Pedagogia do Oprimido
Paulo Freire (36.ª ed. 2003; 1.ª ed. 1970)
Pedagogia do Oprimido
Rio de Janeiro:Edições Paz e Terra, 184 p.
Neste livro, Paulo Freire propõe uma explicação da importância e necessidade de
uma pedagogia dialógica emancipatória do oprimido, em oposição à pedagogia da
classe dominante, que contribua para a sua libertação e sua transformação em
sujeito cognoscente e autor da sua própria história através da práxis enquanto
unificação entre acção e reflexão. Nesta pedagogia, o educador, através de uma
educação dialógica problematizante e participante, alicerçada na confiança no
povo, na fé nos homens e na criação de um mundo onde cada homem seja valorizado
pelo que é, onde a liberdade do povo deve atender à perspectiva do oprimido e
não do opressor, procura conscientizar e capacitar o povo para a transição da
consciência ingénua à consciência crítica com base nas fundamentações lógicas
do oprimido. Assim, caracteriza-se por um movimento de liberdade que surge a
partir dos oprimidos, sendo a pedagogia realizada e concretizada com o povo na
luta pela sua humanidade.
A obra estrutura-se em quatro partes que são precedidas de uma breve
introdução, na qual Paulo Freire chama a atenção para o medo da liberdade ou o
denominado perigo da conscientização enquanto processo de evolução de uma
consciência ingénua ou mítica para uma consciência crítica, recorrendo à
radicalização crítica, criadora e consequentemente libertadora enquanto unidade
dialéctica entre subjectividade e objectividade, a qual gera um actuar e pensar
certos na e sobre a realidade para transformá-la, o que se transforma em ameaça
à classe dominadora, que pela sectarização, obstáculo à emancipação dos homens,
transforma o futuro em algo preestabelecido a par da manutenção de formas de
acção negadoras da liberdade. Assim, a Pedagogia do Oprimido implica uma
atitude e postura radicais baseadas no encontro com o povo através do diálogo
enquanto instrumento metodológico que permite a leitura crítica da realidade,
partindo da linguagem do povo, dos seus valores e da sua concepção do mundo,
transformando-se numa luta pela libertação dos oprimidos.
No capítulo 1, o autor procura justificar o título «pedagogia do oprimido»
explicando que o homem tem de transformar-se num sujeito da realidade histórica
em que se insere, humanizando-se, lutando pela liberdade, pela desalienação e
pela sua afirmação, enfrentando uma classe dominadora que pela violência,
opressão, exploração e injustiça tenta perpetuar-se.
Este capítulo divide-se em quatro temas. O primeiro refere-se à questão da
consciência oprimida e da consciência opressora e ao problema da dualidade
gerada pela submissão. A pedagogia do oprimido, humanista e libertadora,
caracteriza-se pela pedagogia dos homens que lutam num processo permanente pela
sua libertação, pelo que tem necessariamente de ser feita «com» (p.32) o povo
através da reflexão sobre a opressão e suas causas, que gera uma acção
transformadora, denominada por «práxis libertadora» (p. 36).
O autor destaca a situação concreta de opressão e os opressores, assentes nas
suas «consciências necrófilas» (p. 45) e «fortemente possessivas» (p. 45) e na
«cultura do silêncio» (p. 47). Refere Paulo Freire que na luta pela liberdade é
necessária a crença no povo através de um comprometimento autêntico, de uma
comunhão e de uma aproximação que geram um renascer.
No que respeita à situação concreta de opressão e os oprimidos, o autor refere
que só na convivência com os oprimidos se poderá compreender as suas formas de
ser, de comportar e de reflectir sobre a estrutura da dominação, sendo uma
delas a dualidade existencial que leva a assumirem atitudes fatalistas,
religiosas, mágicas ou místicas, que não permitem a superação da visão
inautêntica do mundo e de si.
No que diz respeito à necessidade da comunhão dos homens para se libertarem,
somente quando o oprimido descobre o opressor e se compromete na luta pela sua
libertação começa a crer em si mesmo, sendo «acção cultural» para a liberdade
por ser acção com o povo. A acção libertadora como resultado da
«conscientização» (p. 54) do povo traduz o carácter eminentemente pedagógico da
revolução, em que o método é a própria consciência enquanto caminho para algo
apreendido com intencionalidade, em que educador e educandos numa tarefa em que
ambos são sujeitos desmistificam a realidade e criticam-na para conhecê-la
recriando o conhecimento, descobrindo-se como «refazedores» (p. 56)
permanentes.
No capítulo 2, o autor fala sobre o conceito de concepção bancária da educação
como instrumento da opressão, caracterizada como um depósito, uma dádiva ou uma
acção «assistencializadora» (p. 60) para com o povo, considerado tábua rasa.
Esta pedagogia caracteriza-se por relações fundamentalmente narradoras e
dissertadoras entre um sujeito narrador, o educador, e objectos ouvintes, os
educandos, por falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e
completamente alheio à experiência existencial dos educandos e por recorrer à
palavra esvaziada da dimensão concreta que devia ter. A educação é vista como
um acto de depositar, o homem é considerado um ser adaptável e ajustável, em
que educador e educando se arquivam por não haver criatividade, transformação e
saber, pois, segundo o autor, só existe saber na invenção, reinvenção, busca
inquieta, impaciente e permanente que os homens fazem no mundo, com o mundo e
com os outros, o que se traduz numa busca esperançosa. Na visão bancária da
educação o saber é uma doação fundamentada na absolutização da ignorância,
manifestação instrumental da ideologia da opressão, que visa transformar a
mentalidade do oprimido e não a situação que o oprime.
Neste capítulo o autor defende que os homens são seres da procura e a sua
vocação ontológica é humanizarem-se.
Segundo Paulo Freire, os homens educam-se entre si mediatizados pelo mundo,
pela educação problematizadora que exige a superação da contradição educador-
educando e o diálogo, e em que ambos se tornam sujeitos do processo e crescem
juntos em liberdade, procurando o conhecimento verdadeiro e a cultura pela
«emersão» (p. 70) das consciências para uma inserção crítica na realidade. O
autor chama a atenção para que em nenhum propósito, mesmo na liderança
revolucionária, o homem aliene os outros nas suas decisões mas sim que os
incentive à luta pela sua emancipação no mundo.
No capítulo 3, o autor aborda a questão da dialogicidade enquanto essência da
educação como prática da liberdade. O diálogo assente na palavra é visto como
fenómeno humano, pois segundo Paulo Freire não há palavra verdadeira que não
seja práxis, enquanto acto de criação que procura a conquista do mundo para a
libertação dos homens.
Na perspectiva de Paulo Freire só há diálogo com um profundo amor ao mundo e
aos homens, com humildade sincera e mediante a fé no poder de criar do homem,
sendo assim um acto de criação e recriação, de coragem e de compromisso e de
valentia e liberdade. Assim, o diálogo faz-se numa relação horizontal baseada
na confiança entre os sujeitos e na esperança transformada na concretização de
uma procura eterna fundamentada no pensamento crítico. O diálogo começa na
busca do conteúdo programático que para o educador-educando, dialógico,
problematizador, não é uma doação mas uma devolução organizada, sistematizada e
acrescentada ao povo dos elementos que entregou de forma desestruturada. A
educação autêntica, nas palavras do autor, faz-se de «A com B, mediatizados
pelo mundo» (p. 84), incidindo a sua acção na realidade a ser transformada com
os homens, conhecendo as condições estruturais em que o pensar e a linguagem do
povo dialecticamente se constituem.
A investigação temática implica uma observação simpática, atitudes
compreensivas e uma percepção crítica da realidade do povo, constituída pelo
seu conjunto de dúvidas, anseios e esperanças, por parte do educador para que
expresse uma acção cultural, procurando os investigadores como objectivo da
educação problematizadora centrarem-se na consciência máxima possível e não na
consciência real. O programa tem de sair do povo e o tema central deve ser o
conceito antropológico de cultura descoberto numa visão crescentemente crítica.
O capítulo 4, centra-se nas teorias da acção antidialógica e nas teorias da
acção dialógica. O autor começa por reafirmar que os homens são seres da práxis
e que emergem do mundo objectivando-o, podendo conhecê-lo e transformá-lo com o
seu trabalho. O diálogo com os oprimidos é um compromisso para a libertação que
implica a transformação da realidade, porque os homens são comunicação e
diálogo enquanto análise crítico-reflexiva sobre a realidade. Afirma Paulo
Freire que evitar o diálogo é temer a liberdade e não crer no povo, pelo que
chama a atenção para que as lideranças revolucionárias não se deixem arrastar
para posturas características das classes dominadoras, como a absolutização da
ignorância, a descrença no homem e a impossibilidade do diálogo.
Neste capítulo o autor começa por referir as características da teoria da acção
antidialógica, que são a conquista, a divisão do povo, a manipulação e a
invasão cultural. O segundo tema em destaque refere-se às características da
teoria da acção dialógica, que são a co-laboração, a união, a organização e a
síntese cultural.
A conquista, que implica um sujeito e um objecto conquistado, impõe o
antidiálogo para oprimir económica e culturalmente para manter a opressão. A
co-laboração é referida por Paulo Freire em oposição à conquista, visto que os
sujeitos encontram-se para a transformação do mundo juntos através do diálogo
que funda a comunicação, nomeadamente através da problematização da sua própria
opressão. O autor chama a atenção para o facto de a liderança revolucionária
estar comprometida com uma comunhão com o povo que provoca a «co-laboração» (p.
165), denominando Paulo Freire esta revolução de biófila na medida em que é
criadora de vida.
Dividir para manter a opressão é outro instrumento das elites opressoras, que
recorrem a formas focalistas de acção que dificultam a percepção crítica da
realidade, procurando manter o seu status quo. Na união para a libertação, em
oposição ao dividir para manter a opressão, a liderança deve obrigar-se à
procura da união dos oprimidos entre si e com ela para a libertação, visto que
a acção unificadora é indispensável à prática libertadora.
A manipulação é referida pelo autor como outro instrumento de manutenção da
opressão que leva à massificação, que anestesia as massas para não pensarem,
pois ao pensarem ganham «consciência revolucionária ou consciência de classe»
(p. 146) que gera a procura incessante pela libertação. Sobre a organização, em
oposição à manipulação, o autor refere que, ao procurar a unidade, a liderança
já se encontra a efectuar a organização das massas populares. Segundo Paulo
Freire, a organização é um momento altamente pedagógico em que a liderança e o
povo fazem juntos o aprendizado da autoridade e da liberdade verdadeiras que
ambos como um só procuram instaurar com a transformação da realidade que os
mediatiza.
A invasão cultural, caracterizada por manipulação de conquista, é também uma
acção antidialógica, alienante e uma forma de dominar cultural e
economicamente, procurando incutir a inferioridade intrínseca nos invadidos.
Sobre a síntese cultural, em oposição à invasão cultural, o autor refere que
toda a acção cultural é uma forma sistematizada e deliberada de acção que
incide sobre a estrutura social para mantê-la ou transformá-la, constituindo-se
na dialeticidade «permanência-mudança» (p. 179).
Em conclusão, esta obra de Paulo Freire é um trabalho de conscientização,
recomendado a todos os homens e mulheres que se preocupam com a sua existência,
e a todos os educadores em particular, pois tem um carácter político na medida
em que, fazendo uma abordagem à valência emancipatória da educação enquanto
instrumento de libertação de consciências e da necessidade da actuação do homem
na sua própria existência, afirma que não é suficiente que o oprimido tenha
consciência crítica da opressão, mas que se disponha a transformar a realidade.
A educação problematizadora caracteriza-se pela intencionalidade, afirmando e
fundamentando que alfabetizar é conscientizar, enquanto capacidade de admirar,
objectivar, desmistificar e criticar a realidade envolvente do mundo no qual o
homem ao descobrir-se seu construtor descobre-se sujeito da cultura e como tal
se afirma como sujeito livre contra qualquer regime de dominação que visa a
massificação, numa luta pela transformação e conquista e efectivação da sua
liberdade alcançada pela práxis.
Arlinda Cabral
Revista Lusófona de Educação
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