Intervenções Internacionais
Intervenções Internacionais
Sónia Rodrigues[*]
Mats Berdal e Spyros Economides (eds.), United Nations Interventionism: 1991-
2004
Nova York, Cambridge University Press, 2007, 303 pp.
Em United Nations Interventionism: 1991- -2004 a problemática das intervenções
internacionais é revisitada por Mats Berdal e Spyros Economides, numa edição
composta com o contributo de professores universitários, diplomatas e
funcionários internacionais. Com recurso a oito casos de estudo paradigmáticos
dos anos 1990, os vários autores procuram identificar os principais actores
envolvidos nas respectivas intervenções internacionais, descrever o contexto de
enquadramento específico no terreno ' antes, durante e após a presença das
Nações Unidas ', elucidar sobre o timing nas relações de poder dos actores
internacionais e estabelecer lesson learnings para futuras missões. Enquanto
que os insucessos internacionais na Somália e no Ruanda estabeleceram
constrangimentos empíricos às posteriores intervenções internacionais, o
envolvimento das Nações Unidas em Timor Leste e no Kosovo são considerados
casos de relativo sucesso. Os autores analisam também a incapacidade estrutural
das missões das Nações Unidas em cumprir o ambicioso mandato no Camboja e as
dificuldades internacionais em acompanhar a evolução das relações de poder
intrínsecas ao contexto interno e regional no caso da Serra Leoa. É igualmente
abordada a presença das Nações Unidas na Jugoslávia, e a respectiva coordenação
com as missões da nato e da União Europeia, e no Haiti, através de diversas
configurações institucionais. Na obra são inequívocos os dilemas e os
constrangimentos das intervenções internacionais, na medida em que «para se
fazer a paz tem que se decidir, ou influenciar, quem governa no pós-guerra» e
como o poder é repartido, razão pela qual as partes envolvidas divergem a
priori. Ao nível de sucesso ou de insucesso da intervenção das instituições
internacionais em situações de conflito subjaz uma opção basilar: ou se é
imparcial e se assume o controlo ilimitado, ou se é parcial e a intervenção é
temporalmente limitada. Neste sentido, torna-se prudente não confundir paz com
justiça, uma vez que, empiricamente, o sentido de justiça é sempre
perspectivado pelos vencedores sobres os vencidos através de órbitas distintas.
Os conflitos na Somália, no Ruanda, no Kosovo e em Timor Leste, e as
respectivas reacções internacionais na década de 1990, deram o mote empírico
para a criação e aprovação da doutrina de «responsabilidade em proteger»,
aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2005, mas a realidade
internacional do século xxi remete-a para o (quase) arquivamento histórico.
Jamsheed Marker, Timor-Leste ' Relato das Negociações para a Independência
Lisboa, Instituto Diplomático, 2009, 535 pp.
Escrito pelo representante especial do secretário-geral das Nações Unidas Kofi
Annan ' o diplomata paquistanês Jamsheed Marker ' este livro é um relato
fascinante das negociações entre timorenses, indonésios e portugueses, com a
notável mediação das Nações Unidas, entre Março de 1997 e Outubro de 1999.
Jamsheed Marker combina a descrição meticulosa da evolução das negociações com
apontamentos pessoais sobre os actores políticos envolvidos e a sua percepção
dos cenários envolventes ao processo negocial, nas suas inúmeras viagens entre
Lisboa, Jacarta, Dili, Nova York, Genebra, Pretória e Londres. As memórias do
diplomata sobre as peripécias que envolveram a sua visita a Xanana Gusmão na
prisão de Cipinang, os encontros com Jaime Gama, Jorge Sampaio e António
Guterres, em Lisboa, e com o Presidente Suharto, o ministro dos Negócios
Estrangeiros Ali Alatas ' o «Alex» para os amigos próximos ' e várias patentes
militares indonésias, constituem um testemunho cativante sobre como se
alcançaram os acordos de Maio de 1999. A posterior realização do referendo em
Timor Leste, em Agosto de 1999, e o despoletar da violência pelas milícias
indonésias após a opção favorável à independência, confirmam as expectativas e
os receios deste exímio diplomata paquistanês, que viriam a culminar com o
notável desfecho em Maio de 2002, quando Timor Leste passou a ser Estado-membro
das Nações Unidas. Timor-Leste ' Relato das Negociações para a Independência
poderá ser caracterizado como o livro de bordo do barco que não naufragou e
chegou a bom porto, muito graças à mestria dos seus tripulantes e às favoráveis
condições atmosféricas internacionais.
Lucy Popescu e Carole Seymour-Jones (eds.), Another Sky: Voices of Conscienc e
from around the World
Londres, Profile Books, 2007, 275 pp.
Escrito pelo representante especial do secretário-geral das Nações Unidas Kofi
Annan ' o diplomata paquistanês Jamsheed Marker ' este livro é um relato
fascinante das negociações entre timorenses, indonésios e portugueses, com a
notável mediação das Nações Unidas, entre Março de 1997 e Outubro de 1999.
Jamsheed Marker combina a descrição meticulosa da evolução das negociações com
apontamentos pessoais sobre os actores políticos envolvidos e a sua percepção
dos cenários envolventes ao processo negocial, nas suas inúmeras viagens entre
Lisboa, Jacarta, Dili, Nova York, Genebra, Pretória e Londres. As memórias do
diplomata sobre as peripécias que envolveram a sua visita a Xanana Gusmão na
prisão de Cipinang, os encontros com Jaime Gama, Jorge Sampaio e António
Guterres, em Lisboa, e com o Presidente Suharto, o ministro dos Negócios
Estrangeiros Ali Alatas ' o «Alex» para os amigos próximos ' e várias patentes
militares indonésias, constituem um testemunho cativante sobre como se
alcançaram os acordos de Maio de 1999. A posterior realização do referendo em
Timor Leste, em Agosto de 1999, e o despoletar da violência pelas milícias
indonésias após a opção favorável à independência, confirmam as expectativas e
os receios deste exímio diplomata paquistanês, que viriam a culminar com o
notável desfecho em Maio de 2002, quando Timor Leste passou a ser Estado-membro
das Nações Unidas. Timor-Leste ' Relato das Negociações para a Independência
poderá ser caracterizado como o livro de bordo do barco que não naufragou e
chegou a bom porto, muito graças à mestria dos seus tripulantes e às favoráveis
condições atmosféricas internacionais. Another Sky reúne testemunhos de 49
pessoas, em 27 países, de quatro continentes. O que têm em comum? «Todas foram
coagidas a não escrever.» Este livro resultou da iniciativa da organização
inglesa pen que, com 144 centros em todo o mundo, promove a defesa da liberdade
de expressão. Desde a Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, detida pelo regime
autoritário dos generais birmaneses quando o seu partido venceu as eleições na
Birmânia em 1990, a nomes menos conhecidos como Angel Cuadra, preso pelo regime
de Fidel Castro, ou Reza Baraheni, detida no Irão, a obra oferece vários
géneros literários, incluindo discursos, cartas, poemas e contos. A acção de
escrever livremente, um dos direitos fundamentais consagrados na Declaração
Universal dos Direitos do Homem em 1948 e um dos indicadores do nível de
repressão de um regime não democrático, é muitas vezes considerada uma ameaça à
estabilidade política de estados. Como a simples palavra escrita, com conteúdos
de contestação ao regime vigente, pode ser motivo para a detenção, o exílio ou
até a morte dos seus autores, é sem dúvida um sinal simultâneo de força e de
fraqueza de regimes autoritários em todo o mundo. A origem geográfica destes
testemunhos possibilita igualmente fazer um lembrete humanitário sobre estados
com instabilidade política crítica, como o Zimbabué, a Serra Leoa ou o Congo, o
que acontece,muitas vezes, não obstante a presença de missões internacionais
das Nações Unidas no terreno. Por outro lado, quando encontramos países como a
Turquia e a Tunísia ou o Peru e o México na lista de autores de Another Sky,
verificamos que a imposição de restrições à liberdade de escrever não é
exclusiva a regimes autoritários e que também regimes de maior ou menor cariz
democrático enfrentam desafios diários na manutenção de garantias e de
liberdades fundamentais dos seus cidadãos. A morte da russa Anna Politkovskaya,
em 2007, ocorreu enquanto esta série de testemunhos era editada, o que confere
a necessidade de uma maior premência à defesa contínua da liberdade de
expressão e da importância de organizações como a pen, mais que não seja para
relembrar que «fazer a caneta fluir livremente no papel» não deve ser motivo
para prisão, exílio ou morte, e que a liberdade de autores com vozes
(in)cómodas ao regime deve ser promovida e/ou preservada. Por Anna
Politkovskaya resta-nos apenas reler as palavras que escreveu em Another Sky.
[*]Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela FCSH-UNL,
mestre em História das Relações Internacionais pelo ISCTE e doutoranda em
Relações Internacionais na FCSH-UNL. Investigadora do IPRI-UNL.
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