QUIRÓS CASTILLO, J.A. (Dir.) - Arqueología del campesinato medieval: la aldea
de Zaballa, Vitória-Gasteiz: UPV, 2012
RECENSÃO
QUIRÓS CASTILLO, J.A. (Dir.) - Arqueología del campesinato medieval: la aldea
de Zaballa, Vitória-Gasteiz: UPV, 2012
Catarina Tente*
*Instituto de Estudos Medievais FCSH ' UNL Lisboa, Portugal. E-mail:
catarina.tente@gmail.com
O livro em questão é terceiro número da série monográfica Documentos de
Arqueología Medievaletem como coordenadorA. J. Quirós Castillo. Mais uma vez
esta coleção publica um volume fundamental para quem se interessa pelo mundo
rural medieval.
O livro reflete os resultados da investigação multidisciplinar levado a cabo
pelo "Grupo de Investigación Consolidado en Patrimonio y Paisajes Culturales"
na aldeia medieval de Zaballa. Esta foi arqueologicamente intervencionada no
âmbito da minimização de impactes provocados pela construção de um novo centro
penitenciário situado na vertente norte dos Montes de Vitória (Iruña de Oca,
Alava, País Basco).
Zaballa é a uma das 305 localidades mencionadas na "Reja de San Millán", que no
ano de 1025 estavam obrigadas ao pagamento de renda ao Mosteiro de San Millán
de la Cogolla. Para que fossem localizados os restos materiais desta antiga
povoação foi realizada uma prévia análise de fotografias aéreas (tendo sido
particularmente úteis as resultantes de voos anteriores ao processo de
concentração fundiária ocorrido nas últimas décadas na área alavesa) conjugada
com a interpretação de imagens LIDAR. Esta metodologia de prospeção revelou-se
adequada e funcional para nortear a prospeção de superfície, que é normalmente
insuficiente para a deteção de vestígios de ocupação rural medieval. Aliás, a
opacidade dos vestígios arqueológicos rurais foi a principal razão para que o
desenvolvimento da arqueologia destas realidades fosse tão tardia em Espanha, e
ainda mais em Portugal, e terá sido a principal causa para as inúmeras
destruições já ocorridas ou pela sua deficiente interpretação cronológica e
funcional.
As escavações arqueológicas de Zaballa decorreram entre Fevereiro de 2007 e
Novembro de 2008 e afectaram não só a área ocupada pela aldeia como também as
áreas anexas dedicadas ao cultivo, no total de 33 641,1m2. Trata-se de uma
intervenção arqueológica de referência que permitiu a recuperação da totalidade
dos restos materiais desta aldeia e possibilitou o delinear da sua evolução ao
longo de cerca de 1500 anos (do século VI ao século XV).
Reuniram-se neste volume o contributo de 35 autores, de várias nacionalidades,
que trabalharam temáticas diversas correlacionadas com a investigação
desenvolvida. O volume de 649 páginas está organizado em sete capítulos: uma
introdução geral, a descrição do sítio, a sequenciação arqueológica das
unidades de ocupação de Zaballa, o estudo dos materiais arqueológicos, o estudo
da arquitectura das estruturas da aldeia, a arqueologia dos espaços agrários e,
por fim, uma proposta de interpretação do sítio.
O capítulo inicial destina-se ao enquadramento genérico do projecto e à
clarificação dos marcos conceptuais da intervenção e da investigação
subsequente.
O segundo capítulo integra três partes: a primeira sobre a geografia histórica
do termo de Zaballa; a segunda parte é relativa à descrição dos aspectos
geológicos da sua área de implantação; e a terceira diz respeito à análise da
documentação escrita relativa à povoação e seus territórios e integra dois
textos, um da autoria de J. Escalona Monge, que aborda o registo documental dos
séculos XI e XII e outro redigido por J. R. Diáz de Durana que estuda a
documentação dos séculos XV a XX.
O terceiro parte do volume é dedicado à descrição dos contextos arqueológicos
identificados. Trata-se de um capítulo eminentemente técnico que ilustra o
rigor do registo efectuado e que é fundamental para a compreensão da
complexidade dos contextos arqueológicos. Todas as principais realidades
arqueológicas descritas encontram-se bem documentadas do ponto de vista gráfico
e fotográfico.
Os estudos específicos da variada panóplia de artefactos e ecofactos
identificados nas escavações são apresentados no quarto capítulo, tendo este
sido subdividido em doze textos de diferentes autorias relativos às diversas
categorias de espólio. Há um primeiro estudo sobre o material cerâmico, que se
constitui como conjunto artefactual mais significativo. Este estudo apresenta
as principais características tecnológicas e tipológicas das peças cerâmicas
realizando uma sequenciação cronológica das mesmas. Este trabalho é seguido da
apresentação da metodologia e dos principais resultados obtidos na análise
petrográfica das pastas de 38 amostras de cerâmica. Os vestígios da atividade
têxtil, apesar de escassos, são objecto de um pequeno texto, bem como o são os
restos de actividade lúdica recuperados como marcas de jogo e um tabuleiro de
jogo ric-rac ou alquerque gravado numa laje. Segue-se um texto sobre os metais
que comportam objectos tão variados como elementos de adorno pessoal, armas,
alfaias artesanais e agrícolas, elementos construtivos, objectos de uso
domésticos entre outros. O estudo das moedas merece um subcapítulo próprio,
sendo de destacar a presença de cerca de 43 elementos numismáticos, que se
integram maioritariamente entre os reinados de Afonso VIII (1158-1214) e
Henrique IV (1454-1474). O sétimo subcapítulo aborda um tema muito pouco
estudado nos contextos posteriores à Pré-história recente, referimo-nos à
análise dos utensílios de pedra lascada e os seus restos de talhe. Entre estes
foi possível identificar elementos de trilho, de foice, raspadores e
raspadeiras. O texto é exaustivo e interessante, todavia há a referir que os
desenhos das peças foram demasiado ampliados, o que motivou a perda de alguma
qualidade. O texto que se segue diz respeito ao estudo dos restos
antropológicos exumados na necrópole de Zaballa, o que permitiu a identificação
de 42 indivíduos, cuja idade à morte reflete uma esperança média de vida
reduzida. Os autores destacam ainda o facto da população perinatal e infantil
estar sub-representada o que não é compatível como o perfil demográfico de uma
população rural pré-industrial. Esta situação não é anómala em contextos
funerários medievais, principalmente no âmbito do mundo rural, e tem levantado
algum debate sobre os rituais funerários dedicados exclusivamente às crianças,
uma vez que é de supor que muitos nados-mortos e crianças tenham sido excluídos
dos espaços funerários da comunidade. Os restos osteológicos de animais são
também tema de estudo, tendo a sua análise possibilitado a identificação de
variadas espécies domésticas, tais como a cabra, a ovelha, o cavalo, o cão, o
gato, a galinha, o pato e o pombo. Entre os animais selvagens destaca-se o
veado e a presença de variados roedores e anfíbios, que são excelentes
indicadores do ambiente da aldeia e respectivos espaços de cultivo
circundantes. O estudo sobre o registo botânico é apresentado no décimo
subcapítulo sendo de registar o grande rigor metodológico levado a cabo pela
equipa de arqueobotânica. Em síntese, o seu trabalho permitiu identificar
restos de cereais, de leguminosas e de escassas amostras de espécies selvagens.
A malacofauna é apresentada em seguida destacando-se a contabilização de 2357
restos de moluscos, a maioria pertencente a dezasseis espécies de caracóis
terrestres. Ainda que escassas, é também reportada a existência de algumas
conchas de ostra e de um bivalve de água doce. A última parte deste grande
capítulo é um texto sobre a metodologia aplicada na conservação de alguns
artefactos que são na sua maioria de natureza metálica. Por essa mesma razão
teria sido mais funcional que o texto seguisse o subcapítulo a estes dedicado.
O quinto capítulo desta monografia refere-se à análise das estruturas
arquitectónicas identificadas nas várias fases ocupacionais. O facto da maioria
das estruturas identificadas serem constituídas por buracos de poste, fundos de
cabana, fossas e silos torna particularmente difícil a perceção da sequenciação
estratigráfica e temporal dos diversos contextos arqueológicos ali
identificados, pelo que este texto é fundamental para a compreensão da complexa
estratigrafia e sequência ocupacional da aldeia.
No capítulo seguinte aborda-se a investigação desenvolvida no âmbito da
arqueologia off-site, que assentou principalmente na realização de análises
micromorfológicas e químicas de amostras de solos, bem como de perfis
polínicos, o que veio permitir caracterizar os espaços agrários da aldeia.
Por fim, o último capítulo diz respeito a uma interpretação conjugada dos
vários dados obtidos na investigação desenvolvida e é da autoria do coordenador
da investigação e do livro. Nesta parte conclusiva o autor conta a história da
aldeia caracterizando-se de forma exaustiva as sua várias fases ocupacionais.
Os vestígios mais antigos remontam ao final do século V e parecem estar
relacionados com a instalação de uma granja ou quinta. Não obstante a
cronologia recuada desta fase, não há no registo arqueológico nenhum vestígio
cultural de tradição romana. Segue-se uma das fases da história desta aldeia
mais bem representada no registo arqueológico. Entre c. 700 e c. 950 dá-se um
progressivo adensamento populacional que irá proporcionar o desenvolvimento de
uma aldeia não agrupada, que ocupa cerca de 9000 m2, constituída por várias
unidades domésticas separadas por espaços agrários. A maior pressão antrópica
sentida nesta fase levou à ampliação das áreas de cultivo documentadas nas
proximidades da aldeia. Entre c. 950 e c. 1200 ocorre uma profunda alteração na
morfologia da povoação, abandona-se e destrói-se as unidades domésticas
anteriores e transforma-se a área onde se implantavam numa plataforma sob a
qual se constrói uma igreja dedicada a Santo Tirso. Junto desta vão aparecer
silos que foram interpretados como espaço de armazenagem de produtos obtidos no
pagamento de rendas. A fundação desta igreja é assim vista como o instrumento
através do qual as elites supra-locais (nesta fase não se documentam edifícios
ou enterramento de privilegiados no seio da aldeia) legitimam a extracção de
rendas aos camponeses e iniciam a sua acção directa nos destinos da população
aldeã. Apenas no decurso do século XII esta estrutura religiosa se transformará
em igreja paroquial o que comportou, entre outras alterações, o surgimento do
cemitério. Simultaneamente, assiste-se igualmente à construção planificada de
um bairro no fundo do vale e a uma remodelação das suas vertentes, através da
implementação de socalcos agrários. O quarto período que se baliza entre c.
1200 e c. 1450 corresponde à aldeia baixo medieval. Pela primeira vez é
possível documentar no registo desta aldeia a presença efetiva de potentes
locais, percecionados quer em enterramentos de exceção quer na identificação de
bens materiais de maior valor e prestígio. Os períodos subsequentes marcam o
progressivo abandono da aldeia e da igreja, que é episodicamente transformada
em espaço habitacional durante o século XVI para ser completamente destruída já
no decorrer do século XVII.
Em suma, trata-se da primeira publicação monográfica sobre a investigação
histórica e arqueológica de uma aldeia medieval e, face à qualidade e rigor
científico evidenciado neste volume, é, a meu ver, uma obra de referência para
as futuras publicações de inúmeras outras aldeias medievais intervencionadas
arqueologicamente nos últimos 15 anos em Espanha. Considero que o volume é
ainda de leitura obrigatória para quem se debruça sobre os processos de
senhoralização e/ou feudalização dos territórios peninsulares. Efectivamente,
em Zaballa pôde-se documentar arqueologicamente um dos modelos usados pelas
elites para se apropriarem do espaço e do trabalho camponês. Neste modelo a
acção senhorial implicou a fundação no século X de uma igreja privada, que a
tempo promove um programa de captação de rendas camponesas.
O trabalho realizado em Zaballa é ainda o exemplo de que a investigação
desenvolvida no âmbito da denominada arqueologia preventiva pode ser norteada
por princípios éticos, patrimoniais e metodológicos rigorosos que possibilitem
o desenvolvimento de uma investigação plural e interdisciplinar.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
Referência electrónica:
TENTE Catarina ' QUIRÓS CASTILLO, J.A. (Dir.) - Arqueología del campesinato
medieval: la aldea de Zaballa, Vitória-Gasteiz: UPV, 2012. Medievalista [Em
linha]. Nº13, (Janeiro - Junho 2013). [Consultado dd.mm.aaaa]. Disponível em
http://www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA13/tente1309.html