Calibração multivariada para sistemas com bandas sobrepostas através da análise
da fatores do tipo Q
INTRODUÇÃO
Um dos mais importantes problemas na química analítica é a estimativa do número
e concentração das espécies em misturas através de espectros ou cromatogramas.
Uma série de técnicas estatísticas tem sido utilizadas para se desenvolver
metodologias multivariadas e para extrair informação dos espectros e
cromatogramas, com o objetivo de identificar as espécies presentes e determinar
quantitativamente as concentrações de algumas ou todas elas. A aplicabilidade
de cada metodologia depende do conjunto de dados (informação experimental)
submetidos a análise. Do ponto de vista da química analítica1 estes métodos
multivariados de uma forma geral podem ser classificados em três categorias: I)
quando se tem informação espectral de todas as espécies existentes na
amostra;II) quando a informação dos espectros das espécies químicas são
incompletos ou parciais; III) quando não existe nenhuma informação sobre a
composição química das amostras. A primeira categoria pode ser dividida em
quatro subcategorias, dependendo da escolha do planejamento experimental: a)
métodos de calibração direta: regressão linear múltipla2,3 (MLR), "Kalman
Filtering"4,5 (KF); b) métodos de calibração indireta: método da matriz
k6-8, método da matriz-p7,8, regressão por mínimos quadrados parciais2,9-12
(PLS), regressão nas componentes principais12-14 (PCR); c) métodos de adição de
padrão generalizada15-17 (GSAM); "Interative target testing factor
analysis technique"18,19 (ITTFA); d) métodos de referência interna
generalizada20 (GIRM); Na segunda categoria o método mais utilizado é o
"generalized rank annihilation factor analysis"21 (GRAFA), enquanto
que na terceira categoria inclui-se: o método para análise de espectros
correlacionados22 (DATAN), "self-modeling curve resolution"23 (SMCR),
"envolving factor analysis"24 (EFA), "interative self-modeling
multivariate analysis"25-28(SIMPLISMA) e "self-modeling multivariate
analysis"25-28 (ISMA).
Destes métodos a regressão nas componentes principais e métodos similares têm
sido usados com maior frequência. A análise de componentes principais é uma
metodologia baseada na decomposição de um conjunto de dados em autovalores e
autovetores. Na química tem sido quase que exclusivamente usada a análise de
componentes principais do tipo R, embora exista uma metodologia matematicamente
equivalente, que é a do tipo Q.
Os métodos GSAM, GIRM, MLR, matriz k, ISMA e SIMPLISMA, não utilizam a análise
de componentes principais no cálculo da calibração, enquanto os demais são
métodos baseados na análise de componentes principais do tipo R. Na literatura
química são praticamente inexistentes aplicações de métodos baseados na análise
de componentes principais do tipo Q, mais conhecida como análise de fatores do
tipo Q, embora para os químicos esta metodologia possa oferecer várias
vantagens em relação à análise do tipo R. Além de apresentar facilidades
computacionais como cálculo mais rápido e matrizes menores para o tratamento de
diferentes conjuntos de dados, a análise de fatores do tipo Q fornece
resultados das análises químicas de uma forma especialmente conveniente para
interpretação.
Neste artigo propomos um método de calibração multivariada para determinar a
composição química de misturas complexas, baseado na análise de fatores do tipo
Q de Imbrie30, seguido pelas rotações varimax30,31 e oblíqua de Imbrie30. Este
método pode ser enquadrado tanto na categoria I como na categoria III,
dependendo da informação disponível sobre o sistema químico a ser analisado.
Para aplicação na categoria I, este método não requer um conjunto de calibração
extenso como o PLS, PCR, matriz k, e MLR; bastam apenas os espectros das
espécies absorventes puras ou espectros de referência. Na categoria III, o
método é capaz de identificar o número de espécies e suas concentrações
relativas a partir de um conjunto de espectros. Os perfis dos espectros das
espécies puras também podem ser obtidos combinando-se as concentrações
relativas calculadas com o método da matriz k.
Um requisito importante para aplicação de todos os métodos citados acima é que
os espectros das misturas devem ser uma combinação linear dos espectros das
espécies, ponderados por suas concentrações. Em outras palavras, que a Lei de
Beer ou alguma expressão semelhante seja obedecida.
Para demonstrar a aplicabilidade do método nas categorias I e III foram
simulados dois conjuntos de dados experimentais de um sistema de misturas
ternárias, com a restrição que as concentrações das espécies somam para um
valor constante. Estes exemplos mostram como a metodologia pode ser usada com
ou sem dados espectrais de um conjunto de amostras de calibração. A sua
aplicação a um caso real é ilustrada com uma análise espectrofotométrica
simultânea de misturas binárias dos aminoácidos alanina e treonina. Os
aminoácidos, em geral, são dificilmente analisados utilizando-se métodos
univariados, porque seus espectros na região UV-VIS são severamente
sobrepostos.
METODOLOGIA
Mistura é um termo usado para definir uma formulação ou composição32.
Geralmente admite-se que a resposta medida para uma mistura é uma função das
proporções das espécies e não uma função da quantidade total da mistura. A soma
das composições percentuais de todas as espécies presentes numa mistura é
unitária31. Matematicamente isto pode ser expresso através da equação
(1)
onde cié a fração da i-ésima espécie na mistura de q espécies. Estas frações
podem ser expressas como a fração em mol, fração da massa ou de volume, ou
mesmo percentagem.
Muitos problemas de interesse químico podem produzir um conjunto de dados
consistindo essencialmente em proporções. Este tipo de dados ocorre quando os
dados originais são normalizados de alguma maneira que torne a soma sempre uma
constante. Se os valores das respostas das q espécies puras são conhecidas é
possível projetar o problema em um simplex q-dimensional33. Como a soma de
todas as frações é constante, somente as concentrações de q-1 espécies podem
ser independentes, a outra será uma variável dependente.
Análise de fatores é um termo genérico usado para descrever uma classe de
métodos apropriados para analisar a inter-relação dentro de um conjunto de
variáveis (altura de picos cromatográficos, valores de absorvâncias, etc...) ou
objetos34 (amostras analíticas, compostos químicos, espectros, etc...). O
objetivo da análise é separar a matriz A (n x p), formada por n objetos
(amostras ou misturas) e p variáveis (absorvâncias em diferentes comprimentos
de onda, tempo de retenção, etc...) no produto de duas matrizes:
A(n x p)=P(n x q)Tt(q x p)+ E(n x p) , (2)
onde T é a matriz dos escores dos fatores, P é a matriz dos pesos dos fatores,
E é a matriz dos resíduos, q é um escalar e indica o número de fatores que
descreve a maior parte da variância dos dados e o sobrescrito t representa a
transposta da matriz. Cada fator corresponde a uma linha ou coluna das matrizes
T e P.
Existem duas definições diferentes para a análise de fatores, dependendo da
ordem da multiplicação das matrizes A e At: a análise do tipo Q (AAt) e a
análise do tipo R (AtA). Na realidade a direção da multiplicação não altera a
solução obtida. As diferentes soluções dependem da forma como a normalização
dos dados é realizada, ou seja, normalização por linhas, por colunas ou ambos.
Normalmente as matrizes usadas no tipo R são normalizadas para obter as
matrizes de correlação ou covariância, enquanto que na análise de tipo Q
existem três métodos, dependendo de como a matriz de similaridade ou associação
é definida30: o método de tipo Q de Imbrie, o método de Gowers ,e o método de
Benzécri30,35. Dependendo do conjunto de dados estudado, a multiplicação AAt do
tipo Q pode diminuir as exigências computacionais relativas àquelas necessárias
quando é usado o produto AtA(tipo R).
A análise de fatores do tipo Q de Imbrie30 define a similaridade dos objetos
considerando as proporções das espécies. Este método procura na matriz de dados
A, os objetos mais divergentes, representados pelas espécies puras, ou
constituídos por uma proporção significativa destas espécies, os quais
representam os vértices do simplex. Os demais membros devem ser combinações
lineares destes objetos. O número mínimo de vértices é determinado pela
aproximação da matriz de dados por uma matriz de ordem menor. Isto definirá um
número de vetores linha linearmente independentes, bem como a dimensionalidade
do sistema. A contribuição de cada objeto é obtida pelo uso da auto-análise.
Esta análise é feita sobre uma matriz real e simétrica obtida da matriz de
dados.
Imbrie e Purdy definiram um índice de similaridade proporcional referido como
co-seno de q. Para dois objetos, n e m, o cosq é determinado por
<formula/> (3)
Para dados positivos este índice varia de zero, isto é nenhuma similaridade,
para um, identidade.
O procedimento matemático do método começa com o cálculo dos cosq para todos os
objetos, a partir da matriz A. O primeiro passo é normalizar a matriz A por
linha, pré-multiplicando-a por uma matriz diagonal D-1(n x n), em que D-
1 representa a inversa da matriz D. A diagonal principal da matriz Dé formada
pelas raízes quadradas dos comprimentos dos vetores linhas de A,
W(n x p)=D-1A. (4)
A normalização por linha não afeta a relação de proporcionalidade entre as
variáveis e remove o efeito da diferença das proporções entre os objetos. A
matriz de similaridade ou associação é definida por
H= WWt = D-1AAtD-1, (5)
e pode ser expressa aproximadamente como o produto de uma matriz dos pesos P(n
x q), e uma matriz dos escores, Tt(p x q), sendo q é o posto aproximado da
matriz W. A matriz H é quadrada e simétrica e pode ser fatorada como H= ULUt,
onde U é a matriz dos autovetores e La matriz diagonal dos autovalores
associados. Assim, H= ULUt, P= UL1/2e T = WtPLt. Devemos enfatizar que as
matrizesP e T obtidas assim não são as mesmas determinadas na análise do tipo
R.
A matriz P determinada pelo método de Imbrie não fornece um conjunto de objetos
composicionalmente distintos. Uma maneira de resolver o problema é através das
rotações varimax e oblíqua.
Rotação Varimax30,31- A rotação varimax gira rigidamente os vetores da matriz P
até que eles coincidam com os vetores mais divergentes no espaço. Isto é feito
maximizando-se a variância dos pesos dos fatores em cada vetor, sujeitos à
restrição que os fatores retenham sua ortogonalidade, ou seja, que os fatores
permaneçam não correlacionados entre si. A ordem da matriz P para a rotação é
igual ao número de vértices, o qual é determinado pelo número de autovalores
significativos. A matriz P é então rodada para produzir uma nova matriz, F. A
relação entre as duas matrizes é dada por
F = PR (6)
onde R(q x q) é a matriz de transformação e F(n x q) é a matriz dos pesos
varimax. Cada linha da matriz F corresponde a um objeto ou uma combinação
linear deles e cada coluna representa um fator.
Projeção Oblíqua30-Imbrie descreveu um procedimento para projeção oblíqua que
gira os fatores varimax ortogonais até que eles também coincidam com os vetores
mais divergentes. Desta forma todos os demais membros do conjunto são definidos
como proporções destes objetos. A diferença dessa rotação é que o ângulo entre
os fatores é oblíquo e portanto eles são correlacionados entre si. Isto é feito
construindo-se uma matriz V(q x q), que contém os mais altos valores absolutos
dos pesos varimax em cada coluna dos objetos. A matriz da projeção oblíqua é
dada por
C = FV-1 (7)
ondeV-1é a inversa de V. Os vetores linha da matriz C fornecem as contribuições
proporcionais de todos os objetos em termos dos objetos de referência. Para
recalcular os valores em termos de dados originais é necessário dividir cada
vetor coluna da matriz C pelo comprimento do vetor do objeto correspondente, o
que desnormaliza os vetores coluna da matriz C.
Método da matriz k- calibração6-8
:Este método baseia-se na lei de Beer-Lambert,
<formula/> (8)
onde Aj é a absorvância de uma amostra multicomponente (ou referência) em um
comprimento de onda j, aij é a absortividade do componente químico i no
comprimento de onda j, b é o comprimento do caminho óptico e ci é a
concentração do i-ésima espécie, com q espécies possíveis em cada mistura.
Definindo Kij, como o produto aijb e adicionando o erro aleatório ej no
espectro em cada comprimento de onda j, temos
<formula/> (9)
Se um conjunto de misturas com proporções conhecidas for usado como referência
na fase de calibração das análises, uma série de equações simultâneas podem ser
usadas para descrever os espectros das misturas. Em notação matricial estas
equações são dadas por
A = KC + E. (10)
A matriz A neste caso é pxn, C(q x n)é a matriz das concentrações das q
espécies nas amostras (n³q), K é uma matriz pxq cujos elementos Kij são
estimados pelo método dos mínimos quadrados e E(p x n) contém os erros
experimentais para cada espectro.
Se a lei de Beer for válida as colunas da matriz K correspondem aos espectros
das espécies puras, na concentração unitária e comprimento do caminho óptico
unitário, nos comprimentos de onda usados na análise. Se a matriz CCt não for
singular, a solução dos mínimos quadrados ponderados para a equação acima
torna-se:
K* = ACt(CCt)-1 , (11)
onde K* corresponde aos espectros estimados. Esta matriz pode ser usada para
determinar as concentrações das amostras de composições não conhecidas, ou
seja, amostras de previsão:
As = KC + E, (12)
ondea matrizAscontém as absorvâncias das amostras de composição nãoconhecida
e,a matrizK*contém os espectros das espécies puras. As concentrações estimadas
para as amostras de previsão pelos mínimos quadrados não ponderados torna-se
C* = (K*tK*)-1K* As, (13)
admitindo-se que a matriz inversa exista.
EXPERIMENTAL
Materiais e reagentes: Uma solução de p-benzoquinona (PBQ) (Riedel) 0,1 mol dm-
3 foi preparada em dimetilsulfóxido (DMSO) (Merck). A PBQ utilizada foi
purificada através de sublimação. Foram preparadas soluções padrões 1,5 g dm-
3 de alanina e treonina (ambas da Sigma) em tampão fosfato 0,1mol dm-3, pH
6,0).
Preparação dos padrões puros:Foram preparadas duas soluções padrões com os
aminoácidos alanina e treonina. A um tubo teste contendo um volume de solução
tampão fosfato 0,1 mol dm-3 pH 6,0 adicionou-se uma alíquota de 200,0x10-6 dm3
do padrão aminoácido. Acrescentou-se 50,00x10-6 dm3 de PBQ 0,1 mol dm-3 e
completou-se o volume final com solução tampão a 5,0x10-3 dm3.
Preparação das misturas:A três tubos contendo um volume de solução tampão
fosfato 0,1 mol dm-3 , pH 6,0, foram transferidas alíquotas de soluções padrões
de alanina e treonina de 100,0 e 100,0; 150,0 e 50,0; 50,0 e 150,0 10-6 dm-3,
respectivamente. A cada um desses tubos acrescentaram-se 50,00x10-6 dm3 de PBQ
0,1 mol dm-3 e completou-se o volume final a 5,0x10-3 dm3 com solução tampão. O
branco foi preparado de forma semelhante aos padrões diluindo-se 50,00x10-6 dm3
de PBQ 0,1 mol dm-3 em solução tampão para um volume final de 5,0x10-3 dm3. As
proporções em massa resultantes foram 50% e 50%, 75% e 25% e 25% e 75% de
alanina e treonina, respectivamente.
Procedimento experimental:Após a adição da solução de PBQ os tubos foram
agitados durante 1 minuto com agitador ultra-sônico, vedados e submetidos a
aquecimento à 100oC em banho-maria por 18 minutos. Os tubos foram resfriados a
temperatura ambiente e os espectros dos padrões puros e das misturas foram
registrados contra o branco, no intervalo de 548,5 nm a 302,5 nm. Foi utilizado
um espectrofotômetro Milton Roy, modelo Genesys 2, interfaceado com um
microcomputador.
Programas computacionais:Todos os programas foram desenvolvidos no nosso
laboratório em linguagem FORTRAN, para microcomputador tipo PC.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados espectrais simulados foram preparados para demonstrar a aplicabilidade
do método. Estes espectros simulam um sistema de misturas ternárias. Os
espectros das espécies puras foram compostos somando-se duas bandas Gaussianas
de diferentes intensidades e larguras, e representados por cem pontos (p=100).
Primeira aplicação: No primeiro conjunto de dados experimentais simulados, os
espectros das espécies puras são conhecidas. Dez espectros de misturas foram
obtidos como combinações lineares de diferentes proporções dos espectros puros:
A = CV + E
onde C é a matriz das proporções ou concentrações, (tabela_1), V é a matriz dos
espectros puros e Erepresenta a adição de um ruído artificial de 10% da
intensidade do sinal médio. A figura_1 mostra a sobreposição espectral dos
espectros puros bem como das misturas. O objetivo do estudo é determinar a
composição química das misturas a partir dos espectros das espécies puras.
A dificuldade associada a este tipo de análise está relacionada com o número de
fatores que devem ser girados. Uma aproximação bastante utilizada supõe que as
espécies químicas têm uma grande contribuição para a variância dos dados, e o
número de espécies no sistema químico é igual ao número de autovalores
significativos mais um.
A análise de fatores do tipo Q de Imbrie mostra que dois fatores explicam em
torno de 97% da variância dos dados, cujos autovalores sãol1 = 11,315 e l2 =
1,341. Este resultado é consistente com o fato de que este sistema tem dois
graus de liberdade, isto é, tem três espécies químicas cuja soma das proporções
é sempre constante. O terceiro fator explica menos que 3% da variância total
nos espectros (l3 = 0,342) e pode ser atribuído ao ruído introduzido nos
espectros. Para obter os resultados para as três espécies químicas utilizou-se
rotações destes três fatores.
A tabela_2 mostra a matriz dos pesos dos fatores. Estes resultados não são
facilmente interpretáveis porque: 1) o primeiro fator constitui essencialmente
da média de todas as misturas e as espécies puras e 2) os pesos nos fatores
para cada mistura não somam um e portanto não podem ser interpretados
facilmente em termos de composição. Na inspeção direta desta matriz não é óbvia
a identidade dos objetos mais divergentes, que entretanto se tornam visíveis
com a rotação dos fatores pelo método varimax. A tabela_3, que contém a matriz
dos pesos dos fatores varimax, mostra que as três primeiras linhas possuem os
maiores pesos nas colunas correspondentes; portanto estes serão os eixos de
referência. Os valores encontrados nesta tabela não refletem as proporções
relativas das espécies em cada mistura. A estrutura exata das proporções é
revelada depois de se fazer uma projeção oblíqua destes fatores. A tabela_4
mostra o resultado da composição calculada para cada mistura com a adição de
10% de ruído, bem como as espécies puras (peso igual a 1). Este resultado
mostra um excelente ajuste com os valores originais na tabela_1 (± 0,001 ou
menor).
Para recuperar os espectros puros, o método da matriz k pode ser aplicado aos
resultados da tabela_4 e os dados espectrais do conjunto de calibração da
figura_1. A figura_2 mostra os espectros originais sem adição de ruídos e os
espectros recuperados. Verifica-se que os espectros se superpõem completamente.
Segunda aplicação: Esta simulação pode ser considerada como a representação de
uma reação cujas espécies variam de concentração com o tempo ou o pH, e podem
ser formados produtos intermediários ou novos produtos. Nestes casos, muitas
vezes os espectros das espécies puras ou de referências não podem ser obtidos
separadamente ou não podem ser isolados por meios químicos.
Para simular esta situação partiu-se de uma espécie pura, a amostra no 1 na
tabela_5, e duas misturas, amostra n0 6, contendo as espécies 1 e 2 e a amostra
n0 14, contendo as espécies 2 e 3, onde 2 representa um intermediário e 3 o
produto final da reação. Estas duas espécies têm proporções que variam entre
zero e 0,90, como mostrado na tabela_5. Como na primeira aplicação, foi tratado
um conjunto de 14 espectros, ilustrados na figura_3. Neste caso considera-se
que não existe nenhuma informação sobre o número de espécies, bem como sobre
suas concentrações.
A análise de fatores mostra que dois fatores explicam em torno de 96% da
variância total dos dados espectrais. Este resultado é consistente com a
existência de três espécies químicas na mistura.
A tabela_6 mostra o resultado final da composição das misturas após as
rotações, bem como os eixos de referência. Os eixos de referência determinados
pelo método correspondem aos objetos 1, 6 e 14, exatamente como na matriz
original. As composições calculadas com a adição de ruídos também estão muito
próximas das originais, tabela_5.
A figura_4 mostra os espectros puros originais e os calculados através da
matriz k, com adição de 10% de ruído. Neste caso houve um pequeno deslocamento
do espectro calculado, mas que manteve o mesmo perfil do original.
É importante salientar que os objetivos das duas análises exemplificadas com os
dados simulados são diferentes. Os resultados na tabela_4 foram obtidos sem
informação sobre as concentrações das espécies nas misturas. Como os espectros
das espécies puras foram incluídos na análise, o método do tipo Q conseguiu
identificá-los e atribuir as concentrações corretas para todas as espécies
químicas em todas as amostras. Se a informação sobre as concentrações é
incluída no tratamento do tipo Q e as curvas de calibração multivariadas são
determinadas como normalmente é feito em análises de rotina, não é necessário
incluir amostras das espécies puras no conjunto de calibração. As curvas de
calibração são simplesmente aplicadas para os dados espectrais de amostras com
concentrações desconhecidas para fazer a análise quantitativa das espécies
químicas.
As curvas de calibração não podem ser determinadas em situações onde existam
somente dados espectrais, como na figura_3. A metodologia tipo Q identifica os
espectros correspondentes às amostras com quantidades máximas das três
espécies, ou seja, espectros das amostras 1, 6, e 14. Na ausência de
informações sobre as verdadeiras concentrações destas amostras, a metodologia
aproxima estas concentrações como sendo de espécies puras. Mesmo assim
informações relevantes para a cinética química de todas as espécies podem ser
extraídas dos resultados das outras amostras.
Terceira aplicação: São relatados na literatura vários trabalhos dedicados à
determinação simultânea de aminoácidos e proteínas, destacando-se a metodologia
da p-benzoquinona (PBQ)36, que permite a determinação quantitativa simultânea
de aminoácidos totais e proteínas totais. O objetivo desta aplicação foi
utilizar a metodologia proposta na determinação quantitativa simultânea e
individual de misturas binárias de aminoácidos com sobreposição espectral quase
total.
O sistema estudado consistiu de misturas binárias de alanina e treonina nas
proporções em massa, 75% e 25%, 50% e 50%, 25% e 75% dos aminoácidos puros,
respectivamente. Todos os ensaios foram realizados em duplicatas autênticas. Os
espectros das misturas e dos aminoácidos puros foram registrados de 548,5 a
302,5 nm, em 83 comprimentos de onda igualmente espaçados.
A figura_5 mostra a sobreposição espectral dos espectros puros, bem como das
misturas. Pode-se observar que esta sobreposição é quase total, pela não
especificidade do reagente cromogênico utilizado.
A análise de fatores do tipo Q mostra que um único fator explica em torno de
99,9% da variância total dos dados espectrais. Este resultado é consistente com
a existência de duas espécies químicas na mistura.
A tabela_7 mostra a composição original e o resultado final da composição
calculada das misturas após as rotações. Estes resultados também podem ser
observados na figura_6, onde os valores previstos para um dos aminoácidos
(alanina), é apresentado em função dos valores originais. Os valores calculados
estão próximos da bissetriz, o que representa um bom ajuste com a composição
original, mostrando um desvio previsto em torno de 10%. Resultados similares
foram obtidos para a treonina.
Devido à sobreposição das bandas espectrais, seria impossível determinar a
composição química destas misturas, sem utilizar métodos baseados em
estatística multivariada.
A figura_7, mostra os espectros puros originais e os calculados através da
matriz k. Verifica-se que os espectros se superpõem completamente. Estes
espectros foram normalizados de tal forma que a soma das absorvâncias dos 83
comprimentos de onda fosse unitária.
CONCLUSÕES
A metodologia de fatores do tipo Q de Imbrie apresenta várias vantagens em
relação à análise do tipo R. Do ponto de vista computacional, a análise dos
aminoácidos por esta metodologia exige a diagonalização de uma matriz 10x10,
enquanto que na do tipo R envolveria a diagonalização de uma matriz 83x83. A
vantagem no uso do tipo Q é que um aumento na faixa de comprimento de onda ou
na resolução do espectro não implicará mais tempo de computação.
A metodologia proposta permite a determinação das concentrações das espécies em
misturas sem fazer análise de regressão, enquanto que métodos usando fatores do
tipo R normalmente envolvem o uso de critério por mínimos quadrados para a
determinação das concentrações. Além disto, a presença de "outliers"
no conjunto de dados não prejudica os resultados obtidos para as outras
amostras.
Um dos aspectos mais importante na metodologia proposta neste trabalho é a não
necessidade de um conjunto de calibração para a análise química das amostras.
Por isto pode ser aplicada a inúmeros problemas que não poderiam ser resolvidos
por métodos convencionais como por exemplo, a determinação das concentrações em
equilíbrios complexos e das constantes de velocidade de reações, onde existem
sobreposição espectral.
Finalmente, este trabalho mostra também que o erro devido a sobreposição
espectral propagado nas concentrações determinadas são pequenos. Além disto,
como esta metodologia não utiliza processos de separação química, os erros
experimentais daí provenientes não estão presentes.