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EuPTHUHu1645-00862013000200010

EuPTHUHu1645-00862013000200010

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN1645-0086
ano2013
Issue0002
Article number00010

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Interrupção Voluntária da Gravidez: Ajustamento Psicológico numa Amostra de Jovens Portuguesas

O enquadramento legal da interrupção voluntária da gravidez por opção da mulher até às 10 semanas de gestação (IVG) é uma realidade recente em Portugal (Lei n.º 16/2007 de 17 de Abril). Os procedimentos utilizados na IVG, tal como a lei portuguesa os define, são maioritariamente seguros e com impacto físico reduzido (Rorbye, Nørgaard, & Nilas, 2005). No entanto, o impacto psicológico desta decisão reprodutiva na mulher tem permanecido menos claro na literatura, particularmente na população jovem (Evans, 2001; Lipp, 2009).

Do ponto de vista psicológico, a IVG pode ser considerada como uma experiência com importantes significações e implicações emocionais (Stotland, 2000), implicações estas que têm vindo a ser amplamente estudadas internacionalmente.

Contudo, os resultados destes estudos têm vindo a ser divergentes e contraditórios, oscilando entre escassos ou nenhuns efeitos negativos na saúde mental da mulher (Broen, Mourn, Bödtker, & Ekeberg, 2005a, 2006) e sequelas negativas e significativas após a interrupção (Fergusson, Horwood, & Ridder, 2006; Fergusson, Horwood, & Boden, 2008). Além disso, estes resultados encontram-se, muitas vezes, contaminados por questões legais, éticas, ideológicas, por divergências de conceptualizações teóricas e limitações metodológicas diversas (e.g. amostras pequenas e de conveniência, grupos de controlo inadequados, medidas com validade e fidedignidade questionáveis, problemas de operacionalização de variáveis, ausência de controlo de variáveis significativas) (Adler, David, Major, Roth, Russo, & Wyatt, 1992; Coleman, 2005; Pires, Araújo Pedrosa, Pereira, & Canavarro, no prelo).

No que se refere especificamente à população adolescente, os estudos realizados têm vindo a verificar a ocorrência de reações breves e agudas aquando da decisão reprodutiva e processo de interrupção (Greydanus & Railsback, 1985), embora, maioritariamente, apoiem a inexistência, a longo prazo, de efeitos psicológicos negativos em consequência da IVG (Adler et al., 1992; Cohen & Roth, 1984).

Recentemente, as investigações têm evidenciado a inexistência de diferenças significativas entre adolescentes mais novas e mais velhas no que concerne ao ajustamento psicológico após a IVG, verificando-se mesmo melhorias no ajustamento de todas as jovens avaliadas (Perdersen, 2008; Poggenpoel & Myburgh, 2002; Pope, Adler, & Tschann, 2001; Quinton, Major, & Richards, 2001). Contudo, outras investigações têm vindo a considerar a idade como um fator de risco, uma vez surgem maiores dificuldades de adaptação no período subsequente à IVG em idades mais novas (Coleman, 2006; Cosme & Leal, 1998; Fergusson, Horward, & Ridder, 2006). No estudo de Perez-Reyes e Falk (1973), as adolescentes reportaram níveis significativos de distress imediato após a IVG. No entanto, revisões destes dados verificaram que estes efeitos são moderados e transitórios e salientam, ainda, a possível contribuição de fatores de diversas naturezas (e.g. individuais, contextuais) para as respostas emocionais negativas observadas (Dagg, 1991; Greydanus & Railsback, 1985).

Em Portugal, o contexto legal recente da IVG é pautado pela escassez de estudos que abordam o ajustamento psicológico subsequente à decisão reprodutiva.

Aqueles que existem são, maioritariamente, prévios à legalização, não refletindo a atual realidade desta prática em Portugal (Cosme & Leal, 1998; Noya & Leal, 1998; Ouró & Leal, 1998). Por sua vez, os dados mais recentes são institucionalmente circunscritos, não permitindo obter uma visão nacional deste fenómeno, e não consideram as especificidades desenvolvimentais da população jovem (Guedes, 2008; Guedes, Gameiro, & Canavarro, 2010; Sereno, Leal, & Maroco, 2012).

Neste sentido, o presente estudo procurou caraterizar o ajustamento psicológico duas a quatro semanas após a IVG numa amostra de jovens provenientes de diversas regiões de Portugal Continental, por comparação com um grupo de jovens sexualmente iniciadas e sem história de gravidez, tendo em consideração dois indicadores: 1) sintomatologia depressiva e 2) qualidade de vida (QdV).

MÉTODO Participantes A amostra foi constituída por 128 jovens que realizaram uma interrupção voluntária da gravidez e um grupo de controlo, constituído por 248 jovens sexualmente iniciadas e sem história de gravidez. No Quadro_1 constam as principais características sociodemográficas da amostra. Os dois grupos revelaram-se equivalentes na sua distribuição quanto à idade e religião.

Contudo, verificaram-se diferenças na escolaridade, estado civil, características da freguesia de residência e NSE.

Do ponto de vista reprodutivo, apesar de uma pequena percentagem das jovens referirem que seria uma gravidez desejada, a maioria não planeou a atual gravidez para esta fase da vida, e uma pequena percentagem tem história de IVG anterior (cf. Quadro_2).

Material Foram construídos protocolos de avaliação específicos para os dois grupos, constituídos por uma ficha de dados sociodemográficos e clínicos e por questionários de autopreenchimento para avaliar a presença de sintomatologia depressiva e QdV: - Ficha de dados sociodemográficos e clínicos: Avalia a informação sociodemográfica (idade, estado civil, habilitações literárias, profissão), e clínica (idade gestacional aquando da IVG, complicações obstétricas pós-IVG, procedimento de IVG).

- Escala de Depressão pós-parto de Edinburgh (EPDS; Cox, Holden, & Sagovsky, 1987; versão portuguesa: Augusto, Kumar, Calheiros, Matos, & Figueiredo, 1996; versão traduzida para investigação: Figueiredo, 1997): É um questionário de autorresposta com 10 itens, numa escala de resposta tipo Likert, de quatro pontos, de 0 (não, nunca) a 3 (sim, a maioria das vezes), que avalia a intensidade de sintomas depressivos nos sete dias anteriores ao seu preenchimento. Pontuações mais elevadas correspondem a maiores níveis de sintomatologia. Dado que da EPDS não fazem parte itens específicos sobre questões relacionadas com a maternidade ou com o bebé, esta tem vindo a ser usada não na triagem e avaliação de sintomatologia depressiva no período pós-natal, como também noutras situações, razão pela qual foi integrada no protocolo do presente estudo. Na presente amostra, o instrumento apresentou um a de Cronbach de 0,85 para o GIVG e de 0,82 para o GC.

- EUROHIS-QOL-8 (Power, 2003; versão portuguesa: Pereira, Melo, Gameiro, & Canavarro, 2011): É um instrumento destinado a avaliar a Qualidade de Vidae é composta por oito itens. O resultado é um índice global, sendo que a um valor mais elevado corresponde uma melhor perceção da qualidade de vida. Todas as escalas de resposta têm um formato de cinco pontos, variando, por exemplo, entre 1 (Nada) e 5 (Completamente). Na presente amostra, este instrumento apresentou um coeficiente de a de Cronbach de 0,77 para o GIVG e de 0,79 para o GC.

Procedimento O presente estudo resulta da conjugação de dois projetos de investigação mais abrangentes intitulados Gravidez na Adolescência em Portugal: Etiologia, decisão reprodutiva e adaptação e Interrupção Voluntária da Gravidez em Portugal: Influência de características desenvolvimentais e fatores individuais, socioculturais e relacionais na decisão reprodutiva e na adaptação, que se encontram em curso desde 2008 e 2013, respetivamente. A recolha de amostra ocorreu entre Maio de 2008 e Abril de 2013, em 23 escolas e 23 serviços de saúde das várias regiões de Portugal Continental, mediante aprovação das direções das escolas e das Comissões Éticas das instituições de saúde envolvidas.

Relativamente à recolha de dados do Grupo de interrupção voluntária da gravidez, a apresentação do estudo foi feita às adolescentes pelo médico, no final da consulta de interrupção ( consulta protocolada ao abrigo da Portaria 741-A/2007 da Lei 16/2007, de 17 de Abril). Caso aceitassem participar, era-lhes pedido para assinarem um consentimento informado, igualmente assinado pelos seus representantes legais sempre que estas tivessem menos de 16 anos. As jovens eram instruídas para o autopreenchimento de um conjunto de instrumentos de avaliação, no decorrer da semana para a qual ficasse marcada a consulta seguinte (consulta de revisão), momento em que deveriam entregar o protocolo de avaliação preenchido em envelope fechado.

No que concerne ao Grupo de controlo, a recolha de dados consistiu no autopreenchimento coletivo de um conjunto de instrumentos de avaliação, em ambiente de sala de aula, monitorizado pelo técnico responsável pela recolha.

Cumpriram critérios de inclusão para o grupo de controlo jovens: 1) com compreensão da língua portuguesa adequada, 2) frequência de qualquer ano de ensino ou utentes de centros de atendimento a jovens, 3) sem história prévia de gravidez. Para o grupo de interrupção voluntária da gravidez, cumpriram critérios de inclusão jovens: 1) com compressão da língua portuguesa adequada, 2) interrupção voluntária de uma gravidez ao abrigo da Lei 16/2007 de 17 de Abril, 3) preenchimento do protocolo até à terceira consulta médica.

Numa primeira fase, para a caracterização da amostra, foram calculadas estatísticas descritivas (frequências, médias e desvios-padrão). Para outras análises, recorreu-se à estatística inferencial, considerando como variáveis estatisticamente significativas todas as diferenças com um nível de significância inferior a 0,05. Foram calculados testes t de Student para a comparação dos valores médios das variáveis avaliadas entre os dois grupos, e testes de Qui-Quadrado para comparação de dados categoriais.

Com vista à comparação dos índices de ajustamento entre os grupos, procedeu-se a análises univariadas da covariância (ANCOVAs), nas quais introduzimos como co-variáveis as variáveis sociodemográficas que distinguiam os grupos, de forma a remover dos resultados a variabilidade imputável às mesmas. Todas as análises foram realizadas no software SPSS, v.17.

RESULTADOS Sintomatologia depressiva Verificaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (t (214,988) = -2,266, p= 0,024), com as jovens que realizaram uma IVG a apresentarem maiores níveis de sintomatologia depressiva comparativamente ao grupo de controlo.

Uma vez controlados os efeitos dos indicadores sociodemográficos (NSE, estado civil e características das freguesias de residência), as diferenças em relação à sintomatologia depressiva permaneceram significativas (cf. Quadro_3).

Qualidade de Vida No que se refere à QdV, as jovens que realizaram uma IVG evidenciaram uma menor QdV, comparativamente ao grupo controlo (t(246,781)= 3,292, p= 0,001).

Quando controlados os efeitos dos indicadores sociodemográficos, continuaram a verificar-se diferenças estatisticamente significativas em relação à QdV (cf.

Quadro_4).

DISCUSSÃO O presente estudo teve como principal objetivo avaliar a presença de sintomatologia depressiva e os níveis de QdV de uma amostra de jovens portuguesas após a realização de uma IVG, por comparação com jovens sexualmente iniciadas e sem história de gravidez. Os resultados revelaram maiores níveis de sintomatologia depressiva e menor qualidade de vida nas jovens que realizaram uma IVG, por comparação com as jovens do grupo de controlo. Estes dados têm importantes contribuições para a investigação e práticas futuras no âmbito da prevenção e da promoção de linhas de ação desenvolvimentalmente adaptadas.

Os resultados obtidos corroboraram conclusões prévias acerca da existência de dificuldades de adaptação no período pós-aborto em jovens (Bracken, Klermen, & Grossman, 1974; Coleman, 2006; Cosme & Leal, 1998; Denny, 2001; Fergusson, Horward, & Ridder, 2006; Franz & Reardon, 1992; Speckhard & Rue, 1992), dado que as jovens que realizaram uma IVG apresentaram maiores níveis de sintomatologia depressiva e menor QdV duas a quatro semanas após a IVG, quando comparadas com jovens sexualmente iniciadas e sem história de gravidez. Estes resultados mantiveram-se estáveis mesmo após o controlo de variáveis de cariz sociodemográficas. Em futuras investigações, seria importante averiguar quais os fatores protetores e/ou de risco que podem influenciar este ajustamento psicológico subsequente à IVG. Seria igualmente importante estudar as especificidades desenvolvimentais deste impacto, através da comparação com adultas que realizaram IVG, no sentido de perceber se a idade poderá ser também considerada como um fator de risco para este ajustamento psicológico.

Algumas limitações devem ser consideradas, nomeadamente a natureza transversal deste estudo, que deve ser considerada na generalização dos resultados. Uma abordagem longitudinal permitir-nos-ia o esclarecimento da estabilidade temporal ao nível de ajustamento psicológico destas jovens, no sentido de averiguar a permanência de efeitos psicológicos negativos a longo prazo ou a atenuação dos mesmos. Contudo, as condições de recolha de amostra, restritas pelos requisitos de anonimato e confidencialidade associadas às contingências legais em vigor, não nos possibilitaram aceder diretamente às participantes e estabelecer novo contacto após algum tempo da realização da IVG.

Apesar das limitações referidas, os resultados do presente estudo têm relevantes implicações clínicas, nomeadamente na necessidade de adaptação e especialização dos serviços que acompanham jovens durante o processo de tomada de decisão, no sentido de promover uma melhor qualidade ao nível do processo e adaptação posterior. Assim, surge a necessidade de sensibilizar as equipas médicas para a monitorização do impacto da IVG nas trajetórias desenvolvimentais destas jovens e prevenção de consequências negativas, através da identificação de possíveis indicadores de perturbação emocional. Esta prevenção pode assentar na construção e implementação de protocolos de triagem que permitam identificar as jovens com níveis significativos de sintomatologia depressiva e menor QdV percebida e, posteriormente, na disponibilização de apoio especializado, promovendo, assim, intervenções multidisciplinares por parte dos profissionais de saúde.


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