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EuPTHUHu1645-00862013000200004

EuPTHUHu1645-00862013000200004

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN1645-0086
ano2013
Issue0002
Article number00004

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Adaptação à gravidez das mulheres primíparas de idade avançada e seus companheiros

O aumento da idade da mulher no momento do nascimento do primeiro filho e da taxa de nascimentos em idade materna avançada (IMA, = 35 anos) constitui uma preocupação de saúde pública emergente em Portugal (Moreira, Mota, Ramalho, Matias, & Montenegro, 2010). A gravidez em IMA foi essencialmente estudada com base numa abordagem médica, que negligenciou a compreensão dos contextos que a enquadram e das suas implicações para a adaptação psicossocial dos casais (Gomes, Donelli, Piccinini, & Lopes, 2008).

A gravidez em IMA foi frequentemente conceptualizada como uma decisão deliberada, caracterizando mulheres com habilitações superiores que privilegiam a carreira profissional (Berryman, Thorpe, & Windridge, 1995).

Investigações recentes questionaram a natureza voluntária desta resolução reprodutiva (Cooke, Mills, & Lavender, 2012), evidenciando que as mulheres primíparas de IMA apresentam uma diversidade de características sociodemográficas e trajetórias reprodutivas (Nilsen, Waldenström, Hjelmsted, Rasmussen, & Schytt, 2012; Sampedro, Gómez, & Montero, 2002). Todavia, poucos estudos distinguiram diferentes subgrupos de mulheres primíparas de IMA, de modo a desenvolver intervenções focalizadas nas suas necessidades específicas. Nilsen e colaboradores (2012) sugeriram que uma gravidez não planeada em IMA se enquadra frequentemente em relações de curta duração e situações de vulnerabilidade socioeconómica. O padrão de duplo emprego e o estatuto socioeconómico médio/elevado revelaram-se comuns aos casais que alcançaram uma gravidez planeada em IMA (Daniels & Weingarten, 1982; McMahon, Gibson, Allen, & Saunders, 2007). Todavia, o caráter duradouro da relação conjugal e a complexidade das trajetórias reprodutivas afirmaram-se como características distintivas das mulheres e/ou casais inférteis que alcançaram uma gravidez em IMA, após tratamentos de reprodução medicamente assistida (RMA, McMahon et al., 2011; McMahon et al., 2007). Além disso, as mulheres com infertilidade consequente à IMA descreveram frequentemente configurações conjugais que dificultaram a consecução da parentalidade, nomeadamente relações recentes ou recasamentos com companheiros que têm filhos (Hammarberg & Clarke, 2005).

Apesar desta heterogeneidade, a generalidade das investigações analisou a adaptação psicossocial à gravidez das mulheres primíparas de IMA como um grupo homogéneo, apresentando resultados marcadamente inconsistentes (Gomes et al., 2008). Do nosso conhecimento, apenas McMahon e colaboradores (2011) compararam a adaptação psicossocial das mulheres primíparas de IMA que conceberam espontaneamente e por RMA, no terceiro trimestre de gravidez. Não foram observadas diferenças significativas entre os subgrupos na sintomatologia psicopatológica e qualidade da relação conjugal, embora as mulheres que conceberam espontaneamente apresentassem níveis ligeiramente mais elevados de ansiedade e depressão que as mulheres que conceberam por RMA. Para além destas limitações conceptuais e metodológicas, a generalidade das investigações sobre a adaptação psicossocial à gravidez em IMA negligenciou um nível de análise conjugal, que se reveste de especial relevância na transição para a parentalidade (Figueiredo et al., 2010).

Assim, o presente estudo teve como objetivos: 1) identificar diferentes subgrupos de mulheres primíparas de IMA e seus companheiros, com base nas suas características sociodemográficas e trajetórias reprodutivas; e 2) comparar estes subgrupos relativamente à sua adaptação psicosocial (ansiedade e depressão; ajustamento diádico; qualidade de vida) no terceiro trimestre de gravidez, utilizando um nível de análise conjugal. Face à insuficiência de resultados conclusivos na literatura, não estabelecemos hipóteses para os objetivos apresentados.

MÉTODO Participantes A amostra foi constituída por 91 casais. Mulheres (M = 37,12, DP = 2,47) e homens (M = 37,07, DP = 5,32) apresentaram idades comparáveis. As mulheres (M = 15,03, DP = 3,15) estudaram por mais anos que os seus companheiros (M = 13,56, DP = 3,64). A maioria dos casais apresentava um padrão de duplo emprego (n= 79, 86,50%) e um nível socioeconómico médio (n = 53, 58,20%). A relação atual foi o primeiro casamento para a maioria dos casais (n = 66, 72,50%). A sua duração média foi de 7,92 anos (DP = 5,94). Contudo, 11,00% (n = 10) dos homens tinham filhos.

Relativamente às trajetórias reprodutivas, 30,80% dos casais (n = 28) descreveram perdas gestacionais anteriores e 29,70% (n = 27) experienciaram infertilidade prévia, que se iniciou antes da IMA (n = 15, 16,50%) ou em IMA (n = 12, 13,20%). Destes casais, 25,30% (n = 23) realizaram tratamentos e 22,00% (n = 20) alcançaram uma gravidez medicamente induzida.

Material Além de uma ficha de dados sociodemográficos e clínicos, os casais preencheram os seguintes instrumentos de autorresposta: Brief Symptom Inventory-18(Derogatis, 2000; Canavarro, Nazaré, & Fonseca, em estudo): Avalia a intensidade do sofrimento associado a determinado sintoma psicossintomatológico, num total de 18 itens. O participante deve responder tendo como referência os últimos sete dias, com base numa escala de resposta de cinco pontos (0 ' Nadaa 4 ' Extremamente). Os itens organizam-se em três dimensões: Ansiedade, Depressão e Somatização. Na presente amostra, os valores de consistência interna da Ansiedade e Depressão variaram entre 0,81 (Depressão ' homens) e 0,88 (Ansiedade ' homens).

EUROHIS-QoL8 (Power, 2003; Pereira, Melo, Gameiro, & Canavarro, 2011): É uma medida global de qualidade de vida (QdV) composta por oito itens. Todas as escalas de resposta têm um formato de cinco pontos, variando, por exemplo, entre 1 (Nada) e 5 (Completamente). Na presente amostra, os valores de consistência interna variaram entre 0,71 (mulheres) e 0,85 (homens).

Escala de Ajustamento Diádico ' Revista(Busby, Cristensen, Crane, & Larson, 2005; Pereira, Canavarro, & Narciso, em estudo): Avalia os componentes do ajustamento conjugal, com base em três dimensões: Coesão, Consenso e Satisfação. Este questionário de autorresposta é composto por 14 itens, respondidos em escalas de resposta de cinco (1 ' Todos os dias a 5 ' Nunca) ou seis pontos (por exemplo, 1 'Sempre a 6 ' Nunca). Na presente amostra, os valores de consistência interna variaram entre 0,62 (Consenso ' homens) e 0,80 (Satisfação ' mulheres).

Procedimentos Este estudo enquadra-se num projeto longitudinal, aprovado pela Comissão de Ética do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE. A amostra foi recolhida na Maternidade Daniel de Matos, de abril de 2011 a novembro de 2012.

Os critérios de inclusão foram os seguintes: 1) a mulher era primípara de IMA; 2) ambos os membros do casal preencheram os questionários; 3) inexistência de perdas gestacionais e anomalia fetal na gravidez atual; e 4) capacidade para ler e compreender português. Os casais foram contactados pelos investigadores antes da consulta de diagnóstico pré-natal, no segundo trimestre de gravidez.

Os objetivos do estudo foram apresentados e os participantes que concordaram colaborar assinaram um consentimento informado. No terceiro trimestre de gravidez, os investigadores contactaram novamente os casais, para avaliar os indicadores de adaptação psicossocial. Os questionários foram remetidos pelo correio, acompanhados de um envelope selado e endereçado, para possibilitar a sua devolução aos investigadores.

O tratamento estatístico dos dados foi realizado através do Statistical Package for the Social Sciences, versão 20. Para a identificação dos subgrupos, recorremos à análise de clusters two-step, usando o critério log-likelihood como medida das distâncias e o critério de Schwarz para selecionar a melhor solução. Para comparar a sintomatologia psicopatológica e o ajustamento diádico, utilizámos a análise multivariada da variância (MANOVA) mista, com o género como variável intragrupo e o subgrupo como variável intergrupo.

Selecionámos o Pillai's Trace, devido à sua robustez com subgrupos de diferentes dimensões. Recorremos à análise de variância (ANOVA) univariada, caso o efeito multivariado fosse significativo. Para a comparação da QdV, realizámos uma ANOVA mista. As análises de poder a posteriori com um nível de significância de 0,05 e poder >= 0,80 apontaram a deteção de efeitos médios a grandes (Faul,Erdfelder, Lang, & Buchner, 2007). O nível de significância considerado foi de 0,05 mas também foram apresentadas diferenças marginais (< 0,10).

RESULTADOS Identificação dos subgrupos de casais O Quadro_1 sumaria as características dos clusters que foram identificados: o cluster 1 (n = 64, 70,30%), composto por casais sem história de infertilidade; e o cluster 2 (n = 27, 29,70%), constituído por casais com história de infertilidade. A história de infertilidade e tratamentos, o modo de conceção e a duração da relação conjugal possibilitaram a discriminação dos clusters.

Comparação da adaptação psicossocial dos subgrupos de casais O Quadro_2 sumaria a adaptação psicossocial dos subgrupos de casais.

Para a sintomatologia psicopatológica, não observámos efeito de interação Género x Subgrupo, Pillai's Trace = 0,01, F(2, 88) = 0,49, p = 0,610, np2= 0,01. Observámos um efeito principal de género, Pillai's Trace = 0,10, F(2, 88) = 5,02, p = 0,009, np2= 0,10. As análises univariadas apresentadas no Quadro_2 evidenciaram que as mulheres apresentaram níveis significativamente mais elevados de ansiedade que os homens. Não observámos um efeito principal de subgrupo, Pillai's Trace = 0,01, F(2, 88) = 0,16, p = 0,850, np2= 0,01.

Para o ajustamento diádico, não observámos efeito de interação Género x Subgrupo, Pillai's Trace = 0,05, F(3, 87) = 1,35, p = 0,264, np2= 0,05.

Observámos um efeito principal de género, Pillai's Trace = 0,12, F(3, 87) = 4,07, p = 0,009, np2= 0,12. As análises univariadas apresentadas no Quadro_2 não revelaram a existência de diferenças significativas. Não observámos um efeito principal de subgrupo, Pillai's Trace = 0,01, F(3, 87) = 0,35, p = 0,793, np2= 0,01.

Para a QdV, não observámos efeito de interação Género x Subgrupo, F(1, 89) = 0,93, p = 0,339, np2= 0,01. Não observámos um efeito principal de género.

Observámos um efeito marginal de subgrupo. Os casais do cluster 2 apresentaram níveis marginalmente mais elevados de QdV comparativamente com os casais do cluster 1.

DISCUSSÃO Os resultados distinguiram os casais que alcançaram a gravidez em IMA, em função da (in)existência de história de infertilidade. Conforme esperado, os subgrupos assemelharam-se quanto ao estatuto profissional e socioeconómico, diferenciando-se relativamente à duração da relação conjugal e complexidade das trajetórias reprodutivas (Daniels & Weingarten, 1982; McMahon et al., 2007; McMahon et al., 2011). Todavia, as especificidades da história de infertilidade e o planeamento da gravidez não contribuíram para a identificação de subgrupos distintos, contrariamente ao previamente sugerido (Hammarberg & Clarke, 2005; Nilsen et al., 2012). A dimensão da amostra e método de amostragem podem ter condicionado a representação destas especificidades, exigindo uma interpretação cautelosa dos resultados.

Os subgrupos de casais não se distinguiram significativamente quanto à sintomatologia psicopatológica e ajustamento diádico, conforme evidenciado por McMahon e colaboradores (2011). Estes resultados parecem ajustar-se à perspetiva desenvolvimental que defende que os recursos psicossociais adquiridos com a maturidade podem atenuar o efeito da vulnerabilidade biológica decorrente da IMA (Goldberg, 1988). Todavia, os resultados descritivos da ansiedade e depressão evidenciaram um padrão inverso ao previamente descrito (McMahon et al., 2011), sugerindo que o enquadramento da infertilidade e RMA em Portugal (Moura-Ramos, Gameiro, Soares, Almeida-Santos, & Canavarro, 2010) pode influenciar a experiência emocional dos casais. As diferenças marginais na QdV parecem igualmente consistentes com a gratificação e entusiasmo que se associam frequentemente à consecução de uma gravidez após uma história de infertilidade (Gameiro, Moura-Ramos, Canavarro, & Soares, 2010).

As diferenças de género na sintomatologia ansiosa foram congruentes com investigações anteriores (Figueiredo, & Conde, 2011), sugerindo que a fase final da gravidez e a aproximação do parto tendem a ser mais ansiógenas para as mulheres do que para os homens. Os resultados do ajustamento diádico foram menos conclusivos. As diferenças nos resultados descritivos da Coesão podem indiciar que o impacto da transição para a parentalidade na relação conjugal pode ser percecionado mais precocemente pelas mulheres (Cowan et al., 1985).

Contudo, os valores de consistência interna nesta dimensão para os homens exigem uma interpretação cautelosa dos resultados.

Não obstante o seu contributo, este estudo não se encontra isento de limitações. A amostra foi recolhida num único estabelecimento de saúde público, usando um método de amostragem consecutiva, que limita a generalização dos resultados. A natureza transversal do estudo não possibilitou avaliar a evolução da adaptação psicossocial dos casais ao longo da gravidez. A inclusão de medidas gerais, em estudo na população portuguesa, pode ter impossibilitado a deteção das especificidades dos subgrupos, nomeadamente quanto à ligação materno-fetal ou às preocupações relacionadas com a gravidez. Estudos futuros devem ultrapassar estas limitações e examinar os mecanismos que podem explicar as comunalidades e diferenças na adaptação psicossocial de diferentes subgrupos de casais que alcançam uma gravidez em IMA.

Apesar das suas limitações, este estudo reveste-se de implicações clínicas. Os profissionais de saúde devem estar conscientes da diversidade de contextos que enquadram a gravidez em IMA, evitando atitudes baseadas em perspetivas reducionistas e estigmatizadoras que podem interferir na relação terapêutica.

Intervenções psicoeducativas focadas nos casais devem promover uma perspetiva realista acerca das alterações emocionais e reorganizações conjugais decorrentes da transição para a parentalidade, especialmente nos casais com história de infertilidade. Neste âmbito, as diferenças de género devem ser abordadas, de modo a facilitar a mobilização e/ou desenvolvimento de estratégias eficazes de comunicação e resolução de problemas, no contexto conjugal. Importa ainda fomentar a colaboração interdisciplinar nos serviços de saúde materno-fetal, sensibilizando as equipas médicas para indicadores perturbação emocional suscetíveis de legitimar o acompanhamento psicológico.


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