Revolução e Utopia. Um programa de acção no campo educativo para uma sociedade
a caminho do socialismo - Portugal 1975
Revolução e Utopia. Um programa de acção no campo educativo para uma sociedade
a caminho do socialismo - Portugal 1975
António Teodoro
*
Quando, em 1977, preparava a edição de um livro sobre os programas de educação
dos seis Governos provisórios, foi-me facultado pelo António Manuel Hespanha um
documento que as contingências da revolução não permitiram que tivesse sido
divulgado no seu tempo. Tratava-se nada mais nada menos do que o programa de
acção do Ministério da Educação e Investigação Científica (MEIC) do IV Governo
provisório, discutido e aprovado em sucessivas reuniões do Conselho de
Directores-Gerais, entre Abril e Maio de 1975.
À época, onde as reuniões se multiplicavam a um ritmo estonteante, o centro
nevrálgico de decisão colectiva do MEIC situava-se no Conselho de Directores-
Gerais, que, sob a direcção dos Secretários de Estado - e raramente do
Ministro, major José Emílio da Silva -, reunia com uma periodicidade quase
semanal todos os responsáveis pelas direcções-gerais ou organismos equiparados
do Ministério. Foi o Conselho que discutiu e elaborou esse programa de acção,
no contexto das novas orientações traçadas para todos os domínios da actividade
governativa após o 11 de Março de 1975, onde o objectivo da construção de uma
sociedade socialista se colocara como o rumo da revolução portuguesa
**
.
Na elaboração e discussão desse programa de acção participaram, entre outros,
Rui Grácio, Avelãs Nunes e Fonseca Almeida, respectivamente Secretários de
Estado da Orientação Pedagógica, do Ensino Superior e Investigação Científica e
da Administração Escolar, bem como Rogério Fernandes, Raul Gomes, António
Hespanha - que fora o relator geral do documento, António Brotas e Manuela
Silva, responsáveis pelas Direcções-Gerais dos Ensinos Básico, Secundário e
Superior, pelo Gabinete de Estudos e Planeamento e pelo Instituto de Tecnologia
Educativa. O programa incluía também um capítulo sobre cultura física e
desporto escolar, cujo projecto fora elaborado por Alfredo Melo de Carvalho,
então Director-Geral dos Desportos, mas cujo texto não consegui ainda
recuperar.
Razões de ordem editorial não me permitiram, em 1977, publicar esse documento,
fundamental para uma compreensão dos projectos e propósitos da revolução
portuguesa no campo da educação nesse seu período crítico entre o 11 de Março e
o Verão quente de 1975. Depois de uma primeira divulgação no Encontro Ibérico
de História da Educação que debateu as transições democráticas de Portugal e
Espanha (Castelo Branco, 2005), (re)publica-se agora um texto marcante da
história da educação em Portugal.
Programa de acção do Ministério da Educação e Investigação Científica (MEIC) do
IV Governo Provisório
1.
As tarefas do ensino estão entre as tarefas prioritárias da revolução
portuguesa. Neste sentido elas têm, por um lado, que ser decididamente
assumidas por todas as forças progressistas e patrióticas e, por outro lado, só
se justificam se se enquadrarem claramente na estratégia revolucionária
estabelecida no programa do Movimento das Forças Armadas, cujos objectivos
principais são a instauração de uma sociedade socialista e o reforço da
independência nacional, através da mais ampla participação e organização das
massas populares.
De facto, a Escola não pode continuar isolada dos problemas concretos que se
põem à sociedade portuguesa, dedicada a um saber desenraizado das novas
necessidades históricas ou ocupada em debates ideológicos estéreis e fechada
aos filhos das classes mais desfavorecidas. Este último aspecto é, de resto,
fundamental e é de supor que esteja na raiz dos restantes. É uma verdade
gritante que a Escola Portuguesa não tem pertencido e, portanto, não tem
reflectido o povo português. Logo, é uma opção política prioritária abri-la
realmente a todos os portugueses, independentemente do seu poder económico ou
da sua proveniência regional, estabelecendo uma política de discriminação
positiva que favoreça aqueles que, até agora, não tenham tido iguais
oportunidades de a frequentar - as classes trabalhadoras e as populações
não urbanas.
Daqui deriva que o problema do ensino, como questão nacional, diz respeito a
todo o povo português, isto é, tanto àqueles que frequentam a escola como
àqueles que a não frequentam ou que nunca a frequentaram. Diremos mesmo que ele
pertence mais a estes últimos do que aos primeiros, pois são os não
escolarizados os que mais legitimidade têm para, em nome do seu sacrifício,
fazer exigências no que respeita à política da educação. Por isso mesmo é que
se torna indispensável tornar estas massas não escolarizadas conscientes dos
seus direitos cm relação à Escola e comprometê-las decisivamente na nova
política educativa.
2.
São estes os vários sentidos do objectivo número um da política da educação
- a democratização do ensino. Democratizar a escola é, portanto: (a)
abri-la a todas as camadas sociais e regionais, privilegiando, para já, o
acesso à Escola das classes trabalhadoras e das populações rurais, (b) pô-la ao
serviço dos reais interesses do povo português na sua marcha para o socialismo
e para a completa independência nacional e, (c) fazer intervir decisivamente na
elaboração da política escolar todas as entidades interessadas no processo
revolucionário e não apenas a comunidade escolar "corporativa" de
professores e alunos.
3.
Os dois primeiros aspectos da democratização do ensino correspondem a dois
tipos fundamentais do serviço que a Escola pode prestar às grandes tarefas da
construção do socialismo e da independência nacional.
3.l.
Ela deve, em primeiro lugar, colaborar na democratização da própria sociedade,
garantindo a todos iguais oportunidades de acesso ao saber e à cultura e
deixando, portanto, de ser uma das fontes de legitimação das desigualdades
sociais e económicas. O saber, a competência técnica e a cultura têm sido
apenas uma forma de valorizacão pessoal e um dos factores de promoção ou
prestígio sociais. Ponto é que a Escola - lugar onde tais saber,
competência e cultura se adquirem - esteja aberta a todos e não
discrimine, na admissão ou na valorização das pessoas, a partir da sua origem
social ou do poder económico. A efectiva realização de uma completa igualdade
de oportunidade de acesso à Escola obrigará mesmo à introdução de medidas
compensatórias, a todos os níveis, das desvantagens originais das classes
trabalhadoras na actual conjuntura sócio-económica.
Em complemento ao que acaba de se dizer, acrescentaremos que, neste período de
transição em que as tarefas de recuperação para o saber e para a cultura são
ingentes, a Escola não se deve preocupar apenas com aqueles que nela estão
formalmente inscritos. Pelo contrário, ela deve considerar como nela inscrito
todo o povo português, constituindo-se em centro de expansão do saber e da
cultura e auxiliando na tarefa de recuperação de todo o potencial humano que o
funcionamento selectivo e elitista do anterior sistema escolar deixou que se
perdesse. Nesta fase de arranque da nova política de educação em que ainda não
nerá possível escolarizar completamente toda a população portuguesa, recai
sobre os que frequentam as nossas escolas (de todos os níveis de ensino mas,
sobretudo, dos níveis mais elevados) uma grande responsabilidade que é a
contrapartida da situação privilegiada em que se encontram - a
responsabilidade de repartirem pelos seus concidadãos os conhecimentos que
adquirem nas escolas.
3.2.
Um segundo tipo de serviço a prestar pela escola ao povo português consiste na
formação eficaz, adequada e económica dos quadros técnicos e culturais de
diversos níveis de que o país necessita para as tarefas de desenvolvimento
social e económico. Desde a escola primária à universidade deve ficar claro
para todos - estudantes e professores ou investigadores - que a sua
actividade só tem sentido enquanto desembocar na produção de conhecimentos
úteis à sociedade portuguesa. Isto afasta claramente dos objectivos do sistema
escolar português a produção de um saber livresco ou desadaptado à realidade
nacional, a formação enciclopédica ou inadequada a perfis profissionais
concretos, a investigação científica insusceptível de produzir resultados
socialmente úteis. Mas, além de afastar estes objectivos, isto exige um grande
esforço de previsão das necessidades sociais quanto ao potencial humano técnico
ou culturalmente habilitado, bem como uma lúcida planificação dos fluxos de
entrada e de saída do sistema escolar. Ou seja, precisamos de saber, de
antemão, "quais" e "quantos" técnicos precisamos em
cada domínio (melhor ainda, "quando" e "onde") e de
planificar "como" os vamos formar ou reciclar nas escolas. Estes
objectivos de formação dos quadros técnicos necessários ao País insere-se,
obviamente, num projecto político objectivamente contrário ao anterior ao 25 de
Abril, que privilegiava a formação de elites tecnocráticas ao serviço do
sistema económico e cultural do capitalismo português.
3.3.
Dentro deste aspecto da colaboração na constituição do potencial teenológico,
científico e cultural necessário ao País para se desenvolver e conquistar uma
completa independência nacional, deve ainda a escola apoiar_directamente_as
actividades_sociais.
Isto é particularmente importante no domínio do ensino superior, em que escolas
se caracterizam por disporem de grande acumulação de recursos em pessoal
altamente qualificado e em equipamentos científico e tecnológico avançados.
Neste sector é indispensável que as universidades se comprometam claramente em
programas concretos de apoio técnico e cientifico às diversas actividades
sociais, pondo directamente ao serviço do povo português recursos que são seus
e permitindo que se dispense o recurso à importação de tecnologia estrangeira.
Mas também ao nível dos ensinos básico e secundário actividades deste tipo
devem ser encaradas, não só pelos resultados que daí podem ser directamente
obtidos para o conjunto do povo português, mas também pelo valor pedagógico
- para estudantes e professores - do tratalho socialmente útil. A
escola deve ser um local de trabalho; e, embora muito do seu trabalho vise
objectivos mais longínquos, deve procurar criar-se, através deste trabalho mais
concreto e visando objectivos imediatos, uma consciencialização do sentido
social das tarefas escolares de estudantes e professores.
4.
É esta clara definição dos objectivos da escola portuguesa que marca o ponto
fundamental da ruptura com o projecto educativo anterior e que dá unidade e
sentido às medidas parcelares a tomar no domínio da educação durante os
próximos anos. A uma concepção elitista e repressiva ou a um projecto
tecnocrático e consumista nós opomos uma concepção revolucionária da escola
integrada num projecto socialista e revolucionário para o país. É esta leitura
global e orientada pelo objectivo final que tem que ser feita em relação ao
projecto político que agora se apresenta. É ela que nos permitirá encarar de
forma nova medidas porventura já antes anunciadas, mas que se inseriam numa
estratégia totalmente diferente; é ela, por outro lado, que nos permitirá
aceitar os sacrifícios que vamos ter que exigir a estudantes e a professores,
que nos permitirá justificar políticamente os esforços financeiros que teremos
que pedir ao País, que nos dará, finalmente, força para abater as resistências
dos reaccionários, dos imobilistas, dos oportunistas e de todos aqueles que
sempre tiveram a Escola ao seu serviço, sem nunca terem pensado em a servir,
servindo, de par, o povo português.
Um projecto revolucionário não é, porém, um projecto de "terra
queimada" nem um processo de espontaneismo. O êxito de uma revolução
- e não só no plano militar - depende de um rigoroso inventário da
situação, de um avaro aproveitamento dos recursos e das forças já existentes e
de um planeamento preciso das medidas conducentes à vitória. Tudo isto tem que
ser feito também na revolução do ensino onde, dada a grandeza das questões, não
se pode consentir em aventuras que, para além de malbaratarem o dinheiro de
todo um povo, podem sacrificar inutilmente uma geração de estudantes.
5.
Um projecto revolucionário no domínio do ensino tem o seu tempo de gestação e
leva muito tempo a executar plenamente.
5.1.
A fase de gestação termina a sua primeira etapa com a publicação deste
documento. Durante ela se procurou, em primeiro lugar, avançar na desmontagem
do sistema escolar fascista; substituiu-se o sistema de gestão autocrático
herdado do fascismo, por uma gestão paritária que, embora assegurando um grau
de participação desconhecido em qualquer país do mundo, não pode ser
considerada definitiva, nomeadamente porque não assegura suficientemente a
participação do conjunto da população trabalhadora na vida da Escola;
afastaram-se professores comprometidos com o fascismo ou incompetentes ainda
que, neste domínio, a indeterminação e as hesitações do processo político
tenham impedido uma actuação mais decidida do Ministério e levado a processos
espontâneos de "saneamento" por vezes demasiado expeditos e, logo,
errados; modificaram-se profundamente os programas escolares do ensino básico e
secundário, expurgando-os da mundividência reaccionária e encaminhando-os num
sentido progressista; permitiu-se uma vasta reconversão da estrutura curricular
do ensino superior, embora os resultados obtidos devam ser considerados
provisórios e sujeitos à inserção num planeamento global do elenco dos cursos e
dos curricula à luz das necessidades nacionais prioritárias.
5.2.
Mas, para além de se levar a cabo esta série de medidas urgentes de
desfascização do ensino, fez-se uma análise rigorosa da situação existente,
procurando-se avaliar realisticamente as possibilidades de pôr em prática as
medidas projectadas.
Na verdade, quer a concreta situação política em que o País se encontra, quer a
situação presente do próprio sistema escolar têm que ser tidas em conta para a
elaboração de qualquer projecto político sério e condicionam, um e outro,
necessariamente, a execução desse projecto.
6.
No que diz respeito à conjuntura política, ao lado do factor de avanço
constituído pela vontade generalizada de mudar e pela confiança das massas
populares no processo revolucionário encabeçado pelas forças progressistas
civis e militares, existem características susceptíveis de dificultar uma
reforma radical do sistema de ensino.
6.1.
Em primeiro lugar, o ensino, se bem que seja considerado um sector importante,
não é ainda sentido pela generalidade dos portugueses como um sector
prioritário; o que é normal numa socíeclade que foi contemporaneamente
confrontada com problemas como a descolonização, a habitação, a reforma
agrária, o controlo do poder económico. Daí que se assista a um certo arrastar
das situações e que certas medidas de rotura drástica, já tomadas noutros
domínios, não pudessem ainda ser encarados num sector da educação.
6.2.
Em segundo lugar, as escolas são ainda, pela própria proveniência das pessoas
que as frequentam - como estudantes ou professores -, o domínio de um
grupo social privilegiado. Isto torna-as, por um lado, um foco de reacção à
mudança, especialmente se a mudança for no sentido de inverter a situação; por
outro lado, esta mesma origem social privilegiada fez com que nelas se
desconheçam geralmente os problemas reais do povo português; e assim, os que de
boa fé querem servir o interesse deste povo, mostram frequentemente desconhecer
a realidade e adoptam uma estratégia política adequada a uma situação social
que não é a existente nos campos e nas fábricas deste país, mas apenas nos
livros ou na sua imaginação.
A própria estrutura dos cursos e características do ensino reflecte bastante os
desejos de uma classe para quem a educação não visa o aprendizado de coisas
úteis mas uma certa legitimação social de privilégios sociais ou económicos e
para a qual, portanto, a "passagem administrativa" tem sentido como
a avaliação séria do rendimento escolar.
6.3.
A terceira característica imobilista da conjuntura política é a permanência na
sociedade portuguesa em geral e nas escolas muito em particular de uma atitude
de espírito que faz equivaler o progressismo à oposição ao poder constituído;
esta atitude é o resultado de dezenas de anos de luta contra a autocracia
fascista, mas a falta de um reexame de estratégia numa fase política totalmente
diferente origina reivindicações de autonomia escolar inadmissíveis perante um
poder democrático e progressista.
6.4.
Finalmente, e um pouco em consequência de todos os traços conjunturais antes
descritos, manifesta-se nas escolas - sobretudo nos ensinos secundário e
superior - um estado generalizado de anarquia que gera o cansaço e a
desmobilização de estudantes e professores, para além de comprometer toda a
rentabilidade do trabalho escolar; poder-se-á mesmo dizer que esta situação tem
significativamente permitido a continuação do ócio e da irresponsabilidade
características da escola fascista.
6.5.
A indecisão descrita em primeiro lugar não tem fornecido ao Governo a força
política para acabar com este estado de execução do projecto político agora
enunciado.
6.6.
De resto, é preciso ter consciência - e esta é outra nota de orientação
política - de que o alarme existente, dentro e fora da escola, pela
"agudização do problema do ensino" tem um aspecto classista bem
marcado: o problema do ensino não se agudizou senão para os que têm estado mais
ligados à escola e que da escola colhiam vantagens e privilégios, não para
aqueles que dela têm estado sempre ausentes, por as suas portas nunca se lhes
terem aberto; para estes últimos, a "questão escolar" é ainda uma
questão "dos outros". Do mesmo modo, quem se alarma com a real
perturbação do sistema escolar ocasionada pelas profundas mudanças
experimentadas no país e com as consequências que daí advêm à preparação dos
filhos, ainda que se tenha alarmado com a falsa paz escolar do sistema
fascista, de certo não se alarmou no mesmo grau com o facto de haver centenas
de milhar de portugueses que, se se perturbam, é com o facto de os seus filhos
nunca terem podido ir à escola.
Assim, embora se esteja consciente de que existe um "problema
escolar", ele é diferente daquele que sentem muitos estudantes, pais e
educadores. O problema escolar número um é um eventual prejuízo advindo aos
actuais estudantes pelo mau funcionamento da escola; o problema escolar número
um é o dos prejuízos advindos a gerações de portugueses das classes mais
desfavorecidas pelo facto de, para eles, nunca ter havido escola nenhuma, nem
boa nem má. É nesta dissonância quanto ao que é o "problema
escolar" que vão residir as dificuldades de o resolver; é que a sua
solução progressista vai ter que desagradar necessariamente a muitos dos que
estão na escola e que, no conjunto da sociedade portuguesa, representam grupos
privilegiados.
7.
A análise da conjuntura não deve, porém, limitar-se aos aspectos políticos,
pois também nos aspectos institucionais, administrativos e financeiros há
características que condicionam a natureza e a eficácia das medidas de curto
prazo.
7.1.
No ponto de vista institucional e administrativo ressalta, em primeiro lugar, o
peso da máquina burocrática e a lentidão do seu funcionamento. Contribui para
isto, desde logo, a existência de uma forte tendência centralizadora que, longe
de ser unicamente motivada por uma decisão política nesse sentido, tem também
origem na fragilidade e incapacidade dos órgãos periféricos e, sobretudo, na
inexistência de um plano político global que oriente a actuação dos órgãos
descentralizados.
Por outro lado, há que considerar a própria dificuldade de os funcionários de
todos os níveis se adaptarem a um novo estilo político e a novos métodos de
trabalho, obstáculo a que acresce a própria impreparação específica das pessoas
recém-chegadas, durante toda a sua vida marginalizadas dos centros de decisão e
isoladas dos aspectos concretos da política de ensino.
Por fim, a própria organização administrativa e financeira está feita em moldes
antiquados ou desadaptados em relação às necessidades da administração escolar,
com a agravante de que, muitas vezes, o remédio para este estado de coisas tem
que ser encontrado no âmbito de soluções aplicáveis a toda a administração
pública.
7.2.
Para além desta primeira característica, nota-se, em segundo lugar, um
deficiente sistema de comunicação mútua entre o Ministério e as Escolas, por um
lado, e este conjunto e o público, por outro; os canais por onde a informação
deveria circular estão entupidos ou são mal usados e isto leva a desencontros e
mal entendidos responsáveis por um clima de incompreensões e de hostilidade
realmente existente. Este estado de coisas é agravado pela clivagem existente
entre o sector pedagógico e o sector administrativo que faz com que quem cura
dos fins se alheia frequentemente do problema dos meios.
7.3.
Por outro lado, a grande sobrecarga de trabalho nos centros de decisão,
proveniente das características citadas em primeiro lugar - e agravada
pelo hábito generalizado de, por tudo e por nada, se recorrerem ás últimas
instâncias, queimando as etapas intermédias - , acaba por os mergulhar numa
multidão de pequenos problemas e de os tornar inoperacionais para as decisões
que verdadeiramente lhe competem. Deve deixar-se mesmo bem claro que uma forma
de boicotar o trabalho da administração, por vezes conscientemente usada, tem
sido a de recorrer permanentemente às instâncias superiores,
"exigindo" entrevistas, promovendo manifestações, marcando prazos
da resolação dos problemas, etc.
7.4.
Encarando agora a conjuntura do ponto de vista financeiro e de recursos humanos
e materiais, a sua característica mais relevante é a impossibilidade de
aumentar vultuosamente as despesas da educação, pelo menos enquanto não se
racionalizar o que se tem e se não fizer um esforço decidido no sentido de
economizar. As necessidades do país são muitas e não há dúvida de que os
créditos concedidos à educação não podem deixar de estar inseridos numa escala
de prioridades.
7.5.
Mas, para além dos créditos orçamentais, há outras necessidades que, de
momento, não têm resposta capaz. Uma delas é a necessidade de docentes
qualificados a qualquer dos níveis.
A nível do ensino pré-primário, quase se pode dizer que, existindo apenas
instituições privadas, o potencial docente existente é quase nulo.
Se o ensino primário goza de uma situação mais desafogada no que diz respeito à
quantidade de docentes disponível (embora subsista o problema de qualidade), já
os níveis preparatório e secundário têm os problemas agudíssimos, não só pelo
número insuficiente de professores, como também pela sua deficiente formação
(já que cerca de 70% dos existentes não têm habilitações completas ou
adequadas).
No ensino superior, a situação é muito grave no domínio das ciências sociais,
das artes e das letras, onde se fez sentir duramente o peso da repressão
fascista; já no domínio das ciências exactas e naturais, bem como no das
tecnologias, o problema existente é mais o do baixo rendimento do corpo
docente, causado pela dispersão profissional e pelo absentismo; medidas de
rigor neste domínio poderão, portanto, melhorar a situação.
7.6.
Finalmente, outro obstáculo não menos grave, em todos os níveis de ensino, é a
deficiência de instalações e a própria incapacidade da indústria nacional de
construção para responder, a curto prazo, às exigências de expansão da rede
física escolar. Ao nível do ensino superior isto agrava-se pela complexidade
relativa dos edifícios a construir, muitas vezes insusceptíveis de uma
tipologia rigorosa, e pelo seu preço elevado.
Também no domínio do equipamento escolar se manifestam [...]
1
8.
Democratização da escola
Democratizar a Escola não consiste apenas no seu alargamento a todas as classes
sociais, mesmo que sejam criadas as condições materiais para que todas a
frequentam em igualdade de oportunidades.
A Escola foi um dos bastiões do aparelho de Estado capitalista, local
privilegiado da veiculação de ideologia burguesa e de aculturação das classes
exploradas por parte da classe dominante.
Não se poderá portanto resumir a democratização a proporcionar um mais amplo
acesso às camadas mais desfavorecidas, já que esse acesso ir-se-ia processar em
relação a uma Escola ainda ideologicamente dominada pelas estruturas típicas do
modo de produção capitalista.
Democratizar terá, assim, que significar, prioritariamente, colocar a Escola ao
serviço da estruturação da sociedade socialista, no contexto do actual processo
revolucionário.
Tal só será possível, porém, num fazamento correcto com o processo global do
avanço revolucionário e, logo, as medidas que neste sentido possam ser tomadas
por agora, terão que necessariamente perspectivar-se em termos tendenciais e
englobando contradições inultrapassáveis desta fase de transição que o País
vive actualmente.
Se não existem, objectivamente, neste momento, condições para a edificação de
uma Escola realmente socialista no seio de uma sociedade que ainda não o é,
existem, porém, condições objectivas que possibilitam desde já a gradual
inserção da Escola no processo evolutivo revolucionário que se vive em
Portugal.
Dentro desta perspectiva são essenciais para a orientação revolucionária da
Escola na via da construção do socialismo os seguintes pontos:
- A prática social como condição fundamental para a correcta formação de
consciência social do aluno.
- Uma educação que consciencialize o aluno de que o seu trabalho é socialmente
útil e que se produz um valor social.
- A formação de crianças e do jovem directamente integrada na produção através
da combinação adequada ao estudo com o trabalho produtivo.
- A integração cada vez maior entre trabalho intelectual e trabalho manual. A
educação realiza-se, antes de tudo, através do trabalho físico quando
directamente ligado ao pensamento, à iniciativa pessoal e à integração na
tarefa colectiva vivida em comum.
- A interligação entre os planos de desenvolvimento nacional e regional como
uma das formas de consolidar a pedagogia socialista, a ligação da Escola com as
necessidades de desenvolvimento do País será o meio mais correcto de promover a
sua profunda transformação.
- O desenvolvimento da consciência responsável da criança e do jovem, numa
verificação constante de que o próprio processo educativo é o resulatdo do
sacrifício diário realizado pelas massas trabalhadoras para conquistarem os
meios indispensáveis ao seu funcionamento.
É dentro destas perspectivas que se deve inserir a real democratização da
Escola Portuguesa em ordem à constituição de uma verdadeira pedagogia
socialista (V. cap. inovação pedagógica).
Haja em vista, porém, que se a democratização do acesso à Escola é uma parte,
apenas, do processo global da democratização do ensino, não deixa de ser um dos
objectivos prioritários na nova política de educação.
A criação de possibilidade de acesso de todos aos diferentes graus do sistema
educativo é todavia uma tarefa demorada, que envolve várias frentes de luta e
que se tem de desenvolver em várias etapas. Nem todas as medidas visando este
objectivo pertencem ao MEIC; algumas competirão a outros departamentos
estatais, já que a criação de igualdade de oportunidades de acesso ao ensino
envolve questões económicas de base, de saúde, de alimentação, de habitação, de
transportes, etc.
No que diz respeito a medidas que possam ser tomadas pelo MEIC, a criação de
uma real igualdade de oportunidade no domínio da educação exige, desde logo, a
abertura de um número de escolas suficiente para albergar o número existente de
estudantes, a sua adequada distribuição pelo território nacional, uma rede
adequada de transportes.
A organização de campanhas de alfabetização e educação de base, a criação de
cursos especiais para crianças atrasadas ou sub-normais, a criação de condições
de apoio aos alunos mais necessitados são outras medidas indispensáveis à
criação de condições igualitárias perante a Escola.
Por outro lado, o sistema escolar deve estar organizado de modo a não influir
vias "privilegiadas" e vias "humildes" de acesso à
educação e à cultura pois, deste modo, se criariam dentro do próprio sistemas
de ensino discriminações que jogariam inexoravelmente em desfavor dos
estudantes das classes exploradas.
O estabelecimento da igualdade de oportunidades de acesso ao ensino básico e a
generalização completa deste nível de ensino a todos os Portugueses é o
objectivo mais urgente, neste domínio, pois dele depende o estabelecimento
dessa igualdade em relação a outros níveis de ensino. É, todavia, no ensino
supeior que a discriminação social é mais gritante; por isso, a este nível, a
criação de iguais condições de acesso impõe a adopção de uma estratégia
compensatória que favoreça os estudantes provenientes das classes
trabalhadoras.
Finalmente, não poderá um político consequente de educação quedar-se passivo
perante os níveis etários anteriores à entrada da Escola. Uma larga acção
deverá ser levada a cabo neste campo, ao nível do lançamento de um sistema de
educação pré-escolar, de actividades de animação socio-cultural e desportivas
que impeçam que a "igualdade de oportunidades" se torne expressão
vazia de conteúdo.
Para todo este processo de democratização torna-se absolutamente indispensável
uma ampla participação das organizações populares, sindicais, recreativas,
etc., como forma de integrar a escola no âmbito da comunidade, o que envolverá
necessariamente uma cada vez maior descentralização dos órgãos administrativos
a uma democratização progressia do modo de funcionamento do MEIC.
9.
Inovação pedagógica
A Escola Portuguesa - qualquer que seja o grau de ensino considerado
- tem sido a escola da burguesia. Esta situação provocada pela origem de
classe dos que a dirigem e, sobretudo nos graus superiores, também dos que a
frequentam, - caracteriza-se não só pelos quadros ideológicos nela
veiculados, como também pelo tipo de "capacidades", de
"saber" e de "cultura" que nela são valorizados.
O conteúdo político-ideológico reaccionário dos programas escolares do fascismo
está bem estudado e têm sido tomadas medidas decididas para, a todos os níveis
de ensino, se operar uma profunda alteração neste domínio através do completo
refazimento dos programas escolares num sentido progressista.
Todavia, a renovação pedagógica tem que ir mais além e focar as estruturas
profundas da acção pedagógica, onde a mundivivência burguesa pode sobreviver a
qualquer modificação dos conteúdos de ensino. Estas estruturas têm que ver,
nomeadamente, com o modo como a prática pedagógica se relaciona com práticas
várias de outro nível e com a função social da escola (n)uma sociedade global.
Neste domínio, a escola vivia, em Portugal, numa rigorosa separação com o mundo
do trabalho manual, e cultivando, em consequência, um estilo pedagógico
livresco, em que a valorização da experiência era privilegiada em relação à
própria experiência; tudo isto, além de traduzir a origem social dos que
dominavam no ensino, traía a função ideológica da escola, que era a de
marginalizar socialmente todos aqueles que, pelas condições em que viviam e
pela sua prática quotidiana, vivessem num meio económico e sócio-cultural
diferente do veiculado pela escola.
Assim - a par de grandes esforços tendentes a promover o acesso ao ensino
de qualquer dos níveis dos filhos das classes mais desfavorecidas (v. capítulo
referente a democratização do ensino), - deverá fomentar-se uma ligação
íntima do ensino à prática produtiva, pois é por aqui que passa qualquer
modificação profunda da prática pedagógica.
Esta conseguir-se-á, nomeadamente, pela inclusão nos programas de ensino de
actividades produtivas concretas, realizadas em locais e circunstãncias de
trabalho idênticas aos vividos pelos trabalhadores, salvaguardada embora a sua
adequação ao nível de ensino em que tais actividades se inserem, ao
desenvolvimento físico e psíquico dos estudantes e às características do
restante trabalho escolar.
Isto leva a que os programas, os métodos e os conteúdos de ensino, bem como os
métodos de avaliar o rendimento escolar, tenham que ser profundamente
alterados. Todavia, toda esta revolução pedagógica não pode ser abandonada ao
espontaneísmo ou ao empirismo; pelo contrário - e por que se trata de uma
mudança de importância decisiva - ela tem que ser cuidadosamente
conduzida por uma análise teórica rigorosa no enquadramento doutrinal e
rigorosa na definição das condições concretas da Escola em Portugal.
Por outro lado, quer os programas escolares quer os esquemas de avaliação do
trabalho do estudante[...]
2
Mas pode ainda ser estudado por outras formas, desde a inclusão de actividades
de trabalho manual paralelas às actividades de cariz mais intelectual até à
inserção em zonas charneira da formação dos estudantes de períodos de serviço
cívico, durante os quais o estudante possa viver os problemas da sociedade em
que está inserido, adquirir - através desta vivência - o
enriquecimento ideológico necessário a qualquer quadro dessa sociedade
socialista e, principalmente, contribuir com o seu trabalho para a solução de
problemas nacionais.
Esta orientação pedagógica forçará evidentemente a unificação do ensino
secundário (de resto exigida por objectivos de outra ordem - v. capítulo
referente à democratização do ensino), num tronco comum onde as preocupações de
formação profissional serão muito marcadas pelo menos na sua fase final.
Por isso, constitui um objectivo prioritário a criação de centros de reflexão
teórica sobre pedagogia que, ao mesmo tempo, possam dar apoio à formação de
professores e à própria actividade concreta das escolas. Esta estreita ligação
entre a reflexão teórica, a formação de docentes e, nomeadamente o apoio
pedagógico às escolas é, de resto, uma forma adequada de manter a teorização
fortemente ligada às condições concretas da escola em Portugal.
Estes Centros poderão ser institucionalizados como departamentos de ciências da
educação integrados nas universidades ou como centros regionais de apoio
pedagógico, ligados às Direcções-Gerais pedagógicas e possivelmente aos centros
periféricos da Universidade Aberta.
Será a partir destes centros e, afinal a partir de um centro nacional de
investigação pedagógica (o em tempos projectado Instituto Nacional de Pedagogia
ou mesmo o GEP, se as suas funções pudessem ser redefinidas) que se apoiarão e
realizarão as experiências de inovação pedagógica.
A formação inicial ou recorrente de professores, nomeadamente para os ensinos
básicos e secundário é - ligado ao que se diz - tarefa de primeira
prioridade. Não só porque há um déficit de quadros docentes, absoluto no ensino
infantil, muito nítido nos ensinos preparatório e secundário (que se agravará
com o aumento da escolaridade obrigatória), mas também por que a formação, quer
científica, quer pedagógica, dos professores em exercício é insuficiente.
Neste domínio o MEIC propõe uma integração mais perfeita da formação pedagógica
e da formação científica, da teoria e da prática pedagógica, que possibilitará,
que além de uma melhor preparação para as funções docentes, um eventual
[encurtamento] dos cursos.
No domínio específico da preparação dos professores do ensino infantil terá
possivelmente de se criar fórmulas de emergência e mais expeditas de formação
de docentes; o mesmo valendo, naturalmente, para a formação de alfabetizadores
de adultos e de animadores culturais. No domínio do ensino superior, a urgente
necessidade de formação de professores (e não de investigadores
subsidiariamente professores) obrigará, por um lado, a fomentar cursos de pós-
graduação visando a formação de docentes e, por outro, a destacar nestes cursos
os aspectos propriamente pedagógicos (o que obrigará, evidentemente, a criar
hábitos de reflexão pedagógica orientados para o ensino superior).
Clato tem que também ficar que a Escola não vive voltada sobre si mesma, mas
que - numa sociedade socialista - tem uma indispensável missão
social a cumprir; a de dotar o país com os quadros políticos e técnicos de que
ele necessita (v. capítulo r/ escola e comunidade). Isto, que é importante em
qualquer país, é-o ainda mais no nosso a braços com uma marcada dependência
técnica e científica e sujeita a boicotes internacionais. Nestes termos,
consentir que a Escola não funcione em termos de não poder cumprir a sua missão
formadora ou funcione sem poder garantir a qualidade dos quadros que forma é
consentir na deserção ou na traição em relação a objectivos supremos da
revolução portuguesa. Deste modo, o Ministério não poderá permitir uma
progressiva degradação do rendimento efectivo do ensino, pois qualquer equívoco
que, em sistema capitalista, possa haver sobre a função da selecção escolar não
tem razão de ser num sistema socialista.
10.
Integração esola-comunidade
O processo educativo deve visar a criação de um homem novo, estruturalmente
democrata e socialista, disposto a integrar o seu projecto de vida num projecto
global da comunidade, através da sua participação responsável e livre na
construção da mesma comunidade e intervenção no processo histórico.
Para tanto há que assegurar a presença permanente no trabalho escolar da ideia
de serviço à colectividade. A educação deve, portanto, assentar no
reconhecimento para a criança ou para o jovem, de que o seu trabalho é
socialmente útil. Deste modo, a interligação entre os planos de desenvolvimento
nacional ou regional e a actividade escolar, para além de servir as próprias
tarefas do desenvolvimento, constitui umas das formas de consolidar a pedagogia
socialista - a ligação da escola com as necessidades de desenvolvimento
do País será, assim, o meio mais correcto de promover a sua transformação.
Por outro lado, o compromisso da Escola com tarefas produtivas socialmente
úteis representa um importante passo na luta contra a segregação entre o
trabalho intelectual e o trabalho manual, segregação que está na origem de toda
uma série de discriminações sociais e culturais incompatíveis com o nosso
projecto social.
Por último, não pode a escola deixar de situar-se no processo de mudança
permanente que caracteriza as sociedades contemporãneas e que leva a considerar
a escola não como local onde se transmite às jovens gerações um saber acabado
mas um local privilegiado de formação dos indivíduos para a mudança ao longo de
toda a sua vida e não somente na infância ou adolescência. No momento que o
País atravessa, tal tarefa é de imensa importância, já que a sociedade
portuguesa entrou em processo de mudança particularmente acelerado, já que do
passado recebemos a herança de uma grande maioria de população adulta
desprovida de formação básica e profissional adequadas.
Todavia, e uma vez que os aspectos pedagógicos da nova política de educação
estão tratados noutro capítulo, não se insistirá mais no alacance pedagógico
duma mais funda integração da acção educativa nas tarefas produtivas da
colectividade. O que se dirá em seguida refere-se, antes, ao modo como a escola
deve assumir o compromisso com essas tarefas.
Uma das censuras mais justamente feitas à Escola portuguesa é a de que esta se
desinteressou do que se passava à sua volta e, concretamente, do destino da
sociedade em que estava inserida. E, na verdade, a sua acção pouco tem tido que
ver com o progresso social e económico da sociedade portuguesa: tem visado,
sobretudo, a promoção individualista dos que a frequentam, não principalmente
através do fornecimento de saberes socialmente úteis, mas antes através da
atribuição de títulos académicos formais que, na nossa sociedade estratificada,
eram chaves seguras de prestígio e de promoção social, e meio reprodutor dos
mecanismos sociais vigentes.
Numa situação revolucionária, em que cada um tem que construir, dia a dia e com
actos concretos, o futuro do país, a função da escola tem que ser a de
colaborar, ela também, duma forma concreta, nessa construção: (a) dando aos
cidadãos a formação técnica e cultural de que eles necessitam para, nos
sectores de actividade a que sejam chamados, desempenharem de forma competente
e esclarecida as tarefas que lhe sejam exigidas e intervirem de forma
progressista no processo histórico; (b) integrando os seus planos de
actividades (pedagógica, científica e cultural) nos planos concretos de
desenvolvimento do país, constituindo-se em centros de produção ao serviço de
necessidades colectivas; (c) contribuindo, explicitamente, com o seu trabalho
teórico, para a formação duma cultura revolucionária.
A preocupação de proporcionar um saber útil, adeuado à formação de cidadãos
aptos a desempenhar funções socialmente úteis, deve ser o objectivo
predominante do sistema de ensino dos níveis secundário e superior.
No ensino secundário, a vocação profissional que até agora era exclusiva de um
dos seus ramos (o ensino técnico profissional) deve dominar todo o ciclo
terminal integrado. Com este ciclo terminal de vocação profissional se dará ao
ensino secundário o sentido prático-profissional que até agora, em geral, não
tinha e se promoverá a formação dos técnicos médios de que o país urgentemente
carece. Por outro lado, possibilita-se a integração mais precoce dos jovens no
processo produtivo.
No domínio do ensino superior o sentido profissionalizante obrigará,
nomeadamente, à revisão do elenco da estrutura dos currículos e dos métodos
pedagógicos, de modo a que estes assegurem não um saber académico socialmente
descomprometido mas uma formação adequada, económica e eficaz dos quadros
políticos e técnicos necessários ao país, objecto que deve constituir uma das
finalidades primárias do sistema de ensino de nível superior. Neste particular,
é de realçar a necessidade de promover ciclos curtos de ensino superior através
dos quais se possam formar, de modo suficiente e mais económico, uma larga
série dos quadros de que o país necessita; terá aqui um papel fundamental o
ensino à distância que permitirá a formação inicial ou recorrente de pessoas já
comprometidas no trabalho produtivo, e a sua valorização técnico-profissional.
Mas, para além do seu papel no domínio do ensino formal, as escolas devem
colaborar decididamente na constituição de um eficaz sistema de ensino não
formal, já que elas dispõem - especialmente as de nível superior -
de um grande potencial em meios humanos tecnicamente qualificados. Assim, deve
ser um objecto fundamental da nova política educativa lançar uma vasta campanha
de ensino profissional não formal, nomeadamente pela criação de centros de
formação profissional e intervenção cultural nos locais de trabalho, com o
apoio das escolas e em ligação com os centros de formação profissional do
Ministério do Trabalho e de outros organismos estaduais, programa que exigiria,
eventualmente, um regime especial de trabalho para os trabalhadores estudantes.
Estas tarefas de educação não formal de instrução profissional - a que
acrescentamos a alafabetização e educação de base, bem como todas as outras
iniciativas no domínio da reciclagem e da extensão escolar - devem ser,
nas circunstâncias presentes, um objectivo prioritário, dado, por um lado, a
urgência da formação de um potencial tecnológico que nos permitia construir o
socialismo e a independência nacional e, por outro, a justiça que representa a
recuperação e valorização social dos cidadãos sacrificados pelo funcionamento
elitista do sistema escolar fascista.
Pondere-se, todavia, que a actual imagem social e a própria prática pedagógica
da escola podem ser um obstáculo importante à sua colaboração no ensino não
formal. Na verdade, o ensino formal tem, em Portugal, uma imagem pública que o
dá como algo de livresco e abstracto, desligado dos problemas concretos da
profissão e da sociedade; por outro lado, a própria prática pedagógica
tradicional tem andado tão fastada das situações sociais e profissionais
concretas que é de temer que se não saiba adequar a uma nova e mais dinâmica
inserção social.
Há que criar condições para uma convergência de esforços das várias instâncias
que têm desenvolvido acções mais ou menos dispersas nestes domínios e bem assim
que conjugar as acções a desenvolver com as potencialidades dos meios de
comunicação de massas, nomeadamente a rádio e a TV, definindo prioridades
quanto à natureza dos processos educativos e aos sectores populacionais a que
se dirige.
No que diz respeito à colaboração directa da escola na resolução das tarefas do
desenvolvimento nacional é necessário, desde logo, que os problemas concretos
da colectividade nacional ou regional constituam os temas de arranque dos
programas pedagógicos e que da acção educativa façam parte integrante programas
de serviço à comunidade.
Mas, para além disso, a própria actividade de investigação científica deve ser
profundamente remodelada, assinando-lhe objectivos perfeitamente coincidentes
com os objectivos de desenvolvimento do país. Para isso, o IAC será extinto e
criado o Instituto Nacional de Investigação para o Desenvolvimento (INID), cuja
tarefa será a de coordenar as actividades de investigação e perspectivá-las em
função de planos concretos de desenvolvimento para o país, procurando deste
modo abater as barreiras entre a investigação fundamental e e investigação
aplicada.
Finalmente, é preciso comprometer as escolas no próprio processo produtivo.
Muitos dos nossos estabelecimentos de ensino dispõem de meios humanos e de
equipamento que lhes permite colaborar, produzindo ou dirigindo a produção, na
construção do socialismo. O lançamento de programas e de produção de bens ou
serviços - nas quais participam equipas de professores e alunos -
está particularmente facilitado em certos ramos do ensino superior -
engenharia, agronomia, arquitectura, economia, etc. A institucionalização de
"Projectos de Produção", dando também origem a financiamento
específico, permitirá o apoio do Ministério da Educação Cultura (eventualmente
de outros departamentos estaduais ou entidades públicas) às actividades
produtivas das escolas. Numa fase imediata, parece possível pôr as escolas a
colaborar na produção de infraestruturas educativas (realizando projectos de
instalações escolares e na fiscalização das respectivas obras, produzindo
material didáctico de precisão. Projectando mobiliário escolar, etc.). Para
isto se criará imediatamente um grupo de trabalho interdepartamental
encarregado de inventariar os projectos de produção do Ministério de Educação e
Cultura que possam ser entregues à realização das escolas.
Este objectivo de comprometer as escolas na batalha da produção é de realização
mais evidente no que diz respeito às escolas de tecnologia (engenharia,
agronomia, farmácia, ciência, arquitectura, design), mas ele é extensível a
outras escolas que poderão produzir serviços no domínio da sua especialidade
- campanhas sanitárias, campanhas de alfabetização, inventariação de
arquivos, campanhas de educação artística, etc.
O lançamento de actividades deste tipo permitirá, de resto, dar uma outra
dimensão ao serviço cívico estudantil, pois aumenta a sua capacidade de
realização, e integrá-lo mais profundamente na actividade da escola. Ter-se-á
então posto em marcha um verdadeiro "serviço cívico escolar".
Ainda dentro deste objectivo geral, o potencial humano e material das escolas
deve considerar-se ao serviço da comunidade, de modo a tornar normal a
utilização das instalações e equipamentos escolares para actividades de
extensão escolar (cursos intensivos de férias, cursos nocturnos, apoio de
programas de ensino à distãncia), de animação socio-cultural ou de apoio
científico ou tecnológico à colectividade, bem como para actividades
comunitárias de carácter não escolar.
O último aspecto da integração da Escola-Comunidade é o da integração da acção
educativa da escola na formação de uma cultura progressita.
Merecem, neste domínio, realce os programas de integração dos estudantes nos
problemas nacionais por que passa a construção do socialismo. Entre eles se
destaca o "serviço cívico estudantil", cuja organização deve ser
fortemente reforçada, de modo a poder transformá-lo num poderoso meio de
consciencialização das massas estudantis.
Mas todas as outras formas de tornar efectiva a presença da comunidade na
actividade pedagógica da escola devem ser incentivadas, como processo de ligar
profundamente a cultura "da escola" à cultura "da
vida".
11.
Regionalização do ensino
As medidas a tomar na regionalização do ensino poderão ser enquadradas em duas
perspectivas diferentes, embora complementares. A primeira diz respeito à
incidência regional da estrutura e dos conteúdos dos vários graus de ensino e à
sua integração com os condicionalismos locais. Isto é, diversificar o ensino
consoante as necessidades das comunidades onde este se encontra implantado,
procurando dar respostas adequadas à diversidade dos problemas.
A segunda perspectiva refere-se ao modo como essa mesma adequação pode ser
suscitada e comandada pelas próprias regiões. Como fomentar a participação
crescente das comunidades na discussão e consequente tomada de decisões sobre a
administração do ensino e a sua integração com os costumes, aspirações e
necessidades regionais.
Na conjugação harmónica destas duas perspectivas residirá, em grande parte, a
promoção e responsabilização culturais das populações, que gradualmente serão
chamadas a desempenhar um papel cada vez mais importante na definição do seu
futuro e no dos seus filhos.
Não se devem perder de vista os riscos que uma regionalização com o sentido de
crescente autonomização, a não ser gradual e acompanhada de esclarecimento
cultural e político, poderá trazer para a marcha revolucionária em curso.
No entanto, a manutenção exclusiva de um governo central omnipotente e
absorvente, revolucionário embora, faz correr também o grave risco de
continuarem a não ser tomadas na devida conta os interesses diferenciados das
regiões tradicionalmente negligenciadas, já habituadas a não fazer ouvir a sua
voz ou porque a têm fraca, devido à emigração, ou porque outras vozes mais
próximas dos centros de decisão se fazem ouvir mais alto.
Quanto à incidência regional do conteúdo e finalidades do ensino, as medidas
consideradas como mais importante a curto e médio prazo são:
a) Criação de centros regionais de apoio pedagógico (C.R.A.P,) aos
estabelecimentos de ensino básico e secundário duma região, em estreita ligação
com os centros universitários regionais de formação de professores; estes
centros regionais de apoio pedagógico servirão como unidades de orientação e
serviço e ao mesmo tempo como núcleos de ensino e investigação pedagógica
aplicados. Pensa-se que este será um meio poderoso de permitir que os problemas
regionais do ensino sejam estudados e resolvidos por órgãos adequados e
inseridos no contexto local.
b) Continuação da política de regionalização do ensino superior, integrada nos
planos de ordenamento do território, com o fomento de centros universitários
ligados aos problemas e interesses das comunidades onde se inserem, aos quais
procurarão dar resposta, não só por meio de cursos regulares mas também através
de cursos livres, de extensão universitária, seminários, etc.
c) Lançamento de um programa nacional de ensino superior a distância
(Universidade Aberta), acompanhado da criação de centros regionais, visando a
promoção cultural e profissional das populações, nomeadamente, numa primeira
fase, o aperfeiçoamento dos professores dos ensinos básico e secundário, sem
necessidade do abandono dos seus postos de trabalho.
d) Transformação do ciclo final do ensino secundário numa via de estudos
vocacionais de preparação para a vida activa, que dará acesso tanto aos estudos
superiores como constituirá uma pré-profissionalização para o mundo do
trabalho. Essa via profissionalizante compreenderá um aprendizado quanto
possível adaptado à inserção regional da escola e poderá constituir uma base
importante para a formação de quadros técnicos médios.
No que respeita à participação das regiões e suas comunidades no traçado e
execução da política do ensino pensa-se que ela deva ser parte de um processo
mais geral, que englobe também os sectores da produção e do trabalho, da saúde
e da cultura em geral.
Os avanços neste campo terão de ser graduais e cautelosos, evitando a via dos
organigramas e das estruturas no papel, com poucos apoios concretos. Ao
contrário, deverão criar-se, antes, infraestruturas sociais tais como casas ou
centros de convívio e discussão, de cultura, de desporto, de apoio pedagógico,
aproveitando o que já existe e racionalizando, ampliando, consolidando. Aí se
deverá fomentar o debate dos problemas comunitários e a aculturação das massas
deserdadas culturalmente. Ao desejo de participação crescente deverá seguir-se
a crescente autonomização e responsabilização de órgãos regionais de decisão.
Aqueles centros deverão ser formados com a integração, nomeadamente, das
instalações existentes na rede do Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis, da
Direcção-Geral dos Desportos, do Instituto de Acção Social Escolar, das
Direcções-Gerais pedagógicas e administrativas e do Instituto de Tecnologia
Educativa; e de estruturas a criar para os Centros Regionais de Apoio
Pedagógico e os Centros Regionais da Universidade Aberta.
Espera-se que esta via leve ao termo dos atrasos culturais mais gritantes, ao
fim da colonização do interior pelo litoral, dos campos pelas cidades, à
participação plena das regiões e das comunidades no seu próprio progress.
Notas
1 No original faltam as linhas com que termina este ponto.
2 No original, ilegível a continuação da frase.
*
Coordenador científico da UID Observatório de Políticas de Educação e de
Contextos Educativos, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
Lisboa.
**
Para um debate sobre este período ver outros meus trabalhos anteriores:
Teodoro, A. (1999). Os programas de educação nos Governos provisórios: de uma
intenção de continuidade com a reforma Veiga Simão à elaboração de um programa
para uma sociedade a caminho do socialismo. Educação, Sociedade & Culturas,
11,29-66; Teodoro, A. (2001). A Construção Política da Educação. Estado,
mudança social e políticas educativas no Portugal contemporâneo.Porto: Edições
Afrontamento.
Revista Lusófona de Educação
Centro de Estudos e Intervenção em Educação e Formação (CeiEF)
Avenida do Campo Grande, nº 376
1749-024 Lisboa
revista.lusofona@gmail.com