Propriedades métricas da versão portuguesa da escala de suporte social do MOS
(MOS Social Support Survey) com idosos
O funcionamento social é um conceito amplo e genérico que pode incluir todo o
comportamento humano no papel e no contexto social (Sherbourne, 1992). Esta
autora explica que o funcionamento social pode ser visto como o ajustamento às
expectativas normativas sobre o papel e o comportamento social no seio da
comunidade. O funcionamento social tem sido considerado uma das dimensões de
saúde, mas a autora defende que ele também é indicativo do estado mental e
físico, ou seja, problemas de funcionamento social podem ser causados por
problemas de saúde física e mental.
Sherbourne (1992) explica que o suporte social (SS) é diferente do
funcionamento social referindo-se ao contexto onde o funcionamento social
ocorre, sendo constituído pela variedade de recursos fornecidos pelas outras
pessoas. Uma pessoa pode ter um bom funcionamento social apesar de ter um SS
fraco e pode ter limitações de funcionamento social mesmo com um forte SS
Classicamente o SS define-se como “the existence or availability of people on
whom we can rely, people who let us know that they care about, value, and love
us” (Sarason, Levine, Basham, & Sarason, 1983, p.127). Sydney Cobb (1976)
explicava que o suporte social é informação que leva o indivíduo a acreditar
que é apoiado e amado, que é estimado e valorizado, que pertence a uma rede de
comunicação e de obrigações mútuas.
A investigação sobre o papel do SS, ou apoio social, na saúde ganhou
preponderância nos últimos decénios do século XX (Callaghan, & Morrissey,
1993; Cohen & McKay, 1984).
Numa revisão de investigação sobre o SS, Callaghan e Morrissey, (1993) concluem
haver evidência proveniente de uma grande variedade de estudos, ao longo dos
anos, de que o SS pode ter um papel importante na manutenção da saúde e no
amortecimento dos efeitos deletérios do distresse social e ambiental. Kaplan,
Patterson, Kerner, Grant, e o HIV Neurobehavioral Research Center (1997), numa
revisão de estudos epidemiológicos afirmam que parece haver uma relação
impressionante entre SS e diferentes indicadores de saúde, da longevidade à
mortalidade, em diversas doenças e condições. Estes autores questionam a
direccionalidade da relação: se é o SS fraco que causa fraca saúde ou o
contrário.
Rodin e Salovey (1989) referem que o SS alivia o distresse em situação de
crise, pode inibir o desenvolvimento de doenças e, quando o indivíduo está
doente, o SS tem um papel importante na recuperação da doença. Sarason et. al
(1983) explicam que o SS contribui para um ajustamento positivo e para o
desenvolvimento pessoal e fornece protecção contra os efeitos do stresse.
Parece haver evidência consistente de que o SS disponível protege os indivíduos
dos efeitos dos stressores (Bolger, & Amarel, 2007; Callaghan, &
Morrissey, 1993; Cohen, 2004; Cohen & Hoberman, 1983). A investigação
parece ser consensual sobre a importância do SS para a saúde (Berkman &
Glass, 2000; Cohen & Lemay, 2007; Diong et al., 2005; Gottlieb, 1985), ou
seja a disponibilidade de alguém que forneça ajuda ou apoio emocional parece
proteger os indivíduos das consequências negativas de doenças mais graves e de
situações stressantes (Sherbourne & Stewart, 1991).
Singer e Lord (1984) colocam como hipótese que o efeito do SS cai dentro de
quarto categorias: a) o SS protege das perturbações induzidas pelo stresse; b)
a ausência de SS é um stressor; c) a perda de SS é um stressor; d) o SS é
benéfico. Segundo estes autores, todas estas hipóteses têm recebido confirmação
da investigação.
Cramer, Henderson e Scott (1997) distinguem entre SS percebido e recebido. O
primeiro refere-se ao que o indivíduo indica ter disponível quando necessário,
o segundo, aquele que é recebido de alguém. Wethingston e Kessler (1986)
verificaram que os resultados de saúde são melhor explicados pela existência do
SS percebido do que pela existência de SS tangível. Sherbourne e Stewart
(1991), referem que no SS é importante a percepção de existência de suporte
funcional, e que este se refere ao grau em que as relações interpessoais servem
determinadas funções.
É consensual que o SS é constituído por múltiplos domínios: Dunst e Trivette
(1990) sugerem a existência de cinco componentes interligados: constitucional,
relacional, funcional, estrutural e satisfação. Parece também existir
concordância sobre a necessidade da existência de instrumentos
multidimensionais, psicometricamente fundamentados, para utilização com
população doente, que sejam suficientemente breves para não constituírem uma
sobrecarga (Broadhead, Gehlbach, DeGruy & Kaplan, 1988; Cohen & Syme,
1985; House & Kahn, 1985; Orth-Gomer & Unden, 1987). Já antes
desenvolvemos um questionário de avaliação do SS dirigido à população em geral
(Pais-Ribeiro, 1999).
Sherbourne e Stewart, (1991) desenvolveram um questionário destinado a pessoas
com doenças crónicas cujos itens avaliam: 1) o suporte emocional, que consiste
na expressão de afecto positivo, compreensão empática e encorajamento de
expressão de sentimentos, 2) o suporte informacional, que consiste em
orientação ou feedback, que ajude a encontrar uma solução para o problema, 3) o
suporte tangível, que consiste no fornecimento de ajuda material ou de
assistência, 4) a interacção social positiva, ou seja, a existência de outras
pessoas com quem fazer coisas interessantes e divertidas e, 5) o suporte
afectivo, que envolve a expressão de amor e afecto. O questionário destes
autores tem sido muito utilizado em contexto de doença e nas mais variadas
doenças e condições (Baigi, Hildingh, Virdhall, & Fridlund, 2008; Cumming,
Cadilhac, Rubin, Crafti, & Pearce, 2008; Gaede, et al. 2006; Kettmann,
& Altmaier, 2008; Martin, & Levy, 2006; Surkan, Peterson, Hughes, &
Gottlieb, 2006; Westaway, Seager, Rheeder, & Van Zyl, 2005).
Estudos anteriores sobre este instrumento realizados em Português Europeu, com
pessoas com doença crónica (Fachado, Martinez, Villalva, & Pereira, 2007) e
da comunidade (Ponte & Pais-Ribeiro, 2008) mostram uma estrutura factorial
de quatro factores e propriedades psicométricas semelhantes à versão original.
A forma em Português do Brasil (Griep, Chor, Faerstein, Werneck, & Lopes,
2005) encontrou três factores, tal como em Castelhano (Requena, Salamero, &
Gil, 2007), e Malaio (Mahmud, Awang, & Mohamed, 2004), mas com a
constituição dos factores incluindo itens diferentes. Outros estudos de
validação para línguas e culturas diferentes mostram também uma estrutura
factorial diferente como seja de dois factores para o Inglês da África do Sul
(Westaway, et al. 2005), e para Chinês de Taiwan (Shyu, Tang, Liang, &
Weng, 2006). A adaptação para Francês mostra uma estrutura idêntica à original
e à Portuguesa (Badoux, 2000).
O objectivo do presente estudo é inspeccionar a estrutura e os valores
psicométricos da versão para Português Europeu da Escala de Suporte Social do
MOS numa população de idosos.
MÉTODO
Participantes
Participaram 225 indivíduos, 65,8% mulheres, 48% casados, 37,7% viúvos, idade
média de 75,58 anos (entre 65 e 92), escolaridade média de 5,80 anos, 88%
reformados. Não se verificam diferenças estatisticamente significativas em
função do género e do estatuto profissional (reformado versus trabalhador),
quer por dimensão quer para a pontuação total.
Material
O MOS Social Support Survey que, na versão Portuguesa, denominaremos de Escala
de Suporte Social do MOS, é uma escala breve, de auto-resposta,
multidimensional, desenvolvida para doentes crónicos no âmbito do estudo MOS.
MOS é o acrónimo de Medical Outcomes Study, um estudo longitudinal de dois anos
visando os processos e resultados dos cuidados de saúde com doentes crónicos. A
escala pro-põe-se avaliar as principais dimensões do SS de forma prática e
breve. As autoras partiram da análise das medidas e conceitos existentes para
gerarem os 50 itens exploratórios iniciais que se centravam na percepção da
disponibilidade de diversas funções de SS. Após diversas fases de tratamento
dos itens passaram para 37, até se fixarem no número final de 19. Os
respondentes eram 2987 pessoas com doença crónica, com idades entre os 18 e 98
anos de idade (M=55), 39% homens. Os 19 itens referem-se às cinco dimensões de
suporte social propostas pelos autores: tangível (4 questões); afectivo (3
questões); emocional (4 questões); informacional (4 questões); e interacção
social positiva (4 questões). Na solução final duas dimensões (emocional e
informacional) fundem-se ficando o Escala de Suporte Social do MOS com quatro
dimensões. O respondente deverá indicar, para cada item, com que frequência
considera ter disponível cada tipo de apoio caso necessite entre, “nunca”,
“raramente”, “às vezes”, “quase sempre” ou “sempre”. No final os resultados são
transformados numa pontuação de 0 a 100, por dimensão, mais uma pontuação
total.
Número de amigos - Com vista a encontrar indicadores estruturais, e tal como no
estudo original, perguntámos o número de amigos íntimos que o respondente
possui, considerando este indicador como medida de convergência das dimensões
da Escala de Suporte Social do MOS
Estado civil - Também como no estudo original, agrupámos os indivíduos em sós
(solteiros, divorciados e viúvos) e casados, para relacionar com o resultado do
SS.
Procedimento
Recorremos à análise factorial exploratória para o estudo preliminar dos dados,
e para identificar a estrutura da escala. Verificámos ainda a consistência
interna de cada uma das dimensões e da escala total, assim como indicadores
descritivos das dimensões e da escala total. Foram eliminados os participantes
que respondiam sempre nos lugares extremos das possibilidades de resposta (zero
ou 100 para todas as dimensões) o que poderia sinalizar falsificação.
RESULTADOS
Procedemos a uma análise em componentes principais dos resultados, seguindo a
regra Kaiser, com rotação varimax, encontrando quatro componentes em cinco
interacções, que explicavam 73,10% da variância (quadro 1). A solução agrupa os
itens propostos na solução original, e idênticos ao nosso estudo anterior com
população adulta da comunidade (Ponte & Pais-Ribeiro, 2008) que explicava
68,99% da variância, com alteração da ordem dos dois últimos factores que neste
estudo trocam de posição entre si.
Quadro 1
Carga factorial nos componentes extraídos,
mantendo as cargas factoriais acima de 0,40
A inspecção da matriz da análise em componentes principais, depois da rotação,
mostra cargas factoriais elevadas de cada item num componente, tal como o que
foi descrito na versão original, e com valores de discriminação geralmente
elevados, com os valores de discriminação mais baixos na casa dos 20 pontos
mas, normalmente, acima dos 40 pontos.
O quadro 2 mostra a consistência interna, segundo o Alpha de Cronbach, de cada
dimensão para o presente estudo: entre parêntesis mostra-se, em primeiro lugar
a consistência interna do nosso estudo anterior e depois o da versão original.
Quadro 2
Consistência interna da Escala de Suporte Social
do MOS (entre parêntesis mostram-se os resultados
do estudo de Ponte e Pais-Ribeiro,2008, e da
versão original)
Os resultados são consistentes com o nosso estudo anterior e mais próximos dos
valores do estudo original do MOS. De qualquer modo os valores da consistência
interna continuam muito elevados a sugerir alguma redundância dos itens.
As correlações corrigidas para sobreposição, de cada item com a dimensão a que
pertence, são elevadas, tal como a carga factorial nos componentes já sugeria,
com valores entre 0,73 e 0,86 para a dimensão “suporte tangível” (0,72-0,87 na
versão original dos EUA), 0,67 a 0,81 para o “suporte emocional/informacional”
(0,82-0,90 na original), 0,72 a 0,83 para o “suporte afectivo” (0,80 a 0,86 na
original), 0,44 a 0,67 para a “Interacção social positiva” (0,87-0,88 na
original).
A análise da correlação entre itens de cada dimensão mostra para o “suporte
tangível” valores entre r= 0,65 e r= 0,84; para o “suporte emocional/
informacional” valores entre r= 0,47 e r= 0,82; para o “suporte afectivo”
valores entre r=0,74 e r= 0,80; para a “Interacção social positiva” valores
entre r=0,34 e r= 0,63. Epstein (1983) defendia que para que os itens de uma
escala não sejam redundantes devem exibir correlações inter itens entre 0,20 e
0,30 e que se este valor for superior então há redundância. Afirma que, “an
ideal item in a test that measures a broad trait is one that has a relatively
high correlation with the sum of all items in the test (minus itself) and a
relatively low average correlation with the other items”, (p. 366). Ora, o que
se verifica aqui é que os valores de correlação entre itens são elevados e
próximos dos valores da correlação item dimensão a que pertence (corrigida para
sobreposição). Tal resultado aponta para a existência de redundância entre
itens como sugere Epstein.
As correlações das dimensões entre si e com a escala total são apresentadas no
quadro 3
Quadro 3
Correlações de Pearson entre pontuações das
dimensões e da escala total (entre parêntesis os
valores de correlação entre dimensões na versão
original)
As correlações entre dimensões são muito mais baixas do que na versão original,
o que salienta uma maior independência das dimensões no nosso estudo. As
dimensões que explicam melhor o resultado total são o “suporte social afectivo”
e o “suporte social emocional e informacional”, cada uma com um pouco mais de
dois terços da variância da escala total explicada.
As médias dos valores de cada dimensão da escala e da escala total, são os
apresentados no quadro 4
Quadro 4
Estatística descritiva para as dimensões de
suporte social
O procedimento One-Sample T Test para identificar diferenças estatisticamente
significativas entre os resultados dos nossos dois estudos mostram que há
diferenças para: a interacção social positiva (t(224)=5,42,p< 0,0001); o
suporte social tangível (t(224)= 7,95,p>< 0,0001; o suporte social afectivo (t
(224)= 1,91,p>< 0,05). Não há diferenças estatisticamente significativas entre
o nosso primeiro estudo e o actual para o suporte social emocional e
informacional e para o suporte social total. Os resultados mostram variações
entre o nosso estudo anterior, em que a média de idades era M=36,53, e o
actual. Provavelmente, as diferenças podem ser explicadas pela idade, dado as
diferenças mais significativas estarem associadas ao suporte tangível e à
interacção social positiva, a primeira estando normalmente mais disponível para
a população mais idosa e a segunda estar provavelmente mais reduzida na
população com mais idade. O desvio padrão de cada dimensão e da escala total é
menor nos dois estudos realizados por nós do que na versão original.
Inspeccionámos a correlação entre variáveis demográficas e as dimensões da
escala em estudo (quadro 5)
Quadro 5
Correlação entre a pontuação das dimensões e
pontuação total da escala de social suporte do
MOS e as variáveis demográficas.
A correlação da idade com a “interacção social positiva” é estatisticamente
significativa e negativa, significando que diminui com o aumento da idade,
enquanto com o “suporte social tangível” acontece o inverso. Estes resultados
estão de acordo com o que seria de esperar nas condições actuais de uma
população de idosos.
Reproduzimos o procedimento da versão original inspeccionando a correlação
entre o número de amigos e as dimensões de SS assim como a correlação ponto
bis-serial entre estado civil (casado/solteiro) e as mesmas dimensões. A
correlação ponto bisserial (rpb) ocorre entre uma variável naturalmente
dicotomizada e outra variável intervalar ou equivalente, e o seu resultado é
idêntico à correlação r de Pearson. Encontrámos valores estatisticamente
significativos mas moderados para correlação entre número de amigos e a
dimensão “suporte social afectivo”, assim como com a escala total, no sentido
que também Sherbourne (1992) propunha embora, no nosso estudo isso ocorra
somente para estas duas dimensões do SS. O “suporte social afectivo” exibe uma
correlação baixa com o estado civil dicotomizado (solteiro/casado): esta
correlação é mais baixa do que no estudo original.
DISCUSSÃO
O funcionamento social expressa saúde mental e física. O SS é um factor
susceptível de contribuir para o funcionamento social. A escala aqui
apresentada foi desenvolvida para avaliar as diversas funções de suporte do
funcionamento social.
A Escala de Suporte Social do MOS exibe uma estrutura muito semelhante à da
versão original, e propriedades métricas de magnitude elevada. Os valores da
consistência interna, porque muito elevados, sugerem a possível existência de
redundância entre os itens, o que significa que poderia reduzir-se o seu
número. De facto, a consistência interna baseia-se na correlação entre os itens
de uma dimensão. Portanto, quando duas variáveis exibem valores de correlação
elevados podemos estar na presença de colinearidade. Esta assume que valores de
variância partilhada acima de 0,30, ou seja correlações à volta de 0,55, como
exprimindo forte dependência dessas variáveis entre si. Daí o alerta e
recomendação de Epstein (1983), para procurar valores de correlação entre
variáveis a incluir numa dimensão entre 0,20 e 0,30, para não existir
redundância. Os valores de correlação entre itens em cada dimensão da presente
escala são geralmente muito elevados, se tomarmos em consideração a
recomendação anterior. No entanto ela, de origem, mostra ainda valores mais
elevados. Este é, no entanto, um problema geral da avaliação em psicologia que
precisava de ser melhor discutido, valorizando mais os aspectos teóricos que se
pretende medir, e não confiar tanto nos valores produzidos pelos programas de
estatística.
Os resultados encontrados nas validações para Português europeu apontam no
sentido de que a presente escala, mede os mesmos construtos, do mesmo modo, que
a versão original e que pode ser útil para utilizar nos estudos com a população
Portuguesa mais idosa, tal como com a população mais jovem.