Ultramicroeletrodos. Parte II: construção e aplicações
PtHads + H+ + e- ® Pt + H2 (Etapa de Heyrovsky)
com a etapa de Heyrovsky sendo determinante da velocidade da reação.
A automação dos experimentos permitiu uma excelente reprodutibilidade dos dados
experimentais, devido principalmente ao condicionamento da superfície,
realizado antes da tomada de cada valor de potencial na curva de polarização.
ii) Reação de desprendimento de hidrogênio sobre UME de Ni e Hg33
Na figura_6 tem-se as curvas de polarização para a RDH sobre: (A) Ni
eletrodepositado sobre UME de Pt (f = 40 mm), a partir de uma formulação
modificada do banho de Watts (NiSO4 330 g L-1 + Ni(NO3)2 45 g L-1 + H3BO3 37 g
L-1), em NaOH 0,5 M e (B) Hg eletrodepositado sobre UME de Pt (f = 40 mm), a
partir de uma solução de Hg(NO3)2 1,26x10-3 M + KNO3 0,1 M, em meio de HClO4
0,5 M, com a temperatura variando entre 25 e 70 oC.
A partir dos valores das correntes de troca, io, para cada reta, determinou-se,
pelo gráfico de Arrhenius, as energias de ativação para os dois processos
eletródicos. Sobre Ni, este valor foi de 64,6 kJ mol-1, enquanto que sobre Hg
foi de 179,3 kJ mol-1. Uma análise destas energias de ativação tornou possível
associá-las aos seguintes complexos ativados: (Ni-H...H...OH) e
(Hg...H...H2O+), respectivamente. Isto significa que a reação de
desprendimento de hidrogênio sobre ambos metais ocorre por um mecanismo Volmer-
Heyrovsky. Entretanto, sobre Ni a etapa determinante da velocidade é a de
Heyrovsky, sendo a de Volmer determinante sobre Hg. Como no item anterior, a
utilização de UME possibilitou um grande aumento na reprodutibilidade dos dados
experimentais pela automação, bem como livrou estes valores da interferência da
queda ôhmica do sistema.
iii) Eletrocristalização34
Os estágios iniciais de eletrocristalização geralmente estão associados a
processos de nucleação bi ou tridimensionais, onde o número de núcleos formados
depende fortemente do sobrepotencial, com formação instantânea ou progressiva,
e seu crescimento ocorrendo com controle por transferência eletrônica ou de
massa.
Foram feitos estudos de nucleação eletroquímica de Cu, Hg e Ni sobre UME de Pt
(f = 40 mm). Nas figuras_7, 8 e 9 tem-se os respectivos voltamogramas cíclicos
e saltos potenciostáticos obtidos a partir de uma solução de CuSO4 0,1 M em
H2SO4 0,5 M; Hg(NO3)2 1,26x10-3 M em KNO3 0,1 M e de um banho de Watts
modificado (composto de NiSO4 330 g L-1 + Ni(NO3)2 45 g L-1 + H3BO3 37 g L-1).
Em eletrodos de tamanho convencional, o modelo de Scharifker e Hills35 é o que
melhor representa a maioria dos sistemas estudados. Entretanto, suas equações
cinéticas não se adequaram ao comportamento obtido experimentalmente sobre UME,
já que o modelo de Scharifker e Hills é válido somente para crescimento de
núcleos controlados por difusão linear semi-infinita. Assim, desenvolveu-se um
modelo considerando a difusão esférica para a superfície de um UME em forma de
disco21,36, cujo ajuste numérico37 indica nucleação instantânea para Cu e
progressiva para Hg. No caso do Ni, cujo crescimento dos núcleos mostrou-se
controlado por transferência eletrônica, o modelo de Abyaneh38 desenvolvido
para eletrodos convencionais revelou-se bastante satisfatório39.
B. Eletroanalítica
i) Determinação conjunta de metais em água40
Este foi um dos primeiros trabalhos a serem desenvolvidos no GMEME utilizando
UME de fibra de carbono de 7 mm de diâmetro. A crescente preocupação com a
contaminação ambiental por metais pesados, como Pb, Hg e Cd, tem atraído a
atenção de pesquisadores para o desenvolvimento de metodologias analíticas
automatizadas para monitoramento ambiental destes poluentes. A utilização de
técnicas eletroanalíticas com UME é uma das melhores alternativas para estas
rotinas automatizadas. Neste trabalho, a voltametria de pulso diferencial com
redissolução anódica foi utilizada para determinar Cd e Pb de maneira
simultânea em matrizes sintéticas, feitas em laboratório, pelo acréscimo de
diversas concentrações dos metais em tampão acetato. O eletrodo de fibra de
carbono era recoberto com mercúrio, previamente depositado de uma solução de Hg
(NO3)2 5x10-4 M. A menor concentração de chumbo adicionada ao tampão foi de
4,8x10-7 M e a de cádmio 8,9x10-7M.
Na figura_10 está representado um voltamograma de pulso diferencial executado a
5 mV s-1 com uma amplitude de 25 mV pico a pico, mostrando os picos de
redissolução dos metais depositados em -1,1 V durante 60 s, nas concentrações
acima. A excelente definição dos picos voltamétricos indica a possibilidade de
se utilizar este método para concentrações até dez vezes menores, atingindo um
limite de detecção na ordem de 10 ppb. A utilização de UME tornou possível a
obtenção de um limite de detecção razoavelmente baixo e possibilitou a execução
do experimento em condições favoráveis em relação ao tempo do experimento e à
preparação das amostras.
ii) Determinação de nitritos em águas naturais41
A presença de nitritos em água potável pode ocasionar graves danos à saúde,
principalmente em crianças. O nitrito pode reagir com a hemoglobina no
organismo, impedindo o transporte do oxigênio. Além disto, seus produtos
metabólicos são, freqüentemente, cancerígenos. Com a utilização de nitritos em
diversos produtos como conservantes para alimentos e remédios, torna-se cada
dia mais importante o desenvolvimento de metodologias adequadas para a sua
determinação. Os métodos tradicionalmente empregados são demorados e envolvem a
utilização de substâncias tóxicas. Assim, UME de fibra de carbono de 7 mm de
diâmetro e de ouro de 15 mm foram utilizados para a determinação direta de
nitritos em águas naturais por voltametria de varredura linear.
Na figura_11 encontram-se voltamogramas de varredura linear para a oxidação de
nitrito (a nitrato) em água mineral comercial não desaerada, sobre UME de fibra
de carbono a 0,1 V s-1, após a subtração da curva do branco (mesma solução sem
acréscimo de nitrito). As amostras de água mineral utilizadas não continham
nitrito ou qualquer outra espécie interferente em quantidades detectáveis, pois
o voltamograma do branco não apresentou qualquer onda na região de potenciais
em estudo. Nesta mesma figura também se observa a curva de trabalho obtida
representando as correntes limites de difusão, tomadas em 1,35 V em função das
concentrações de nitrito adicionado. A excelente relação linear obtida permite
calcular um limite de detecção (LD) de 8,8 mM de acordo com a equação41:
LD = 3s/tg
onde 3 é um fator designado pela IUPAC, s o desvio padrão obtido da repetição
das curvas do branco e tg a tangente da curva de calibração. Deve-se
acrescentar que estas medidas foram efetuadas sem qualquer manipulação das
amostras de água mineral. Assim, esta técnica utilizando UME se mostra
extremamente vantajosa em relação ao tempo e custo das análises.
iii) Determinação de oxigênio em águas naturais42
A determinação do teor de oxigênio em águas naturais, poluídas ou não, em rios
ou lagos, tem sido importante no sentido da recuperação de mananciais poluídos,
assim como em estações de tratamento de esgotos e em grandes lagos artificiais
vinculados a hidroelétricas. Os métodos químicos tradicionais de determinação
de oxigênio são bastante trabalhosos, como o método de Winkler43,44, que possui
várias modificações para levar em consideração os diversos interferentes
existentes. Estes métodos exigem uma grande manipulação da amostra e são
sujeitos a muitas interferências não compensadas. Para aumentar a rapidez e
diminuir os custos das análises, foram desenvolvidos sensores de oxigênio, do
tipo Clark45, para a utilização direta na amostra, sem tratamento químico.
Estes sensores são constituídos de eletrodos de Pt, que fazem uma medida da
corrente de redução do oxigênio a um dado potencial. Entretanto, estes
sensores, embora bastante seletivos, ainda são lentos, demorando vários minutos
para estabilizar e são sujeitos a alguns interferentes que podem obstruir a
membrana utilizada para conter o eletrólito. Como uma alternativa, neste
trabalho, UME de Pt (f = 40 µm) e Au (f= 25 µm) foram utilizados para a
determinação direta do O2 dissolvido por voltametria cíclica. As principais
vantagens encontradas com a utilização desta metodologia foram: (a) devido ao
tamanho reduzido dos UME, é possível aplicá-los em condições onde seja
necessário não perturbar o meio em estudo; (b) a técnica voltamétrica utilizada
permite efetuar um condicionamento superficial do eletrodo pela varredura
consecutiva em um dado intervalo de potenciais, eliminando a interferência de
contaminantes e (c) o efeito de impurezas adsorvidas na superfície do eletrodo
é facilmente detectável na resposta do branco (obtido nas mesmas condições do
experimento, porém sem a presença do O2). A figura_12 apresenta os resultados
obtidos sobre Pt para uma solução de H2SO4 0,1 M, com acréscimo de diferentes
concentrações de oxigênio. O deslocamento do perfil voltamétrico da Pt serve
para se obter a curva de polarização para a redução do O2. As correntes limites
de difusão obtidas após a subtração do branco, foram representadas em função do
teor de O2 na reta de trabalho apresentada no "insert" da figura_12.
As concentrações de O2 da reta de trabalho foram determinadas pelo método de
Winkler. Esta reta pode então ser utilizada para futuras determinações em
amostras de H2SO4 de conteúdo desconhecido de O2. O mesmo procedimento foi
aplicado com sucesso para UME de Au. Este método foi ainda testado para
amostras naturais, como águas de rios poluídos ou não, mostrando uma boa
tolerância a contaminantes orgânicos (como ácidos húmicos e fúlvicos e fenóis),
como pode ser observado nas curvas de trabalho apresentadas na figura_13 para
Pt lisa, Pt recoberta com Nafion® e Au liso, todos em amostras de água de rio
urbano. Nesta figura, pode-se observar que o UME de Pt recoberto com Nafion® e
o de Au apresentam maior sensibilidade que o de Pt liso. Isto deve ser
atribuído à grande facilidade de espécies contaminantes se adsorverem na
superfície da Pt lisa. O recobrimento com Nafion®, assim como a utilização da
superfície de Au, minimiza este efeito, com o aumento da sensibilidade do
eletrodo.
iv) Determinação de metais pesados por potenciometria de redissolução46,47
A análise potenciométrica por redissolução é uma técnica que se baseia na
redução potenciostática e amalgamação de íons metálicos, seguida por oxidação
química. A análise consiste, assim, de duas fases: uma etapa de deposição
(eletroquímica) e uma de redissolução (química). Durante a aplicação do
potencial de redução (eletrólise) os metais são depositados em um eletrodo
recoberto por um filme de mercúrio. Os íons são concentrados no amálgama a um
nível muito maior que na solução, permitindo limites de detecção extremamente
baixos. A seguir, o potencial de deposição é removido e nenhuma corrente passa
pelo eletrodo. Este começa, então, a descarregar e o potencial atinge o valor
do potencial redox do agente oxidante acrescentado para redissolver os metais
amalgamados (por exemplo Hg(II)). A medida do potencial do eletrodo em função
do tempo fornece informações qualitativa e quantitativa dos metais presentes,
de acordo com:
t = k [Mn+] td
onde t é o sinal analítico equivalente ao tempo de redissolução, k é uma
constante, [Mn+] a concentração do íon metálico em solução e td o tempo de
deposição. A identificação qualitativa dos diferentes elementos determinados
por análise potenciométrica por redissolução pode ser feita baseada nos
potenciais padrões de cada metal dado pela lei de Nernst. A análise
quantitativa é feita pelo método da adição de padrão na matriz em estudo.
Desenvolveu-se uma instrumentação consistindo de uma interface AD/DA em um
computador IBM-PC 486 66 MHz com um "software" apropriado e um
sistema de chaveamento para a interrupção da corrente aplicada na primeira
etapa, ligando um UME de Pt recoberto com Hg e um eletrodo de referência
miniaturizado de Ag/AgCl, para análises potenciométricas.
A metodologia para determinação de alguns metais em vinagre e líquidos de
conserva48 está sendo desenvolvida sem a necessidade de decomposição prévia da
matéria orgânica nem desoxigenação da amostra. Isto reduz significativamente o
tempo de análise e elimina os riscos de contaminação na adição de reagentes. As
figuras_14 e 15 mostram os potenciogramas típicos para a determinação de Zn2+
em amostra de líquido de conserva de palmito in natura e Pb2+ em amostra de
líquido de conserva de cogumelo com um UME de Pt de 10 µm recoberto com Hg,
juntamente com as respectivas curvas analíticas. Esta técnica apresenta
inúmeras vantagens que estão discutidas em um trabalho submetido a esta
revista49.
CONCLUSÕES
Os exemplos discutidos mostram uma ampla faixa de aplicações de UME em
eletroquímica e eletroanalítica. Sob diversos pontos de vista, estes sistemas
têm introduzido uma abordagem inteiramente nova para problemas que não
apresentavam soluções com técnicas tradicionais.
Os UME propiciam a especial condição de miniaturização da instrumentação
eletroquímica necessária. Entretanto, devido ao elevado preço de UME
comerciais, é extremamente conveniente construí-los no próprio laboratório.
Neste trabalho, foi mostrada uma alternativa de construção de UME que tem sido
utilizada com sucesso há, pelo menos, dez anos.
A grande vantagem da utilização destes UME em eletroquímica está relacionada
com a possibilidade de se minimizar os problemas com interferentes nas
respostas obtidas. Assim, não se observam efeitos de queda ôhmica, bolhas,
correntes capacitivas, etc.
No campo da eletroanalítica, os UME possibilitam a diminuição dos limites de
detecção nas técnicas voltamétricas, eliminam a necessidade de utilização de
eletrólito de suporte em análises e proporcionam respostas com menos ruídos e
com maior reprodutibilidade.
Desta forma, o futuro dos UME em eletroquímica e eletroanalítica parece apontar
para um aumento exponencial de aplicações nos mais diferentes sistemas.