Modelo disjuntivo de expansão ótima de redes de transmissão em sistemas
hidrotérmicos
1. Introdução
O problema de expansão de redes de transmissão para um ano horizonte futuro
visa determinar quais e onde novos equipamentos (linhas e transformadores)
devem ser construídos na rede de modo a atender as demandas previstas a custo
mínimo de investimento e operação, conhecido o crescimento da oferta até o
horizonte, respeitando-se as restrições técnicas de operação da rede. Esta
descrição corresponde ao problema de decisão estática, sem determinar a
evolução temporal de entrada dos novos equipamentos, que seria o problema de
expansão dinâmica. Nesta descrição também não se representa aspectos de
confiabilidade que são usuais no refinamento da análise econômico-técnica de
alternativas de expansão, devido à complexidade do tratamento probabilístico no
modelo decorrente da modelagem das falhas nos equipamentos.
Em estudos de planejamento da expansão, é usual representar as restrições
técnicas da rede via o chamado modelo de fluxo de potência linearizado. Este
modelo representa as equações e limites de potência ativa, relaxando as
equações e limites de potência reativa. Assim, assume-se que os módulos das
tensões nas barras estão em seus valores nominais, e os ângulos são pequenos o
suficiente para a aproximação linear ser satisfatória, o que é geralmente
válido para redes malhadas de média e alta tensão. Com estas hipóteses, uma vez
resolvido o sistema linear que determina os ângulos nodais a partir das
injeções de potência ativa e da matriz de susceptância da rede, os fluxos nos
circuitos são calculados diretamente. Parker et al. (1980) mostram que para
redes de alta tensão os erros máximos são da ordem de 5%, o que é considerado
aceitável em estudos de expansão.
Em sistemas térmicos, a rede é usualmente dimensionada para a condição
operativa mais estressante, relativa ao pico de carga do ano de estudo. Para
sistemas hidrotérmicos, a rede deve ser capaz de suportar as diversas condições
operativas de despacho, que podem variar sazonalmente devido aos intercâmbios
regionais decorrentes de condições hidrológicas diversas e também variar ao
longo do ciclo de carga diário. Assim, representa-se a variação da curva de
carga por dois patamares (ponta e fora da ponta), e a variação sazonal da
capacidade de geração hídrica em duas estações anuais (úmida e seca). Para
representar as metas e limites energéticos das usinas hidro, impõe-se a cada
usina um limite na soma dos despachos na ponta e fora da ponta, para a condição
hidrológica que mais estressa a rede. As usinas hidro não têm custo direto de
geração, enquanto que as usinas térmicas têm seus custos unitários
representados. As restrições do fluxo de potência linearizado são repetidas
para cada cenário (combinação de patamar de carga e estação). O custo anual é
composto da soma ponderada (pelas respectivas durações em p.u.) dos custos
relativos aos quatro cenários.
Por serem de ordem de grandeza mais baixo que os custos de linhas e
transformadores, os custos de suporte reativo não são representados nem
afetariam as decisões de quais e onde construir novas conexões. Ademais, por
serem de caráter local, as decisões relativas a equipamentos de suporte de
reativos podem ser tomadas após a decisão de construção de circuitos,
simplificando o processo de planejamento de expansão da rede.
Durante a análise de alternativas de solução, em geral o planejador se depara
com alguma alternativa em que a rede resultante não é capaz de suprir todas
demandas nas barras, decorrente das restrições impostas à rede que tornam a
alternativa inviável. A medida de desempenho da alternativa em foco é a solução
ótima do modelo de programação linear cuja função objetivo é o custo anual de
operação, composto pelos custos de geração térmica no ano mais um termo de
penalização relativo aos cortes de carga decorrentes da necessidade de atender
as restrições operativas da rede. Estas restrições são modeladas pelas equações
do fluxo de potência linearizado, respeitando-se ainda os limites dos geradores
e os limites dos circuitos.
2. Formulação do problema
A seguinte notação será usada na formulação matemática do modelo de otimização.
N ' conjunto de barras
m ' de circuitos candidatos
W0i' conjunto de circuitos existentes conectados à barra i ÎN
Wi+' conjunto de circuitos candidatos conectados à barra iÎN
Wi = >W0i È Wi+, IÎN
fs+, fs- ' variáveis auxiliares não negativas de fluxo nos circuitos, cenário s
fs ' variáveis de fluxo nos circuitos (existentes e candidatos), cenário s, fs
= fs+ ' fs-
fsmax ' capacidades dos circuitos, cenário s (existentes e candidatos)
Ghi ' conjunto de usinas hidro conectadas à barra iÎ N
Gti ' conjunto de usinas térmicas conectadas à barra iÎ N
gsh ' variáveis de geração hidro, cenário s
gshmax ' gerações máximas hidro, cenário s
gst ' variáveis de geração térmicas, cenário s
gtmax ' gerações térmicas máxima
ds ' cargas ativas nas barras, cenário s
rs ' variáveis de corte de carga em barras, cenário s
qs ' variáveis de ângulos das barras, cenário s
Dqs+, Dqs- ' variáveis auxiliares não negativas de aberturas angulares nos
ramos, cenário s
Dqs ' variáveis de aberturas angulares, cenário s, Dqsk = Dq+sk ' Dq-sk no ramo
k=(i,j), jÎ W i, iÎN
x ' variáveis binárias de decisão de investimento em circuitos candidatos
c ' custos de adição de circuitos candidatos
bt ' custos unitários horários de geração nas usinas térmicas
g ' susceptâncias dos circuitos
K ' custos de penalidade por corte de carga nas barras (maiores que custo da
térmica mais cara)
M ' penalidades relativas à segunda lei de Kirchoff para circuitos candidatos
qs ' duração do cenário s=1,2,3,4
GUh ' gerações máximas em usinas hidro na estação úmida
GSh ' gerações máximas em usinas hidro na estação seca
2.1 Formulação não linear mista clássica
Primeiramente apresentamos a formulação clássica do problema térmico (na seção
seguinte se justifica a adoção da formulação disjuntiva). O problema pode ser
expresso da seguinte forma:
A equação da 2a lei de Kirchoff para circuitos candidatos introduz um produto
entre a variável x de investimento num circuito candidato e as variáveis q de
ângulos nodais das suas barras terminais, resultando em um problema de
otimização não linear mista. A abordagem usual por meio de decomposição de
Benders generalizada tem o inconveniente de não garantir a convergência para um
ótimo global (Pereira & Granville, 1985).
2.2 Formulação disjuntiva: sistemas hidrotérmicos
Para evitar a não linearidade, Granville & Pereira (1985), e
independentemente Sharifnia et al. (1985) e Villanasa (1984), propuseram
substituir a restrição de igualdade relativa à 2a lei de Kirchoff para cada
circuito candidato por duas desigualdades disjuntivas equivalentes de
penalização, o que torna o problema inteiro misto. Recentemente, Bahiense et
al. (2001) aperfeiçoaram estas desigualdades criando uma representação mais
estrita. Embora isto requeira um maior número de variáveis auxiliares contínuas
não negativas (de fluxo e de abertura angular), o "gap" de
integralidade entre a relaxação linear e o problema original se reduz
significativamente, compensando este efeito. Binato et al. (2001) derivaram um
valor mínimo para cada penalidade de modo a mitigar o mau condicionamento do
problema devido ao uso destas restrições disjuntivas de desigualdade. Um
problema de caminho mínimo em grafos é resolvido para calcular esta penalidade.
O modelo disjuntivo para sistemas térmicos com estas características foi
aplicado com sucesso por Bahiense et al. (2001) a problemas reais, provando a
otimalidade das soluções anteriormente obtidas para estes problemas por Binato
& Oliveira (2001) usando a metaheurística GRASP.
O modelo aqui proposto segue esta formulação, estendida para o caso de sistemas
hidrotérmicos considerando quatro cenários (duas estações, úmida e seca, e dois
patamares de carga, ponta e fora da ponta). A formulação estendida representa
as restrições da rede e os limites operativos para cada cenário, sendo que a
função objetivo incorpora o termo de custo operativo ao longo do ano:
As duas últimas desigualdades introduzem um acoplamento entre as variáveis de
despacho hídrico ao longo dos cenários de demanda para cada estação, sendo que
a geração total em cada usina hidro na estação está limitada à respectiva meta.
A cada estação, o despacho de uma usina hidro pode portanto variar ao longo da
curva de carga, desde que atenda a sua meta. O efeito da representação dos
cenários é replicar as variáveis e restrições de operação nos diversos
cenários, além das novas restrições de metas de geração hidro, sem alteração
nas variáveis de investimento.
A solução de investimento obtida por este modelo é capaz de atender a custo
mínimo as diferentes condições operativas (cenários) do sistema hidrotérmico ao
longo do ano de estudo. Em comparação com o modelo térmico correspondente
(apenas um cenário, tipicamente a condição de ponta anual), representa
adicionalmente as variáveis operativas e restrições elétricas para cada
cenário, além das restrições de acoplamento relativas às metas de geração em
usinas hidro nas estações úmida e seca.
Antes de discutir a abordagem de solução do problema, apresentamos uma
formulação simplificada.
2.3 Formulação disjuntiva simplificada
Caso se considere que nos cenários de demanda fora da ponta a rede não seja
restritiva no cálculo do despacho econômico, pode-se usar uma formulação
simplificada em que nestes cenários, uma equação de balanço agregado carga-
geração substitui as restrições relativas à rede elétrica (dispensa-se a
necessidade de representar as variáveis de ângulos nodais, aberturas angulares
e fluxos). Apresenta-se a seguir a formulação simplificada.
Com esta simplificação, o processo de solução do modelo disjuntivo resultante
(uma relaxação do modelo completo) torna-se computacionalmente mais barato,
pois o número de variáveis e o número de restrições de operação do problema
fica bem menor. Neste cenários a geração por usina hidro continua sendo
computada, representando-se as restrições agregadas de balanço de potência de
modo a se computar corretamente o custo operativo anual.
3. Algoritmo de solução
O modelo disjuntivo linear misto pode ser resolvido por algoritmos de
Branch&Bound (B&B). Como o problema é de grande porte devido à
representação das restrições operativas da rede nos diversos cenários, e pode
ter muitas variáveis binárias (decisão de construir ou não circuitos
candidatos), o esforço computacional da árvore de busca necessária para
encontrar e provar a otimalidade da solução pode ser alto. A vantagem de
resolver o problema na sua formulação disjuntiva deriva do fato que o maior
custo computacional deve-se à sua natureza combinatória, enquanto que o tempo
de solução do problema linear resolvido para cada nó da árvore de B&B é
pouco relevante.
O pacote computacional XPRESS-MP usado neste trabalho permite escrever a
formulação do problema em uma linguagem algébrica. A formulação é em seguida
combinada com os dados do caso a ser resolvido pelo "solver" de
B&B. O "solver" adiciona automaticamente ao problema cortes de
viabilidade que agilizam o processo de busca, sendo ainda capaz de tratar
problemas de grande porte.
4. Caso exemplo
O modelo disjuntivo na sua forma simplificada será ilustrado com um caso real
da rede Colombiana de alta tensão (230 e 500kV), composta de 87 barras e 181
circuitos (vide figura_1, circuitos de 230kV em verde e de 500kV em vermelho,
ligando barras 13 a 16). Há 31 circuitos candidatos em 24 faixas de passagem,
desenhadas em linha pontilhada na figura.
O parque gerador tem 15 usinas hidro e 29 usinas térmicas. As metas de geração
das usinas hidro nas estações seca (9 meses) e úmida (3 meses) foram produzidas
com o modelo SDDP, que calcula a política operativa ótima com representação da
rede via fluxo de potência linearizado (PSR, 1994). A demanda de ponta tem
duração de 3.7% do ano. Usou-se a condição hidrológica mais crítica (menor
potência disponível nas usinas hidro). Foi adotada a formulação simplificada
por simplicidade. O problema linear misto após o pré-processamento do
"solver" tem 1205 restrições e 1315 variáveis, sendo 31 binárias e as
demais contínuas.
A solução ótima do problema adiciona um circuito 15/16 de 500kV e um circuito
48/49 de 230kV. As usinas hidro foram despachadas até seus limites máximos de
geração nas estações úmida e seca, como pode ser visto na tabela_1.
As usinas térmicas foram despachadas para atender a demanda residual em cada
cenário (veja tabela_2).
Pode-se notar que todas as térmicas estão despachadas no limite em pelo menos
um dos cenários, o que era de se esperar por elas complementarem a geração
hídrica. Com a adição dos dois circuitos citados, a rede está dimensionada para
a atender as demandas em ambos os cenários de ponta.
A tabela_3 apresenta os fluxos nos circuitos nas estações úmida e seca para a
condição de ponta (em negrito aqueles no limite).
O circuito existente 3/4 tem fluxo no limite nas estações úmida e seca, assim
como o circuito adicionado (e existente) 15/16. Cabe lembrar que devido ao
despacho diferenciado, o fluxo de potência na ponta para a estação úmida é
diferente daquele para a estação seca, de modo que a condição de carregamento
da rede é distinta para cada estação. Houve inversão de fluxos de uma estação
para outra em 17 ramos. Devido a estas situações, o planejamento da expansão
tradicional requereria a análise de cada alternativa diante das distintas
condições operativas, tornando o processo de tomada de decisão penoso e
inadequado.
O tempo de solução foi de 5 segundos em um PC Pentium III de 800 MHz, sendo a
otimalidade provada após 395 nós serem explorados. O "solver" gerou
automaticamente 7 cortes de viabilidade para o problema.
5. Conclusões
O modelo proposto apresenta uma formulação disjuntiva capaz de tratar
detalhadamente as distintas condições operativas da rede de um sistema
hidrotérmico, requisito essencial para um correto dimensionamento dos reforços
em redes malhadas cujos intercâmbios regionais podem variar sazonalmente e
também ao longo da curva de carga. O problema linear misto resultante pode ser
resolvido com pacotes comerciais de B&B.
Neste trabalho a formulação disjuntiva foi aplicada ao sistema hidrotérmico
colombiano considerando condições operativas de demanda (ponta e fora da ponta)
e de sazonalidade (estação úmida e seca).
A solução obtida ilustra a aplicabilidade do modelo a sistemas hidrotérmicos em
que o total geração em cada usina hidro em cada estação deve respeitar uma
meta, acoplando as restrições elétricas relativas às decisões operativas ao
longo dos cenários.
O modelo disjuntivo decide a melhor alternativa de expansão considerando as
condições operativas em todos os cenários, sem onerar significativamente o
custo computacional do algoritmo de B&B usado para sua solução (como a
complexidade do modelo se deve principalmente às variáveis inteiras, o esforço
computacional adicional devido à representação dos diversos cenários não é
fator impeditivo para sua aplicação a sistemas hidrotérmicos). Por meio da
abordagem adotada, o planejamento da expansão da transmissão se adequa à oferta
de geração previamente analisada pelo modelo de planejamento da operação
energética do sistema hidrotérmico.