Fontes de Rendimento das Famílias Rurais e a Segurança Alimentar em Cabo Verde
Entre 2006 e 2008 os preços internacionais da alimentação e dos cereais tiveram
um aumento cujo impacto constituiu uma ameaça à segurança alimentar das
famílias e da economia cabo-verdiana, em que 80% das suas importações são
alimentos. Trata-se de uma ameaça cuja recorrência pode aumentar o risco de
insegurança alimentar.
Com um défice estrutural de mais de um terço do Produto Interno Bruto, a
balança de bens e serviços tem sido financiada pelas transferências externas,
uma parte importante das quais são remessas de emigrantes. Estas foram, e são
hoje, parte da solução coletiva de equilíbrio externo e de reforço do
rendimento das famílias. As remessas de emigrantes foram cruciais para a
sobrevivência local por volta do século XIX e a emigração, desde então,
continuou a ser uma estratégia comum de sobrevivência (Rodrigues, 2008).
A amplitude da escalada de preços da alimentação tornava necessário conhecer a
capacidade de amortecimento interna quer no plano nacional quer no plano das
famílias que, no caso em estudo, se focou sobre as famílias rurais. Isso
implicou que se conhecessem: as grandes tendências da emigração e dos fluxos de
remessas; o significado de segurança alimentar e os limites da insegurança
alimentar; as condições de mercado que influenciam os preços internacionais e
internos; o impacto interno da escalada de preços internacionais e os fatores
de resiliência local; o grau de autonomia na produção de alimentos das famílias
rurais; as atividades e fontes de rendimento alternativas face à insuficiência
da produção alimentar; a importância das remessas no rendimento das famílias e
na segurança alimentar; a importância da educação na prevenção do risco de
insegurança alimentar; o comportamento das famílias face à ajuda externa para a
inovação agrícola; as implicações no plano das famílias rurais da subida dos
preços.
O território insular é atravessado pelos vetores da ação tanto dos atores
transnacionais como dos atores nacionais e locais cuja interação define os
limites de resistência às ameaças externas. Observa-se, por um lado, a posição
e influên-cia do sistema transnacional dos mercados de alimentos; por outro, a
resposta dos grandes importadores nacionais, do regulador do Estado (ANSA -
Agência Nacional de Segurança Alimentar), dos comerciantes e do mercado de
produtos locais. As condições de resistência às ameaças externas são
potenciadas pela rede de relações entre os emigrantes na diáspora e os seus
familiares, e pela influência que as lideranças locais (governo central e
local, diretores de empresas e ONGs, etc.) têm sobre as esferas em que se
decide a ajuda externa, o investimento direto estrangeiro e as condições de
abastecimento local.
A emigração e a fuga da penúria
António Carreira (1984) estimava em cerca de 82.000 o número de pessoas
vitimadas pela inanição[1] só no século XX (p. 159). A escassez de alimentos e
a insegurança alimentar atravessam a história do arquipélago e estão
relacionadas com o desequilíbrio entre os recursos internos e as necessidades
de abastecimento alimentar de uma população com taxas médias de crescimento
elevadas.
Trata-se de um problema que pode ser visto tanto no plano da disponibilidade
como do acesso a alimentos, neste caso, tanto dos governos como das famílias.
Como a produção interna de alimentos é insuficiente, estes só se tornam
disponíveis com a sua importação, o que coloca sempre o problema da suficiência
de meios de pagamento internacionais.
As transferências, tanto públicas como privadas, têm sido uma condição de
acesso a bens alimentares tanto no plano nacional como no das famílias. E estas
têm sido beneficiadas tanto pelas remessas de emigrantes, como por rendimentos
gerados por programas financiados pela ajuda externa.
A história da emigração foi consolidando valores e expectativas que perpassam a
cultura e a sociedade. Do ponto de vista antropológico, o conceito de migração
em Cabo Verde tem, assim, um significado cultural que inclui uma parcela de
expectativas em relação à natureza e consequências da migração (Carling, 2004,
p. 116). Emigração significa trabalhar no estrangeiro, geralmente, com a
intenção de voltar (Carling, 2001; Åkesson, 2004, como citado em Carling,
2004, p. 116). Geralmente, é concebida como um projeto instrumental que
procura alcançar um padrão de vida razoável em Cabo Verde, o que dificilmente
se obtém com um salário médio em Cabo Verde (Carling, 2004, p. 116).
Na sua expressão cultural, a emigração vai adquirindo um significado que é
moldado pelas experiências das comunidades quer emigradas quer locais. As
representações e expectativas vão sendo redesenhadas com os contornos que as
famílias e a sociedade vão percebendo a partir de novos contextos internos e
externos. As remessas constituem, assim, uma das componentes do conceito de
emigração. As remessas são geralmente consideradas como o dinheiro que os
migrantes enviam para os seus familiares no país de origem, enquanto eles
trabalham no exterior (Carling, 2004, p. 125).
Para além da expressão afetiva da solidariedade familiar e da esperança num
retorno feliz, as remessas têm significado económico: por um lado o impacto
direto no rendimento disponível das famílias (dimensão micro); por outro, o
aumento no rendimento disponível da Nação cabo-verdiana (dimensão macro).
Se for assumido que metade das famílias do país recebe remessas, cada família
receberia uma média de cerca de 10.000 CVE (US$100) por mês (Carling, 2004, p.
125). Tal valor equivalia ao salário médio de um trabalhador não qualificado em
2002. Apesar deste valor médio esconder a diversidade na distribuição, é
contudo um indicador da importância deste rendimento para as famílias.
No plano nacional, as remessas são uma das fontes de recursos do sector
financeiro que permitem o pagamento das importações.
O montante das remessas tem sido crescente em termos absolutos atingindo, em
média por ano, cerca de 9,9 milhões de contos cabo-verdianos[2] nos anos 2007 a
2009. O seu peso no PIB foi de 14% de 1997 a 1999 e 8% de 2007 a 2009. Uma
comparação internacional baseada em dados de 1995-99 mostrou que Cabo Verde
teve o quinto mais elevado nível de remessas em relação ao PIB e o sexto mais
alto nível de remessas per capita do mundo (Gammeltoft, 2002).
Tem sido discutida a tendência futura das remessas face à diminuição da
emigração a partir da década de 80. Com uma dimensão de 4.800 emigrantes, em
média por ano no período 1971-1980, a emigração passou para 2.200 em 1981-1990.
Entre 2006 e 2009 estima-se que esta fosse de 1.370 emigrantes (INE, 2010).
Este declínio resulta da adoção pelos países do noroeste europeu de medidas
progressivamente mais apertadas de controlo da imigração de trabalhadores do
Sul (Carling, 2003). Tal tendência leva a concluir que a emigração pode vir a
desempenhar cada vez menos o papel de válvula de segurança na moderação do
crescimento efetivo da população (DGP, 2002). Além disso, a conjugação da
diminuição do efetivo com a mudança geracional da diáspora pode vir a ter
futuras consequências negativas nos fluxos de remessas.
Com o inevitável declínio do peso da primeira geração de emigrantes no total da
diáspora, os laços transformam-se. Mesmo que se mantenha uma forte identidade e
uma persistente memória de afetos, existe uma tendência para a diminuição
potencial das remessas com o distanciamento dos laços.
Fazendo a comparação com a maturidade dos fluxos de remessas provenientes dos
Estados Unidos, onde se encontram as comunidades de emigrantes mais antigas, é
de prever uma queda dos rendimentos das remessas entre 25 a 40 por cento quando
na Europa se chegar à mesma composição geracional (Carling, 2003). As
comunidades cabo-verdianas na Europa formaram-se com a terceira vaga de
emigração nos anos 60 (Carreira, 1983), em período de expansão económica da
Europa Ocidental. Esta vaga foi precedida de duas anteriores. Uma primeira vaga
no início do século XX, com destino aos EUA, em simultâneo com a emigração da
Europa Meridional; uma segunda vaga nos anos 20, tendo por destino a América do
Sul, África Ocidental e Portugal.
Segundo Carling, os dados sobre o crescimento absoluto dos fluxos de remessas
do Norte da Europa parecem entrar em contradição com o declínio da imigração de
Cabo Verde. Tal pode ser explicado pelo aumento do retorno de migrantes
pensionistas a viver em Cabo Verde. O reflexo do declínio demográfico nas
remessas pode, por isso, demorar muitos anos a materializar-se (Carling, 2004,
p. 126). Também é de admitir que a modulação do valor das remessas enviadas
pelos familiares emigrados se possa ajustar às condições de maior ou menor
vulnerabilidade dos seus parentes em Cabo Verde.
Alguns conceitos de segurança alimentar
Em 1996 a Cimeira Mundial da Alimentação considerou que existe segurança
alimentar se todos tiverem um permanente acesso físico e económico a alimentos
seguros e nutritivos que permitam satisfazer as suas necessidades dietéticas e
preferências alimentares para uma vida ativa e saudável (FAO, 1996). Depois de
declarar intolerável que mais de 800 milhões de pessoas no mundo não
conseguissem satisfazer as suas necessidades alimentares básicas, foi
sublinhada a importância de ações concertadas ao nível individual, familiar,
regional, nacional e global, e a necessidade de esforços coordenados e partilha
de responsabilidades por instituições, sociedades e economias para enfrentar
efetivamente a insegurança alimentar (Ecker & Breisinger, 2012, p. 3).
No mesmo ano, La Via Campesina[3] (1996) consagrou a expressão soberania
alimentar como o direito dos povos definirem os seus próprios sistemas de
alimentação colocando quem produz, consome e distribui no centro das decisões
sobre os sistemas e políticas alimentares, em vez das exigências dos mercados e
das empresas que dominam o sistema de alimentação global. Tratava-se de um
conceito que procurava assumir-se como alternativa crítica ao conceito de
segurança alimentar afirmando que nem todas as formas de realizar a segurança
alimentar eram iguais (WDM, 2012, pp. 1-2).
A definição de segurança alimentar apresentada na Cimeira Mundial da
Alimentação, muito próxima da apresentada por Campbell (1991), distingue duas
dimensões do acesso a alimentos: a disponibilidade imediata de alimentos
seguros e nutricionalmente adequados; e a capacidade, pessoalmente aceitável,
de adquirir alimentos que o seja também socialmente aceitável (p. 408). Esta
capacidade individual de adquirir alimentos está relacionada com os meios
monetários ou equivalentes de troca que as pessoas dispõem para acederem aos
alimentos. Sen (1981) designou estes recursos monetários ou equivalentes por
direitos de troca(exchange entitlements). Estes são, não só os alimentos
produzidos para o autoconsumo que tenham um valor equivalente no mercado e
produtos transacionáveis como, também, os rendimentos do trabalho, do capital e
as transferências (remessas e subsídios).
A acessibilidade em quantidade e qualidade significa uma dieta com energia
suficiente e com qualidade nutricional e segurança (Campbell, 1991) que evitem
a malnutrição ou limitações na atividade.
Ao argumento de que a definição, sendo universalmente inclusiva, não se demarca
de uma posição utópica, Campbell (1991) responde que, mesmo que o inatingível
seja contraproducente, uma definição menos inclusiva seria injustificável do
ponto de vista ético ou nutricional.
Esta definição incorpora as quatro componentes essenciais de medida da
segurança alimentar aplicáveis tanto no plano individual como familiar (Ecker
& Breisinger, 2012, p. 3):
* Disponibilidade em quantidade suficiente de alimentos;
* Disponibilidade de alimentos em qualidade, quanto aos tipos e diversidade de
dieta;
* Aceitabilidade psicológica em relação ao sentimento de privação alimentar e
restrições na escolha;
* Aceitabilidade social em relação à quantidade e qualidade de alimentos
disponíveis no lar e aceitabilidade dos padrões de consumo determinados pelas
normas sociais no que se refere à frequência, composição e modo de aquisição.
O estudo feito pela Direção dos Serviços de Segurança Alimentar, em Cabo Verde
em 2007, sobre a medida da segurança alimentar dos agregados familiares nos
concelhos de Paul, Fajã e Mosteiros, cruzou as duas primeiras componentes de
Campbell, a quantidade e a qualidade dos alimentos utilizados, com os recursos
para aceder aos alimentos.
Para isso foram consideradas duas variáveis que permitiam avaliar as classes de
vulnerabilidade alimentar dos agregados familiares: rendimento potencial dos
agregados e diversidade da dieta.
O rendimento potencial é constituído pelos recursos com expressão financeira
do agregado. Este é composto por duas fontes: equivalente monetário das
reservas disponíveis (efetivo animal, produção agrícola) e os fluxos em
dinheiro (salários, pensões, remessas, arrendamentos). Considera-se, ainda, que
a percentagem do rendimento utilizada em alimentos é tanto maior quanto menor
este for[4]. Este comportamento está relacionado com a reduzida sensibilidade
do consumo de alimentos à variação do rendimento, o que significa que não
aumenta na proporção do rendimento e, à medida que o rendimento é menor, maior
é a parte deste utilizado na sua aquisição[5]. Não é só a percentagem de
consumo de alimentos que se altera com o rendimento, é também a composição da
dieta alimentar. À medida que o rendimento de uma família aumenta certos tipos
de alimentos vão sendo substituídos por outros com maior valor nutricional,
acentuando-se a diversidade da composição da dieta alimentar[6].
A diversidade da dieta é a composição do consumo alimentar efetuado no
agregado durante uma semana, quanto à espécie nutricional dos alimentos e à
frequência da sua utilização.
Os grupos nutricionais utilizados no estudo da Direção dos Serviços de
Segurança Alimentar foram: 1. Cereais; 2. Leguminosas; 3. Tubérculos e Raízes;
4. Legumes, verduras e frutas; 5. Proteínas-animal (carne, peixe, ovos, leite,
etc.) 6. Gorduras (banha de porco, óleo alimentar, manteiga, etc.).
A classificação das famílias segundo o grau de vulnerabilidade e de insegurança
alimentar fez-se segundo a seguinte grelha taxonómica:
* Insegurança Alimentar Severa (IAS): as despesas com a alimentação representam
mais de 65% do rendimento, e o regime alimentar é pobre ou muito pobre,
constituído pelo consumo de 1 a 3 grupos de alimentos por semana e no máximo
2 tipos de alimentos de cada grupo;
* Insegurança Alimentar Moderada (IAM): as despesas com a alimentação
representam en-tre 50 e 65% do rendimento familiar. O regime alimentar é
pobre, caracterizado pelo consumo de 4 a 5 grupos de alimentos por semana,
mas pouco diversificado em número de alimentos de cada grupo;
* Risco de Insegurança Alimentar (RIA): as despesas com a alimentação
representam entre 33 e 50% do rendimento potencial anual. O consumo alimentar
é satisfatório, constituído por 6 grupos de alimentos por semana, sendo
diversificado;
* Segurança Alimentar (SA): as despesas com alimentação representam no máximo
33% dos rendimentos anuais. O consumo alimentar é muito diversificado,
consumindo, pelo menos, um alimento de cada grupo por dia (Direcção dos
Serviços de Segurança Alimentar, 2007, p. 19).
Para além do seu significado instrumental
A operacionalização do conceito de segurança alimentar permite identificar as
diferentes carências ao nível local e regional e procurar estratégias de
intervenção que têm como vetor a sustentabilidade social e económica. O debate
remete para a dimensão global da segurança alimentar tendo em conta as
condições que a integração mundial dos mercados impõe. É, contudo, um plano
conceptual que não dispensa a minúcia dos estudos antropológicos e abordagens
adaptadas aos espaços locais e familiares, em muitos casos muito diferentes das
práticas sociais europeias e ocidentais.
Numa dimensão local e das sociedades, em especial das sociedades rurais, a
questão da segurança alimentar está sempre ligada à reprodução física e social.
E nesta dimensão, já não é tanto a operacionalização que conta, mas muito mais
o conhecimento sobre o modo como as sociedades se organizam e adaptam às
condições internas e externas para a sua reprodução. É, por isso, importante
que ao fazer-se o estudo da segurança alimentar se tenha em conta, não só os
indicadores que resultam da operacionalização externa do conceito, mas ainda, o
modo como as famílias se adaptam e a internalizam no processo de reprodução
social, em que os alimentos assumem uma dimensão fulcral. O foco, neste caso, é
a institucionalização dos processos de acesso ou de produção de alimentos tanto
para a reprodução física como social, cabendo aqui a ritualização do uso dos
alimentos quer pela redistribuição quer como instrumento de reconhecimento e
ascensão social. Os indicadores de segurança alimentar sobre as sociedades
rurais não revelam esta dimensão. E, contudo, ela está sempre presente nas
práticas sociais.
As atuais condições introduzem novos fatores de risco aos existentes nas
sociedades rurais, entre os quais os da maior integração dos mercados de
alimentos e de cereais e as consequências da concentração e da imperfeição
destes mercados. Em Cabo Verde acrescenta-se a vulnerabilidade da insularidade
e da dispersa pequenez do território, o que amplifica o movimento ascendente
dos preços dos alimentos e o risco da sua acessibilidade.
Mesmo que se dê uma leitura restrita ao conceito de segurança alimentar, as
ameaças externas são comuns. Por isso, é importante fazer-se a sua
identificação e conhecer os vários planos da resposta a estas ameaças,
designadamente à da volatilidade dos preços internacionais dos alimentos.
Um primeiro passo para este conhecimento é a caracterização do equilíbrio de
poderes no mercado mundial da alimentação em geral e dos cereais em particular.
Um segundo passo é a identificação dos fatores de resiliência local quer do
ponto de vista institucional quer das práticas e estratégias defensivas das
famílias.
Mercado imperfeito e dependência local
Numa sumária descrição sobre o mercado de alimentos em geral e dos cereais em
particular pode dizer-se o seguinte:
* As exportações mundiais de cereais representavam uma percentagem de 12% da
produção mundial (FAO, 2010a; FAO, 2011);
* Os EUA eram o maior exportador de milho, trigo e arroz, seguidos da França,
Canadá e Austrália, entre 2002 e 2006 (UNCTAD, 2009).
* Em 2006, o mercado de cereais era dominado por muito poucas empresas
transnacionais de grande dimensão. A vasta maioria do comércio mundial de
cereais era controlado por três empresas, a Gargill, a ADM e a Bunge, que
também dominavam outros mercados de produtos e serviços associados à cadeia
de valor[7] alimentar internacional como os serviços de carga e de expedição
de cereais, o empacotamento de carne e a moagem (Hendrickson, Wilkinson,
Heffernan & Gronski, 2008);
* As empresas que dominavam o comércio de cereais constituíam uma parte de
conglomerados integrados vertical e horizontalmente, incluindo a atividade
financeira, através de sociedades gestoras de fundos e hedge funds
(Hendrickson, Wilkinson, Heffernan & Gronski, 2008);
* Só uma pequena parte deste conjunto de atividades é produção agrícola, como
as plantações e quintas integradas por apropriação direta ou por contratos de
fornecimento cujas condições são ditadas pela empresa dominante (Reis, 2011);
* As fontes do poder sobre o mercado das transnacionais que operam nos
negócios agrícolas são multifacetadas e estão para além da mera concentração;
têm acesso privilegiado à informação, ao capital e ao poder político, o que,
tudo junto, ajuda a limitar a competição através da criação de barreiras à
entrada no mercado (FAO, 2003);
* Do lado da procura, em particular de Cabo Verde, 82% do abastecimento em
alimentos, incluindo os cereais, depende da importação;
* A dimensão do mercado interno tem uma escala de pouco mais de quinhentos mil
habitantes;
* Esta importação é feita por três grandes importadores que procuram o melhor
preço dos brokers internacionais, repercutindo-os no mercado retalhista.
Daqui se conclui que existe um grande desequilíbrio de poder no mercado de
alimentos, que para qualquer país com a dimensão de Cabo Verde o torna incapaz
de influenciar os preços. Cabo Verde tem de suportar os efeitos de alterações
que ocorram no mercado internacional, face à reduzida elasticidade-preço da
procura associada à importância da alimentação.
A volatilidade dos preços dos alimentos
Face a esta grande assimetria de poder nos mercados de alimentos resta observar
o modo como os vários países conseguiram reagir a uma conjuntura de subida
drástica dos preços, o que aconteceu a partir de 2006. Trata-se de identificar
condições de resiliência local que permitiram proteger as populações locais dos
severos movimentos externos dos preços.
De acordo com a FAO, esta subida dos preços devia-se aos elevados custos de
produção provocados pela subida do preço do petróleo, à queda por razões
climatéricas na produção de produtos chave nas exportações de certos países e
um forte aumento da procura, incluindo a destinada ao aumento dos stocks de
biocombustível. Estes fatores ocorriam numa situação de baixa histórica global
de stocks de cereais (FAO, 2008, p. vii).
Mas sublinhava também o peso de algumas empresas transnacionais no mercado
internacional, o que lhes permitia influenciar quer as opções da procura para a
produção alimentar ou para biocombustível, quer da oferta, podendo ainda
potenciar as tensões sobre o mercado através da sua ação especulativa sobre os
mercados financeiros. E, embora as exportações representassem apenas 12% da
produção mundial, a sua cotação afetaria sempre os preços de referência dos
alimentos e dos cereais.
A variação do preço dos alimentos em certos países, contudo, não teve a
magnitude da observada no mercado internacional. Tal foi notório, por exemplo,
nalguns cereais como o arroz (Reis, 2011, p. 168), o que permitiu sustentar a
hipótese da existência de fatores de resiliência locais diferenciados,
suportados não só pela intervenção dos Estados mas, também, pelas escolhas dos
atores locais, designadamente dos agricultores. Tal foi possível observar na
Índia, Bangladesh, Indonésia e Filipinas, em que o preço do arroz, entre 2003 e
2007, por exemplo, subiu menos que o do mercado internacional. A redução das
taxas aduaneiras sobre as importações, a contingentação ou proibição de
exportações de cereais, o pagamento de subsídios à importação, o controlo
direto dos preços dos alimentos e a redução dos impostos sobre os bens
alimentares foram as políticas públicas mais usadas, com maior incidência das
restrições às exportações nos países asiáticos (FAO, 2008).
Em Cabo Verde foi, igualmente, menor o incremento dos preços da alimentação e
dos cereais. Este efeito amortecido do impacto externo do preço dos alimentos
abriu um campo de pesquisa que procurou aprofundar o comportamento dos
diferentes atores naquilo que parece corresponder também à inesperada
existência de capacidade de resiliência local.
Impacto amortecido em Cabo Verde por enquanto
A comparação das taxas de crescimento dos preços internacionais da alimentação,
em 2007[8], apresentadas pela FAO, com as apresentadas pelo INE relativas a
Cabo Verde permitem admitir que o impacto da variação dos preços no mercado
internacional terá sido amortecido.
Esse efeito não terá sido simétrico quando se comparam as regiões rurais e
urbanas nem as diferentes ilhas. Percebe-se que esta divergência possa estar
relacionada com a metodologia de formação dos preços no mercado interno e com a
maior ou menor rapidez de escoamento dos stocks. Em estados de pequena dimensão
com o território fragmentado não existe unicidade no mercado, podendo esta
divergência ser, em parte, também explicada pelos custos de logística.
Mas para comportamentos aparentemente semelhantes dos preços (respetivamente 6%
e 5%) em S. Vicente e nas zonas rurais, admite-se ser possível sustentar serem
diferentes as hipóteses explicativas. No caso das zonas rurais será mais por
influência da oferta de alimentos produzidos localmente; no caso de S. Vicente
por ser um porto de desembarque internacional de alimentos e por ter boas
condições de armazenamento. Já a significativa diferença observada entre a
Praia e S. Vicente pode estar associada a uma maior pressão da procura e a
custos de transporte e armazenagem.
Quando se procura saber o efeito no poder de compra da variação dos preços
locais, em comparação com o que seria se o aumento fosse igual ao dos preços
internacionais, pode perceber-se a diferença. Não sendo inócuos, são contudo
significativamente menos pesados: na Praia terá sido de metade e, tanto em S.
Vicente como nas zonas rurais, de menos de um terço.
Estas diferenças poderão atribuir-se à diferente estrutura de consumo na Praia,
S. Vicente e zonas rurais, mas também à diferente variação local dos preços.
O impacto foi mais acentuado na Praia, onde o poder de compra terá sofrido uma
quebra de 5%, enquanto em S. Vicente e nas zonas rurais esta diminuição do
poder de compra terá sido de 3%.
É possível, por isso, admitir que existe alguma resiliência local à variação
dos preços internacionais. Esta pode estar relacionada com a ação do Governo
sobre o comércio internacional, com as práticas comerciais e de regulação e com
o efeito de algumas infraestruturas de regadio.
Para isso é de admitir que se tenham conjugado os seguintes fatores:
* Diminuição das taxas aduaneiras resultantes do processo de adesão de Cabo
Verde à Organização Mundial do Comércio, em dezembro de 2007;
* A existência de reservas de cereais adquiridos a preços mais baixos;
* A regulação e monitorização de comportamentos especulativos pela ANSA
(Agência Nacional de Segurança Alimentar) num mercado liberalizado a partir
de 1999; a partir desta data os alimentos passaram a ser importados por
operadores privados, concentrando-se a importação de cereais em três grandes
importadores: a MOAVE, a CIC e a CORIN;
* O aumento da oferta local de frutos e legumes devido ao alargamento do
regadio; em Santiago esta oferta foi impulsionada pela conclusão, em 2006, da
barragem do Poilão, construída com a cooperação do Governo da República
Popular da China.
Contudo, face a uma taxa de dependência da importação de alimentos de cerca de
82%, não se pode esperar que o efeito de amortecimento das reservas possa
suportar uma tendência persistente e contínua de subida dos preços. Estes são
sempre repercutidos mesmo que se adote uma política comercial e de
aprovisionamento prudente.
A insuficiência da produção alimentar das famílias rurais
Importa, por isso, compreender o modo como as famílias enfrentam as ameaças que
podem pôr em causa os seus meios de subsistência. As famílias rurais são a
última fronteira na adaptação a condições de dependência extrema do
abastecimento de alimentos e à drástica redução dos seus rendimentos.
A partir do estudo socioeconómico da Direção dos Serviços de Segurança
Alimentar (2007), foi possível estabelecer uma ordem de grandeza sobre quanto
representam os rendimentos da agricultura, pecuária, transformação alimentar e
pesca no rendimento das famílias rurais dos concelhos do Paul em Santiago, Fajã
em S. Nicolau e Mosteiros na ilha do Fogo. Este valor que, ao incluir a
transformação alimentar, ultrapassa os rendimentos do sector primário, não
representa mais de 47% do rendimento das famílias destes três concelhos rurais.
Embora não seja possível a extrapolação, admite-se que esta percentagem não
seja muito diferente nos restantes concelhos rurais.
Por outro lado, segundo o INE (2008), o grupo de bens de alimentação e bebidas
representa cerca de 60% do consumo nas zonas rurais. Mesmo que o rendimento das
famílias rurais inclua uma parcela de poupança, esta é sempre inferior a 8%
[9], sendo a propensão à poupança tanto menor quanto mais baixos os escalões de
rendimento. Face à provável tendência para o rendimento ser inteiramente
consumido, é possível inferir pela clara insuficiência da produção de alimentos
das famílias rurais face às suas necessidades. Quando transposta a produção de
alimentos para a sua expressão monetária, será indiferente que estes se
destinem a autoconsumo ou ao mercado. Mesmo que o acesso aos alimentos seja
mais fácil em comparação com as famílias que residem no meio urbano, a sua
insuficiência torna-as também vulneráveis às contingências do mercado
internacional, especialmente em relação aos cereais, pela sua importância na
criação de gado.
Este insuficiente rendimento do sector primário está relacionado com dois
fatores: a insuficiência de recursos, especialmente de terra e de água, e a
pressão demográfica. A esta insuficiência de meios deve acrescentar-se a
incerteza climática, em especial do regime pluviométrico, e também a escassez
de capital humano especialmente nas gerações ativas.
Compreende-se, assim, que a perceção da exiguidade dos recursos tenha levado
historicamente a práticas defensivas no sentido da diminuição da exposição à
fome. Estas práticas baseiam-se em escolhas que procuram garantir a reprodução
física e social das comunidades e defendê-las das condições externas de grande
incerteza cuja natureza recorrente se perde na sua memória ancestral. Perante
uma tal situação permanente e estrutural, a adaptação passa pela procura ativa
de outras fontes de rendimento ou meios de subsistência. Este impulso é
determinado pela procura de alguma segurança na sobrevivência, sempre sob
condições de incerteza e de exiguidade de recursos. Daí que o movimento
migratório do meio rural para a Praia, para o Sal e para a Europa e Estados
Unidos esteja associado a este impulso. Daí também que, para quem fique na
terra, lhe sobre tempo para acumular outras atividades por conta própria e de
outrem. Estas múltiplas subsistências não ocupam lugares e tempos sociais
fixos, mas surgem por recuos e avanços, consoante as lógicas ou estratégias de
subsistência e a disposição cognitiva dos atores sociais ao longo do seu ciclo
de vida (Couto, 2010, p. 43).
Estratégias de diversificação
Se por vulnerabilidade for entendida a exposição e suscetibilidade a situações
que escapam ao controlo das pessoas, é natural que estas se procurem defender
adaptando-se, o que se traduzirá pela adoção de práticas que as tornem mais
resilientes. Tais práticas transformam-se num padrão a partir dos contextos
duradouros e de ameaças imprevisíveis mas constantes. Nas famílias rurais do
Paul, Fajã e Mosteiros este padrão é o da diversificação das fontes de
rendimento.
Este padrão parece apoiar-se também numa reduzida utilização de capital e, por
isso, de baixos rendimentos da terra. As secas e a imprevisibilidade da chuva,
a gestão de recursos escassos, a reduzida poupança conduziram a comportamentos
defensivos de minimização do risco e, por isso, de baixos rendimentos.
As estratégias de reprodução configuram um modo de produção ou relações de
produção misto, combinatório e de natureza transversal (auto-consumo, venda
sazonal, de produtos de cultivo, assalariamento, venda esporádica de animais,
assistencial e migração) (Couto, 2001, p. 63).
O estudo efetuado pela Direção dos Serviços de Segurança Alimentar (2007)[10]
nos concelhos do Paul, Fajã e Mosteiros permite observar que a incidência da
insegurança alimentar é maior no concelho do Paul, com 10,1% das famílias a
sofrer de insegurança alimentar severa e 24,8% moderada. Esta situação
contrasta com os concelhos da Fajã e de Mosteiros, cuja incidência é cerca de
10% inferior.
Comparando estes dados com os da estrutura dos rendimentos verifica-se ser
inversa a relação entre o contributo para o rendimento das transferências
privadas (remessas e pensões) e a insegurança alimentar severa e moderada. Tal
observação, embora exigindo maior detalhe e confirmação, sugere ser relevante o
contributo tanto das remessas como das pensões para a diminuição da
vulnerabilidade alimentar das famílias.
Acrescente-se, ainda, que as remessas apresentam uma importância particular
para as famílias chefiadas por mulheres, o que é consistente com o papel que
desempenham como suporte de rendimento dos familiares que não emigram. Isto
revela a importância desses rendimentos na reprodução social local.
Tal constatação confirma os dados nacionais sobre o destino das remessas de
emigrantes que, em 2000, desenhavam um perfil em que as mulheres jovens dos 15
aos 24 anos e, depois, as mulheres com mais de 45 anos eram mais beneficiadas,
acentuando-se a partir dos 65 anos. A solidariedade familiar parece revelar-se
duma forma clara pela importância que estas transferências ganham à medida que
se sobe nos escalões etários.
Rendimentos, escolarização e segurança alimentar
Há ainda outra observação sobre o modo como os rendimentos podem influenciar a
segurança alimentar. A distribuição das famílias por escalões de rendimentos
sublinha a prevalência de famílias de maiores rendimentos na Fajã e em
Mosteiros, o que coincide com a menor incidência da insegurança alimentar.
A correlação inversa com a insegurança alimentar torna-se ainda maior quando se
confronta o nível educacional dos chefes de família nos três concelhos,
especialmente com ensino básico e secundário, e a incidência da insegurança
alimentar.
O rendimento e o nível educacional, de acordo com os quadros 17, 19 e 20,
sobressaem pela influência que parecem exercer sobre a segurança alimentar. O
alargamento das capacidades das pessoas através da educação básica parece muni-
las de melhores condições para se adaptarem a atividades geradoras de
rendimentos e da capacidade para retirarem maior partido dos recursos
agropecuários que dispõem.
Poderá discutir-se a existência de outras variáveis de formação do rendimento
como as remessas. De facto, de acordo com o Quadro_17, na Fajã a percentagem
das famílias que receberam remessas foi a mais elevada, 43,8%, em contraste com
16,4% no Paul e 19,7% nos Mosteiros. O seu reflexo é a maior dispersão dos
rendimentos com origem nas remessas. As remessas ao abrangerem mais famílias
têm consequências sobre o seu rendimento e segurança alimentar. Isto, porém,
não pode esbater a correlação entre educação e rendimento, o que está de acordo
com os resultados observados em anteriores estudos empíricos por Psacharopoulos
(1990), vindo ao encontro do papel que Griffin e McKinley (1994) atribuem à
educação básica como condição para uma estratégia de desenvolvimento humano.
Esta correlação está de acordo com o que os economistas Hoff e Stiglitz (2006)
pensam sobre condições microeconómicas do desenvolvimento ao referirem a
importância da educação na criação de externalidades positivas.
O que esperar das famílias rurais em relação às ajudas para a inovação na
agricultura?
O governo de Cabo Verde tem afetado importantes recursos à agricultura desde os
primeiros anos da Independência. Para isso, tem contado com a ajuda
internacional tanto no plano financeiro como técnico.
O Programa Nacional de Investimento Agrícola, iniciado em 2010, com um
horizonte de execução de seis anos, prevê investimentos, alguns já em curso, no
valor de 250 milhões de dólares destinados à modernização da agricultura. O
financiamento previsto é suportado quer pelo Governo (15,5%) quer por fontes
externas, designadamente Linha de Crédito Portuguesa (11,7%) e BADEA[11]
(10,5%).
Cerca de 61% deste valor é destinado a melhorar a gestão de água, sendo 52%
para a construção de barragens, abertura de furos, construção de poços, diques,
sistemas de bombagem, unidades de dessalinização, reservatórios e 9% para a
promoção da irrigação, em especial da micro-irrigação. Outra parte importante
(23%) destina-se à mudança nas práticas agrárias, silvícolas e pastoris.
A previsão dos efeitos do projeto considera um impacto no emprego no sector
primário de 7.235 postos de trabalho, de 2009 para 2016, com o acréscimo de
3.235 novos horticultores, mais 46% em relação a 2009. Projeta ainda uma taxa
de crescimento do Produto Interno na Agricultura de 6,9%, superior à tendência
de crescimento de 2,6% (MADRRM, 2010, p. 14).
Na avaliação que faz dos riscos, contudo, considera entre outros, o risco da
fraqueza das capacidades das comunidades locais em matéria de gestão dos
recursos naturais (MADRRM, 2010, p. 40). Reconhece-se que parte do efeito
deste investimento vai depender do modo como os camponeses se apropriam dos
seus benefícios para que se possam traduzir em práticas que lhes tragam
rendimentos acrescidos e aumento da disponibilidade de alimentos.
Resta, por isso, saber de que forma o camponês vai assumir o risco da inovação
num plano de maior incerteza marcada pela introdução de novas práticas cujo
resultado não domina. Citando Couto (2010),
o camponês cabo-verdiano identifica cenários possíveis, mas num
enquadramento histórico próprio de longo prazo e age em situação
perante os factos consumados (inevitáveis para ele). As estratégias
da sua reprodução social denunciam um modelo de racionalidade
económica baseada na prudência (princípio da responsabilidade) ou no
evitamento e não numa estratégia de ação sobre a imprevisibilidade do
futuro (p. 28).
Mesmo assim, é de admitir que tanto o processo de urbanização crescente como o
aumento do nível educacional permitam o alargamento de experiências e uma maior
capacidade de adaptação a processos inovadores, tanto na atividade agropecuária
como na relação com o mercado.
Que resposta à subida dos preços?
Embora não se disponha de dados empíricos, admite-se que os agregados rurais
que produzem alimentos tenham sido os menos afetados pela subida dos preços.
Por um lado, porque têm a possibilidade de substituir alguns dos alimentos que
antes eram comprados; por outro, porque o seu rendimento é medido também pela
produção para autoconsumo, correspondendo, por isso, a equivalentes de troca
mais elevados. Além disso, a subida dos preços dos produtos alimentares parece
constituir também uma oportunidade para as famílias rurais com rendimentos de
atividades ligadas à agricultura, pecuária, pesca e transformação alimentar.
Estas poderão beneficiar do efeito induzido no mercado local pela subida dos
preços, aumentando assim o seu rendimento através da comercialização dos seus
produtos. Mesmo assim, o aumento médio dos preços da alimentação nas zonas
rurais de 5%, com uma diminuição estimada do poder de compra de 3%, poderá ter
provocado uma diminuição equivalente do rendimento potencial real[12] dos
agregados. Tal diminuição pode ter provocado o aumento do número das famílias
em risco de insegurança alimentar, insegurança alimentar moderada e severa.
Conclusões
A subida dos preços internacionais da alimentação em 2007, de 26%, foi
amortecida, não ultrapassando os 9% na Praia e os 6% e 5% respetivamente, em
São Vicente e zonas rurais. Este efeito pode ter sido o resultado conjugado da
diminuição das taxas aduaneiras, da existência de reservas de cereais
adquiridos a preço mais baixo, da regulação nacional do comércio e do aumento
da oferta local de frutos e legumes.
Demonstrou-se ser insuficiente a cobertura alimentar da produção agropecuá-ria,
da pesca e transformação alimentar dos agregados rurais dos concelhos do Paul,
Fajã e Mosteiros, correspondendo a menos de 47% dos seus rendimentos, não
garantindo a autossuficiência alimentar. Estes rendimentos são completados com
remessas recebidas de familiares emigrados, pensões, salários e rendimentos
recebidos de serviços prestados por conta própria.
O risco de insegurança alimentar, a insegurança alimentar moderada e severa
afetam entre 46% a 66% dos agregados rurais.
A insegurança alimentar é tanto menor quanto maior a percentagem daqueles que
recebem remessas. É igualmente menor quanto maior a percentagem dos chefes dos
agregados que têm o ensino básico e secundário.
As ajudas à inovação associadas às infraestruturas de regadio podem vir a
beneficiar os rendimentos das famílias rurais apesar da sua atitude de
expectante prudência a condições não previstas e de grande exiguidade de
recursos.
O impacto da subida dos preços na segurança alimentar pode ter sido menor nos
agregados rurais, o que é consistente com a evolução do índice de preços das
zonas rurais em 2007. É contudo provável que se tenha observado o aumento da
insegurança alimentar com a diminuição real do rendimento dos agregados depois
de descontada a variação dos preços nas zonas rurais.