Factores preditores do insucesso na gastrobandoplastia: uma revisão da
literatura
Considerada pela Organização Mundial de Saúde uma das epidemias do século XXI,
a obesidade mórbida é uma doença crónica cuja prevalência tem vindo a aumentar.
Esta surge como uma severa e agravante versão da obesidade, na qual a
acumulação anormal ou excessiva de gordura corporal atinge proporções que
representam um elevado risco para a saúde (Organização Mundial de Saúde [OMS],
2008; Silva, 2006), sendo diagnosticada em sujeitos com um Índice de Massa
Corporal (IMC) igual ou superior a 40kg/m2 ou igual ou superior a 35kg/m2 com
co-morbilidades associadas. Além de ser uma doença de longo curso e, portanto,
crónica, surge ligada à incapacidade ou a problemas graves de saúde, tais como
diabetes, doenças cardiovasculares, asma ou cancro, que reduzem
significativamente a qualidade de vida dos indivíduos (Sarwer, Wadden, &
Fabricatore, 2005), assim como a sua esperança média de vida, contribuindo para
a mortalidade precoce.
Nas projecções efectuadas, em 2005, pela OMS (OMS, 2006) cerca de 400 milhões
de adultos são obesos, e espera-se que no ano 2015 este número suba para os 700
milhões. Isto significa que, actualmente, cerca de 11,2% da população mundial é
obesa, o que representa, em termos de custos de saúde a nível mundial, cerca 2
a 8% dos gastos em tratamentos destinados à obesidade e às comorbilidades
associadas (Fandiño, Benchimol, Coutinho, & Appolinário, 2004).
A prevalência da obesidade nos E.U.A aumentou significativamente nos últimos 30
anos, subindo de 15% em 1980, para 33% em 2004, em adultos dos 20 aos 74 anos
de idade (Ogden, Yanovski, Carroll, & Flegal, 2007). Vários estudos têm
demonstrado que, neste mesmo país, nos anos 60, 11% dos homens e 16% das
mulheres eram obesos, enquanto em 2003/2004 a prevalência de obesidade subiu
para 32% nos homens e 34% nas mulheres, verificando-se, que independentemente
da idade, género, ou grupo étnico/racial, o grupo com taxas de obesidade mais
elevadas é o das mulheres (Ogden et al., 2007). Estima-se, igualmente, que em
2002, os cuidados médicos relacionados com o tratamento da obesidade e suas
comorbilidades terão custado a este país cerca de 92 mil milhões de dólares
(Ogden et al., 2007).
Em termos europeus, verifica-se, igualmente, um aumento significativo do número
de pessoas obesas em quase todos os países do Velho Continente (Seidell,
2001). Na Suíça, no espaço de 16 anos, a prevalência de obesidade subiu de 8,8%
nos homens e 6,6% nas mulheres, em 1980, para 11,9% e 10% respectivamente, em
1996 (Lissner, Johansson, Qvist, RoÈssner, & Wolk, 2000). Em Inglaterra, a
prevalência da obesidade nas mulheres entre os 25 e os 34 anos aumentou de 12%
para 24% no espaço de nove anos, entre 1993 e 2002. Apesar de, por norma, o
grupo das mulheres apresentar um número de casos de obesidade mais elevado
comparativamente ao grupo dos homens, segundo Seidell (2001), os homens
europeus parecem ser os mais afectados por esta problemática, continuando-se a
verificar um aumento da obesidade neste grupo, ao contrário do das mulheres,
cujos dados indicam uma possível estagnação na evolução da obesidade. Todavia
os números permanecem bastante elevados. Segundo o mesmo autor, esta doença é
também mais frequente entre grupos de baixo estatuto socioeconómico, sendo, na
Europa, uma doença quase exclusiva das classes mais baixas.
Portugal não é excepção no quadro epidemiológico da obesidade, estimando-se que
cerca de 15% dos portugueses sejam obesos (Direcção Geral de Saúde [DGS],
2008). Efectivamente, o estudo realizado por Carmo e col. (2007), na população
portuguesa entre os 18 e os 64 anos, revelou que, dos 8116 participantes,
39,46% apresentavam excesso de peso e 14,2% eram obesos. Ou seja, comparando
estes resultados com estudos mais antigos, verifica-se que, à semelhança do que
se passa com os dados europeus e mundiais, os números têm vindo a subir no seio
da população portuguesa: enquanto em 1995/1998 a prevalência de excesso de peso
e obesidade, em conjunto, rondava os 49,6%, em 2003/2005 esta encontrava-se nos
53,6%. Segundo este estudo, a prevalência de obesidade é maior nos homens
(60,2%) do que nas mulheres (47,8%), o que confirma a tendência europeia
relativamente à distribuição entre sexos. Portanto, este estudo permite
concluir que mais de metade da população portuguesa tem excesso de peso ou é
obesa, e as projecções indicam que a tendência é para que a prevalência
continue a aumentar. Isto representa um aumento de riscos para a saúde (por
exemplo, ao nível de doenças cardiovasculares), um aumento da mortalidade
precoce e um aumento dos custos com a saúde. Actualmente estima-se que, em
Portugal, cerca de 3,5% dos custos de saúde sejam dedicados ao tratamento da
obesidade e/ou das comorbilidades associadas (Carmo et al., 2007). Perante
estes dados, a obesidade tornou-se um motivo de grande preocupação das
sociedades, assistindo-se a um rápido crescimento de campanhas de prevenção e
promoção da saúde associadas a esta temática, assim como ao desenvolvimento de
métodos e técnicas de intervenção cirúrgicos, considerados os mais eficazes no
tratamento a longo prazo da obesidade (Ray, Nickels, Sayeed, & Sax, 2003).
GASTROBANDOPLASTIA
Perante o aumento significativo do número de pessoas com obesidade, tem-se
registado, igualmente, um aumento do número de procedimentos cirúrgicos
efectuados como forma de tratamento desta doença. Estima-se que, nos E.U.A, no
início dos anos 90, o número de cirurgias rondava as 16.000 enquanto em 2003
tinham sido já realizadas cerca de 103.000 (Steinbrook, 2004), sendo, na sua
maioria, destinadas à colocação do bypassgástrico (Ray et al., 2003). Em
Portugal, cerca de 3000 a 4000 doentes foram submetidos a cirurgia para
combater a obesidade, sobretudo através da colocação da banda gástrica
(Carvalho, 2007).
As cirurgias bariátricas, expressão que designa todas as técnicas cirúrgicas
utilizadas no tratamento da obesidade mórbida (Silva, 2006), podem ser
classificadas em malabsortivas, nas quais se insere o bypassgástrico, e
restritivas, como é o caso da gastrobandoplastia (Fandiño et al., 2004). Esta
consiste na implementação, preferencialmente e sempre que possível, por via
laparoscópica, de um anel (banda) regulável à volta do estômago, junto à porção
alta deste, perto da extremidade proximal gástrica, logo abaixo da junção
esogástrica. Tem como principais vantagens o facto de manter o estômago
inviolável e de ser possível ajustar o calibre da banda consoante as
necessidades do utente, podendo-se reconverter o processo a qualquer altura
(Sociedade Portuguesa de Cirurgia de Obesidade [SPCO], 2010).
Ao contrário dos programas comportamentais e farmacológicos tradicionais que
parecem produzir resultados insatisfatórios no tratamento da obesidade mórbida,
contribuindo apenas para uma redução de 8 a 10% do excesso de peso verificado e
com 95% dos sujeitos a recuperarem o seu peso inicial no espaço de dois anos, a
gastrobandoplastia tem sido apresentada como um dos procedimentos mais eficazes
no combate da obesidade mórbida, apontando-se uma redução em cerca de 50 a 60%
do excesso de peso verificado, uma melhoria das comorbilidades associadas e a
manutenção, a longo prazo, do peso perdido após a cirurgia (Mrad, Stoklossa,
& Birch, 2008; Berenguer et al., 2007; Guimarães et al., 2006; Sarwer et
al., 2005). Em termos de critérios de selecção dos candidatos, apesar da
controvérsia à volta do tema, tem-se tido em consideração os seguintes
aspectos: os sujeitos devem possuir um IMC igual ou superior a 40kg/m2 ou um
IMC igual ou superior a 35kg/m2 associado a comorbilidades que representem um
risco elevado para a saúde, como por exemplo, apneia do sono, diabetes ou
hipertensão (Gibbons et al., 2006); devem apresentar um tempo mínimo de cinco
anos de evolução da obesidade, bem como histórias de fracasso de tratamentos
convencionais orientados por profissionais qualificados e não devem sofrer de
pneumopatias graves, insuficiência renal, lesão acentuada do miocárdio e
cirrose hepática (Fandiño et al., 2004). Em termos psicológicos, alguns autores
têm apontado os seguintes critérios como factores de exclusão ou contra -
indicadores da realização da cirurgia, remetendo-se para tratamento prévio:
registo de psicoses, alcoolismo e atraso mental (por impedirem uma tomada de
decisão informada); diagnóstico de bulimia nervosa; nunca ter frequentado um
programa de tratamento para perda de peso, considerando a cirurgia como uma
primeira opção; e falta de motivação e colaboração na adopção das mudanças
necessárias do estilo de vida (Travado, Pires, Martins, Ventura, & Cunha,
2004). Efectivamente, este procedimento requer modificações significativas no
estilo de vida, quer pela mudança no comportamento alimentar, quer pela
introdução do exercício físico, sendo essencial um grande esforço e adesão
terapêutica para que o processo resulte num sucesso a longo prazo. Porém, nem
sempre os resultados são os desejados, pois, apesar de nos primeiros meses após
a cirurgia se verificar uma melhoria significativa das comorbilidades
associadas e um aumento do bem - estar físico e psicológico dos indivíduos,
traduzindo-se numa melhoria geral da sua qualidade de vida, a literatura indica
que há uma percentagem de pessoas que representa casos de insucesso visto não
implementarem as mudanças comportamentais necessárias.
O INSUCESSO DA GASTROBANDOPLASTIA
Abordar a questão do (in)sucesso na cirurgia bariátrica tem-se revelado um
assunto particularmente controverso. Kalarchian e col. (2002) definem insucesso
como fracasso em termos de perda significativa de peso ou ganho de peso após
significativa perda deste, quando realizada cirurgia (p. 271). Outros autores
assumem que o insucesso ocorre quando não se verifica uma perda, seguida de
manutenção, de pelo menos 50% do excesso de peso (embora este valor varie de
autor para autor) ou não se verifiquem melhorias nas comorbilidades associadas
à obesidade (Guimarães et al., 2006).
Efectivamente, vários estudos têm constatado que, num período de um ano e meio
a três anos após a realização da cirurgia, tende a ocorrer uma dissipação dos
ganhos obtidos com este procedimento (Berenguer et al., 2007), registando-se um
aumento de peso nos sujeitos obesos que pode atingir os 15% do total de peso
perdido após a colocação da banda gástrica (Sarwer et al., 2005). Desta forma,
estima-se que, actualmente, a taxa de insucesso da cirurgia bariátrica varie
entre os 10 e os 20% (Sérgio, 2008; Guimarães et al., 2006; Sarwer et al.,
2005), embora alguns autores cheguem mesmo a indicar que a não manutenção a
longo prazo do peso perdido (dois ou três anos pós cirurgia) ocorre em cerca de
35% dos casos (Guimarães et al., 2006). Existem estudos recentes que demonstram
taxas ainda mais elevadas de insucesso no pós-cirurgia. Num estudo realizado
por DeMaria e col. (2000) registou-se um insucesso de 40%, num follow-upde
quatro anos, no total dos 37 doentes que colocaram uma banda gástrica, sendo
que, em alguns casos, não se observou qualquer alteração significativa em
termos de peso e noutros foi mesmo necessária a realização de uma segunda
cirurgia. Os mesmos resultados foram encontrados por Ray e col. (2003) aquando
da realização de um follow-upjunto de 243 indivíduos sujeitos a
gastrobandoplastia, tendo sido adoptado como indicador de sucesso a perda de
50% do excesso de peso apresentado. Neste estudo cerca de 40% dos participantes
não conseguiu atingir este objectivo e 15 sujeitos não conseguiram, inclusive,
aproximar-se dos 40% da perda de peso. Martikainen e col. (2004) encontraram um
fracasso de cerca de 50% dos doentes que colocaram banda gástrica, após um
período de um a dois anos de follow-up.No mesmo período de tempo, dos 123
pacientes submetidos a cirurgia, verificou-se uma perda entre os 36% e os 38%
do excesso de peso apresentado, tendendo a estabilizar nos 30%. Neste mesmo
estudo, 33% das bandas gástricas colocadas tiveram de ser retiradas.
Perante estes resultados, torna-se pertinente perceber o que poderá contribuir
para esta situação, uma vez que conduz, muitas vezes, ao aparecimento ou
exacerbação de complicações do foro físico e psicológico junto desta população.
FACTORES PREDITORES DE INSUCESSO EM GASTROBANDOPLASTIA
Existem inúmeras complicações físicas pós cirúrgicas que poderão explicar
alguns dos insucessos verificados. Contudo, a literatura demonstra que existe
uma panóplia de factores psicológicos que poderão, igualmente, contribuir para
alguns desses fracassos, sendo os mais comuns: perturbações de humor,
principalmente perturbação depressiva major, perturbações de ansiedade e de
personalidade, histórias de experiências traumáticas e adversas que estão
associadas a situações de Perturbação de Stress Pós-Traumático (PTSD), e
perturbações alimentares, nomeadamente, ingestão alimentar compulsiva.
No estudo efectuado por Ray e col. (2003), relacionaram-se factores pré-
cirúrgicos com resultados a longo prazo (follow upde três anos), numa amostra
de 243 sujeitos. Este estudo concluiu que a presença de histórias de vida
adversas, perturbações de personalidade (com prevalência mais elevada na
população obesa do que na população geral), perturbações alimentares e sintomas
psicopatológicos como depressão e ansiedade contribui para o fracasso da
gastrobandoplastia em pelo menos 40% dos participantes, um ano após a cirurgia.
Este estudo verificou, também, que pessoas com histórias prévias de dietas
fracassadas terão mais dificuldades em lidar com os coadjuvantes dos
procedimentos cirúrgicos, pois demonstram maior relutância na mudança do estilo
de vida e no controlo alimentar e, portanto, menor adesão em todo o processo.
Efectivamente, a literatura refere que a obesidade mórbida surge não só
associada a comorbilidades físicas, como também psicológicas, sendo possível
identificar inúmeros sintomas psicopatológicos nos indivíduos submetidos a
gastrobandoplastia (Silva, 2006), os quais, apesar de registarem uma melhoria
após a realização deste procedimento, reemergem pouco tempo depois (Song &
Fernstrom, 2008; Larsen et al., 2004). Este percurso apenas não se verifica,
tal como seria de esperar, nas perturbações de personalidade. Estas têm sido
fortemente associadas aos sujeitos com obesidade mórbida, observando-se em
cerca de 72% dos candidatos a gastrobandoplastia (Sarwer et. al., 2005).
Segundo Sarwer e col. (2005), as perturbações histriónica,
borderline,esquizotípica e passivo ' agressiva são as mais comummente
diagnosticadas e referenciadas como possíveis causas do insucesso cirúrgico.
Partindo do pressuposto que certas características de personalidade influenciam
os comportamentos de saúde, condicionando alguns resultados, Larsen e col.
(2004) realizaram um estudo com 168 sujeitos que colocaram banda gástrica,
pretendendo verificar, com base no Questionário Holandês da Personalidade,
quais os factores que poderão funcionar como predictores de insucesso, num
follow-upde 18 meses. Estes autores verificaram que o factor Egoísmo se
encontra positivamente correlacionado com uma menor perda de peso pós '
cirúrgico. Apesar da controvérsia associada a esta temática e de se verificar a
necessidade de realização de mais estudos que confirmem estes dados, vários
autores, têm referido que uma atitude defensiva, rigidez de pensamento,
somatização, hostilidade e hipocondria poderão surgir como factores predictores
de uma menor perda de peso após a cirurgia (Rebelo & Leal, 2007). Deste
modo, Larsen e col. (2004) colocam a hipótese de que as dimensões
Impulsividade, Neuroticismo, Dominância e Hostilidade, apesar de não terem
surgido com valores significativos, deverão ser melhor exploradas pois poderão,
igualmente, contribuir para uma menor perda de peso pós-cirúrgico, surgindo
como estratégias de copingineficazes neste grupo de sujeitos.
Tal como já foi mencionado, muitos sujeitos obesos apresentam, igualmente,
elevados índices de psicopatologia. Por exemplo, Silva (2006) verificou, numa
amostra composta por 75 obesos mórbidos, que 71 sujeitos apresentavam valores
superiores de psicopatologia, comparativamente aos valores da população geral,
e que 42 indivíduos possuíam valores clinicamente significativos. Segundo uma
revisão da literatura realizada por Sarwer e col. (2005), verifica-se que cerca
de 20 a 60% dos sujeitos submetidos a gastrobandoplastia, apresentam, no
momento prévio à realização deste procedimento, perturbações que se enquadram
no Eixo I da avaliação multiaxial. As perturbações de humor, principalmente
perturbação depressiva majore perturbação distímica surgem como as mais
prevalentes, seguidas pelas perturbações de ansiedade (perturbação de ansiedade
generalizada e fobia social). De acordo com a revisão da literatura efectuada
por Wadden e col. (2001), este grupo de sujeitos apresenta mais sintomas
depressivos quando comparado com indivíduos que, apesar de possuírem excesso de
peso, não têm obesidade mórbida. Este aspecto foi corroborado por um estudo
realizado por Sullivan e col. (1993), com 1743 sujeitos, constatando-se que os
participantes obesos mórbidos apresentavam índices de saúde mental
significativamente mais baixos que os inquiridos obesos.
Verifica-se, também, que estes sintomas depressivos são, igualmente, mais
prevalentes em jovens do sexo feminino, e em candidatos com uma imagem corporal
negativa, com baixa percepção de qualidade de vida e com histórias de episódios
de ingestão alimentar compulsiva (Sarwer et al., 2005). Song e Frenstrom (2008)
apontam uma prevalência de sintomas depressivos nos indivíduos sujeitos a
cirurgia bariátrica que varia entre os 4,4% e os 53%, referindo que estes,
juntamente com sintomas ansiosos, constituem as principais causas do insucesso
da cirurgia bariátrica. Após a realização do procedimento cirúrgico, muitos
autores indicam que ocorrem melhorias significativas ao nível das perturbações
de humor e de ansiedade, verificando-se uma redução de 40 para 20% em termos de
sintomatologia, pelo menos nos primeiros seis meses após o acontecimento,
assistindo-se, posteriormente, a um retrocesso em termos psicopatológicos, que
condiciona negativamente a perda de peso pós-cirúrgica. Muitos estudos
obtiveram estes mesmos resultados, levando Sarwer e col. (2005) a concluírem
que os benefícios psicológicos da cirurgia podem estar limitados ao primeiro
ano após a realização da mesma, contribuindo, posteriormente, para uma
recuperação do peso perdido. Os mesmos autores referem que apenas 19% dos casos
que não apresentava história de perturbações mentais antes da realização da
cirurgia desenvolvem alguns destes sintomas psicopatológicos.
Alguns autores indicam que estes sintomas psicopatológicos surgem, muitas
vezes, no seguimento de acontecimentos traumáticos que ocorreram na vida dos
indivíduos. Kalarchian e col. (2007), num estudo realizado com 288 obesos
mórbidos, verificaram que a presença de histórias de acontecimentos adversos na
infância pode aumentar o risco de desenvolvimento de psicopatologia e de
obesidade, observando que 11,8% dos participantes preenchia critérios para
PTSD. Estes autores referem que é muito comum encontrarem-se histórias de
trauma sexual nos sujeitos que procuram a cirurgia, o que poderá trazer
problemas em termos de resultados pós ' cirúrgicos. Ray e col. (2003) sugerem
que, nestes casos, ser obeso funciona como forma de adaptação ao acontecimento
traumático, pois, numa sociedade em que se valoriza a magreza (ocidentalismo),
possuir uma imagem contrária a esse ideal, e, portanto, não tão atractiva,
sensual e apelativa, contribui para a diminuição do desejo sexual nos elementos
do sexo oposto. Silva (2006) verificou, também, que a presença de experiências
adversas não só é muito prevalente como parece, efectivamente, ter um forte
impacto no aparecimento de sintomas psicopatológicos nos indivíduos obesos
mórbidos. O estudo desenvolvido por esta autora avaliou a prevalência de
experiências adversas quer na infância, quer na idade adulta, numa amostra de
75 sujeitos com obesidade mórbida, concluindo-se que, de facto, situações de
adversidade ocorridas ao longo do percurso desenvolvimental destes sujeitos,
são predictores significativos dos sintomas de perturbação mental, que em muito
poderão contribuir para o problema da obesidade. Por exemplo, tem sido proposto
que a adversidade está relacionada com o aparecimento de perturbações de humor
e de ansiedade e de alterações do comportamento alimentar, levando ao
desenvolvimento de ingestão alimentar compulsiva (IAC). Felitti (2003) defende
que, como forma de lidarem com as consequências resultantes dos acontecimentos
traumáticos, os indivíduos tendem, muitas vezes, a adoptar estratégias de
copingque, a curto prazo, minimizam o seu sofrimento, mas que acabam por se
revelar pouco adequadas. A ingestão alimentar compulsiva é uma dessas
estratégias, servindo de mediadora da ansiedade, frustração, depressão e outras
emoções desagradáveis que resultam destas experiências adversas. Efectivamente,
há indivíduos que demonstram uma relação psicológica com a comida que vai para
além das necessidades nutricionais do indivíduo. Os sujeitos que apresentam IAC
tendem a comer excessivamente como forma de preencher um vazio psicológico,
procurando, em momentos de stress, encontrar alguma forma de conforto junto da
comida. A alimentação, então, como um mecanismo de coping mal adaptativo
perante problemas psicológicos (como a depressão, ansiedade e PTSD),
contribuindo para o desenvolvimento e agravamento da obesidade (Song &
Fernstrom, 2008). Da mesma forma, Ogden (2004) afirma que nos sujeitos obesos
existe uma pressão para a dieta, associada a tentativas falhadas de a
concretizar, que podem deixar a pessoa obesa deprimida, levando-a a sentir-se
falhada e descontrolada, desenvolvendo sintomas de humor negativo, associados a
sentimentos de negação e culpa que resultam numa resposta de ingestão alimentar
em excesso. Salienta-se, portanto, que perante a demonstração desta estratégia
de copingem sujeitos submetidos a cirurgia bariátrica, esta poderá estar
seriamente comprometida, surgindo como factor predictor de insucesso, uma vez
que é retirada a estes sujeitos uma forma de lidar com os seus problemas, sem
lhes serem apresentadas alternativas de coping.Em termos de prevalência pré '
cirúrgica, estima-se que, aproximadamente, 10 a 50% dos candidatos a cirurgia
bariátrica, apresenta IAC (Song & Fernstrom, 2008; Sarwer et al., 2005),
verificando-se, em vários estudos, uma relação entre a presença destes sintomas
antes da operação e os resultados obtidos a longo prazo. Muitos autores indicam
que neste grupo de sujeitos, verificam-se, efectivamente, melhorias após a
cirurgia, observando-se uma diminuição drástica dos episódios de IAC,
associados a uma elevada adesão em termos de mudanças comportamentais,
assistindo-se, contudo, a uma erosão destes resultados dois anos após a
colocação da banda gástrica (Bocchieri, Meana, & Fisher, 2002). Um estudo
realizado por Kalarchian e col. (2002) demonstrou que, após a realização de
cirurgia, dos 99 participantes, 46% destes relatavam episódios de falta de
controlo sobre a comida, verificando-se, num follow up de dois a sete anos, um
aumento significativo de peso nestes sujeitos, levando os autores a colocarem a
hipótese da IAC representar um dos principais contributos para o fracasso dos
resultados. Os mesmos resultados foram verificados por Powers, Perez, Boyd, e
Rosemurgy (1999), registando-se, num follow-up de cinco anos e meio, um aumento
significativo de peso em sujeitos que apresentavam IAC antes da cirurgia (52%
em 116 participantes). Apesar destes sujeitos relatarem uma sensação de falta
de controlo sobre a comida, seguida de sentimentos de culpa, revelando uma
contínua luta psicológica com a comida, mesmo após a cirurgia, estes autores
chamam a atenção da incapacidade de se registarem episódios de ingestão
excessiva similares aos pré ' cirúrgicos. Devido à colocação da banda, a
sensação de saciedade é alcançada mais cedo, levando à diminuição da quantidade
de alimentos ingeridos. Desta forma, segundo estes autores, devido às
limitações fisiológicas impostas pela banda gástrica, após estes episódios,
poderão ocorrer comportamentos compensatórios como o vómito. Este não terá a
mesma significação que na bulimia nervosa, mas poderá surgir como resultado da
ingestão excessiva ou da intolerância a certos alimentos causada pela banda.
Outro aspecto que parece contribuir para o insucesso deste procedimento diz
respeito às expectativas formuladas pelos indivíduos face à cirurgia bariátrica
e aos resultados que esta proporcionará. Recentemente, Silva e Maia (2009), na
sequência de um estudo qualitativo com obesos mórbidos submetidos a cirurgia
bariátrica, referiram-se às expectativas como o milagre esperado pelos obesos
mórbidos, devido à crença de que todos os seus problemas de vida se iriam
resolver com a colocação da banda gástrica, sem que tivessem de ocorrer
mudanças comportamentais. Efectivamente, segundo Zijlstra, Larsen, Ridder,
Ramshorst, e Geene (2008) os sujeitos submetidos a gastrobandoplastia tendem a
possuir expectativas elevadas e irrealistas relativamente aos resultados pós '
cirúrgicos, sendo a perda de peso desejada duas a três vezes maior do que
aquela aconselhada pelos profissionais de saúde. Desta situação incorre uma
discrepância entre a perda de peso ideal e a perda de peso actual, o que,
segundo Foster, Wadden, Phelan, Sarwer, e Sanderson (2001), suscita nos
indivíduos avaliações negativas e irrealistas acerca dos resultados obtidos com
a cirurgia, associados a sentimentos de fracasso e desilusão. Estes autores
mencionam, também, que quando as expectativas são demasiados elevadas e os
objectivos estabelecidos se encontram fora do alcance dos indivíduos, os
progressos obtidos são encarados como insatisfatórios, levando ao
desenvolvimento de sentimentos negativos que contribuem para o abandono gradual
das metas desejadas. Efectivamente, Zijlstra e col. (2008) indicam que a perda
de peso representa apenas um meio para atingir um conjunto de objectivos tais
como a melhoria da saúde física e mental, da aparência física, da auto '
eficácia, principalmente no que concerne ao controlo de peso e da ingestão
alimentar, dos relacionamentos sociais estabelecidos, pretendendo-se alcançar
maior intimidade e aprovação social da parte dos outros. Todavia, no período
pós ' banda, os indivíduos deparam-se com uma realidade que contradiz estas
expectativas, sendo confrontados com um aumento de peso e insucesso do
procedimento cirúrgico, o que conduz ao sentimento de desilusão mencionado
anteriormente. Estes aspectos poderão contribuir para uma progressiva
diminuição da adesão terapêutica, perpetuando, assim, o fracasso verificado.
DISCUSSÃO
Os dados revistos neste artigo salientam que da cirurgia bariátrica nem sempre
resulta o sucesso esperado. A presença de psicopatologia, as características de
personalidade, as experiências de vida adversas e o padrão alimentar dos
sujeitos obesos e a sua relação com as estratégias de copingmanifestadas por
estes, poderão assumir um papel decisivo na determinação do (in)sucesso da
gastrobandoplastia. Denota-se, portanto, a necessidade de realizar avaliação e
acompanhamento psicológico desta população, de forma a diminuir os casos de
fracasso e a prevenir situações ainda mais penosas em termos físicos e
psicológicos. O acompanhamento multidisciplinar surge como essencial para este
grupo uma vez que, perante a sintomatologia psicológica, a realização de uma
cirurgia bariátrica sem acompanhamento poderá representar um risco elevado para
o indivíduo. No entanto, julga-se serem necessárias mais investigações nesta
área, de modo a obter uma melhor compreensão de todo o processo, principalmente
no que concerne à exploração do papel que as expectativas parecem exercer em
todo o processo e da sua influência sobre a adesão terapêutica dos sujeitos. Do
mesmo modo, considera-se igualmente pertinente a exploração das estratégias de
copingutilizadas por esta população, de modo a melhor compreender quais os
factores que poderão explicar o insucesso da gastrobandoplastia em indivíduos
que não apresentam ingestão alimentar compulsiva e organizar programas que
permitam ajudar os indivíduos a aumentarem as suas competências para que sejam
capazes de enfrentar todo um processo que exige, antes de mais, uma mudança do
estilo de vida.