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EuPTHUHu1645-00862012000100002

EuPTHUHu1645-00862012000100002

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN1645-0086
ano2012
Issue0001
Article number00002

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Burnout numa amostra de psicólogos portugueses da região autónoma da Madeira Burnout numa amostra de psicólogos portugueses da região autónoma da Madeira Burnout in a portuguese sample of psychologists from autonomous region of Madeira Freudenberger (1974), psiquiatra e psicanalista norte-americano introduziu o termo "burnout" na literatura científica para descrever uma síndrome que ele considerava frequente nos profissionais de saúde, como consequência da tensão emocional resultante do contacto directo com pessoas que apresentavam problemas. Durante os anos 80, o interesse por este síndroma acentuou-se, ampliando-se a diversas profissões de ajuda e de ensino, mais especificamente, médicos, enfermeiros e professores, surgindo o "burnout" como resposta às tensões emocionais que o trabalho de relação contínua destes profissionais pressupõe (Pires, Mateus, & Câmara, 2004). A definição mais consolidada parece ser a de Maslach e Jackson (1981), que definem "burnout" como um cansaço físico e emocional que leva a uma perda de motivação para o trabalho, que pode evoluir até ao aparecimento de sentimentos de fracasso. Em 1982, estes autores, a partir da análise factorial do Maslach Burnout Inventory (MBI) identificaram três factores que o caracterizam: a exaustão emocional, a despersonalização e a redução da realização pessoal que pode ocorrer entre indivíduos que trabalham com pessoas (Queirós, 2005; Pires, Mateus, & Câmara, 2004). A exaustão emocional caracteriza-se pela sensação de não poder dar mais de si aos outros (Alvarez, Burnell, Holder, & Kurdek, 1993). É uma situação em que os recursos emocionais estão esgotados (Abreu, Stoll, Ramos, Pires, Baumgardt, & Kristensen, 2002; Delbrouck, 2006; Kalbers, & Fogarty, 2005; Maslach, & Jackson, 1981; Mateus, & Câmara, 2004). A despersonalização aconteceria porque o sujeito para se proteger dos sentimentos negativos que o acompanham, isola-se, evitando relações interpessoais, desenvolvendo uma atitude despersonalizada para com os clientes e para com os seus colegas (Abreu, Stoll, Ramos, Baumgardt, & Kristensen, 2002; Delbrouck, 2006; Kalbers, & Fogarty, 2005; Queirós, 2005; Martín, Francos, Herrero, Labat, Herrero, & Pozo, 1994; Pires, Mateus, & Câmara, 2004). A redução de realização pessoal traduz-se num sentimento de inadequação pessoal e profissional (Queirós, 2005). Este sentimento, pode ser mascarado pela sensação paradoxal de omnipotência, ou seja, perante a ameaça de se sentir incompetente, o profissional redobra os esforços no sentido de dar a impressão, perante os que o observam, que o seu interesse e dedicação são inesgotáveis (Abreu, Stoll, Ramos, Baumgardt, & Kristensen, 2002; Alvarez et al., 1993; Delbrouk, 2006; Kalbers, & Fogarty, 2005; Pires, Mateus, & Câmara, 2004).

Uma das particularidades desta síndrome é que ocorre em indivíduos que trabalham com pessoas numa óptica de assistência e de ajuda, nas profissões cuja característica principal é o contacto interpessoal (Abreu, Stoll, Ramos, Baumgardt & Kristensen, 2002; Alvarez, Burnell, Holder, & Kurdek, 1993; Correia, 1999; Grosch, & Olsen, 1995; Rosenberg, & Pace, 2006). Segundo Martín, Francos, Herrero, Labat, Herrero e Pozo, (1994), o "burnout" afecta os profissionais que têm uma relação interpessoal com os beneficiários do seu próprio trabalho, como sejam os profissionais de saúde. O "burnout" é considerado a fase final de um longo processo, não é uma afecção que ocorra num tempo curto e determinado. (Killburg, 1986; Melo, Gomes, & Cruz, 1999; Mendonça, 1993; Paine, 1982; Patel, 2008; Rabin, Feldman, & Kaplan, 1999).

De início surgem sentimentos de exaustão emocional, depois desenvolvem-se atitudes negativas para com os indivíduos com quem o profissional trabalha e, por último, surge a tendência para se auto-avaliar negativamente (Delbrouck, 2006; Pires, Mateus, & Câmara, 2004). Esta síndrome segundo Grosch e Olsen, (1995) manifesta-se através de múltipla sintomatologia, mais concretamente, sintomas fisiológicos, (fadiga, irritabilidade, dores de cabetça) comportamentais, (perda de entusiasmo, atrasos no trabalho, frustração e raiva), psicológicos (depressão, diminuição de auto-estima, pessimismo, culpa) e clínicos (cinismo face aos clientes, alheamento durante as sessões, hostilidade face aos clientes, gritar).

Síndrome de "Burnout" nos Psicólogos Embora exista um extenso corpo de literatura acerca da Síndrome de "burnout", nota-se um reduzido número de investigações relacionadas com psicólogos (Ackerley, Burnell, Holder, & Kurdek, 1988; Benevides-Pereira, 1994; Gomes, & Cruz, 2004). A maior parte faz referência ao stress ou aos agentes stressores da profissão sendo que, em geral, focalizam-se nos psicoterapeutas, o que nem sempre diz respeito apenas aos psicólogos, mas também aos psiquiatras (Deutsch, 1985; Farber, 1983; Farber, & Heifetz, 1981; Sampson, 1990; Varma, 1997). Será razoável aceitar que profissionais que são formados para compreender os processos mentais e o comportamento humano e treinados nas mais variadas técnicas psicoterapêuticas, com vista a promover o crescimento dos seus clientes, constituem, eles próprios, potenciais alvos dos problemas que de forma semelhante afectam os seus clientes? Segundo Kilburg, (1986), os profissionais de Psicologia podem ser os seus piores inimigos, quando resistem admitir que se encontram em dificuldades e que necessitam de ajuda. As razões para a tendência em negar a existência de um problema começam, desde logo, pela própria formação dos psicólogos, que consiste basicamente em vários anos de trabalho longo e árduo nas aprendizagens curriculares, deixando pouco tempo para a reflexão das implicações práticas, na vida de cada um, quando se tornam psicólogos (Kilburg, 1986). Sampson, (1990) e Cushway, (1992), acrescentam que a profissão de psicólogo, devido às diversas abordagens e técnicas, muitas vezes complexas e com perspectivas distintas, exige anos de constante actualização, provocando um sentimento de insegurança.

Prevenir o "burnout": Intervir nos Indivíduos e nas Organizações A melhor estratégia de prevenção do "burnout" em psicólogos consiste precisamente em alertá-los precocemente para os sinais, sintomas e consequências associados ao seu desenvolvimento, quer no plano individual, quer no plano organizacional (Freudenberger, 1975; Garcia, 1990; Grosch, & Olsen, 1995; Guy, 1987). No plano individual, os autores enumeram diversas medidas: não ter pressa em atingir determinados objectivos, estabelecer prioridades, ser flexível, encarar os problemas como oportunidades, marcar frequentes períodos de férias, mesmo que curtos, gerir o tempo adequadamente, deixando espaços para actividades administrativas, preparar sessões e tempo para refeições, limitar o número de horas diárias e semanais de prática psicoterapêutica, fazer exercício físico, desenvolver actividades recreativas, reforçar o suporte social intra e extra-laboral, estimular competências clínicas, procurar supervisão e workshops profissionais (Cherniss, 1995; Delbrouck, 2006; Garcia, 1990; Gonçalves, & Welling, 2001; Kottler, 1996; Messmer, 2002; Nunes, 2000; Ribeiro, & Pires, 2004). Alguns autores propõem até apoio terapêutico pessoal, quando necessário (Delbrouck, 2006; Gonçalves, & Welling, 2001; Kottler, 1996; Nunes, 2000).

A nível organizacional, uma das estratégias mais eficazes na diminuição do isolamento, identificado pelos psicólogos como a principal fonte de stress no desempenho da profissão, é a promoção do trabalho em equipas multidisciplinares, em grupos de supervisão e de espaços de partilha de casos, pois, proporcionam um contacto directo com os colegas de profissão, com quem se pode partilhar reflexões acerca dos problemas comuns da prática terapêutica (Delbrouck, 2006; Garcia, 1990; Gonçalves, & Welling, 2001; Guy, 1987; Kotler, 1986; Leiter & Maslach, 1998; Marques-Teixeira 2002; Nunes, 2000).

Segundo Marques-Teixeira, (2002), outras estratégias que as organizações podem implementar para evitar o "burnout" nos psicoterapeutas são: variar as tarefas nas rotinas diárias, incluindo tarefas que não envolvam apenas o contacto directo com pacientes, mudar de funções, por exemplo, passar do trabalho clínico para a investigação e desta para o ensino, flexibilizar horários, promover locais de trabalho agradáveis, manter uma livre circulação de informação, encorajar as pessoas a falar das suas dificuldades, envolver as pessoas nas tomadas de decisão e reconhecer o trabalho efectuado pelo psicólogo (Correia, 1999; Gonçalves, & Welling, 2001; Jiménez, Guitérrez, Hernández, & Puente, 2002).

Este estudo tem como objectivos: a) examinar o nível de "burnout" numa amostra de psicólogos que trabalham em contextos de saúde; b) explorar uma possível correlação entre a síndrome do "burnout" e o tipo de problemáticas mais frequentemente atendidas pelos psicólogos da amostra e determinadas variáveis sociodemográficas (idade, estado civil e tempo de serviço) e por fim, c) analisar as sugestões dadas pelos psicólogos para evitar o "burnout".

MÉTODO Participantes Participaram neste estudo 52 psicólogos de diferentes instituições de saúde (hospital e centros de saúde) da Região Autónoma da Madeira, Portugal sendo 7 do sexo masculino (13,5%) e 43 do sexo feminino (82,7%). As idades variam entre os 25 e 59 anos, com uma média de 35 anos. No que diz respeito ao estado civil, 25 dos participantes são casados (48,1%), 20 solteiros (38,5%) e 5 divorciados (9,6%). Em relação ao grau académico, 46 possuíam a Licenciatura em Psicologia pré-bolonha (88,5%) e 3 detinham o grau de Mestre (5,8%). O tempo de serviço destes profissionais varia entre 1 a 30 anos, com uma média de 9 anos de experiência profissional. Relativamente à população mais frequentemente atendida por estes sujeitos, os resultados obtidos foram os seguintes: adultos (59,6%), crianças (44,2%), adolescentes (26,9%). Dez dos psicólogos atendem todas as faixas etárias. Por fim, as problemáticas mais frequentemente atendidas pela amostra são as Perturbações do Humor (63,5%), seguindo-se as Perturbações da Ansiedade (42,3%). As Perturbações Disruptivas do Comportamento e Défice de Atenção bem como as relacionadas com a Utilização de Substâncias foram igualmente referidas 17 vezes (32,7%). As Perturbações da Aprendizagem foram referidas 28,8% das vezes, enquanto os Problemas Relacionais, reuniram 23,1%. Por sua vez, a categoria "Todas as Problemáticas do Ciclo Vital" obtiveram a percentagem de 15,4%.

Material Foi administrado um questionário que englobava, uma ficha de recolha de dados sócio-demográficos que, para além de explorar variáveis sócio-demográficas como o sexo, a idade, o estado civil, as habilitações académicas e o tempo de serviço, procurava explorar também que população e que tipo de problemáticas são mais frequentemente atendidas por este grupo.Um segundo instrumento, foi o Inventário de Burnout de Maslach, que resulta da tradução e adaptação do Maslach Burnout Inventory (Maslach, & Jackson, 1986; Cruz, & Melo, 1996; Gomes, 1998). O MBI é um instrumento de auto-registo com 22 itens acerca de sentimentos relacionados com o trabalho e distribuídos por três escalas: a) Exaustão Emocional que analisa sentimentos de sobrecarga emocional e a incapacidade para dar resposta às exigências interpessoais do trabalho (9 itens, ex. "Sinto-me emocionalmente exausto com o meu trabalho"); b) Despersonalização, mede "resposta frias", impessoais ou mesmo negativas dirigidas para aqueles a quem prestam serviços (5 itens, ex. "Sinto que trato alguns clientes como se fossem objectos impessoais") e c) Realização Pessoal avalia sentimentos de incompetência e falta de realização (8 itens, "Neste emprego consegui muitas coisas que valeram a pena"). A frequência com que cada sentimento ocorre é avaliada numa escala tipo "Likert" de 7 pontos, variando entre o mínimo de 0 que corresponde a "Nunca" e o máximo de 6 que corresponde a "Todos os dias" (Gomes, Melo, & Cruz, 2000; Melo, Gomes, & Cruz, 1999; Pires, Mateus, & Câmara, 2004). Elevados níveis de "burnout" estão associados a elevados scores de exaustão emocional e despersonalização, mas também a baixos scores de realização pessoal (Melo, Gomes, & Cruz, 1999; Gomes, Melo, & Cruz, 2000; Gomes, Silva, Mourisco, Silva, Mota, & Montenegro, 2006; Gomes, Cabanelas, Macedo, Pinto, & Pinheiro, 2008). É ainda possível calcular valores baixos, intermédios e elevados em cada uma das três dimensões do instrumento (Melo, Gomes, & Cruz, 1999; Gomes, Melo, & Cruz, 2000). Assim à escala da adaptação portuguesa do MBI valores acima de 2.6 na dimensão de exaustão emocional e de 1.8 na dimensão de despersonalização são indicadores de elevados níveis de "burnout". O MBI revela características psicométricas satisfatórias, com um alpha de Cronbach variando entre .70 e .80, com um total de .75 (Melo, Gomes, & Cruz, 1999).

Por fim, foi ainda colocada uma questão aberta ao grupo de psicólogos, "Sugestões para Evitar o burnout", com o objectivo dos mesmos reflectirem sobre possíveis estratégias de prevenção do "burnout".

Procedimentos Antes de administrar os questionários, foi necessário obter a respectiva autorização do Comité de Ética, responsável pela investigação realizada junto dos contextos de saúde da Região Autónoma da Madeira, bem como obter uma declaração de consentimento informado por parte de cada um dos psicólogos que decidiram participar no estudo de forma voluntária. Após termos acesso a ambas as autorizações, deu-se início à recolha de informação. O questionário foi distribuído junto dos psicólogos, pessoalmente pela autora e colaboradores, tendo sido recolhidos e considerados como válidos para efeito do presente estudo 52 questionários. Foi registada uma taxa de resposta próxima de 95%.

Este questionário incluía, uma folha de apresentação, com os objectivos e as condições em que poderiam participar no estudo (anonimato, confidencialidade, participação voluntária). No sentido de garantir a confidencialidade e anonimato dos dados recolhidos, a folha de apresentação e o questionário, foram separados e colocados em envelopes diferentes, no momento em que foram recolhidos.

A análise estatística dos dados relativos à prevalência do "burnout" na amostra e à correlação entre as diferentes dimensões do "burnout" e as variáveis sócio- demográficas, população e problemáticas mais frequentemente atendidas por estes terapeutas foram efectuados no programa SPSS versão 17 (Statistical Package for Social Sciences).

RESULTADOS Prevalência de "burnout" na amostra A análise descritiva sugere uma percentagem assinalável de profissionais com valores baixos de "burnout" nas dimensões de exaustão emocional e despersonalização e valores altos na dimensão da realização pessoal. No Quadro 1 constata-se que 75% dos sujeitos manifestaram baixo nível de exaustão emocional. Apenas um sujeito manifestou um nível elevado e 23,1% dos sujeitos manifestaram um nível intermédio de exaustão emocional.

Quadro 1

Na dimensão despersonalização (ver Quadro 1), a grande maioria dos sujeitos (92,3%) manifestou baixa despersonalização e apenas 7,7% dos sujeitos, manifestaram uma despersonalização intermédia. Nenhum sujeito manifestou níveis de despersonalização elevados.

Relativamente à realização pessoal, (ver Quadro 1) 65,4% dos sujeitos indicaram estar extremamente realizados com o seu trabalho. Por outro lado, apenas 7,7% dos sujeitos indicaram não se sentir realizados com o seu trabalho e 26,9% dos sujeitos, encontram-se razoavelmente realizados.

Diferenças de resultados na experiência de "burnout" em função da faixa etária, estado civil, tempo de serviço, população e problemáticas mais frequentemente atendidas Tendo em vista o estudo de diferenças na experiência de "burnout" nas três dimensões, em função da faixa etária, estado civil, tempo de serviço, população e problemáticas mais frequentemente atendidas, foi utilizado o teste estatístico de Independência do Qui-Quadrado, devido à natureza das questões em análise (ora nominais, por exemplo, o estado civil, ora ordinais, por exemplo, a faixa etária ou o nível de exaustão emocional). Os resultados obtidos, em função do sexo, faixa etária, estado civil e tempo de serviço, não permitem afirmar que existe relação entre estas variáveis e as diferentes dimensões de "burnout", mais especificamente, exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal. No que concerne, à possibilidade de relação entre a população mais frequentemente atendida por estes terapeutas (crianças, adolescentes, adultos ou todas as faixas etárias) e as dimensões de "burnout", os resultados também não permitem confirmar esta hipótese. No que diz respeito a uma possível correlação entre as dimensões do "burnout" e o tipo de problemáticas mais frequentemente atendidas por este grupo de psicólogos, apenas foi encontrada relação significativa entre a exaustão emocional e atendimento a problemas relacionais, como demonstrado no Quadro 2. Assim como o valor-p obtido no teste estatístico foi inferior a 0,022, pode-se rejeitar a hipótese de não existir relação entre o nível de exaustão emocional e o facto de estes psicólogos atenderem clientes com problemas relacionais, ou seja, estamos em condições de afirmar que existe associação significativa entre estes dois factores. De acordo com o resíduo estandardizado 1,9 pode-se afirmar que são mais os sujeitos com um nível intermédio de exaustão emocional em relação aos que têm um nível baixo, que atendem clientes com problemas relacionais. Em síntese, os sujeitos que têm nível intermédio de exaustão emocional são aqueles que atendem clientes com problemas relacionais comparativamente aos terapeutas que têm um nível baixo de exaustão emocional.

Quadro 2 - Correlação entre Exaustão Emocional e Burnout

Análise das sugestões dadas pelos psicólogos para evitar "burnout" As respostas obtidas na questão aberta, "Sugestões para Evitar o burnout" foram sujeitas a uma breve análise de conteúdo, onde foram criadas categorias com o objectivo de contabilizar quantas vezes uma determinada categoria foi referida.

A análise de conteúdo permitiu formar 16 categorias de diferentes estratégias para prevenir o "burnout". As mais sugeridas foram a criação de grupos de supervisão e a discussão de casos clínicos (32 vezes) e envolver-se em actividades extra-laborais que promovam o bem-estar (26 vezes). Por outro lado, as categorias menos vezes referidas foram: haver mais técnicos por instituição, não levar trabalho para casa (referidas ambas 2 vezes), desenvolvimento pessoal e psicoterapia do terapeuta (1 vez).

DISCUSSÃO Maslach e Jackson (1981) identificaram os valores mínimos e máximos do terço médio da distribuição normativa dos scores de "burnout"para os profissionais de saúde. O "burnout" foi avaliado com base na cotação do MBI e a comparação dos valores obtidos em cada subescala com os valores normativos do manual (Maslach, & Jackson, 1986; Cruz, & Melo, 1996; Gomes, 1998). Apesar da baixa dimensão da amostra (que poderá justificar alguns dos resultados obtidos, um primeiro aspecto a analisar prende-se com a percentagem assinalável de profissionais com níveis baixos de "burnout", o que corresponde a baixos scores nas escalas de exaustão emocional (75%) e despersonalização (92,3%) e a elevados scores na escala de realização pessoal (65,4%). Estes dados são opostos aos definidos por Maslach e Jackson (1986) para a identificação do perfil de "burnout". De acordo com estes autores, o critério para um elevado score de "burnout", inclui não uma pontuação no terço superior da distribuição dos valores nas escalas de exaustão emocional e de despersonalização, mas também uma classificação no terço inferior da distribuição dos resultados na escala de realização pessoal. Importa realçar, que alguns terapeutas pontuaram scores intermédios nas escalas de exaustão emocional (23,1%), despersonalização (7,7%) e redução da realização pessoal (26,9%). É também um facto, que na amostra existe uma percentagem, ainda que reduzida, de scores elevados na escala de exaustão emocional (1,9%) e baixos na escala de realização pessoal (7,7%), porém ninguém pontuou "score elevado" na escala de despersonalização, logo não é possível identificar um perfil de "burnout".

A literatura acerca da síndrome de "burnout" em profissionais de psicologia é exígua, (Ackerley, Burnell, Holder, & Kurdek, 1988; Benevides-Pereira, 1994; Gomes, & Cruz, 2004). Contudo, os poucos estudos realizados, contrariam os resultados obtidos no presente estudo, pelo facto de indicarem percentagens assinaláveis de profissionais de psicologia com elevados níveis de "burnout". Por exemplo, Gomes e Cruz, (2004) num estudo efectuado com 439 psicólogos portugueses referem que efectuando uma combinação simultânea dos "scores" nas três dimensões resultou que uma percentagem média de mais de 15% da amostra parecia encontrar-se claramente em estado de "burnout". Um outro estudo levado a cabo por Ackerley, Burnell, Holder e Kurdek, (1988) com 562 psicólogos demonstrou, que mais de um terço da amostra parecia experienciar níveis altos de exaustão emocional e de despersonalização.

Um outro aspecto a reter relaciona-se com os dados que indicam que não existem evidências para afirmar a prevalência de diferenças na experiência de "burnout" nas três dimensões, em função de determinadas variáveis sócio-demográficas (faixa etária, estado civil e tempo de serviço), da população e tipo de problemáticas mais atendidas. Estes dados vão ao encontro de um estudo realizado com profissionais de ajuda, que indicam a existência de uma correlação significativa entre o "burnout" e as características organizacionais do que propriamente, com factores individuais como a idade, o sexo ou o estado civil (Queirós, 1998).

No que diz respeito a uma correlação entre faixa etária e "burnout", os resultados vão ao encontro de alguns estudos realizados anteriormente que não encontraram qualquer relação entre estas variáveis (Hock, 1988 cit. por Parreira, 1998; Carvalho, Rosário, & Ribeiro, 2004). Porém, Queirós, (2000) encontrou evidências na ligação entre baixo nível de "burnout" e a idade em indivíduos com menos de dois anos e mais de dez anos de actividade profissional. A idade é associada por alguns autores à característica tempo de serviço, como é demonstrado nos trabalhos de Parreira, (1998). Parece haver uma relação linear positiva, entre "burnout" e maior experiência profissional. No presente estudo, não foi encontrada evidências de correlação entre estas duas variáveis, o que corrobora os estudos de Carvalho, Rosário e Ribeiro, (2004), que indicam que não é válido o estabelecimento de uma relação causa-efeito entre experiência profissional e o desenvolvimento de "burnout".

Os resultados relativos à não existência de correlação entre exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal e género sexual, estão também de acordo com estudos de Kandolin, (1993), cit. por Mendes, (1995), onde não foram encontradas diferenças significativas entre género e "burnout". Por outro lado, Maslach e Jackson, (1981) nos testes de validação do MBI fazem referência às diferenças entre género na apreciação das subescalas. Mais concretamente, as mulheres apresentam níveis mais elevados do que os homens em exaustão emocional, e os homens níveis mais elevados em despersonalização e realização pessoal. Existe pouca literatura acerca da correlação entre "burnout" e estado civil, em psicólogos. Maslach e Jackson, (1986) e Garcia, (1990) referem que para os profissionais de ajuda, os indivíduos casados apresentam níveis mais baixos de "burnout", o que contraria os resultados encontrados nesta amostra que apontam para a ausência de relação entre estas duas variáveis. Da revisão efectuada não foram encontrados estudos que relacionem diferentes experiências de "burnout", em função da população atendida. Na presente investigação constata-se que os dados também não fornecem evidência suficiente para afirmar que exista relação entre "burnout" e atendimento de crianças, adolescentes, adultos ou de todas as faixas etárias. Foi também explorada uma possível relação entre "burnout" e tipo de problemáticas mais frequentemente atendidas por este grupo de psicólogos. Delbrouck, (2006) parece ter sido um dos poucos autores que reflectiu acerca desta relação para algumas psicopatologias e sugere que os psicoterapeutas que trabalham com clientes com problemas de dependência do jogo, com consumidores de droga e com alguns dos seus comportamentos autodestruidores podem ser mais fragilizados do que outros que atendem outras populações. Os resultados obtidos neste estudo indicam que não existe correlação entre "burnout" e as problemáticas mais atendidas por estes sujeitos.

Da análise de conteúdo efectuada sobre a questão aberta, "Sugestões para Evitar o burnout", pode-se constatar que a maior parte das categorias encontradas, são idênticas às estratégias de prevenção indicadas também pelos autores, mencionados anteriormente, e centram-se tanto no plano individual como no plano organizacional. No plano individual, as estratégias mais vezes indicadas por este grupo, nomeadamente, envolvimento em actividades extra-laborais que promovam o bem-estar, redução do número de consultas/estabelecimento de prioridades, férias/horários flexíveis/remuneração compatível com o esforço realizado e suporte afectivo fora do trabalho são indicadas também por autores como Garcia, (1990); Kottler, (1996); Nunes, (2000); Gonçalves e Welling, (2001); Messmer, (2002); Ribeiro e Pires, (2004) e Delbrouck, (2006). As categorias desenvolvimento pessoal e psicoterapia do terapeuta são também mencionadas por alguns autores, mais especificamente, por Kottler, (1996); Nunes, (2000); Gonçalves e Welling, (2001) e Delbrouck, (2006). A nível organizacional, vários terapeutas da amostra propõem a criação de grupos de supervisão e discussão de casos clínicos e o trabalho em equipa multidisciplinar, que é também referido por alguns autores como uma forma eficaz de combater o isolamento, tão característico desta profissão, e de proporcionar um contacto directo com os colegas de profissão, com quem se pode partilhar reflexões a respeito das limitações da profissão e dos insucessos terapêuticos. (Bermak, 1977; Deutsch, 1984; Goldberg, 1986; Hellman, Morrison, & Abramowitz, 1986; Kotler, 1986; Trynon, 1983 cit. por Guy, 1987; Garcia, 1990; Leiter, & Maslach, 1998; Nunes, 2000; Gonçalves, & Welling, 2001; Marques-Teixeira 2002; Delbrouck, 2006). Outras sugestões para evitar o "burnout", dizem respeito à importância de ter um bom ambiente e condições de trabalho e à valorização profissional, corroboradas também por Marques- Teixeira, (2002).

Por fim, é importante realçar que algumas das categorias encontradas, nomeadamente, gostar e saber o que se faz e ter expectativas claras e realistas da profissão, ter menos trabalho administrativo, mais técnicos por instituição e não levar trabalho para casa, não foram encontradas na literatura revista.

Apesar de não existirem scores elevados de "burnout" na amostra, a presença de níveis intermédios para as três dimensões, de níveis altos para a exaustão emocional e valores baixos de realização pessoal, apontam para a necessidade de tanto os psicólogos, como as instituições onde estes trabalham, conhecerem os factores que influenciam o "burnout", estarem atentos a possíveis sintomas e sinais do seu desenvolvimento, perceberem que o "burnout" é a fase final de um longo processo, não uma afecção que ocorra num tempo curto e determinado e estarem sensibilizados para os seus efeitos (Paine, 1982; Freudenberger, 1975; Mendonça, 1993; Grosch, & Olsen, 1994; Rabin, Feldman, & Kaplan, 1999; Melo, Gomes, & Cruz, 1999; Patel, 2008).

Os efeitos nefastos do "burnout" podem ser observados a nível da saúde física e mental, bem como na satisfação e na produtividade dos profissionais. Pelo que se justifica o interesse em conhecer formas de actuar para resolver e prevenir este problema (Gomes, & Cruz, 2004; Lee, & Ashforth, 1993, 1996; Cordes, & Dougherty, 1993 cit. por Kalbers, & Fogarty, 2005). Neste sentido, é importante implementar estratégias e programas adequados de prevenção e tratamento desta síndrome, não a nível individual, mas também a nível organizacional. Este tipo de intervenção deve ser contemplada nos planos de formação contínua dos psicólogos, pois assim podemos combater fortemente este tipo de problemas e ajudar "aqueles que ajudam" a exercerem a sua profissão com um sentimento de bem-estar e de sucesso pessoal. Aliás, é isto que as pessoas que todos os dias procuram os profissionais de Psicologia esperam (Grosch, & Olsen, 1995; Gomes, & Cruz, 2004).


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