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EuPTHUHu1645-00862012000200004

EuPTHUHu1645-00862012000200004

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN1645-0086
ano2012
Issue0002
Article number00004

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Tipo de cirurgia, adaptação psicossocial e imagem corporal no cancro da mama

O cancro da mama é o tipo de cancro mais frequente na mulher, não em Portugal, como em todo o mundo. Os últimos dados da International Agency for Research on Cancer, da Organização Mundial de Saúde (Ferlay et al., 2010), relativos ao ano de 2008, mostram que a incidência da doença tem vindo a aumentar. Especificamente, estima-se que tenham sido diagnosticados, em todo o mundo, cerca de 1,38 milhões de novos casos (23% de todos os tipos de cancro, na mulher). Em Portugal calcula-se que tenham surgido cerca de 5333 novos casos (27,7% de todos os cancros).

As taxas de mortalidade são, contudo, bastante inferiores. Foram registadas cerca de 458000 mortes em todo o mundo e 1537 em Portugal (Ferlay et al., 2010). Nas últimas décadas verificou-se um desenvolvimento acentuado de diversas técnicas terapêuticas, nomeadamente ao nível das intervenções cirúrgicas e dos tratamentos adjuvantes, mas também no que se refere ao diagnóstico precoce da doença. Este desenvolvimento permitiu um aumento considerável das taxas de sobrevivência, tendo a doença oncológica, em geral, e o cancro da mama, em particular, deixado de ser considerada uma doença inevitavelmente fatal, passando a ser conceptualizada como uma doença crónica (Pimentel, 2006). O prolongamento da vida e a conceptualização do cancro como doença crónica, trazem consigo a questão da quantidade de vida sem qualidade (Kornblith, 1998; Pais-Ribeiro, 2002), tornando-se, deste modo, fundamental o estudo da qualidade de vida (QdV) da doente, ao longo de todo o percurso da doença (Kornblith, 1998), bem como a sua correta avaliação e promoção.

A preocupação com a QdV e, de uma forma global, com a adaptação psicossocial do doente oncológico, tem-se reflectido no elevado número de estudos sobre esta temática, nomeadamente sobre os factores que podem promover ou deteriorar a QdV e adaptação à doença. Em doentes com cancro da mama, o tipo de cirurgia constitui um dos factores que, desde sempre, suscitou um grande interesse entre clínicos e investigadores. Como tal, a investigação sobre o impacto dos dois principais tipos de cirurgia ' mastectomia e cirurgia conservadora ' na adaptação psicossocial da mulher com cancro da mama tem resultado numa intensa produção científica ao longo dos últimos anos.

Da Mastectomia à Cirurgia Conservadora da Mama A mastectomia foi, durante décadas, o procedimento cirúrgico dominante. Este tipo de cirurgia foi desenvolvido e implementado por William Stewart Halsted, em 1882, tendo-se tornado conhecido por mastectomia radicaloumastectomia radical de Halsted. Consistia na remoção total da mama, bem como dos músculos peitorais (grande e pequeno peitoral), da pele e dos gânglios linfáticos axilares (Turkington & Krag, 2005). Halsted publicou os resultados dos seus primeiros 50 casos no Johns Hopkins Hospital Reports, tendo relatado que a taxa de sobrevivência cinco anos após a cirurgia era de 40%. Esta percentagem de sucesso era considerada, nessa altura, bastante elevada, tendo em conta que cerca de três quartos das doentes apresentavam os gânglios linfáticos positivos, ou seja, os seus gânglios continham células cancerígenas (Cotlar, Dubose, & Rose, 2003). Contudo, apesar do seu sucesso terapêutico, a mastectomia radical era uma cirurgia muito extensa, encontrando-se associada a um risco elevado de linfedema e a inúmeros outros efeitos secundários, tais como a deformação do peito e do ombro (Turkington & Krag, 2005). Deste modo, ao longo do tempo, foi-se procurando desenvolver técnicas cirúrgicas que permitissem uma maior preservação dos músculos peitorais, bem como dos gânglios linfáticos axilares e da própria mama, sempre que tal fosse possível.

Assim, no início da década de 30, Patey, do Middlesex Hospital de Londres, introduziu um tipo de mastectomia menos extensa, que ficou conhecida como mastectomia radical modificadaoumastectomia de Patey(Cotlar et al., 2003). Este tipo de procedimento diferia do anterior por não remover o músculo do grande peitoral, embora consistisse, igualmente, na remoção total da mama, dos gânglios linfáticos axilares, da pele e dos músculos do pequeno peitoral.

No final dos anos 50, começou a evidenciar-se uma mudança na forma de perspectivar o tratamento cirúrgico do cancro da mama, à medida que os investigadores e clínicos começaram a comparar a mastectomia radical com procedimentos mais conservadores (Cotlar et al., 2003). Deste modo, foram surgindo estudos que procuravam avaliar a eficácia das diferentes modalidades cirúrgicas e de tratamento. Um dos primeiros estudos foi desenvolvido por Payne et al. (1970), com uma amostra de 12641 cirurgias da mama, realizadas entre 1910 e 1964. Do total de cirurgias, 90% eram mastectomias radicais e 10% mastectomias radicais modificadas, sendo que apenas metade das mulheres tinha recebido radioterapia. De uma forma global, este estudo retrospectivo mostrou que a sobrevivência era largamente influenciada pela presença de gânglios linfáticos positivos, não se verificando, no entanto, diferenças nas taxas de sobrevivência aos cinco e dez anos quando os gânglios eram negativos. Este tipo de investigações evidenciava, assim, a necessidade de se começarem a desenvolver ensaios clínicos, prospectivos e aleatorizados, para que mais corretamente se pudessem avaliar os resultados dos diferentes procedimentos utilizados (no que diz respeito às taxas de sobrevivência, efeitos secundários, etc.) e, assim, delinear estratégias terapêuticas adequadas a cada caso particular. Por exemplo, o National Surgical and Adjuvant Breast Project ' 04 (NSABP-04), conduzido entre 1971 e 1974 e coordenado por Bernard Fisher (Fisher et al., 1977), revelou que não existiam diferenças significativas nas taxas de sobrevivência aos 5 e 10 anos entre a mastectomia radical, a mastectomia total (remoção de toda a mama, da pele e do mamilo, com preservação dos músculos peitorais) com radioterapia e a mastectomia total sem radioterapia mas com esvaziamento axilar caso os gânglios fossem positivos. Estes resultados, publicados em 1985, mostraram que a mastectomia radical ou de Halstead tinha apenas um interesse histórico, não sendo um procedimento cirúrgico adequado (Fisher, Bauer, et al., 1985; Fisher, Redmond, et al., 1985).

A partir do início dos anos 80, a qualidade de vida do doente oncológico passou a ser um tema central na Oncologia (Pimentel, 2006). Consequentemente, o interesse pelo desenvolvimento de técnicas cirúrgicas mais conservadoras foi aumentando, na medida em que se considerava que este tipo de procedimentos poderia contribuir fortemente para a melhoria da QdV da mulher com cancro da mama. A progressiva introdução da cirurgia conservadora (excisão do tumor e de algum tecido saudável circundante) seguida de radioterapia, como alternativa à mastectomia, afigurava-se como uma opção promissora no tratamento do cancro da mama, embora fossem necessários estudos clínicos que comprovassem a sua eficácia terapêutica.

Deste modo, no final da década de 80, foram desenvolvidos vários ensaios clínicos, entre os quais se destacaram o Milan-World Health Organization (Veronesi et al., 1989), o Institute Gustave-Roussy (IGR-Paris) (Sarrazin et al., 1989), o National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project (NSABP) B-06 (Fisher et al., 1989), o European Organization for the Research and Treatment of Cancer (EORTC) 10801 (van Dongen et al., 1992), o Danish trial (Blichert- Toft et al., 1992) e o US National Cancer Institute trial (Lichter et al., 1992). De uma forma geral, todos aferiram que a mastectomia e a cirurgia conservadora seguida de radioterapia apresentavam taxas de sobrevivência semelhantes, em doentes que se encontravam ainda nos estádios iniciais da doença.

Para além dos ensaios clínicos referidos, um outro factor muito relevante para que se passasse a adoptar a cirurgia conservadora com maior regularidade e segurança consistiu na organização da Consensus Development Conference(NHI Consensus Development Panel, 1991) e na divulgação generalizada dos seus resultados. Esta conferência foi organizada, em 1990, pelo National Institutes of Health (NIH) dos Estados Unidos da América (EUA) e reuniu diversos profissionais de saúde (e.g. médicos oncologistas, cirurgiões, enfermeiros, psicólogos) e público em geral, com o objetivo de determinar o tratamento local ideal para mulheres com cancro da mama invasivo primário. O painel de peritos, após revisão dos seis ensaios clínicos mencionados, concluiu que a cirurgia conservadora era um método apropriado de terapia primária para a maioria das mulheres nos estádios I e II do cancro da mama, sendo preferível à mastectomia, na medida em que promovia taxas de sobrevivência idênticas, preservando, simultaneamente, a mama. As recomendações efetuadas neste encontro funcionaram, incontestavelmente, como estímulo para a realização mais frequente da cirurgia conservadora, sempre que clinicamente tal fosse possível (Du, Freeman, & Syblik, 2000; Lazovich, Solomon, Thomas, Moe, & White, 1999).

Em suma, atualmente, os procedimentos cirúrgicos mais comuns consistem na mastectomia total e na cirurgia conservadora da mama seguida de radioterapia.

Também em Portugal, e de acordo com as Recomendações Nacionais para o Diagnóstico e Tratamento do Cancro da Mama (Coordenação Nacional para as Doença Oncológicas [CNDO], 2009), a cirurgia conservadora é considerada uma técnica cirúrgica alternativa à mastectomia na maioria das doentes com carcinomas ductais in situ (CDIS) e com carcinomas invasores em estados iniciais. Uma vez que as taxas de sobrevivência são idênticas entre cirurgias, a escolha do tratamento adequado para doentes que se encontrem nos estádios I ou II da doença deve ser individualizado e ponderado tendo em conta diversos factores.

Para além dos aspectos intrinsecamente ligados à situação clínica da doente (e.g. tamanho do tumor), um factor muito importante na escolha da cirurgia passa, evidentemente, pela preferência da própria doente. Se para algumas mulheres é preferível conservar a sua mama e realizar radioterapia, para outras a mastectomia afigura-se como uma melhor alternativa por variadas razões, tais como o facto de não ser necessário efetuar radioterapia pós-operatória ou pelo medo de uma recidiva associada a uma menor excisão de tecido mamário (e.g.

Curran et al., 1998; Schain, D'Angelo, Dunn, Lichter, & Pierce, 1994).

Tipo de Cirurgia e Adaptação Psicossocial da Mulher com Cancro da Mama Durante largos anos, a mastectomia foi encarada, tanto pelas doentes como pelos profissionais de saúde, como uma cirurgia particularmente difícil e traumática (Du et al., 2000). Considerava-se que a remoção da mama seria um factor explicativo suficiente da perturbação emocional sentida pelas doentes (Yurek, Farrar, & Anderson, 2000), minimizando-se o papel de outras variáveis, como o próprio impacto do diagnóstico de uma doença que ameaça a vida.

Os primeiros estudos publicados sobre a adaptação ao cancro da mama remontam aos anos 50 e caracterizam-se por serem largamente interpretativos e refletirem as reações das doentes submetidas apenas a este tipo de cirurgia (Schain et al., 1994). quando, nos anos 80 e 90, começou a ser mais frequente a realização da cirurgia conservadora, é que investigadores e clínicos puderam analisar o contributo específico do tipo de cirurgia na adaptação a esta doença.

Deste modo, a investigação sobre os eventuais benefícios de cada cirurgia no funcionamento psicológico da doente foi crescendo, tornando-se num tópico de investigação central na Psico-Oncologia (Fisher et al., 1989). Esperava-se que a cirurgia conservadora, por ser um procedimento menos invasivo e mutilador, resultasse numa melhoria significativa da QdV da mulher e, globalmente, numa melhor adaptação, por comparação com a mastectomia (Moyer, 1997). De uma forma geral, era esperado que a preservação da mama ajudasse a mulher a manter o seu bem-estar psicológico, a retomar as suas atividades de rotina, a sentir-se melhor com a sua imagem corporal e a preservar o seu funcionamento sexual (Schover et al., 1995).

Tendo em conta a extensa produção científica de que este tema tem sido alvo, bem como a sua relevância, tanto no plano teórico como clínico, o presente estudo tem como objetivo rever e sintetizar os resultados de alguns dos principais estudos desenvolvidos. Pretende-se assim apresentar criticamente algumas investigações que se centraram sobre a comparação da mastectomia e da cirurgia conservadora relativamente à imagem corporal e a variáveis relacionadas com a adaptação psicossocial (e.g., QdV, ansiedade, depressão, estados de humor, etc.) de doentes com cancro da mama.

MÉTODO Estratégia de Pesquisa Foi conduzida uma revisão sistemática e crítica da literatura, através do recurso às bases de dados PubMed, Biblioteca do Conhecimento Online e Scielo Portugal. Utilizaram-se palavras-chave relacionadas com a cirurgia (mastectomia, cirurgia conservadora), em combinação com expressões ou palavras- chave relacionadas com a adaptação e imagem corporal da doente (adaptação, adaptação psicossocial, qualidade de vida, imagem corporal), em português ou inglês, consoante a base de dados. As listas de referências bibliográficas dos artigos selecionados foram também analisadas com o objetivo de se identificarem outras publicações relevantes.

Critérios de inclusão/exclusão Apenas foram incluídos estudos que analisassem especificamente a influência do tipo de cirurgia na adaptação psicossocial e imagem corporal da mulher com cancro da mama. Foram excluídos todos os estudos que: (1) analisassem outro tipo de cancros; (2) analisassem o impacto de apenas um tipo de cirurgia (mastectomia ou cirurgia conservadora); (3) procedessem à comparação entre cirurgias relativamente a outras variáveis que não as selecionadas (e.g.

aspectos médicos relacionados com cada tipo de cirurgia, satisfação com a cirurgia, etc.); (4) comparassem a realização de mastectomia ou cirurgia conservadora com outro tipo de cirurgia (e.g. mastectomia profilática, histerectomia, ooforectomia). A pesquisa foi ainda restringida a artigos científicos (empíricos ou de revisão), publicados nas línguas inglesa e portuguesa, tendo sido excluídos atas ou resumos de trabalhos apresentados em reuniões científicas, bem como outro tipo de trabalhos publicados que não fossem trabalhos científicos. Apenas foram revistos estudos publicados entre 1990 e 2011. Foram ainda incluídas três revisões da literatura que, não obstante terem sido publicadas dentro do intervalo temporal considerado, analisaram estudos conduzidos entre 1986 e 1991 (Kiebert, deHaes, & van de Velde, 1991), entre 1981 e 1991 (Schover, 1991) e entre 1981 e 1995 (Moyer, 1997). A opção pela sua inclusão deveu-se à importância que os referidos estudos desempenharam no estado da arte sobre esta matéria.

A pesquisa inicial deu origem a 1182 publicações. Através da análise do título, foi possível excluir a grande maioria dos estudos, por não cumprirem os critérios de inclusão/exclusão. Foram, assim, selecionados 50 artigos para uma análise mais detalhada. Após a leitura dos mesmos, verificou-se novamente a sua adequação aos critérios de inclusão/exclusão, tendo-se chegado à seleção final de 23 publicações que cumpriam todos os critérios previamente estabelecidos.

RESULTADOS No Quadro 1 são apresentadas as principais características metodológicas e os resultados mais relevantes dos estudos selecionados.

Quadro_1.

Síntese das principais características metodológicas e resultados dos estudos incluídos na revisão

Em todos os estudos foram apenas analisados e revistos detalhadamente os resultados relativos aos indicadores de adaptação e de imagem corporal, mesmo que o estudo em questão se centrasse também sobre outras variáveis. A adaptação psicossocial foi considerada uma categoria global, avaliada através de diferentes instrumentos que se centravam sobre constructos diversos e, por vezes, sobreponíveis, como QdV, estados de humor, estado funcional, sintomatologia psicopatológica, perturbação emocional, depressão, ansiedade, medo de uma recorrência, funcionamento sexual, saúde mental, entre outros.

Também a imagem corporal foi avaliada através de diferentes instrumentos de avaliação, variando a sua conceptualização e operacionalização consoante os diferentes autores (e.g. satisfação com a aparência, preocupações com a aparência, etc.).

Ao contrário dos resultados inicialmente antecipados pelos investigadores, aquando da introdução da cirurgia conservadora da mama como alternativa à mastectomia, a maioria dos estudos tem mostrado que a cirurgia conservadora não se encontra consistentemente associada a melhores resultados de adaptação, tais como melhor QdV, níveis inferiores de ansiedade e depressão, ou melhor funcionamento conjugal, entre outros. Na revisão efetuada, 14 dos 18 estudos que analisaram a adaptação psicossocial não encontraram diferenças significativas entre grupos em nenhum ou na grande maioria dos indicadores de adaptação (Cohen, Hack, de Moor, Katz, & Goss, 2000; Dorval, Maunsell, Deschenes, & Brisson, 1998; Ganz, Schag, Lee, Polinsky, & Tan, 1992; Hartl et al., 2003; Janz et al., 2005; Levy et al., 1992; Parker et al., 2007; Poulsen, Graversen, Beckmann, & Blichert-Toft,1997; Rebelo, Rolim, Carqueja, & Ferreira, 2007; Rowland et al., 2000; Schain et al., 1994; Schover et al., 1995; Yilmazer, Aydiner, Ozkan, Aslay, & Bilge, 1994; Yurek et al., 2000). Existem, contudo, outros estudos, particularmente os mais recentes, que evidenciam que as mulheres que conservam a mama apresentam uma melhor adaptação psicossocial, comparativamente com aquelas que efetuam mastectomia. Especificamente, quatro dos 18 estudos analisados detectaram diferenças significativas entre grupos cirúrgicos em algumas dimensões da adaptação psicossocial da doente, nomeadamente na sua adaptação psicológica, funcionamento sexual, adaptação social e adaptação global (Moyer, 1997), autoestima, funcionamento sexual, ansiedade e depressão (Al-Ghazal, Fallowfield, & Blamey, 2000), funcionamento físico, desempenho de papéis e funcionamento sexual (Arndt, Stegmaier, Ziegler, & Brenner, 2008) ou na maioria das dimensões avaliadas pelo instrumento European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire (EORTC QLQ-C30; Engel, Kerr, Schlesinger-Raab, Sauer, & Holzel, 2004).

A Imagem Corporal No Quadro_1 é possível observar que, independentemente do desenho do estudo ou da forma de avaliação da imagem corporal, as únicas diferenças consistentemente encontradas entre os diferentes procedimentos cirúrgicos reportam-se à imagem corporal da mulher, observando-se, tal como esperado, que a realização de mastectomia está associada a uma maior insatisfação com a aparência ou a maiores dificuldades com a imagem corporal, comparativamente com realização de cirurgia conservadora. Especificamente, dos 18 estudos que analisaram esta variável, 15 mostraram que as doentes que realizam cirurgia conservadora apresentam uma imagem corporal globalmente mais positiva (Al-Ghazal et al., 2000; Arndt et al., 2008; Curran et al., 1898; Engel et al., 2004; Ganz et al., 1992; Hartl et al., 2003; Hopwood, Haviland, Mills, Sumo, & Bliss, 2007; Janz et al., 2005; Markopoulos et al., 2009; Moyer, 1997; Poulsen et al., 1997; Rowland et al., 2000; Schain et al., 1994; Yilmazer et al., 1994; Yurek et al., 2000). Em dois estudos não foi encontrada qualquer diferença entre grupos cirúrgicos (Parker et al., 2007; Schover et al., 1995) e apenas num se verificou que as doentes que tinham conservado a mama avaliavam a sua imagem corporal mais negativamente (Rebelo et al., 2007).

DISCUSSÃO Ao longo das últimas décadas assistiu-se a um debate e a uma mudança consideráveis no campo da oncologia relativamente aos procedimentos cirúrgicos adequados para o tratamento do cancro da mama. Subjacente a esta mudança esteve não a procura de uma maior eficácia clínica, mas também de uma melhor qualidade de vida da doente. Assim, ao longo de várias décadas, passou-se da mastectomia radical para a mastectomia radical modificada e total e para a cirurgia de conservação da mama. Com a tendência para a implementação de técnicas cirúrgicas mais conservadoras, surgiram vários ensaios clínicos que vieram comprovar que a mastectomia e a cirurgia conservadora seguida de radioterapia, em doentes em estádios iniciais do cancro da mama, apresentam taxas de sobrevivência semelhantes. Embora nem todas as mulheres sejam elegíveis para a conservação da mama (e.g. devido à localização ou tamanho do tumor), quando é possível optar por este tipo de cirurgia, vários factores devem ser ponderados no processo de decisão, tanto pela equipa médica, como pela doente.

A possibilidade de uma melhor qualidade de vida associada à conservação da mama era um dos principais factores que, aquando dos primeiros estudos sobre esta temática, se julgava ser central na opção por esta cirurgia. Contudo, a investigação não tem apoiado esta perspectiva. Os resultados encontrados, no que se refere à influência do tipo de cirurgia na adaptação psicossocial da doente, são mistos, ainda que a tendência evidenciada por grande parte da investigação seja a semelhança, em termos dos principais indicadores de adaptação, entre a cirurgia conservadora e a mastectomia. A única vantagem que a conservação da mama parece conferir à doente relaciona-se com a manutenção de uma imagem corporal mais positiva, comparativamente com as doentes que efetuam mastectomia. Este resultado tem sido encontrado por diversos investigadores, ao longo dos anos.

As discrepâncias nos resultados de adaptação podem dever-se a diversos factores que importa salientar, nomeadamente a uma grande disparidade entre os estudos nos instrumentos de avaliação utilizados, nas definições de constructos centrais (e.g. qualidade de vida, perturbação psicológica) ou no desenho e metodologia global do estudo (Kiebert et al., 1991; Moyer, 1997).

De uma forma geral, os diferentes estudos que constituem a presente revisão, (bem como a grande maioria dos estudos sobre esta matéria) utilizaram instrumentos distintos para avaliar a adaptação psicossocial da mulher com cancro da mama, contabilizando-se cerca de 22 instrumentos que avaliam variáveis como qualidade de vida, estado de humor ou sintomatologia psicopatológica. Dentro da designação global de adaptação psicossocial, os diferentes autores centram-se sobre constructos distintos, como qualidade de vida (e.g. Cohen et al., 2000; Ganz et al., 1992; Hartl et al., 2003), sintomatologia psicopatológica (e.g. Al-Ghazal et al., 2000; Hopwood et al., 2007; Schain et al., 1995) ou estado de humor (Ganz et al., 1992; Levy et al., 1992). Adicionalmente, mesmo quando o estudo se foca sobre uma mesma variável, a forma de avaliação varia consoante os investigadores. Por exemplo, a qualidade de vida é avaliada em diferentes estudos através do QLQ-C30 (Arndt et al., 2008; Engel et al., 2004; Hartl et al., 2003; Hopwood et al., 2007; Janz et al., 2005; Rebelo et al., 2007), enquanto noutros é avaliada através do SF- 36 Health Survey (SF-36; Rowland et al., 2000) e noutros ainda através do Cancer Rehabilitation Evaluation System (CARES; Ganz et al., 1992).

Simultaneamente, foram analisados estudos que variam consideravelmente na metodologia utilizada, não no que diz respeito aos instrumentos de avaliação, mas também no que se refere ao desenho do estudo. Dos 20 estudos empíricos incluídos na presente revisão, sete são longitudinais e 13 transversais. Importa ainda salientar que o tempo decorrido desde o diagnóstico ou cirurgia é muito diferente de estudo para estudo, bem como os diferentes momentos de avaliação, quando se trata de uma investigação longitudinal.

Acresce ainda que a maioria dos estudos centra-se nos primeiros meses após o tratamento inicial, com um período de follow-up habitualmente inferior a dois anos (e.g. Al-Ghazal et al., 2000), sendo ainda escassos aqueles que incluem sobreviventes de longo-termo (e.g. Dorval et al., 1998) ou estudos longitudinais com um seguimento prolongado dos participantes (e.g. Arndt et al., 2008; Engel et al., 2004).

As discrepâncias encontradas podem ainda dever-se à presença de potenciais variáveis moderadoras, tais como o processo de aleatorização das doentes, a realização de tratamento adjuvante ou a idade da doente (Moyer, 1997).

Relativamente ao processo de aleatorização, apenas em cinco estudos as participantes foram distribuídas aleatoriamente pelos diferentes tipos de cirurgia, não tendo tido a possibilidade de participar no processo de decisão terapêutica. Nas restantes investigações, a informação sobre a possibilidade de escolha da cirurgia é escassa, pelo que não podemos afirmar que nos estudos não aleatorizadas as doentes tiverem a oportunidade de participar no processo de decisão cirúrgica. Este factor é muito importante, podendo influenciar em grande medida a adaptação das doentes à cirurgia e à doença em geral. A este propósito, Kiebert et al. (1991) referiram, whether or not a choice has been offered to the patient as well as the patients' attitude toward different treatment modalities seem to be important factors that influence the final impact of a treatment modality (p. 1066).

No que diz respeito à realização de tratamentos adjuvantes, tal como enfatizaram alguns autores, nomeadamente Schover et al. (1995), os efeitos secundários da quimioterapia podem ter um efeito muito adverso na adaptação da mulher, nomeadamente no seu funcionamento sexual. Se os estudos que comparam os diferentes procedimentos cirúrgicos não tiverem em conta esta variável, os resultados não poderão ser fácil e corretamente entendidos. O mesmo se aplica a outras variáveis, tal como a idade da doente. Globalmente, a investigação tem mostrado que as doentes mais jovens apresentam maiores dificuldades de adaptação, comparativamente a doentes de idade superior (habitualmente com mais de 50 anos) (e.g. Cohen et al., 2000; Dorval et al., 1998; Levy et al., 1992).

O efeito desta variável foi claramente identificado no estudo de Dorval et al.

(1998), no qual se verificou que a idade na altura do diagnóstico modificava a relação entre o tipo de cirurgia e a adaptação psicossocial. Especificamente, a cirurgia conservadora associava-se a uma menor perturbação emocional em doentes com menos de 50 anos, mas a uma pior adaptação em doentes com idades superiores.

Em suma, ainda que os factores apontados possam influenciar os resultados e, deste modo, condicionar e dificultar a sua interpretação, a grande maioria dos estudos tem apontado para a semelhança adaptativa entre cirurgias, particularmente nos primeiros meses que se seguem à cirurgia. Algumas hipóteses explicativas destes resultados têm sido sugeridas pelos diferentes autores.

Em primeiro lugar, é importante sublinhar que vários estudos sugerem que o potencial impacto positivo da cirurgia conservadora na adaptação da doente pode apenas ser evidente alguns meses ou anos após o diagnóstico e tratamento iniciais. Por exemplo, Moyer (1997), através da meta-análise que efetuou, concluiu que o efeito positivo da cirurgia conservadora na adaptação da doente, embora associado a um efeito estatístico de magnitude muito reduzida, era particularmente evidente nas avaliações realizadas 12 meses ou mais após a cirurgia. O efeito do tempo na adaptação foi também observado em outros estudos, como no de Arndt et al. (2008), no qual se verificou que as diferenças na QdV global e no funcionamento social entre os dois grupos cirúrgicos aumentavam gradualmente ao longo do tempo, tornando-se estatisticamente significativas somente cinco anos após o diagnóstico. Mais concretamente, o funcionamento social piorava para as doentes submetidas a mastectomia e melhorava para as que realizaram cirurgia conservadora. a QdV global decrescia para ambos os grupos, embora de forma significativamente mais acentuada nas doentes que efetuaram mastectomia. Também Cohen et al. (2000) observaram que o efeito dos diferentes tratamentos cirúrgicos na perturbação psicológica e QdV tornavam-se apenas evidentes alguns anos depois da cirurgia.

Concretamente, as doentes que conservavam a mama apresentavam maior perturbação psicológica a partir dos 40 meses após a cirurgia, facto que, segundo os autores, poderá estar associado à realização de radioterapia e a um maior medo de recorrência apresentado por estas doentes.

Neste sentido, alguns autores têm sugerido que a semelhança adaptativa entre cirurgias pode ser parcialmente explicada pela sobrecarga física e psicológica associada à radioterapia. Este tratamento é invariavelmente realizado durante os meses que se seguem à cirurgia conservadora, podendo, deste modo, impedir que os eventuais benefícios psicológicos deste tipo de cirurgia surjam durante este período inicial (e.g. Margolis, Goodman, & Rubin, 1990; Yilmazer et al., 1994). Associados à radioterapia estão efeitos secundários como, por exemplo, o cansaço generalizado ou diversas reações cutâneas (vermelhidão, secura, sensibilidade aumentada e dor) que podem influenciar negativamente a QdV da mulher (Lewis, 2005).

Parece haver, assim, a necessidade de se conduzirem investigações longitudinais com um seguimento prolongado das doentes, ou mesmo estudos transversais com sobreviventes de longo-termo, uma vez que é possível que apenas as avaliações efetuadas alguns anos mais tarde sejam sensíveis às potenciais vantagens adaptativas associadas à conservação da mama (Moyer, 1997). Contudo, importa referir que os poucos estudos realizados com sobreviventes de longo-termo tendem também a não observar diferenças significativas entre os grupos. Por exemplo, Dorval et al. (1998), utilizando uma amostra de 124 sobreviventes, avaliadas cerca de 8 anos após a cirurgia, não encontraram diferenças de adaptação entre as doentes que tinham realizado mastectomia e aquelas que tinham sido submetidas a cirurgia conservadora.

Paralelamente, alguns autores sugerem que a inexistência de benefícios psicológicos decorrentes da conservação da mama pode ser explicada não pela sobrecarga adicional associada à radioterapia e por uma recuperação mais prolongada, mas também pela falta de apoio por parte dos profissionais de saúde, familiares ou outros membros da rede social da doente que, frequentemente, minimizam a importância deste tipo de cirurgia (Dorval et al., 1998; Veach, Nicholas, & Barton, 2007).

É ainda importante notar que Dorval et al. (1998), não tendo igualmente encontrado diferenças entre grupos cirúrgicos, sublinharam que a interpretação dos resultados deverá ter em consideração o facto de as doentes que integraram a sua amostra terem efetuado a cirurgia antes da Consensus Development Conference,altura em que a cirurgia conservadora era ainda considerada por muitos doentes e clínicos um procedimento meramente experimental. Este facto poderá ter influenciado a adaptação das mulheres que conservaram a mama que, ao julgarem este tratamento mais arriscado poderiam ter-se sentido mais perturbadas. O mesmo poderá eventualmente explicar os resultados observados em estudos conduzidos anteriormente, como os de Ganz et al. (1992) ou de Levy et al. (1992), entre outros.

Adicionalmente, alguns autores têm apontado um maior medo de recorrência da doença nas doentes que conservam a mama como um potencial factor explicativo da inexistência de diferenças de adaptação entre cirurgias (Dorval et al., 1998).

Inicialmente, aquando da realização dos primeiros estudos sobre esta temática, os investigadores pensavam que o facto de a cirurgia conservadora não se mostrar promotora de uma melhor adaptação à doença, poderia dever-se a um maior medo de recidiva do cancro da mama, na medida em que uma menor porção de tecido mamário era retirado. Alguns estudos apoiaram esta hipótese (Meyerowitz, 1990) e mostraram que muitas doentes e mesmo médicos duvidavam da eficácia deste tipo de cirurgia (Fallowfield et al., citados por Moyer, 1997). A evidência clínica da comparabilidade dos dois tipos de procedimentos, no que se refere às taxas de sobrevivência, permitiu uma mudança progressiva de perspectiva e uma maior confiança, por parte dos profissionais de saúde e das doentes, na eficácia da cirurgia conservadora.

Assim, atualmente, e ainda que os estudos sejam relativamente contraditórios, muitos têm mostrado não existirem diferenças entre os grupos cirúrgicos no que se refere ao medo de uma recorrência (e.g. Curran et al., 1998; Schain et al., 1994). Na revisão da literatura efetuada por Kiebert et al. (1991), seis dos oito estudos que analisaram este factor demonstraram a inexistência de diferenças entre cirurgias, sendo que nos restantes dois estudos, um maior receio era relatado pelas doentes que tinham efetuado mastectomia. na revisão de Schover (1991), os seis estudos referentes a este tema apresentaram resultados mais contraditórios, na medida em que dois não apontaram qualquer diferença, um mostrou que a cirurgia conservadora se associava a um maior medo de recorrência e três evidenciaram o contrário. Por fim, na revisão de Moyer (1997), observou-se um efeito significativo, ainda que de pequena magnitude, indicativo de um maior medo de recorrência nas doentes submetidas a mastectomia.

Deste modo, se por um lado a excisão de uma menor porção de tecido mamário pode conduzir a um maior receio de que nem todas as células cancerígenas tenham sido eliminadas e de que, posteriormente, ocorra uma recidiva da doença, por outro lado, e de acordo com alguns autores, como Aaronson, Bartelink, van Dongen e van Dam (1988), a mutilação física associada à mastectomia pode funcionar como uma recordação constante da ameaça da doença, aumentando o receio referido.

Relativamente à imagem corporal da mulher com cancro da mama, os resultados encontrados são robustos, na medida em que diferentes estudos têm mostrado que a preservação da mama proporciona uma imagem corporal mais positiva, independentemente da forma como cada investigador define, operacionaliza e avalia este constructo. Efetivamente, não existe ainda uma definição consensual de imagem corporal na Psico-Oncologia (White, 2000), o que tem originado uma grande disparidade na forma como cada autor operacionaliza este conceito nos seus estudos. Paralelamente, a grande maioria dos investigadores tem avaliado a imagem corporal através de diferentes instrumentos de avaliação da QdV ou, mais raramente, de instrumentos específicos de imagem corporal, não existindo, consequentemente, uma uniformidade entre as diferentes investigações. As limitações apontadas são visíveis nos estudos que integram a presente revisão.

Por exemplo, Arndt et al. (2008) avaliaram a imagem corporal através do módulo BR23 do instrumento QLQ-C30; Hopwood et al. (2007) utilizaram a Body Image Scale (BIS); Schover et al. (1995) recorreram à Body Esteem Scale (BES), apenas para citar alguns exemplos.

A propósito da robustez deste resultado, Moyer (1997) refere the largest and most robust effect size, showing benefits for breast conserving surgery for body/self-image, is already a firmly established finding (p. 290).

Adicionalmente, esta autora considera que este é um resultado de extrema importância, tendo em conta a influência que a própria imagem corporal tem noutras áreas de adaptação, nomeadamente no funcionamento psicológico, conjugal, social e mesmo físico da mulher.

Apesar da estabilidade dos resultados evidenciados, tal não significa que todas as mulheres que efetuam cirurgia conservadora se sintam satisfeitas com o seu corpo e/ou com a aparência da sua mama. Por exemplo, no estudo de Schain et al.

(1994), 10% das mulheres que conservaram a mama relataram sentir-se perturbadas com a aparência do seu corpo, facto que se mantinha ao longo dos 24 meses em que foram avaliadas. Vários factores, nomeadamente determinadas características individuais, podem contribuir para a explicação da insatisfação observada nestes casos. O investimento na aparência, ou seja, a importância atribuída à aparência física (Cash, 2002; Nazaré, Moreira & Canavarro, 2010), pode constituir-se, neste contexto, como um factor explicativo relevante, na medida em que uma maior valorização da imagem corporal tem vindo a mostrar-se associada a uma maior insatisfação com a mesma (Carver et al., 1998; Moreira & Canavarro, 2010), mesmo quando as alterações na aparência são reduzidas, como acontece na maioria das cirurgias conservadoras da mama. Embora não assumindo a designação mais atual de investimento, Schain et al. (1994), no estudo referido, apontaram também este factor, referindo que para as mulheres para quem a aparência física constitui um contributo determinante para o seu autovalor e autoestima, a conservação da mama pode ser um factor crítico na manutenção do bem-estar psicológico. No mesmo sentido, também Hopwood et al.

(2007) referem que a importância da aparência para o indivíduo e a preferência por determinado tipo de cirurgia podem ser factores determinantes na adaptação às alterações na imagem corporal do doente, devendo, por isso, ser cuidadosamente analisadas.

Adicionalmente, outros factores, como o tempo decorrido desde o diagnóstico ou determinadas características sociodemográficas (e.g. idade, estado civil) e clínicas (e.g. realização de quimioterapia ou de cirurgia reconstrutiva), podem também desempenhar um papel importante na explicação das diferenças individuais na (in)satisfação com a aparência, independentemente do tipo de cirurgia (Parker et al., 2007). Contudo, a maioria dos estudos não tem considerado estas variáveis ao analisar o papel da cirurgia, o que pode limitar a interpretação dos resultados (Parker et al., 2007; Schover et al., 1995). Por exemplo, é fundamental analisar se as doentes que apresentam uma imagem corporal mais negativa efetuaram quimioterapia ou outro tratamento adjuvante com repercussões na sua aparência física; se são mulheres jovens e pré-menopáusicas; se efetuaram ou iniciaram o processo de reconstrução mamária, entre outros aspectos. assim se poderá compreender inteiramente o papel da cirurgia na imagem corporal e, de uma forma geral, na adaptação ao cancro da mama. Alguns estudos tiveram em linha de conta a influência destas variáveis (e.g. Arndt et al., 2008; Engel et al., 2004; Parker et al., 2007).

Em suma, se, por um lado, a mastectomia apresenta como desvantagem a amputação da mama e consequente alteração da imagem corporal da doente, por outro lado, a cirurgia conservadora, por estar associada à radioterapia, encontra-se associada a um percurso de tratamentos mais prolongado, a um conjunto de efeitos secundários decorrentes da radioterapia, e a um possível maior medo de recorrência da doença. Os efeitos adversos de uma e outra cirurgia podem, assim, compensar-se mutuamente, conduzindo a resultados adaptativos muito semelhantes. Deste modo, consideramos que, não obstante a extensão da investigação realizada nesta área particular, são muitas as questões que continuam por responder, sendo que muitas outras poderiam ainda ser levantadas.

A implementação de estudos longitudinais, que contemplem o seguimento das doentes em intervalos regulares de tempo durante um período de alguns anos após a cirurgia, e que, simultaneamente, considerem a influência das potenciais variáveis moderadoras assinaladas, é ainda necessária para a clarificação dos resultados encontrados nesta área.

Assim, os resultados dos vários estudos apresentados não permitem determinar qual o tipo de cirurgia mais adequado, ou seja, aquele que poderá promover uma melhor adaptação psicossocial da doente, ainda que nos possibilitem afirmar que a conservação da mama promove, efetivamente, uma imagem corporal mais positiva.

Deste modo, na linha do defendido por Moyer (1997), julgamos que mais do que defender rigidamente um tipo de cirurgia em detrimento de outro, importa incluir a doente no processo de tomada de decisão terapêutica.

Tendo em conta que a mastectomia e a cirurgia conservadora apresentam taxas de sobrevivência semelhantes em cancros da mama diagnosticados em estádios iniciais, o envolvimento da doente no processo de tomada de decisão adquire neste contexto um papel extremamente relevante. Por exemplo, para as doentes que apresentam um maior investimento na sua aparência, fará provavelmente mais sentido efetuar uma cirurgia conservadora ou de reconstrução, se clinicamente for possível. No entanto, outras doentes que, por exemplo, apresentem um receio intenso de uma recorrência da doença, poderão preferir a realização de mastectomia. Este tipo de cirurgia poderá também ser preferencialmente escolhido por doentes que não desejem realizar radioterapia, evitando deste modo um percurso de tratamentos mais prolongado, bem como os possíveis efeitos secundários que poderão advir deste tratamento.

De uma forma geral, a investigação tem mostrado que, embora nem todas as doentes pretendam envolver-se no processo de decisão, a maioria expressa o desejo de colaborar com a equipa médica no mesmo (Degner te al., 1997; Keating, Guadagnoli, Landrum, Borbas, & Weeks, 2002). Outros estudos mostram ainda que as doentes que têm oportunidade de participar neste processo apresentam geralmente melhores resultados psicológicos, nomeadamente níveis inferiores de ansiedade e depressão, uma atitude mais otimista em relação ao futuro e um melhor funcionamento físico e psicológico (Moyer & Salovey, 1996).

Assim, sempre que possível, a doente deve ser chamada a participar no processo de tomada de decisão, devendo ser informada de todos os aspectos associados a um e outro tipo de cirurgia para que a sua decisão possa ser informada e ponderada. Mesmo quando a doente prefere adoptar um papel mais passivo neste processo, é fundamental que a equipa médica forneça à doente informação suficiente e adequada sobre as diferentes possibilidades cirúrgicas adequadas ao seu caso.


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