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EuPTHUHu1645-00862013000200012

EuPTHUHu1645-00862013000200012

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN1645-0086
ano2013
Issue0002
Article number00012

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Acontecimentos de vida stressantes, psicopatologia e resiliência em adolescentes institucionalizados e não-institucionalizados

A institucionalização é uma resposta social às situações em que o desenvolvimento integral do menor está em risco, sendo uma medida de promoção e proteção alternativa à família de origem.

De acordo com o relatório da Eurochild(2010), cerca de um milhão de menores na União Europeia encontram-se em situação de acolhimento. Em Portugal, em 2011, encontravam-se sob medida de acolhimento 8.938 menores, dos quais 379 residiam na Região Autónoma da Madeira (ISS, 2012).

O impacto da institucionalização sobre o adolescente pode ser entendido com um fator de risco ou de proteção. Para Siqueira e Dell'Aglio (2007) os estudos não são ainda esclarecedores acerca dos benefícios ou malefícios do acolhimento institucional. No entanto, as características da institucionalização têm sofrido mudanças ao longo do tempo ao nível das políticas sociais, dos motivos de acolhimento, e do funcionamento das instituições.

Os motivos que conduzem à institucionalização são fatores de elevado risco, como sejam, a pobreza, o maltrato e a separação das figuras parentais. Estes fatores são definidos por Friedman e Chase-Lansdale (2002) como stressores que perduram por longos períodos de tempo e que limitam os processos normativos intrapessoais. Ainda, a representação que a sociedade tem acerca da institucionalização pode refletir-se de forma negativa no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes institucionalizados (Arpini, 2003).

Todavia, os adolescentes institucionalizados podem adquirir competências que contribuam para superar a adversidade e para reconstruir as suas trajetórias de vida na presença de fatores de resiliência. Assim, os vínculos fortes com a família e relações positivas na escola e comunidade, fortalecem os recursos internos do adolescente (Matos, Simões, Figueira, & Calado, 2012).

MÉTODO Participantes Participaram dois grupos de 40 adolescentes: um grupo de institucionalizados (31 raparigas e 9 rapazes) e um grupo de 40 adolescentes da população geral (24 raparigas e 16 rapazes), com idades compreendidas entre os 12 e os 17 anos (institucionalizados: M=14,43, DP=1,71; não-institucionalizados: M=14,30, DP=1,04), residentes na Região Autónoma da Madeira. A maioria dos adolescentes institucionalizados frequentava o ciclo de escolaridade (62,5%), a seguindo- se o ciclo (27,5%) e por último, o secundário (10%), enquanto a maioria dos adolescentes não-institucionalizados frequentava ciclo (95%), 2,5% o ciclo e 2,5% o secundário. Uma percentagem elevada do grupo institucionalizado reprovou pelo menos uma vez (75%), 22,5% apresentava absentismo escolar, enquanto a maioria dos adolescentes não-institucionalizados nunca reprovou (70%) e 20% apresentava absentismo. Relativamente à estrutura familiar, a maioria dos adolescentes institucionalizados eram oriundos de famílias monoparentais (65%), 27,5% pertenciam a famílias intactas e 7,5% pertenciam a famílias de recasamento, enquanto a maioria dos adolescentes não- institucionalizados vivia em famílias biparentais intactas (75%), 22,5% em famílias monoparentais e 2,5% em famílias de recasamento.

Material Foi aplicada a escala de resiliência HKRAM ' versão 6.0 (Constantine, Benard, & Diaz, 1999), o Youth Self Report (YSR) (Lemos, Vallejo, & Sandoval, 2002), o Inventário de Situações de Vida Stressantes (SVS) - versão reduzida (Oliva, Jiménez, Parra, & Sánchez-Queijiga, 2008), um questionário para caraterização de adolescentes institucionalizados, adaptado de Lemos (2007) e um questionário de dados sociodemográficos e familiares para adolescentes não- institucionalizados, adaptado de Nunes, Lemos e Guimarães (2011). A HKRAM avalia os vários recursos que os adolescentes podem apresentar a nível externo, interno e de promoção de resiliência, através de 58 itens organizados em três escalas: Recursos Externos, Recursos Internos e Response-set Breakers. A consistência interna da HKRAM é excelente tanto para a amostra dos adolescentes institucionalizados (a=0,93) como para a amostra dos adolescentes não- institucionalizados (a=0,92).

As Escalas de Competências e de Problemas de Comportamento do YSR foram utilizadas para recolher informação junto dos adolescentes. A versão utilizada é assim constituída por 103 itens que correspondem a subescala dos Problemas Internalizantes e a dos Problemas Externalizantes, orientadas para deteção das síndromas centrais do YSR proposta por Lemos, Vallejo e Sandoval (2002). Os Problemas Internalizantes envolvem problemáticas relacionadas com conflitos consigo próprio e os Problemas Externalizantes dizem respeito aos conflitos entre o indivíduo e o seu contexto social. A consistência interna do YSR é excelente tanto para a amostra dos adolescentes institucionalizados (a=0,94), como para a amostra dos adolescentes não-institucionalizados (a=0,91).

O Inventario de Sitaciones Estresantes y de Riesgo (ISER), de Hidalgo, Menéndez, Sánchez, López, Jiménez, e Lorence (2005) é originalmente constituído por 29 acontecimentos de vida stressantes. Utilizámos uma versão de 25 itens, traduzida por Nunes e Lemos (2010) sobre acontecimentos escolares, familiares, com os pares e individuais. O SVS apresentou uma consistência interna de a=0,76 para a amostra dos adolescentes institucionalizados e de a=0,73 para os não- institucionalizados.

O questionário de Caraterização dos adolescentes institucionalizados (adaptado de Lemos, 2007) integra maioritariamente questões fechadas e visa recolher dados específicos acerca do adolescente institucionalizado, acerca do seu contexto familiar, institucional e escolar.

O Questionário de dados sociodemográficos e familiares é constituído por 25 questões de resposta fechada e tem como objetivo a recolha de informação sociodemográfica, familiar e escolar acerca dos adolescentes não- institucionalizados.

Procedimento Primeiramente foi efetuado um pedido de autorização a duas instituições de acolhimento de menores e a uma escola pública do concelho do Funchal.

Posteriormente, os questionários foram aplicados em contexto de sala de aula.

Nas instituições estes foram aplicados por um técnico superior de educação e por uma das investigadoras.

RESULTADOS Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas ao nível da resiliência total entre os adolescentes institucionalizados e os adolescentes não-institucionalizados (t=-1,58, p=0,118), aos recursos externos (t=-1,59, p=0,117), aos recursos internos (t=-1,30, p=0,199) e aos response-set breakers (t=-1,04, p=0,303) (Quadro_1).

Nos resultados referentes à psicopatologia observámos diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos no total dos problemas de comportamento (t=3,33, p=0,001), nos problemas internalizantes (t=3,02, p=0,003) e nos problemas externalizantes (t=2,76, p=0,007), com os adolescentes institucionalizados a apresentarem médias mais elevadas (Quadro_2).

Os resultados relativos aos AVS apontam que no grupo de adolescentes institucionalizados o mínimo de AVS é 0, o máximo é 20 e a média é 7,55 (DP=4,43), enquanto que o grupo de adolescentes não-institucionalizados o mínimo é 0, o máximo é 12 e a média é 4,73 (DP=3,39). O Test tde Student sugere que existem diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos no total de AVS (t=3,21, p=0,002) e em alguns AVS específicos: Divórcio ou separação dos pais (t=2,77, p=0,007),Mudança de algum familiar próximo (referente ao núcleo familiar) (t=2,18, p=0,032), Mudança de escola (t=2,93, p=0,004), Engano ou traição do namorado(a) (t=2,41, p=0,018) e ter sofrido Doença grave ou acidente importante (t=2,55, p=0,013) (Quadro_3).

Os resultados sugerem que em ambos os grupos existem relações estatisticamente significativas e positivas, entre o total de AVS e os problemas psicopatológicos, como mostram os Quadros_4 e 5.

DISCUSSÃO Os adolescentes institucionalizados apresentavam mais acontecimentos de vida stressantes e mais problemas psicopatológicos. No entanto não encontrámos diferenças estatisticamente significativas na perceção dos recursos de resiliência entre os grupos.

A resiliência é parte de um processo que não pode ser separado do percurso desenvolvimental dos adolescentes (Luthar, Cichetti, & Becker, 2000). Neste sentido, os adolescentes institucionalizados são geralmente marcados por condições de vida adversas devido a situações familiares pautadas por acontecimentos de vida stressantes e negativos, que implicam uma probabilidade acrescida de surgimento de problemas psicopatológicos (Li, Nussbaum, & Richards, 2007).

Os resultados relativos à resiliência obtida pelos adolescentes institucionalizados sugerem a presença de fatores protetores nas suas vidas.

Estudos sobre menores institucionalizados indicam que os processos de resiliência estão presentes quando existe uma rede de apoio, como seja equipas suportivas na instituição e na escola (e.g. Tomazoni, & Vieira, 2004). O apoio psicossocial dos profissionais pode contribuir para o desenvolvimento da capacidade de lidar com as adversidades, promovendo caraterísticas de resiliência e um desenvolvimento adaptativo (Siqueira & Dell'Aglio, 2007).

Os resultados relativos aos problemas psicopatológicos são consonantes com a literatura, que refere que os menores institucionalizados parecem estar mais sujeitos a maior risco de problemas sociais, psicológicos e comportamentais (e.g. Li, Nussbaum, & Richards, 2007). Os problemas psicopatológicos na adolescência estão associados a vulnerabilidade psicossocial na família (Sabbag & Bolsoni-Silva, 2011). Contudo, os problemas relacionais, comportamentais e psicológicos dos adolescentes que vivem em contextos de risco podem persistir posteriormente a mudança para um ambiente de baixo risco (Marinkovic & Backovic, 2007). Assim, a manifestação de psicopatologia tem de ser contextualizada, primeiro no ambiente familiar e posteriormente, no ambiente escolar e comunitário (Lemos, 2007).

Também os resultados relativos aos acontecimentos stressantes corroboram outros estudos comparativos (e.g. Poletto, Koller, & Dell'Aglio, 2009) que indicam que os menores institucionalizados relatam mais acontecimentos de vida stressantes ao nível do contexto escolar e familiar. Os AVS podem fomentar estratégias e competências (Grant et al. 2006) ou, ao invés, tornar o indivíduo mais vulnerável a psicopatologia ou outros resultados indesejados (Friedman & Chase-Lansdale, 2002).

As relações estatisticamente significativas e positivas entre os AVS e os problemas psicopatológicos no grupo dos adolescentes institucionalizados sugerem que os primeiros promovem tendencialmente problemas de comportamento (Oliva et al. 2008).

Os resultados deste estudo podem ser explicados à luz do modelo construtivista, a subjetividade do conceito de resiliência remetendo para diferenças a nível do seu significado em diferentes culturas e contextos, realçando-se os constructos individuais e do grupo de referência social (Ungar, 2004). Então, podemos considerar que embora os adolescentes institucionalizados e os não- institucionalizados estejam inseridos na mesma cultura, o seu contexto mais próximo (microssistema) difere - uns vivem institucionalizados e outros em família. Este fator, juntamente com um percurso de vida marcado por muitos AVS, pode explicar o facto de os adolescentes institucionalizados não apresentarem significados de resiliência e de saúde divergentes dos de adolescentes não- institucionalizados.

Finalmente, importa identificar as limitações do presente estudo.

Primeiramente, a impossibilidade de fazer generalizações a partir dos resultados obtidos, devido ao tamanho da amostra. Em segundo lugar, o desenho transversal do estudo impede que se possam fazer ilações causais. Por último, o instrumento de avaliação de resiliência carece de adaptação aos adolescentes institucionalizados, uma vez que não avalia diretamente o envolvimento dos adolescentes na instituição de acolhimento. Um estudo futuro deverá centrar-se na análise do impacto da institucionalização na infância a longo prazo.


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