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EuPTHUHu1645-00862013000200011

EuPTHUHu1645-00862013000200011

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN1645-0086
ano2013
Issue0002
Article number00011

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Maternidade Adolescente: Escolha, Aceitação ou Resignação?

A maternidade adolescente continua a ser um problema premente em diversos países desenvolvidos (Oliveira, Moura, Pinheiro, & Eduardo, 2008; Silva et al., 2011). Portugal, em particular, situa-se entre os países da União Europeia com taxas mais altas de nascimentos em mães adolescentes (Silva et al., 2011).

Acresce que, ao longo das últimas décadas, mudanças sociais ao nível do desenvolvimento preconizado para a população adolescente, dos papéis de género e do lugar da mulher na sociedade têm contribuído para uma visão da gravidez na adolescência como cada vez mais inoportuna e indesejável, colocando crescentes desafios no âmbito da sua prevenção (Canavarro & Pereira, 2001; Neiverth & Alves, 2003; Peres & Heilborn, 2006; Pires, 2009). Por outro lado, a crescente acessibilidade legal e prática à interrupção voluntária da gravidez por opção da mulher (IVG) em Portugal tem proporcionado cada vez mais às adolescentes que engravidam a possibilidade legal e segura de interromper a gravidez; no entanto, cerca de 65% prosseguem a gravidez, tornando-se mães (Direção-Geral da Saúde [DGS], 2011; Instituto Nacional de Estatística [INE], 2011). Sendo Portugal um país cujas especificidades regionais têm impacto ao nível da reprodução (Carvalho, 2012; Dias, 1985) - nomeadamente no que respeita à evolução das taxas de gravidez adolescente e da decisão reprodutiva subsequente (DGS, 2008, 2009, 2010, 2011; INE, 2011) -, o presente estudo pretendeu caracterizar o contexto relacional e reprodutivo em que a gravidez adolescente ocorre, bem como o processo de tomada de decisão reprodutiva subjacente ao seu prosseguimento, averiguando a existência de especificidades regionais.

A literatura tem privilegiado a conceptualização da gravidez na adolescência enquanto cadeia de acontecimentos e decisões, que parte da iniciação sexual, passando pela existência ou não de desejo de gravidez (e seu planeamento), pela decisão contracetiva e pelo comportamento contracetivo implementado (Canavarro & Pereira, 2001; Hawes, Wellings, & Stephenson, 2010; Pires, Araújo Pedrosa, Carvalho, Pereira, & Canavarro, 2012). No entanto, estaremos a captar uma realidade incompleta sobre a maternidade adolescente se não considerarmos também a decisão reprodutiva da jovem sobre o prosseguimento/ interrupção da gravidez (Canavarro & Pereira, 2001; Peres & Heilborn, 2006; Pires, Araújo-Pedrosa, Pereira, & Canavarro, no prelo; Sereno, Leal, & Maroco, 2009).

Apesar de serem escassos os estudos que abordam a problemática da tomada de decisão reprodutiva em Portugal, de acordo com a literatura internacional, a complexidade deste processo pode ser ampliada por características próprias da adolescência. Referimo-nos, nomeadamente, à limitada janela temporal disponível para a decisão - em função da deteção habitualmente mais tardia da gravidez entre adolescentes e da sua maior necessidade de tempo para tomadas de decisão complexas, quando comparados com adultos (Bailey et al., 2001; Leal, 2006; Needle & Walker, 2008) -, aos motivos subjacentes à decisão e ao papel assumido por outros significativos (Evans, 2001; Guedes, 2008; Pires et al., no prelo). No entanto, a literatura que o comprova foca-se essencialmente nas jovens que se decidem pela interrupção, não sendo do nosso conhecimento estudos que adotem a perspetiva das jovens que prosseguem a gravidez.

MÉTODO Participantes A amostra foi constituída por um grupo nacional e regionalmente representativo (NUTS II, 2002) de grávidas adolescentes (N= 475), com idades entre os 12 e os 19 anos (M = 16,44, DP = 1,27). As jovens eram na sua maioria de origem europeia (398, 83,79% vs. 45, 9,47%, cigana, 18, 3,79%, africana, 12, 2,53%, latina e 2, 0,42%, asiática), pertenciam a níveis socioeconómicos baixos (437, 92,39%; Simões, 1994) e residiam maioritariamente em zonas urbanas (346, 72,84%; INE, 2009). Apenas 192 (40,42%) se encontravam a estudar, sendo a escolaridade média de 8 anos (M = 7,91, DP = 2,20). A idade gestacional variou entre as 3 e as 40 semanas (M = 24,10, DP = 9,49).

Material A recolha de informação foi feita através de uma ficha de caracterização construída a partir da entrevista semiestruturada utilizada na triagem das utentes da Consulta de Grávidas Adolescentes da Maternidade Daniel de Matos (Araújo Pedrosa, Canavarro, & Pereira, 2003). Esta ficha foi sujeita a um estudo piloto, e devidamente adaptada de forma a assegurar a sua clareza, compreensibilidade e adequação às condições de recolha de amostra.

Procedimento A recolha da amostra ocorreu entre 2008 e 2013 em 42 serviços de saúde, mediante aprovação das suas Comissões de Ética. As adolescentes foram convidadas a participar durante o seu acompanhamento obstétrico e encaminhadas para uma entrevista semiestruturada com um assistente de investigação devidamente treinado. A participação foi aceite mediante assinatura de um consentimento informado. Quando as participantes eram menores de 18 anos, o consentimento foi igualmente assinado pelos seus representantes legais.

Cumpriam critérios de inclusão para o referido estudo adolescentes grávidas, em qualquer momento da gestação, com menos de 20 anos (World Health Organization, 1975), e com compreensão adequada da língua portuguesa.

Para caracterizar as adolescentes da nossa amostra recorremos a estatísticas descritivas (fre­quências relativas, médias, desvios-padrão). As diferenças regionais foram analisadas recorrendo a testes de Qui-Quadrado, de Kruskal- Wallis e a subsequentes testes U de Mann-Whitney com respetiva correcção de Bonferroni. Todas as análises foram realizadas no software SPSS, v. 17.

RESULTADOS À data da conceção, as adolescentes relataram na sua maioria estar envolvidas numa relação de namoro (n = 459, 98,27%) com duração média de 20 meses (M = 19,73, DP = 12,67, amplitude: 1-84) e, em média, com homens adultos (M = 20,63, DP = 3,81, amplitude: 14-40). Para 59 (12,45%) adolescentes esta não foi a primeira gravidez; 26 (5,47%) tinham realizado pelo menos uma IVG. A maioria não planeou a gravidez (n = 373, 78,53%); destas, 263 (70,70%) reportaram o uso de contraceção à data da conceção e 173 (67,87%) identificaram a falha contracetiva ocorrida.

Conforme apresentado no Quadro_1, foram detetadas diferenças entre regiões ao nível da duração da relação de namoro, da idade dos namorados e da história prévia de gravidez e IVG. A ausência de contraceção revelou-se mais frequente no Centro, Açores e Madeira do que nas restantes regiões do país, onde a gravidez ocorreu maioritariamente no contexto de utilização da contraceção. Foi em Lisboa e Vale do Tejo (LVT) e no Alentejo que as jovens menos identificaram a falha contracetiva (Quadro_1).

Quando explorado o processo de tomada de decisão reprodutiva subjacente ao prosseguimento da gravidez, verificámos um total de sete trajetórias (Figura 1). A maioria das adolescentes encontravam-se a prosseguir uma gravidez não planeada, vigiada após as 10 semanas de gestação e, portanto, sem enquadramento legal para a IVG à data do primeiro contacto com o respectivo serviço de saúde (trajetória_4). A segunda trajetória mais frequente incluiu adolescentes que não planearam a gravidez, tinham enquadramento legal para a IVG, mas não ponderaram essa possibilidade (trajetória_5). A terceira trajetória mais frequente incluiu adolescentes que planearam a gravidez com os seus companheiros (trajetória_2) e apenas uma minoria das adolescentes não planeou a gravidez, tinha enquadramentolegal para a IVG, ponderou essa possibilidade, mas prosseguiu a gravidez por decisão própria (trajetória_6) ou por imposição/ influência de outros (trajetória_7). As trajetórias número 3 e 4, com frequências apenas residuais, encontram-se igualmente representadas na Figura 1, assim como os motivos para o planeamento da gravidez, para o seu prosseguimento e as fontes de pressão para o prosseguimento.

A distribuição das trajetórias foi distinta em função da região de pertença (X2 (36) = 107,15, p < 0,001) e encontra-se descrita no Quadro_2. Verificou-se que no Norte e nos Açores a trajetória_5 foi a mais frequente, contrariamente às restantes regiões do país, onde a trajetória_4 sobressaiu. As regiões do Alentejo, Açores e Madeira destacaram-se por ter a trajetória_2 como a segunda mais frequente; nas restantes regiões do país esta trajetória foi a terceira mais frequente. Verificou-se ainda que a região do Alentejo foi a única onde a trajetória_3 foi a terceira mais frequente e que a trajetória_6 apenas ocorreu no Norte e em LVT.

DISCUSSÃO Os resultados do presente estudo demonstraram que a gravidez ocorreu maioritariamente no contexto de uma relação de namoro, com duração média de 20 meses e com homens adultos. A maioria das adolescentes reportou o uso de contraceção à data da conceção e identificou a falha contracetiva. No entanto, foram detetadas diferenças regionais ao nível de algumas destas variáveis.

Verificou-se, ainda, uma relevante heterogeneidade individual e regional no processo de tomada de decisão subjacente ao prosseguimento da gravidez. A multiplicidade de trajetórias que sobressaem dos nossos resultados traduz-se, assim, na necessidade de abandonar visões globais e/ou estereotipadas das adolescentes que se tornam mães e, em alternativa, integrar a heterogeneidade das circunstâncias, decisões e motivações que podem conduzir à maternidade adolescente na prevenção da gravidez e no suporte à decisão reprodutiva. Para tal, é necessário investir em abordagens simultaneamente abrangentes e diversificadas, que estejam de acordo com as necessidades particulares das jovens de cada região.

Os nossos resultados reforçam particularmente a sugestão de Davies et al.

(2006), Neto, Dias, Rocha e Cunha (2007) e Pires et al. (2012) sobre a importância de integrar o desejo de engravidar na compreensão dos comportamentos contracetivos das adolescentes. De facto, a terceira trajetória mais frequente incluiu jovens que planearam a gravidez. Esta foi, aliás, a segunda trajetória mais frequente no Alentejo, Açores e Madeira. Os motivos apontados para esse planeamento foram o fortalecimento da relação e o desejo de constituir família/viver com o companheiro. A segunda trajetória mais frequente a nível nacional incluiu adolescentes que tinham enquadramento legal para a IVG, mas não ponderaram essa possibilidade. Seria importante averiguar futuramente se estas situações ocorrem, por um lado, num contexto totalmente informado e esclarecido sobre o procedimento de IVG e/ou, por outro, associadas a perceções positivas da maternidade com base em sentimentos de felicidade e/ou realização pessoal (Canavarro, 2009; Neto et al., 2007; Oliveira et al., 2008).

Por fim, a maioria das adolescentes não teve enquadramento para a IVG por início da vigilância após as 10 semanas de gestação, o que chama a atenção para a necessidade de as sensibilizar para o despiste precoce de uma eventual gravidez, aumentando as suas oportunidades de decisão e de envolvimento atempado em processos de tomada de decisão de qualidade.

Algumas limitações devem ser tidas em conta na generalização dos nossos resultados, tais como o caráter retrospetivo das respostas e o facto de a única fonte de informação ser o autorrelato, o que faz com que os resultados possam ter sido contaminados com enviesamentos e/ou respostas socialmente desejáveis.

A avaliação simultânea dos companheiros poderá ser uma estratégia alternativa em investigações futuras, uma vez que permitiria detetar incongruências entre fontes.

Apesar destas limitações, os nossos resultados constituem conhecimento detalhado sobre a maternidade adolescente em Portugal, podendo contribuir para a especialização da educação sexual/planeamento familiar no âmbito da sua prevenção, bem como do apoio proporcionado às decisões reprodutivas na adolescência. O conhecimento gerado permite fundamentar um investimento diferencial na prevenção dos comportamentos de risco para a ocorrência da gravidez de acordo com a natureza específica dos mesmos e um acompanhamento das decisões reprodutivas devidamente ajustado à heterogeneidade individual desta população; chama ainda a atenção para a importância de atender à diversidade regional ao nível do planeamento da difusão de informação sobre contraceção/ deteção precoce da gravidez/procedimentos de IVG, do desenvolvimento de projetos de vida alternativos à maternidade, da avaliação da forma como é usada a contraceção e da promoção da sua utilização e de estratégias alternativas de lidar face a falhas.


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