Processos e dinâmicas de intervenção no espaço peri-urbano: O caso de Maputo
A cidade de Maputo, com cerca de 167 quilómetros quadrados[2], é composta por
um centro urbanizado e por uma vasta área que se estende a partir dele, aqui
globalmente designada por peri-urbana, com diferentes níveis de urbanização, em
função da qualidade e quantidade de infra-estruturas, de equipamentos básicos e
de transportes públicos, da diversidade de usos do solo, principalmente de
serviços e actividades económicas, das características habitacionais, bem como
da capacidade económica e do estilo de vida dos seus habitantes. O centro
urbanizado, onde se concentra a maioria da população de maiores recursos, com
níveis de escolaridade mais elevados e um estilo de vida mais ocidentalizado,
ocupa aproximadamente 8% do território municipal. Segundo dados da UN-Habitat
(2010, p. 16), cerca de 70% da população total da cidade reside em slums[3],
concentrados nas áreas peri-urbanas, habitadas por uma população geralmente de
baixos recursos e nível de escolaridade, cujo território e vivências se forjam
na interacção entre dois mundos bipolares: o urbano, resultante do modelo da
cidade ocidental espelhado no centro, e as referências rurais que marcam a
história dos seus moradores (Raposo & Salvador, 2007, p. 136).
Esta dualidade urbana é reflexo, por um lado, das desigualdades socioeconómicas
e de fenómenos de segregação e exclusão que desde cedo caracterizam a cidade e,
por outro, de processos e dinâmicas de intervenção decorrentes de diferentes
contextos históricos, particularmente os marcados pela urbanização acelerada,
que se inicia na década de 1950 e se intensifica durante a guerra civil. No
presente contexto neoliberal, esta dualidade acentua-se, segundo alguns autores
como Jenkins e Wilkinson (2002) e Raposo (2007), embora assuma novos contornos,
fruto das alterações dos níveis de urbanização e dos tipos de intervenção. Cada
vez mais complexas e heterogéneas, as áreas peri-urbanas reúnem uma diversidade
de situações, desde condomínios residenciais destinados às classes de maiores
recursos, ao longo da faixa litoral e no limite norte, até ocupações
espontâneas e não planeadas, com diferentes níveis de urbanização.
Que relação se estabelece entre os territórios configurados pelos diversos
processos e dinâmicas de intervenção peri-urbanos actuais e a promoção ou ate-
nuação dos fenómenos de segregação e exclusão? Partindo de uma abordagem
territorializada, o presente artigo procura responder à questão levantada,
tendo em conta as áreas actualmente alvo de uma maior transformação,
nomeadamente as localizadas em redor do centro urbanizado, mais antigas e sob
maior pressão imobiliária, e as mais distantes, fruto da expansão mais recente
da cidade. Através da análise destes casos paradigmáticos, os fenómenos de
segregação e exclusão são analisados na linha de autores como Saglio-
Yatzimirsky e Landy (s.d.) e Lehman-Frisch (2009), tendo em conta o acesso aos
benefícios proporcionados pelo território urbano, o processo em si e as
aspirações e percepções dos principais actores envolvidos.
A partir de uma breve contextualização histórica, o primeiro ponto enquadra os
actuais processos e dinâmicas de intervenção nas áreas peri-urbanas e apresenta
sumariamente as suas características territoriais. O segundo ponto aprofunda os
tipos de intervenção, com enfoque nos processos e seu impacto no território,
através de casos de estudo representativos: Mafalala, Chamanculo C, Polana
Caniço A, área da Praça de Touros e Maxaquene A, mais próximos do centro, e
Zimpeto, Magoanine B e C, mais afastados. A análise e reflexão crítica à luz
dos fenómenos de segregação e exclusão sócio-espacial tomam lugar num terceiro
e último ponto.
Processos e dinâmicas de intervenção peri-urbana actuais
Em pleno contexto neoliberal, na senda do descrito por Raposo, Jorge, Melo e
Viegas (2012), identificam-se diferentes tipos de intervenção, alguns também
presentes em contextos anteriores, que determinam as características das áreas
peri-urbanas desde a sua génese. A ocupação do território por iniciativa da
população, nem sempre reconhecida pelo poder público, aqui denominada de
autoprodução, é o processo mais preponderante na formação e consolidação destas
áreas. Para além deste, identificam-se outros tipos de intervenção que as
marcam pontualmente:
parcelamento e atribuição de talhões[4], com níveis variáveis de infra-
estruturação (sector público e/ou lideranças locais);
reassentamentos e realojamentos, com níveis variáveis de infra-estruturação
(sector público e, em alguns casos, investidores privados, agências
internacionais e organizações da sociedade civil);
qualificação urbana, através da implementação ou melhoria de infra-estruturas,
da construção de equipamentos e da melhoria do espaço público (sector público,
agências internacionais e organizações da sociedade civil);
renovação urbana, recorrendo à demolição do tecido existente para a construção
de novos espaços, geralmente na lógica do mercado (sector público e privado e,
em alguns casos, agências internacionais e organizações da sociedade civil);
construção de grandes infra-estruturas, equipamentos e empreendimentos
imobiliários, em áreas tendencialmente desocupadas (sector público e privado e
agências internacionais);
regularização fundiária, através da atribuição de título de direito de uso e
aproveitamento da terra (DUAT)[5] (Conselho Municipal e agências
internacionais).
As áreas peri-urbanas mais próximas do centro, algumas contempladas na
legislação respeitante ao edificado pelo menos desde 1912 (Morais, 2001, p.
149), contrastam desde a sua génese com o centro. Durante o período colonial,
enquanto as primeiras foram sobretudo autoproduzidas e se encontravam
insuficientemente infra-estruturadas, o centro urbanizado foi planeado pela
administração pública portuguesa para a população colona, sendo este um dos
principais factores impulsionadores da segregação e exclusão sócio-espacial.
Apesar de nos últimos anos do período colonial as áreas peri-urbanas serem alvo
de algumas intervenções de qualificação, estas revelaram-se claramente
insuficientes e incapazes de contrariar as desigualdades sócio-espaciais
existentes, que se agravam com a urbanização acelerada que se faz sentir a
partir de meados do século XX.
Após 1975, o governo independente adopta um modelo de economia planificada e
centralizada num partido único de pendor socialista, a FRELIMO. Em nome de uma
maior equidade, nos primeiros anos de independência nacionalizaram-se os
principais bens e serviços, como a terra e o parque habitacional, permitindo o
acesso de parte da população de menores recursos ao centro, e desenvolveram-se
nas áreas peri-urbanas alguns programas e acções de qualificação e de fomento à
autoconstrução, através do parcelamento e atribuição de talhões. Estas medidas
em prol da melhoria da qualidade de vida urbana, ainda que insuficientes, bem
como o longo período de guerra civil (1976-1992), o colapso da economia e o
resultado perverso de algumas políticas adoptadas no meio rural, acrescidas
pelos efeitos de calamidades naturais, são alguns dos factores que contribuíram
para a contínua urbanização acelerada da capital. À semelhança do período
anterior, esta urbanização fez-se à custa da expansão e densificação das áreas
peri-urbanas, em grande parte por meio da autoprodução.
A ideologia neoliberal, que entretanto se configura à escala mundial, promove a
partir de meados da década de 1980 uma viragem económica e política em
Moçambique, através da abertura à economia de mercado, da liberalização da
actividade económica e do início do processo de democratização e de
descentralização do poder. O Estado, cujo papel se reconfigura neste novo
contexto, passa a operar juntamente com vários actores, que agora (re)emergem
(como novos partidos políticos, agências internacionais, organizações da
sociedade civil e promotores e investidores privados, incluindo empresas
multinacionais), dando primazia ao desempenho da economia. Neste sentido,
assiste-se à reformulação de políticas e do quadro legal então vigente, nos
quais se apoia um crescimento económico desigual, particularmente intenso nos
últimos anos, com a descoberta e exploração de recursos naturais estratégicos à
escala global.
Este novo cenário repercute-se nos processos e dinâmicas que transformam a
cidade de Maputo. A gestão e ordenamento do território são agora enquadrados
por um novo pacote legislativo, do qual se destacam a Lei de Terras (Decreto-
Lei n.º 19/1997), o Regulamento do Solo Urbano (Decreto-Lei n.º 60/2006) e a
Lei do Ordenamento do Território (Decreto-Lei n.º 19/2007). A terra mantém-se
propriedade do Estado, num compromisso entre a jurisdição formal e tradicional,
em que a ausência de título de DUAT não impede a utilização da terra por
ocupação de boa-fé há mais de dez anos ou segundo as normas e práticas
costumeiras, que não contrariem a Constituição. No que toca ao planeamento,
esta legislação despoleta a elaboração e aprovação de vários instrumentos
urbanísticos, como o Plano de Estrutura Urbana do Município de Maputo (PEUMM),
em 2008, e os planos parciais de urbanização de alguns bairros, como Zimpeto e
Magoanine B e C, em 2010 (ratificados em 2011), e Maxaquene A, em 2012. Estes
últimos planos, excepto o de Maxaquene A, estão associados a uma política de
regularização massiva promovida pelo Conselho Municipal através do PROMAPUTO
[6], que visa em parte contrariar a limitada atribuição de títulos de DUAT até
então, dada a excessiva burocracia e as condicionantes legais associadas ao
processo (Tique, Jorge & Melo, 2014, no prelo).
As intervenções no espaço peri-urbano envolvem agora um maior leque de actores,
sob a forma de diferentes tipos de parcerias, com interesses e racionalidades
distintos, beneficiando uma população alvo que também se diversifica, com a
chegada de estrangeiros e a emergência de uma franja de população com maior
poder aquisitivo. Embora se continue pontualmente a demarcar e disponibilizar
talhões, com ou sem infra-estruturas básicas e/ou habitação, a actual dinâmica
do mercado imobiliário e a construção de novas infra-estruturas, promovidas
pelo recente crescimento económico, são insuficientes ou incapazes de responder
aos interesses e necessidades da maioria da população, que continua a recorrer
à autoprodução.
A estrutura do centro urbanizado mantém-se praticamente inalterada,
apresentando: um tecido regular, geralmente ortogonal e composto por vias
asfaltadas; um predomínio de edifícios habitacionais infra-estruturados,
plurifamiliares e, em menor número, unifamiliares (Henriques, 2008, p. 163);
uma maior concentração de equipamentos de saúde e de educação, de espaços de
lazer e de áreas administrativas, comerciais e de serviços, predominando as
duas últimas nos bairros mais centrais. Contudo, as novas necessidades
funcionais e edificatórias, algumas restritas às aspirações e interesses das
classes de maiores recursos, e o maior fluxo de capital, desencadeiam algumas
mudanças: adaptam-se edifícios outrora residenciais em comerciais ou
escritórios, qualificam-se algumas vias e espaços públicos, geralmente através
de parcerias público-privadas, e retoma-se a construção em altura, que marcou
as décadas de 1960 e 1970, implicando ou não a demolição do preexistente.
Esta dinâmica de mercado tende a extrapolar os limites da outrora cidade de
cimento. São sobretudo as áreas peri-urbanas a ela adjacentes que mais sentem
a pressão imobiliária actual, sob a forma de intervenções de renovação urbana,
embora se desenvolvam paralelamente acções de qualificação. Estas áreas
apresentam características diferenciadas, dependendo da sua génese e dos
processos que as desenham. As de origem mais antiga, autoproduzidas,
estruturam-se geralmente segundo um tecido orgânico denso, composto por ruas de
terra batida, onde predominam habitações unifamiliares, com níveis variáveis de
habitabilidade e infra-estruturação, destacando-se ainda, segundo Henriques
(2008, p. 127), uma percentagem significativa de equipamentos, infra-estruturas
[7], serviços públicos e actividades económicas. São exemplos destas áreas os
bairros Mafalala e Chamanculo C, actualmente alvo de intervenções de
qualificação. As áreas autoproduzidas que surgem mais tardiamente, ainda no
período colonial, consolidam-se já após a independência e algumas apresentam um
tecido regular, resultante das intervenções pontuais de qualificação,
disponibilização de talhões e atribuição de habitações, levadas a cabo nos
primeiros anos de governação socialista. São exemplo Polana Caniço A, a área da
Praça de Touros e Maxaquene A, actualmente alvo de intervenções ou propostas de
renovação urbana, que introduzem pontualmente novos tipos de ocupação, como
condomínios residenciais para classes de maiores recursos e superfícies
comerciais.
Os processos e dinâmicas de intervenção actual nas áreas peri-urbanas mais
antigas e consolidadas decorrem da pressão exercida pelo mercado e da sua maior
visibilidade, dada a proximidade ao centro. Por sua vez, os das áreas mais
distantes, junto do limite norte do município, resultaram inicialmente da maior
disponibilidade de espaço que ofereciam à expansão da cidade, respondendo à
demanda residencial provocada pelo aumento demográfico natural e migratório,
sobretudo numa fase inicial. A sua ocupação remonta ao final da década de 1980
(exemplo do Zimpeto), mas é a partir de meados dos anos 1990 (exemplo de
Magoanine B) e em particular no novo milénio (exemplo de Magoanine C), já em
pleno contexto neoliberal, que estas áreas denotam maiores transformações do
uso do solo (ibid., p. 165).
A autoprodução e a atribuição de talhões são responsáveis por uma parte
significativa das transformações do território, levadas a cabo sobretudo por
uma população proveniente do centro e das áreas peri-urbanas mais próximas,
motivada pela procura de primeira ou segunda habitação (devido por exemplo ao
aumento do agregado familiar ou ao aluguer da casa que possuem no local de
origem). Os reassentamentos e realojamentos, decorrentes de calamidades
naturais e acções de qualificação e renovação em áreas mais próximas do centro,
constituem também um dos principais impulsionadores desta mudança. A par de
algumas intervenções de qualificação que foram sendo progressivamente
realizadas, surgem também grandes infra-estruturas, equipamentos e
empreendimentos imobiliários, estes últimos sobretudo no Zimpeto, já movidos
claramente pela lógica do mercado, implicando por vezes acções de renovação
urbana. Comparativamente às áreas mais próximas do centro, estas apresentam:
maior percentagem de tecido regular, composta por vias largas de terra batida
ou de areia, nem sempre planeada pelo poder público; menor densidade de
ocupação, com predominância de habitações unifamiliares e casos pontuais de
construção em altura, por via dos novos empreendimentos imobiliários; nível de
infra-estruturação semelhante, embora com algumas diferenças relativamente ao
tipo de abastecimento de água e ao saneamento, mais insalubre nas áreas peri-
urbanas próximas do centro, devido à sua maior densidade e saturação dos solos;
e reduzido número de equipamentos, serviços públicos e actividades económicas.
Caracterização dos casos de estudo[8]
Como verificado no ponto anterior, os casos de estudo considerados são
representativos de diferentes tipos de intervenção ao longo do tempo. Entre
estes, nos mais próximos do centro, de menores dimensões, destaca-se
actualmente um predominante, aqui analisado individualmente, enquanto nos mais
distantes, de maior escala, os diferentes tipos assumem uma preponderância
semelhante, sendo por isso analisados em conjunto. A caracterização dos casos
de estudo visa exemplificar e explicitar os processos e dinâmicas associados a
estes tipos de intervenção e seu impacto no território, como mote para a
reflexão sobre a relação que estabelecem com os fenómenos de segregação e
exclusão sócio-espacial.
Mafalala e Chamanculo C
Mafalala e Chamanculo C são dos bairros peri-urbanos mais antigos, apresentando
por isso uma forte tradição histórico-cultural (ali viveram personalidades
marcantes do meio político e artístico moçambicano e forjou-se parte da luta
pela independência). A sua população, descendente das primeiras gerações
urbanas moçambicanas, está muito enraizada e não é de negociação fácil
(arquitecto/urbanista, entrevista, 5 Abril, 2011). Este factor pode justificar
a predominância de intervenções de qualificação urbana nestes bairros.
Em ambos os casos, as intervenções foram de iniciativa pública, mas tiveram
âmbitos e alcances diferentes. As obras de qualificação em Mafalala (2004-
2005), financiadas pelo Banco Mundial, incidiram na melhoria das infra-
estruturas: construção de fontanários, pavimentação de ruas principais,
abertura de valas e valetas de drenagem, estas últimas executadas por uma
associação do bairro, em coordenação com a organização não governamental (ONG)
Associação Moçambicana para o Desenvolvimento Concertado (AMDEC). Segundo o
secretário de bairro, as intervenções nas vias afectaram algumas habitações,
obrigando ao reassentamento das famílias em bairros mais distantes, mediante a
cedência de um talhão, transporte dos pertences e atribuição de um valor para
ajudar na construção da nova casa.
A intervenção em Chamanculo C iniciou com uma fase académica de diagnóstico,
entre 2005 e 2006, evoluindo para um projecto municipal de qualificação urbana,
através do reordenamento de algumas áreas e de um processo participativo que
abrangeu todo o bairro, entre 2008 e 2009. Os moradores identificaram os
quarteirões onde era prioritário melhorar as acessibilidades, através da
abertura de vias e da redefinição de talhões, tendo sido afectadas cerca de 150
famílias. O Conselho Municipal financiou a reconstrução das habitações
parcialmente demolidas e o reassentamento das famílias cuja habitação ficou
comprometida, atribuindo um talhão numa área mais periférica e auxiliando na
construção da habitação. A experiência incluiu a atribuição de alguns títulos
de DUAT simbólicos e provisórios, principalmente aos moradores cujos talhões
confinavam com ruas principais, como contrapartida no processo de negociação.
Em 2009 iniciaram-se conversações com o Brasil, a Itália e a Cities Alliance
[9], com vista à elaboração de um projecto para o bairro, cujo financiamento
final foi aprovado dois anos mais tarde. Segundo o Conselho Municipal (2009), o
projecto segue uma metodologia integrada de intervenção, de acordo com os
princípios da Estratégia Global de Reordenamento e Urbanização dos
Assentamentos Informais do Município de Maputo, constituindo um primeiro teste
à mesma, com ênfase nos seguintes componentes: Desenvolvimento de Estudos e
Projectos; Apoio ao Desenvolvimento Social e Económico; Fortalecimento
Institucional; e Apoio à Execução de Obras Prioritárias (Conselho Municipal de
Maputo, 2009, pp. 3-4).
Polana Caniço A
A localização privilegiada de Polana Caniço A, junto ao centro, à costa, a uma
das principais vias de acesso da cidade (Avenida Julius Nyerere) e nas
imediações de uma das áreas mais ricas de Maputo (Sommerschield), coloca-o na
mira dos investidores privados. Nem sempre com suporte legal e urbanístico,
assiste-se à progressiva renovação urbana do bairro, de iniciativa privada, em
alguns casos apoiada em práticas clientelistas (Centro de Integridade Pública
Moçambique, 2009). A demolição do existente e a sequente deslocação da
população para áreas tendencialmente mais periféricas, dá lugar à construção de
moradias unifamiliares, na linha das existentes em Sommerschield, e de alguns
edifícios plurifamiliares, por vezes sob forma de condomínios fechados, agora
ocupados por classes de maiores recursos. O crescente interesse imobiliário
reflecte-se na valorização dos talhões: um talhão com cerca de 160 m2,
negociado em 2009 por 5.000,00 USD, podia valer dois anos depois quatro vezes
mais – agora o preço explodiu (morador, entrevista, 15 Abril, 2011).
O facto de uma parte da população do bairro pensar que isto [o bairro] não é
para nós (morador, entrevista, 15 Abril, 2011) e ter vindo a negociar o espaço
que ocupa, pode dever-se a factores como: (1) o interesse de uma classe com
maiores recursos em adquirir o direito de uso do espaço, proporcionando um
negócio economicamente vantajoso para a maioria da população de menores
recursos; (2) as intervenções em curso na Avenida Julius Nyerere, no âmbito da
segunda fase do PROMAPUTO[10], que implicam a demolição de construções
existentes nas áreas adjacentes e o realojamento da população afectada,
receando-se que estas acções se estendam ao resto do bairro; (3) o aumento do
custo de vida nas áreas mais centrais; e (4) o desejo de viver num local de
cariz rural, mais afastado do centro.
A crescente transacção de talhões é feita informalmente com cada morador, sem
uma organização colectiva. Depois da realização do negócio, as autoridades
locais (secretário e chefe de quarteirão) são informadas da transacção e é-lhes
solicitado um documento de identificação do talhão e do novo usuário, através
do qual este pode iniciar o processo de regularização junto do Conselho
Municipal – "primeiro o papel do bairro, depois é que subo ao município,
mas é complicado" (morador, entrevista, 15 Abril, 2011). Este processo é
moroso, dada a ausência de cadastro e de plano de urbanização publicado, apesar
de o PEUMM (Conselho Municipal de Maputo, 2008, p. 121) apresentar como um dos
projectos em preparação o "Plano de desenvolvimento de Polana
Caniço", tendo o Conselho Municipal lançado um "Pedido de
Manifestações de Interesse: Requalificação dos Bairros Polana Caniço A e
B" em Dezembro de 2011. Todavia, estas intervenções de renovação
continuam a decorrer, independentemente do que possa vir a ser planeado.
Área da Praça de Touros e Maxaquene A
À semelhança de Polana Caniço A, a localização privilegiada da área da Praça de
Touros e de Maxaquene A, junto ao centro, ao aeroporto e a vias principais de
acesso da cidade – avenidas Joaquim Chissano e Acordos de Lusaka – contribui
para a forte pressão imobiliária de que são alvo por parte de investidores
privados. Com o aval do poder público, estão a ser elaboradas propostas de
renovação para estas áreas, que prevêem a demolição do existente e a deslocação
dos actuais moradores.
O PEUMM (Conselho Municipal de Maputo, 2008, p. 120) apresenta como um dos
projectos em negociação a construção e exploração do Centro Cultural de
Negócios e Serviços Ex-Praça de Touros (Hotel 4 pisos + centro comercial +
aparthotel), mas ainda não foi lançado o concurso público, nem os termos de
referência. Contudo, conhecem-se duas propostas de intervenção, sendo pelo
menos uma delas acompanhada pelo Conselho Municipal. Segundo um dos arquitectos
responsável pela elaboração desta última (entrevista, 15 Abril, 2011), que
prevê a conversão da Praça de Touros num centro comercial com sala de
espectáculos e a construção de vários edifícios em altura para habitação e
escritórios, o título de DUAT já foi atribuído ao investidor. O financiamento
do reassentamento será da responsabilidade deste, cabendo aos moradores lesados
optarem por receber uma indemnização monetária (em função da área do seu
talhão, das características e da dimensão da habitação) ou um talhão num bairro
mais periférico.
Relativamente a Maxaquene A, a AMDEC, em parceria com a ONG Engenheiros Sem
Fronteiras da Catalunha (ESF), trabalhou no terreno desde 2008 na construção de
valas de drenagem e de latrinas melhoradas e, a partir de 2009, na elaboração
de um plano parcial de urbanização para o bairro. Desde a assinatura, em 2010,
do memorando de entendimento entre o Conselho Municipal e o Grupo de Parceiros
[11], o processo passou por várias fases. Inicialmente, a equipa responsável
pela elaboração do plano desenvolveu uma proposta de qualificação urbana, com
base em vários encontros de auscultação no bairro, prevendo a implementação de
infra-estruturas básicas, a melhoria e (re)definição do espaço público, a
construção de alguns equipamentos de apoio à população e o início da
regularização fundiária. A primeira apresentação oficial da proposta no
Conselho Municipal foi alvo de várias críticas, tendo sido solicitado o seu
redireccionamento no sentido da renovação urbana. O plano parcial de
urbanização aprovado em Assembleia Municipal em 2012 tem subjacente este
paradigma de intervenção, fazendo tábua rasa do existente, com excepção das
Escolas Noroeste I e II. Prevê-se a construção de edifícios de habitação
plurifamiliares, de escritórios e espaços comerciais, assim como a cedência de
algumas áreas para a construção de equipamentos. Como proposto para a área da
Praça de Touros, a implementação do plano dependerá unicamente do interesse e
do investimento privado, que custeará a totalidade do reassentamento, seguindo
acordos idênticos.
Embora ambos os casos se tratem apenas de propostas de intervenção, verifica-se
uma transformação paulatina do território, levada a cabo por investidores
privados e com contornos semelhantes a Polana Caniço A, marcada pela transacção
pontual de talhões ao longo das principais avenidas, aqui para construções
afectas a actividades comerciais, implicando a demolição do existente e a saída
da população abrangida. Estas intervenções inscrevem-se no paradigma da
renovação urbana, mas não seguem o descrito e previsto nos planos em elaboração
(área da Praça de Touros) ou já aprovados (Maxaquene A).
Zimpeto, Magoanine B e C
Zimpeto e Magoanine B e C têm assistido nas últimas duas décadas a grandes
transformações de uso do solo. Algumas decorrem da autoprodução, embora contem
com o envolvimento de líderes locais e/ou técnicos municipais (Tique et al.,
2014, no prelo), e outras da atribuição de talhões, de acordo com planos
parciais de parcelamento elaborados nas décadas de 1980 e 1990. As primeiras
podem apresentar um tecido orgânico, geralmente quando o parcelamento é
promovido por famílias que ocupavam previamente grandes áreas do território
(Jenkins & Andersen, 2011, pp. 10-11), ou regular, reproduzindo o modelo
das áreas planeadas (Nielsen, 2010, pp. 163-166).
A maior acessibilidade do Zimpeto, atravessado longitudinalmente pela Estrada
Nacional Nº 1, e a segurança que proporcionou durante o período de guerra
civil, dada a existência de bases militares, contribuíram para que a sua
ocupação se desse mais cedo que nos outros dois bairros. Nestes a ocupação
intensifica-se sobretudo em virtude do realojamento da população afectada pela
construção da Estrada Nacional Nº 4, no caso de Magoanine B, e pelo
reassentamento e realojamento decorrentes das cheias de 1998 e de 2000, no caso
de Magoanine C. Contudo, todos têm acolhido desde então famílias desalojadas
tanto na sequência de cheias posteriores, como de acções de qualificação e
renovação em áreas peri-urbanas próximas do centro, entre outras. Às populações
deslocadas para estas áreas atribuíram-se talhões com ou sem título de DUAT,
que em alguns casos incluíram o fornecimento de habitações, material para a
construção das mesmas e/ou compensação monetária. Algumas intervenções
envolveram empresas privadas (em Magoanine B a CMC África Austral) e agências
internacionais e organizações da sociedade civil (Magoanine C é o caso mais
paradigmático).
Recentemente, estes bairros têm vindo a ser alvo de intervenções de
qualificação urbana – geralmente de iniciativa pública, mas contando também com
agências internacionais, organizações da sociedade civil e investidores
privados – centradas na melhoria de infra-estruturas (pavimentação de vias
principais e abastecimento de água e electricidade) e na disponibilização de
equipamentos e serviços. Destaca-se igualmente o esboço de uma nova
centralidade no Zimpeto, já contemplada no PEUMM, promovida por novos
equipamentos (Instituto Superior de Relações Internacionais e Estádio Nacional
do Zimpeto), serviços e comércio (Instituto Nacional de Qualidade e Mercado
Grossista de Maputo) e empreendimentos imobiliários (Vila Olímpica, Urbanização
do Zimpeto e habitações para funcionários municipais), parte dos quais seguindo
a lógica do mercado. Junta-se a estas intervenções a construção da Circular de
Maputo, que atravessa todos os bairros peri-urbanos no limite norte do
município, implicando principalmente no Zimpeto a renovação de algumas áreas.
O Conselho Municipal considera que estes bairros reúnem as condições mínimas
para atribuição de título de DUAT, nomeadamente: plano parcial de urbanização,
aprovado em 2010, limites claramente definidos entre espaço público e privado,
talhões delimitados e acessíveis, bem como soluções para o abastecimento de
água e electricidade. Deste modo, está agendado um processo de regularização
fun-diária massiva, para o qual já se fizeram alguns ensaios, que legitimará a
ocupação e permitirá também a cobrança de taxas municipais às famílias
abrangidas.
Reflexão crítica: tipos de intervenção e fenómenos de segregação e exclusão
A segregação sócio-espacial pode ser entendida como a exclusão da população de
menores recursos dos benefícios proporcionados pelo território urbano, no que
refere às suas características, destacando-se as infra-estruturas básicas
(saneamento, abastecimento de água, rede eléctrica, viária e de drenagem), a
habitação condigna e os espaços públicos qualificados, essenciais à criação de
boas condições de habitabilidade e de vida. Comparando as áreas mais afastadas
do centro com as mais próximas, a exclusão sócio-espacial tende a acentuar-se
nestas últimas, devido a factores como: a alta densidade de ocupação associada
à falta de espaço público e privado e ao surgimento de conflitos pela posse do
mesmo; a precariedade habitacional, por insalubridade e exiguidade de área; e a
exposição a situações de risco, geralmente inundações, sobretudo por falta de
um sistema de drenagem adequado.
Nas áreas mais próximas do centro, os processos e dinâmicas de intervenção não
têm sido capazes de superar estas insuficiências, em parte devido à
desigualdade na distribuição de recursos e investimentos público-privados, que
aqui têm sido pontuais e de menor escala. O seu território consolidado, as suas
características sócio-urbanísticas e os fortes interesses imobiliários a que
está sujeito, complexificam, dificultam ou impedem a implementação de acções
mais amplas e significativas para a melhoria da qualidade de vida e de
habitabilidade dos seus moradores. Por um lado, a qualificação em Mafalala e
Chamanculo C é limitada, embora o plano para este último tenha um carácter mais
abrangente. Por outro lado, a renovação tem maior peso em termos de área
abrangida e verifica-se uma certa preferência por este tipo de intervenção
(veja-se o caso de Maxaquene A). Cumulativamente, a materialização das
propostas previstas irá agravar os níveis de exclusão destas áreas, uma vez que
os investimentos assentam em processos de gentrification e periferização.
As áreas mais junto ao limite norte do município, de ocupação mais recente e
mais descomprometidas, têm captado uma maior diversidade de intervenções num
curto espaço de tempo, reflectindo-se: em níveis de infra-estruturação
idênticos aos das áreas mais próximas do centro, sendo o saneamento beneficiado
pela sua menor densidade; numa melhoria significativa da acessibilidade, embora
ainda insuficiente; no esboço da nova centralidade no Zimpeto; na elaboração de
planos parciais de urbanização; e na aposta do Conselho Municipal na
regularização fundiária massiva. Este último ponto merece particular atenção,
por ser defendido por autores como De Soto (2000) no combate ao
subdesenvolvimento socioeconómico, mas contestado por outros como Davis (2006),
face ao resultado de programas desta natureza apoiados pelo Banco Mundial:
entrega-se nas mãos da população a resolução dos seus problemas, reduz-se a
responsabilidade do sector público sobre estas áreas, fomenta-se a especulação
imobiliária e compromete-se a inclusão sócio-espacial da população residente de
menores recursos (Davis, 2006, pp. 72-74).
Ainda no que respeita à distribuição de recursos e investimentos, Raposo e
Salvador (2007, p. 109) referem que o contínuo interesse e aposta na
valorização do centro já urbanizado, por meio de investimentos públicos e
privados, contrasta com a insuficiência dos mesmos no território peri-urbano,
mais carente e de maior escala. O hiato entre o investimento e as necessidades
da maioria da população agrava-se devido: à falta de recursos das entidades
públicas e/ou ao seu redireccionamento para intervenções economicamente
rentáveis, seguindo em alguns casos agendas pré-estabelecidas com os doadores;
à não redistribuição dos benefícios advindos dos investimentos privados na
lógica do mercado; ao desinteresse destes por áreas não lucrativas; e, segundo
o Centro de Integridade Pública Moçambique (2009), às práticas clientelistas
presentes em parte destes processos. Nas intervenções de renovação urbana
previstas para as áreas da Praça de Touros e Maxaquene A, os elevados valores
implicados e a volatilidade do mercado imobiliário contribuem também para este
panorama: se, por um lado, a tábua rasa do existente tarda a efectivar-se, por
outro, dificulta ou impossibilita a formulação de intervenções alternativas,
deixa estas áreas em situação expectante por tempo indeterminado, mantém a
maior parte da população nas condições de precariedade actuais e tende a
promover a insegurança da ocupação.
A segregação sócio-espacial pode ainda associar-se à exclusão da população de
menores recursos de outros benefícios da urbanidade, nomeadamente o acesso a
equipamentos sociais, serviços públicos, actividades económicas e de lazer, bem
como à diversidade socioeconómica e cultural. Para Saglio-Yatzimirsky e Landy
(s.d., p. 7), três factores podem promover esta condição: a distância espacial
em relação ao centro e aos locais de trabalho; a distância temporal associada à
falta de conexão a transportes públicos; e a distância social resultante da
escassez de interacções sociais com outros grupos. Deste ponto de vista, as
áreas mais afastadas do centro encontram-se tendencialmente mais excluídas do
que as mais próximas, face à distância espacial e temporal que as separa do
centro e ao facto de serem menos dotadas de equipamentos, serviços e
actividades económicas. A distância social assume diferentes contornos: as
áreas adjacentes ao centro beneficiam desta proximidade e da sua diversidade
socioeconómica e cultural, mas a população de maiores recursos dificilmente se
integra nos seus espaços residenciais; em contrapartida, opta por residir nas
áreas mais distantes, misturando-se com os demais[12].
A segregação sócio-espacial pode ainda ser analisada enquanto processo (Lehman-
Frisch, 2009), destacando-se neste âmbito dois factores mencionados por Thomas
Schelling (1980, apud Lehman-Frisch, 2009): actos intencionais discriminatórios
através de políticas públicas e acções segregadoras decorrentes de forças
económicas estruturais e de desigualdades socioeconómicas. Cavalcanti (2009, p.
42) refere-se também a um tipo de segregação involuntária em que um indivíduo
ou conjunto de indivíduos se vê obrigado, devido a uma variedade de forças, a
viver numa determinada área ou a abandonar outra. A saída de população
residente nas áreas mais próximas do centro, na sequência das intervenções de
qualificação e renovação urbana, é um dos aspectos mais críticos destes
processos, por não contemplar o direito à cidade, no sentido preconizado por
Lefebvre (1968), e o direito ao lugar, previsto na Lei de Terras, que lhe
assistem: as alternativas são limitadas e as contrapartidas não reflectem o
devido valor da ocupação.
Polana Caniço A, a área da Praça de Touros e Maxaquene A espelham esta
situação, sobretudo devido a um processo desigual de negociação: por um lado,
os investidores lideram o processo, com ou sem a conivência das entidades
públicas, abordando os moradores individualmente sem contemplar necessariamente
os bens intangíveis, como a proximidade ao centro e os restantes benefícios que
daí advém; por outro, uma população geralmente de baixos recursos, fragilizada
por falta de informação e coesão de grupo, nem sempre consciente dos seus
direitos e da legitimidade da ocupação. O processo de segregação pode acentuar-
se na área da Praça de Touros e Maxaquene A, com propostas mais abrangentes e o
aval do Conselho Municipal, caso este não salvaguarde os direitos dos
moradores, favorecendo o interesse dos investidores. Em Mafalala e Chamanculo
C, a qualificação urbana implicou também a saída de algumas famílias, mas
nestes casos pode alegar-se a falta de recursos municipais e a necessidade de
agir em prol de um bem comum, por não ser possível intervir nestas áreas sem
descongestionar a sua densa ocupação.
A análise da segregação e exclusão sócio-espacial não pode também dissociar-se
das aspirações e percepções dos actores envolvidos, em relação à cidade e aos
tipos de intervenção adoptados. Uma parte da população prefere residir nos
bairros mais próximos do centro, beneficiando de transportes, da proximidade a
equipamentos, serviços e actividades económicas (fontes de rendimento), bem
como adoptar um estilo de vida mais urbano, mesmo que nem sempre estejam
asseguradas condições mínimas de habitabilidade – eu não gosto de viver em
Albazine [bairro no limite norte do município], eu gostaria de viver na cidade
[centro] (morador de Albazine, entrevista, 19 Maio, 2011). Outra parte dá
primazia a áreas de cariz mais rural, a maior disponibilidade de espaço e
melhores condições de habitabilidade, mais fáceis de encontrar nas áreas mais
afastadas, embora à custa de uma maior distância espacial e temporal do centro
– [prefiro] continuar aqui [porque] aqui tem bom sítio (moradora de Magoanine
C, entrevista, 19 Maio 2011). Assim, alguns dos moradores deslocados na
sequência de intervenções de renovação e qualificação urbana sentem-se
beneficiados com a mudança e as quantias recebidas, quando estas possibilitam
uma melhoria da qualidade de habitabilidade e de vida, embora nem sempre
correspondam ao valor real da ocupação. No entanto, não se apresentam
alternativas para os moradores que queiram permanecer nas áreas mais próximas
do centro, sobretudo na sequência das intervenções de renovação urbana. Este
tipo de intervenção tem sido defendido pelo actual executivo, apesar de ser
mais susceptível de desencadear processos de segregação e exclusão sócio-
espacial e de haver uma Estratégia Global de Reordenamento e Urbanização dos
Assentamentos Informais do Município de Maputo. A renovação urbana é encarada
como uma oportunidade de reproduzir o modelo da cidade ocidental, tido como
símbolo do desenvolvimento urbano, ao passo que os processos de qualificação
são tendencialmente vistos como uma cristalização da desordem (arquitecto/
urbanista, entrevista, 25 Março, 2011).
Conclusão
As características sócio-espaciais da cidade de Maputo desenvolvem-se e
consolidam-se ao longo do tempo através de diferentes processos e dinâmicas de
intervenção, alterando a configuração da dualidade sócio-espacial que sempre a
marcou. Actualmente, a par do predomínio da autoprodução do espaço, destacam-se
seis tipos de intervenção nas áreas peri-urbanas: parcelamento e atribuição de
talhões, reassentamentos e realojamentos, qualificação urbana, renovação
urbana, construção de grandes infra-estruturas, equipamentos e empreendimentos
imobiliários e regularização fundiária. Estes estão presentes em bairros peri-
urbanos mais antigos próximos do centro (Mafalala e Chamanculo C; Polana Caniço
A; área da Praça de Touros e Maxaquene A) e mais recentes e afastados (Zimpeto
e Magoanine B e C), com características espaciais distintas.
Cada um dos tipos de intervenção, em função da especificidade dos territórios
onde actualmente as transformações são mais significativas, é susceptível de
diferentes níveis e formas de segregação e exclusão, aqui analisadas sob três
prismas: a exclusão dos benefícios proporcionados pelo território urbano, o
processo em si mesmo e as aspirações e percepções dos principais actores
envolvidos, em relação à cidade e aos tipos de intervenção. As noções de
segregação e exclusão revelam-se complexas e multifacetadas e o seu combate,
dada a amplitude da problemática, implica acções integradas em diferentes
domínios, destacando-se: o social, o económico, o institucional, o territorial
e o das referências simbólicas (Bruto da Costa, 2007, p. 14).
Na cidade, em constante transformação, áreas ontem segregadas e excluídas
social e espacialmente hoje confundem-se com as demais, lugares outrora
centrais são agora periféricos, numa mutação constante em função da alteração
dos inúmeros factores que compõem uma realidade urbana multifacetada. Neste
contexto, é difícil antever para onde se dirige uma cidade como Maputo e quando
serão asseguradas condições dignas de habitabilidade e de vida à maioria da
população, reflectindo uma redução da segregação e exclusão existentes. Apesar
do actual cenário de incerteza, o alcance deste objectivo passa por combinar o
princípio da igualdade com o princípio do reconhecimento da diferença (temos o
direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e temos o direito a
ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza) (Santos, 2011, p. 141),
oferecendo oportunidade e opções de escolha num contexto urbano cada vez mais
plural. Segundo Ascher (2010), implica ainda assumir compromissos, tendo em
conta interesses variados e a construção de acordos e maiorias ad hoc, uma
vez que: Fabricar a cidade é [ ] ter em consideração esta diversidade de
situações, de espaços, de modos de vida (pp. 107-108).