Rússia
Rússia
Maria Raquel Freire
Professora auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e
investigadora do CES. Doutorada em Relações Internacionais pela Universidade de
Kent (2002). Autora de Conflict and Security in the Former Soviet Union: The
Role of the OSCE(Ashgate, 2003) e co-autora, com Roger Kanet, de Key Players
and Regional Dynamics in Eurasia: The Return of the «Great Game»(Palgrave,
2010).
Jeffrey Mankoff, Russian Foreign Policy: The Return of Great Power
Politics.Lanham, Rowman & Littlefield, 2009, 341 pp.
O livro envolve-nos na Rússia de Dimitri Medvedev cujas narrativas sobre a
natureza e identidade do Estado russo revelam a tensão premente entre a
necessidade de integrar a Rússia enquanto economia moderna nas dinâmicas
globais e a tradição de longa data de reclamar influência global com base na
sua capacidade efectiva de projecção de poder. A primeira frase da introdução é
ilustrativa: «Enquanto a atenção mundial estava focada na abertura dos Jogos
Olímpicos de Pequim em inícios de Agosto, os tanques russos atravessavam a
fronteira e entravam na província separatista georgiana da Ossétia do Sul» (p.
1). Está dado o mote para a análise que se segue, e que toma a Guerra da
Geórgia como ponto de partida para a análise do ressurgimento da Rússia com
poder e autonomia no sistema internacional.
O estudo parte de considerações domésticas para a análise da política externa
russa, adicionando às questões de poder relativo a questão da identidade e a
forma como esta molda a projecção de poder ' ora enquanto potência revisionista
ou satisfeita, ora enquanto Estado ou império. O argumento central é o de que a
política externa assertiva e auto-interessada dos anos Putin-Medvedev remete
para um processo iniciado há mais de uma década com Boris Ieltsin no poder, e
que, actualmente, beneficia dos anos de crescimento da presidência de Vladimir
Putin. Mas se com Putin as lutas pelo poder tinham mais a ver com acesso e
controlo de recursos do que com ideologia, Mankoff argumenta que com Medvedev
as diferenças ideológicas no seio das elites russas estão a ressurgir, como
testemunhado com a questão da Geórgia, do Verão de 2008. Esta postura, de
assertividade assumida na política externa, é resultado não tanto de uma
alteração de objectivos, mas mais de uma mudança nas circunstâncias, e afecta,
de acordo com o autor, as relações com a vizinhança (espaço pós-soviético), de
forma particular, bem como com o Ocidente (Estados Unidos e Europa), e países
próximos, como a Turquia, o Irão e a China. Assente nestes pressupostos, o
livro percorre os contornos da política externa russa, incluindo as dinâmicas
inerentes ao processo de desenho e decisão em política externa, e os reflexos
destas no espaço CEI, na política eurasianista e no ocidentalismo liberal, com
o entendimento de que cooperação pragmática nestes diferentes vectores é
essencial, com ênfase num posicionamento dominante da Rússia no espaço CEI. O
livro prossegue com a análise das relações da Federação Russa nestes diferentes
alinhamentos e conclui com um regresso ao passado e às políticas do passado
onde se encontra o enraizamento ideológico dos fundamentos da política externa
da Grande Rússia. Mankoff conclui que serão os russos a determinar o tipo de
país que será a Rússia neste século XXI e como esta interagirá com o resto do
mundo. Um trabalho de análise sério cuja leitura é sem dúvida recomendada.
Christian Thorun, Explaining Change in Russian Foreign Policy: The Role of
Ideas in Post-Soviet Russia's Conduct Towards the West.Basingstoke, Palgrave
MacMillan in association with St. Antony's College, 2009, 197 pp.
Christian Thorun procura trazer uma abordagem inovadora ao estudo da política
externa russa ao combinar diferentes perspectivas teóricas no sentido de uma
maior capacidade explicativa. O livro analisa as mudanças na política externa
russa para com o Ocidente desde o final da Guerra Fria até 2007, procurando
explicar a mudança e entender de que modo esta é reflexo da capacidade de
liderança russa na adaptação das políticas às alterações na distribuição de
poder a nível internacional. Na análise são combinados enquanto variáveis
explicativas os constrangimentos externos, factores ideacionais e as políticas
domésticas, procurando entender de que forma se reflectem no desenho da
política externa no tempo e em diferentes áreas de actuação. Adoptando um
quadro teórico de relações internacionais, o autor combina uma leitura realista
com a perspectiva social construtivista, focando a análise da acção e do
discurso. A primeira, acção de política externa, expressa em tratados, acordos,
comportamento eleitoral em organismos internacionais e outras formas de
actividade diplomática; e o segundo, retórica política presente em discursos e
actos oficiais que permitam compreender o posicionamento da Rússia em processos
negociais. O modelo de análise teórico, combinando uma perspectiva realista com
elementos construtivistas, é confrontado em três estudos de caso, nomeadamente
a abordagem russa face às políticas da Aliança Atlântica, as respostas russas
às crises dos Balcãs, e a postura de Moscovo face aos ataques terroristas de 11
de Setembro de 2001. Estes pretendem demonstrar a combinação das variáveis em
análise, em leituras de maior ou menor cooperação da Rússia para com o
Ocidente, permitindo a análise dos fundamentos da mudança na orientação da
política externa russa no quadro de relações com o Ocidente.
O estudo conclui quanto à relevância de constrangimentos externos, e normas e
valores internos, que combinados ajudam a perceber as mudanças de política
externa na Rússia pós-soviética para com o Ocidente, com enfoque em questões
securitárias. Uma leitura interessante do cruzamento de dinâmicas internas e
externas na leitura da política externa, com uma base teórica de relações
internacionais.
Emma Gilligan, Terror in Chechnya: Russia and the Tragedy of Civilians in
War.Princeton, Princeton University Press, 2010, 263 pp.
Emma Gilligan escreve sobre as violações de direitos fundamentais na
Tchetchénia num trabalho bem documentado. Conhecedora da bibliografia existente
sobre o tema, refere autores como Lieven, Nivat, Politkovskaia e Evangelista,
entre outros, argumentando que o seu contributo para a análise das questões de
direitos humanos na república tchetchena adiciona às análises a questão do
racismo. Segundo Gilligan, os abusos perpetrados na pequena república excederam
as consequências devastadoras de qualquer guerra civil. Deste modo, o enfoque
centra-se nas políticas restritivas russas em matéria de direitos humanos,
apesar do compromisso público das autoridades de Moscovo de respeito para com
estes mesmos direitos, com a Tchetchénia a constituir um exemplo claro da
violação dos compromissos internacionais assumidos pela Federação Russa. A
análise das violações, em particular ao longo da segunda guerra da Tchetchénia,
é feita através de uma abordagem multinível que inclui os abusos locais, as
condições nacionais na Rússia que os permitiram, e o contexto internacional em
que estes foram perpetrados, em particular a luta contra o terrorismo
transnacional.
Gilligan argumenta que a «tragédia tchetchena» não é apenas resultado de uma
guerra civil, mas que a crueldade que acompanhou os eventos revela um factor
explanatório adicional, o racismo. Este é visível, segundo a autora, na punição
colectiva subjacente às acções russas, bem como no tipo de linguagem usada
pelas autoridades de Moscovo, incluindo termos como «negros», «bandidos»,
«terroristas», como parte de um processo de manipulação identitária com o
discurso a inserir-se nas acções no âmbito da luta global contra o terrorismo,
e com o carácter de excepcionalidade que lhe é incutida, a diminuir as vozes
críticas face às violações persistentes. Deste modo, Gilligan argumenta que o
terrorismo internacional foi a ideologia escolhida por Vladimir Putin, visível
no discurso crescentemente nacionalista e na revitalização da agenda de
controlo centralizado, sendo os tchetchenos vítimas deste projecto
nacionalista, com contornos racistas. Neste quadro, o livro percorre as
violações de direitos humanos na segunda guerra da Tchetchénia, o modo como as
acções violentas foram refinadas com o avanço do tempo, concentrando-se em
seguida nos desaparecimentos, lidos como uma das formas mais eficazes de
eliminação do inimigo, nos refugiados e deslocados, e nas acções de retaliação
da parte dos tchetchenos. Prossegue depois com as respostas da sociedade civil
russa à questão, a sua avaliação em forainternacionais, e termina com o
julgamento de alguns casos no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Um livro
de leitura difícil dada a delicadeza, complexidade e brutalidade das questões
narradas, com linhas em primeira voz, que vem complementar a bibliografia
existente sobre esta temática, numa perspectiva de leitura diferenciada das
motivações russas para as acções repressivas levadas a cabo na pequena
república do Cáucaso do Norte entre 1999 e 2005.
Elana Wilson Rowe e Stina Torjesen (org.), The Multilateral Dimension in
Russian Foreign Policy.Londres, Routledge, 2009, 222 pp.
Este trabalho colectivo dirigido por Elana Wilson Rowe e Stina Torjesen analisa
o multilateralismo nas políticas russas, com particular ênfase na presidência
de Putin (2000-2008). Multilateralismo é entendido neste trabalho como as
instituições e áreas temáticas que envolvem múltiplos países (três ou mais) que
trabalham de forma concertada e numa base sustentável. As coordenadoras do
trabalho distinguem ainda multilateralismo de integração, chamando a atenção
para o facto de a Rússia promover na sua área de influência integração regional
económica e política, mas não significando vontade de prosseguir políticas
integracionistas, tratando-se por isso de processos de integração
essencialmente informais. A Rússia entende o multilateralismo como um valor e
um instrumento, e o seu envolvimento é moldado por interesses específicos a
nível político, económico e de segurança. Além do mais, a primazia da soberania
do Estado e das fronteiras reforça o carácter informal dos processos de
integração, onde a supranacionalidade não é pretendida. No entanto, é chamada a
atenção para o facto de este requisito, tão caro à Federação Russa, não ser
aplicável a algumas áreas do espaço pós-soviético, nomeadamente os designados
«conflitos gelados», como a Transnístria ou o Nagorno-Karabakh. O trabalho está
ainda informado por uma base teórica de relações internacionais, focalizada no
debate entre o realismo, enquanto entendendo o multilateralismo como limitado à
coordenação e negociação interestatal; e o institucionalismo neoliberal,
enquanto espaço para estratégias de colaboração mútua com benefícios para além
dos interesses imediatos dos estados individuais.
O livro conta com a contribuição de autores reconhecidos na área, como Robert
Levgold, Andrei Zagorski, Pavel Baev ou Margot Light, entre outros. Trata-se de
um estudo amplo do multilateralismo na política externa russa, relativamente à
forma como este é equacionado e operacionalizado, em termos de áreas
específicas, incluindo relações económicas, políticas e questões securitárias,
bem como em quadros internacionais diferenciados, quer no espaço da Comunidade
de Estados Independentes, quer para além deste, como a União Europeia, a
Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Organização para a Segurança e
Cooperação na Europa e a Organização de Cooperação de Xangai. As principais
conclusões do trabalho apontam para o desejo da Rússia de estar presente nestes
foramultilaterais, entendendo-os como uma forma de projecção do seu estatuto de
grande potência; para o facto de Moscovo manter expectativas de recompensa pelo
seu envolvimento nestes fora; para a preferência que a Rússia mantém pelas
relações bilaterais em detrimento do multilateralismo, uma tendência já de
longa data; para a pouca capacidade de influência de Moscovo na definição da
agenda; para a resposta negativa a exigências normativas e parca margem para
aceitar críticas sobre as políticas domésticas russas; para a tendência russa
de trabalhar nestes foramultilaterais assuntos seleccionados e que não envolvam
questões delicadas; e, finalmente, para o facto de a Rússia desenvolver
esforços no sentido de evitar multilateralismo não russo no espaço pós-
soviético, e consequentemente poder ver a sua influência de algum modo mais
limitada. Pela sua latitude e contributos de grande qualidade, esta constitui
uma obra de referência na análise de uma questão pouco trabalhada na
bibliografia existente.
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