Predição da criatividade e saúde mental
A criatividade tem vindo a ocupar um lugar de destaque na sociedade atual,
sendo que Hennessey e Amabile (2010) consideram até que esta é a chave para o
desenvolvimento e para a evolução da civilização.
A compreensão deste constructo tem tomado porém várias direções e caminhos
desde as primeiras conceptualizações que encararam a criatividade como fruto de
uma inspiração divina (Sternberg &Lubart, 2009) até as mais recentes
conceptualizações que consideram-na numa perspetiva multidimensional, como é o
caso da teoria componencial desenvolvida por Amabile (Amabile, 1983, 1985;
Collins & Amabile, 2009; Hennessey & Amabile, 2010) a teoria de
sistemas de Csikszentmihalyi (Csikszentmihalyi, 2007, 2009) ou ainda a teoria
do investimento criativo de Sternberg e Lubart (Sternberg & Lubart, 2009;
Sternberg, O'Hara, & Lubart, 1997).
Na verdade esta procura por compreender este conceito tem sido uma aventura,
muitos tem tentado encontrar uma definição aceite por todos, mas tal é ainda um
desafio. Rhodes (1961) tentou na sua época encontrar a definição, pesquisando
na literatura, contudo o que encontrou foi uma imensidão de ideias e conceitos
sobre criatividade. O seu trabalho todavia não foi em vão. Apesar de verificar
que as inúmeras definições que encontrou divergiam por diferentes caminhos,
observou que muitas se interligavam ao nível do conteúdo. Neste sentido, deu
início a uma das primeiras categorizações da criatividade, conceptualizando-
a em quatro aspetos distintos, mas interligados: a pessoa, o processo, o
produto e o ambiente criativo (Rhodes, 1961). Pelas suas palavras,the word
creativity is a noun naming the phenomenon in which a person communicates a new
concept (which is the product). Mental activity (or mental process) is implicit
in the definition, and of course no one could conceive of a person living or
operating in a vacuum, so the term press is also implicit (Rhodes, 1961,
p.305).
Contudo, uma das questões mais importantes que se coloca é porquê continuar a
estudá-la e a desenvolvê-la? Alencar (2007) responde afirmando que criar é uma
ação saudável que nos direciona para sentimentos de satisfação. Outro ponto que
coloca é o facto de que a sociedade atual encontra-se numa situação de grande
incerteza profissional e a criatividade pode ser um elemento fundamental na
obtenção de um emprego (Alencar, 2007). Por último, Alencar (2007) enfatiza que
qualquer indivíduo tem potencial criativo e a sua repressão poderá
impossibilitar um sentimento de autorrealização pessoal e a impossibilidade de
descoberta de novos talentos.
Atualmente o focar a nossa atenção nas potencialidades e competências dos
indivíduos ao invés de remediar as suas debilidades é francamente mais
apelativo. Podemos ver que o desenvolvimento da criatividade na escola toma
cada vez mais importância pois será um suporte para o próprio rendimento
académico, mas também possibilita encontrar um ambiente apropriado para um bom
desenvolvimento emocional e mental, sendo que a criatividade poderá ser
encarada como um meio de prevenir desajustamentos emocionais (Wechsler, 2008).
O sector empresarial também identificou a criatividade como sendo um motor para
o desenvolvimento económico e técnico (Akarakiri, 1998; Amabile, 1998; King,
1998; Robinson & Stern, 1997; Stevens & Burley, 1999), sendo que até
mesmo no campo tecnológico tem-se verificado a aplicação da mesma (Clements,
1995; Kappel & Rubenstein, 1999). Também noutros campos começa-se a
perspectivar a relevância da criatividade como é o caso da liderança nos locais
de trabalho (Tierney, Farmer, & Graen, 1999), vocação e sucesso
profissional (Torrance, 1972, 1981), bem-estar psicológico, coping, crescimento
emocional (King & Pope, 1999; Russ, 1998) ou ainda na manutenção de
relações amorosas saudáveis (Livingston, 1999). Esta nova forma de encarar a
criatividade, ou seja, considera-la como uma componente vital para diversos
aspetos da vida quotidiana e ainda para o desenvolvimento de sentimentos de
bem-estar e saúde mental é sem dúvida um dos pontos mais aliciantes para a
continuação do seu estudo e do seu desenvolvimento. Wechsler (2008, p.84)
realça esta importância ao afirmar que
Considerando-se a criatividade como forma de ajudar o indivíduo a desenvolver
totalmente o seu potencial, ela dará ao indivíduo forças internas para resolver
os seus problemas presentes e condições para reagir, criativamente, a problemas
futuros. Assim sendo, a criatividade pode ser vista como uma forma de assegurar
a saúde mental nas diversas fases da vida ( ).
Verificando-se assim a importância da criatividade para um desenvolvimento mais
saudável, com esta investigação pretendeu-se verificar se seria possível
encontrar modelos preditivos de comportamentos criativos que poderão
potencializar um desenvolvimento profícuo do ser humano e das suas
competências. Com este objetivo em mente, quatro variáveis dão forma à
construção empírica deste trabalho: a pessoa, o processo, o produto e o
ambiente criativo, que fazem parte da categorização enfatizada por Mel Rhodes
(1961).
MÉTODO
Participantes
A amostra é constituída por 215 participantes, oriundos das Universidades da
Madeira e do Algarve. As suas idades variaram entre os 18 e os 56 anos,
apresentando-se uma média de 25 anos de idade. Os estudantes provinham de
cursos como Educação Básica, Psicologia, Arte e Multimédia e Design.
Material
Os instrumentos utilizados recaíram sobre a Escala de Personalidade Criativa
(EPC), a Prova de Resolução de Problemas por Insight (PRPI) e o Inventário de
Comportamentos Criativos (versão reduzida) (ICC), que nos possibilitaram
avaliar a pessoa, o processo e o produto criativo, respetivamente.
A EPC é composta por 30 itens, é unidimensional e revelou uma consistência
interna de 0,91 (Garcês, Pocinho, Jesus, Imaginário, & Wechsler, 2013). A
PRPI é constituída por 8 problemas de insight, tem uma pontuação dicotómica e
não mecânica, tendo revelado valores de consistência interna de 0,72 nos
estudos de validação (Morais, 2001)
O ICC, desenvolvido inicialmente por Dollinger (2011) compreende um conjunto de
28 itens, que na versão portuguesa se subdividem por quatro fatores: as artes
plásticas, a literatura, as artes visuais e as artes manuais, e revela uma
consistência interna global de 0,88 (Garcês, Pocinho, & Jesus, 2012).
Importa aqui acrescentar que a variável ambiente criativo foi uma variável
dicotómica construída mediante o campo de estudos de cada uma dos
participantes, ou seja, subdividida em ciências sociais e humanas e artes.
Procedimento
O trabalho de investigação decorreu numa primeira fase no encontro das provas
psicológicas que nos possibilitariam estudar os construtos que nos
predispusemos a analisar. Encontradas as provas e realizados os respetivos
pedidos de autorização aos autores, passou-se para a fase de divulgação e,
simultaneamente, para a recolha dos dados. Recolhidos os dados e introduzidos
no software estatístico, procedeu-se às respetivas análises, que recaíram sobre
a utilização da regressão linear múltipla (RLM).
RESULTADOS
Os resultados obtidos têm em consideração a variável produto criativo como
variável dependente, que se subdivide pelos quatro fatores que constituem o
instrumento de avaliação utilizado (ICC), sendo que os resultados apresentados
nas tabelas que se seguem reportam-se apenas aos resultados significativos
obtidos quando na construção dos modelos preditivos. Deste modo, o quadro_1
apresenta os coeficientes de regressão para o fator artes plásticas.
Os resultados apresentados no quadro_1 revelam-nos que 28,8% da variabilidade
das artes plásticas pode ser explicada pela conjugação das variáveis artes
visuais, pessoa criativa e artes manuais, como se verifica pela equação:
Na análise da variável literatura encontrou-se os coeficientes de regressão
presentes no quadro_2.
Neste caso verifica-se que 26,1% da variabilidade desta variável pode ser
explicada pelas quatro variáveis independentes apresentadas, mais
especificamente pelas artes visuais, artes manuais, pessoa criativa e ambiente
criativo, traduzindo-se na seguinte equação:
No caso das artes visuais obteve-se os coeficientes de regressão presentes no
quadro_3.
Constata-se assim que 51,0% da variabilidade desta variável pode ser explicada
pelas variáveis ambiente criativo, artes manuais, artes plásticas, literatura e
processo criativo, sendo que a sua equação traduz-se na seguinte forma:
Por fim, na análise da variável artes manuais encontraram-se os valores
presentes no quadro_4 para os coeficientes de regressão.
Neste modelo a variabilidade explicada é de 44,1% sendo que, para esta,
contribuem todas as variáveis utilizadas, nomeadamente a pessoa criativa, o
processo criativo, o ambiente criativo, as artes visuais, a literatura e as
artes plásticas. O modelo obtido pode ser traduzido na seguinte equação:
DISCUSSÃO
Os resultados desta investigação demonstram a possibilidade da predição de
comportamentos criativos, mediante outras variáveis como é o caso da pessoa, do
processo e do ambiente criativo.
Uma análise detalhada aos resultados anteriormente apresentados permitem-nos
verificar que os dois primeiros modelos com as variáveis dependentes artes
plásticas e literatura são aqueles com uma menor capacidade de explicação da
variabilidade, recaindo estes valores em 28,8% e 26,1%, respetivamente. Por
outro lado, os dois últimos modelos revelam valores na ordem dos 51,0% e 44,1%
na explicação da variabilidade das variáveis artes visuais e artes manuais,
respetivamente. Estes dois últimos valores são particularmente surpreendentes,
pois um deles chega a atingir os 50%, o que nos indica que por meio das
variáveis que compõem estes modelos, podemos prever em cerca de 50% a perceção
que os indivíduos têm dos seus comportamentos criativos nestas duas áreas.
Estes resultados possibilitam-nos ainda constatar que o modelo que nos serviu
de base para o desenvolvimento desta investigação, ou seja, a categorização
preconizada por Rhodes (1961), no qual revela que a criatividade é construída
mediante quatro importantes aspetos: a pessoa, o processo, o produto e o
ambiente criativo, tem de facto a sua relevância, pois podemos explicar
comportamentos criativos, tendo em consideração estes conceitos.
Porém, um dos aspetos a salientar é a importância destes resultados ao
pensarmos no impacto que estes poderão ter num desenvolvimento mais saudável do
ser humano. Exploramos pois aqui a ideia que desde início apresentamos: Será
que o conseguirmos prever comportamentos criativos poderá ser uma forma de
fomentarmos uma melhor saúde mental? Com este estudo, acreditamos pois na
possibilidade de predição criativae tendo por base a literatura encaramos que o
conseguirmos prever estes comportamentos realça a necessidade de mais e mais
apostarmos no desenvolvimento da criatividade como uma competência chave para
um melhor e maior sentimento de bem-estar psicológico do ser humano. Tal como
diversos investigadores referem (Akarakiri, 1998; Amabile, 1998; Clements,
1995; Kappel & Rubenstein, 1999; King, 1998; King & Pope, 1999;
Livingston, 1999; Robinson & Stern, 1997; Russ, 1998; Stevens & Burley,
1999; Tierney, Farmer, & Graen, 1999; Torrance, 1972, 1981) a criatividade
tem um papel importante para a saúde mental, para a economia e para a
sociedade. Como tal, o potencializarmo-la e o desenvolver produtos criativos
poderão ser grandes auxílios no encontro de uma satisfação e realização
pessoal.
Para finalizar, reportamo-nos às limitações e sugestões futuras, sendo que como
limitação podemos mencionar o facto de ter sido utilizado um conjunto de provas
que necessitaram de um grande consumo de tempo, tanto na sua aplicação como
cotação, com destaque para a PRPI. Por outro lado, como sugestão futura
acredita-se ser pertinente replicar este estudo em outras populações e
acrescentar provas que avaliem o bem-estar psicológico numa tentativa de
verificar se existirão efetivamente correlações entre ambos.