
parte dos amigos, conduzem a algumas reflexões importantes, espelhando, de
certa forma, a importância que, na fase de diagnóstico, as relações
interpessoais e a activação das redes de apoio social têm no confronto com a
doença. Embora não seja possível, apenas a partir destes resultados, retirar
conclusões sobre o papel das redes sociais de apoio na adaptação à doença,
estes dados parecem ir ao encontro do que tem sido encontrado em outros
estudos, nos quais se tem verificado a frequente activação das redes de suporte
social e enfatizado o papel, na adaptação a esta etapa da doença, do apoio
social e da qualidade das relações estabelecidas com os outros (Helgeson &
Cohen, 1996; Northouse, 1988; Reynolds & Perrin, 2004; Schroevers, Ranchor,
& Sanderman, 2003). Perante os resultados de qualidade de vida encontrados,
que não diferenciam, na maioria dos domínios, o grupo de diagnóstico dos
restantes grupos estudados, denotando, deste modo, uma boa qualidade de vida
durante esta fase da doença, pode levantar-se a hipótese de que o apoio social
recebido e a satisfação com esse mesmo apoio, poderão ter aqui um papel
importante, funcionando como um importante mecanismo protector. Estudos futuros
seriam necessários e fundamentais para averiguar esta possível relação, não
explorada no âmbito deste trabalho.
No que se refere à avaliação da qualidade da relação com o companheiro, não
foram encontradas diferenças significativas entre os grupos, à semelhança de
outros estudos, como o de Northouse, Templin, e Mood (2001), no qual se
observou que os níveis de satisfação conjugal, tanto da mulher como do
companheiro, eram comparáveis aos encontrados numa amostra da população normal.
Estes resultados contribuem, assim, para a desmistificação da crença comum e
não empiricamente sustentada, de que o cancro da mama contribui para o
afastamento e, até, para a ruptura do casal, bem como para uma diminuição da
satisfação e da qualidade da relação. Nesta linha, vários estudos têm também
procurado evidenciar que, após a experiência de cancro da mama, o casal
permanece unido, reportando níveis de satisfação com a relação idênticos ou até
mesmo superiores aos da população geral (Dorval et al., 1999; Lewis &
Hammond, 1992; Taylor-Brown et al., 2000).
Já no que diz respeito à intimidade, encontraram-se diferenças significativas
entre os grupos em duas dimensões: na comunicaçãoe na
validaçãopessoal.Relativamente à primeira dimensão, foram as mulheres com
diagnóstico recente de cancro da mama que apresentaram resultados superiores,
tendo-se distinguindo significativamente dos outros dois grupos. Este factor da
intimidade está relacionado com a capacidade e possibilidade de expressão de
opiniões, sentimentos e desejos no contexto da relação e com o sentimento de
que se é compreendido e aceite pelo companheiro (Moreira et al., 2007).
Efectivamente, numa fase de grande vulnerabilidade, como é a fase de
diagnóstico de uma doença oncológica, parece ser fundamental a comunicação de
sentimentos, pensamentos, medos e preocupações. Esta partilha, que tem
habitualmente lugar no contexto da relação conjugal, na medida em que o
companheiro é o elemento da rede social da doente mais frequentemente escolhido
como confidente (Figueiredo et al., 2004; Harrison, Maguire, & Pitceathly,
1995), é perspectivada pelos doentes como bastante útil, contrariamente às
conspirações de silêncio, encaradas por estes como bastante perturbadoras
(Spiegel et al., 1983). No que diz respeito à segunda dimensão de intimidade '
validaçãopessoal' ainda que se tenha verificado um efeito estatisticamente
significativo na análise da variância, posteriormente não se conseguiram
detectar diferenças entre pares de médias pelo teste de comparação múltipla de
médias. Sendo estes testes menos potentes que a análise da variância,
futuramente será importante replicar este estudo numa amostra de maior dimensão
de modo a reduzir a probabilidade de erro de tipo II nas comparações múltiplas
de médias (Steel & Torrie, 1980).
Um dos principais objectivos deste trabalho consistiu em analisar a relação e o
possível papel preditor das várias dimensões de intimidade na qualidade de vida
das mulheres recentemente diagnosticadas e sobreviventes de cancro da mama.
O padrão de associações encontrado entre as variáveis, em ambos os grupos
clínicos, parece evidenciar uma tendência para uma melhoria da qualidade de
vida nos domínios psicológico, relações sociaise ambiente, à medida que a
intimidade na relação é também superior nos seus diferentes factores.
Especificamente, em ambas as fases da doença parece ser fundamental a percepção
por parte da mulher de que o companheiro valida e compreende as suas emoções,
sentimentos e preocupações, bem como a livre partilha de pensamentos e
sentimentos no contexto da relação e a abertura do casal ao exterior.
Efectivamente, tem-se verificado, em diferentes estudos, que a revelação de
pensamentos e sentimentos pode facilitar a adaptação à doença, através da
oportunidade que cria para a validação e para o processamento cognitivo e
emocional e, desta forma, para a construção de um significado para a
experiência que conduza à sua aceitação emocional (Lepore & Helgeson, 1998;
Manne, Dougherty, Veach, & Kless, 1999). Assim, ainda que a maior parte dos
estudos não se tenha dedicado à análise específica da relação entre a qualidade
de vida e a intimidade conjugal, de uma forma geral, tem-se verificado que uma
relação conjugal mais positiva, pautada por uma maior coesão, intimidade e
satisfação, está associada a um melhor ajustamento individual perante a doença
(Giese-Davis et al., 2000; Pistrang & Barker, 1995).
Quando se procedeu à análise do papel preditor dos factores de intimidade na
qualidade de vida em cada fase da doença, verificou-se, curiosamente, que
apenas na sobrevivência estas variáveis assumiam um papel significativo. Na
fase de diagnóstico, não obstante o importante papel da intimidade conjugal na
adaptação ao cancro da mama, outras variáveis parecem concorrer para a
explicação do ajustamento a esta etapa da doença. Outros estudos seriam
fundamentais para averiguar esta questão. Na fase de sobrevivência, a
validaçãopessoalsurge como um preditor significativo da qualidade de vida
psicológica, reflectindo, deste modo, a importância que a aceitação do
companheiro e a validação de sentimentos, pensamentos e opiniões têm na
adaptação psicológica da sobrevivente. Como seria de esperar, para a qualidade
vida social é a dimensão aberturaaoexteriorda intimidade que sobressai como
preditor significativo, mostrando que a abertura da díade conjugal aos outros e
a partilha de redes sociais similares podem promover uma maior satisfação com
as relações interpessoais e com o apoio recebido a partir destas.
Apesar do contributo deste estudo para o estado actual do conhecimento na área
das relações interpessoais e, especificamente, da intimidade conjugal, no
contexto do cancro da mama, é importante assinalar algumas limitações inerentes
a este trabalho. Em primeiro lugar, os três grupos que constituem a amostra
englobam um número reduzido de indivíduos, sendo, por isso, importante, em
estudos futuros, aumentar o tamanho da amostra. Em segundo lugar, os
participantes foram recrutados segundo um processo de amostragem por
conveniência (Hill & Hill, 2005), o que limita a generalização dos
resultados a outros indivíduos. Assim, o grupo de sobreviventes é
maioritariamente constituído por mulheres submetidas a mastectomia e várias a
cirurgia reconstrutiva da mama, o que impossibilita a generalização das
conclusões a mulheres que realizaram cirurgia conservadora da mama e a outras
que, mesmo tendo efectuado mastectomia, optaram pela não realização da cirurgia
reconstrutiva. Por outro lado, o facto de parte das sobreviventes pertencerem a
uma associação de voluntariado pode influenciar positivamente a sua adaptação
psicossocial, não reflectindo a realidade da população global de sobreviventes.
Seria, portanto, fundamental, alargar este grupo clínico e aumentar o tipo de
situações nele incluído. Em terceiro lugar, é importante referir que o
procedimento de recolha de amostra adoptado junto do grupo de sobreviventes
pertencentes à associação de voluntariado (preenchimento do protocolo sem a
presença dos investigadores para o esclarecimento de eventuais dúvidas e
impossibilidade de consulta do processo clínico da doente), não possibilitou a
recolha completa de algumas informações clínicas e sócio-demográficas
importantes, tendo-se verificado, em alguns casos, um elevado número de
missings. Em quarto e último lugar, trata-se de um estudo transversal, não
possibilitando, deste modo, a formulação de conclusões mais esclarecedoras
sobre os processos dinâmicos de adaptação ao longo do tempo. Estudos futuros
deverão ter um carácter longitudinal, repetindo a análise das mesmas variáveis
em diferentes fases da doença, de forma a ampliar a compreensão actual sobre a
influência da intimidade conjugal na adaptação ao longo do curso da doença.
Ainda em termos de pistas para futuras investigações, seria interessante que
estudos posteriores contemplassem os dois elementos do casal, de forma a
permitir uma compreensão mais alargada da temática estudada, nomeadamente da
influência recíproca de cada parceiro na adaptação de cada elemento ao cancro
da mama.
Importa ainda e, por último, apontar algumas implicações clínicas que derivam
do presente trabalho. Este estudo aponta para a necessidade de se fomentar, em
ambas as fases da doença, uma maior intimidade conjugal, nas suas diferentes
dimensões. Na fase de diagnóstico parece ser especialmente importante a criação
de um espaço de diálogo entre os elementos do casal, que permita à mulher
partilhar livremente os seus medos, preocupações, pensamentos e emoções. Já na
fase de sobrevivência, parece ser particularmente relevante ajudar o casal a
abrir-se ao exterior e a construir uma relação onde a mulher se sinta aceite e
validada pelo companheiro. Assim, parece ser claro que, em termos
psicoterapêuticos, mais do que trabalhar apenas com a mulher na promoção de uma
melhor qualidade de vida, importa envolver o seu companheiro em todo o
processo, para que de uma forma eficaz se consiga promover uma relação conjugal
mais íntima e, desta forma, contribuir para trajectórias mais adaptativas da
mulher.