A cultura da manga sob diferentes regimes de profundidades do lençol freático
em condições subúmidas
A CULTURA DA MANGA SOB DIFERENTES REGIMES DE PROFUNDIDADES DO LENÇOL FREÁTICO
EM CONDIÇÕES SUBÚMIDAS1
INTRODUÇÃO
No Brasil, a manga é cultivada em todas as regiões fisiográficas, com destaque
para o Nordeste, que apresenta excelentes condições para o seu desenvolvimento
e produção. Em 1996, a produção nordestina de manga participou com 47,7% da
produção brasileira. O Piauí contribui com uma área plantada de 1.230 ha (FNP,
2000) e a microrregião de Teresina abrange a maior parte dessa área, sendo o
maior e mais importante pólo de cultivo de manga da Região Meio-Norte do
Brasil. Onde quer que a manga seja cultivada, isto é, tanto no semi-árido, como
em regiões subúmidas, têm sido comum limitações no desenvolvimento da cultura,
devido à deficiência de drenagem em algumas áreas. Tal problema tem ocorrido
tanto em áreas planas de baixadas, como em locais de cotas mais elevadas, como
encostas de pequeno declive. A deficiência de drenagem nessas áreas pode ter
causas diversas, dentre as quais, a presença da camada impermeável a pequena
profundidade, associada ou não a excessos de irrigação, que em casos de solos
pouco intemperizados, tem levado a salinização ou solidificação desses. O
excesso de umidade no solo, nas áreas mais próximas dos rios, principalmente
durante o período chuvoso, também tem caracterizado o problema de drenagem de
áreas cultivadas. Esses problemas têm demandado instalação de dispendiosos
sistemas de drenagem, para controle da altura do lençol freático, projetados
com desconhecimento dos critérios agronômicos de drenagem das culturas. As
recomendações técnicas neste sentido limitam-se a culturas extensivas e poucas
informações se dedicam a fruteiras. Pizarro (1978) apresentou alguns critérios
de drenagem, enfatizando o caráter orientativo das informações, pelas quais,
três dias após uma chuva ou irrigação, a profundidade do lençol freático deve
atingir 1,4 ou 1,5 m para não afetar significativamente a produtividade de
fruteiras.
O excesso de água no solo, ou sua saturação, causa redução das atividades
vegetativas da mangueira após 2 a 3 dias, quando os níveis de O2 no solo caem
de 20% a abaixo de 5%. Larson et al. (1993) observaram uma redução no
crescimento da planta em 94% para 110 dias de encharcamento, enquanto, para um
tempo máximo de 10 dias, a redução no crescimento foi de 57%. O encharcamento
do solo com manga Tommy Atkins causa redução da assimilação líquida de CO2 e da
condutância estomatal, e aumenta a concentração subestomatal em 2 a 3 dias.
Ocorrem redução no crescimento de raízes e desenvolvimento de lenticelas
hipertrofiadas no tronco, o que é influenciado pela concentração de oxigênio na
água, sendo mais acentuado para mais baixas concentrações de O2. A deficiência
de aeração do solo pode ser suportável por meses, uma vez que a manga é
considerada moderadamente tolerante ao enharcamento do solo (Schaffer, 1997;
Larson et al., 1992).
O trabalho teve por objetivo avaliar as condições de aeração e umidade no
perfil de um solo para diferentes profundidades do lençol freático, visando a
gerar subsídios para determinação de critérios de drenagem para a cultura da
manga.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi instalado na área irrigada da Fazenda Mangal - Frutas
Tropicais de Exportações LTDA, no km 35 da rodovia Teresina ¾ Palmerais, numa
área de 11,5 ha de manga cultivar Keitt, irrigada por microaspersão, em solo
predominantemente Podzólico Vermelho-Amarelo. Na área experimental, foi
instalado um sistema de drenagem subsuperficial, numa área contendo 22 drenos
cobertos, na profundidade de 1,5 m e espaçados 35 m entre si, com comprimento
médio de 150 m. As características físicas e físico-hídricas do solo da área
experimental são apresentadas na Tabela_1.
O experimento seguiu um delineamento experimental inteiramente casualizado, com
quatro tratamentos e cinco repetições. Os tratamentos consistiram de diferentes
regimes de profundidades do lençol freático para as plantas, localizadas a
diferentes distâncias em relação ao dreno. A profundidade do lençol freático
(PLF), para cada planta, não foi constante ao longo do tempo, mas variou
conforme o regime de recarga e descarga do lençol. Os tratamentos referentes às
quatro profundidades dinâmicas do lençol freático, conseqüentes da posição em
relação ao dreno, foram (Figura_1): T1 - PLF a 3,5 m de distância do dreno
lateral coberto; T2 - PLF a 10,5 m de distância do dreno lateral coberto; T3 -
PLF a 17,5 m de distância do dreno lateral coberto; T4 - ausência do lençol
freático, isto é, assumiu-se sem presença do lençol freático, cuja
profundidade, se existente, estaria abaixo da zona radicular. Para avaliação
das condições de umidade e aeração do solo sob diferentes profundidades do
lençol freático, foram instalados dois poços de observação de PVC de 60 mm de
diâmetro (Pizarro, 1978; Millar, 1978). Junto a cada planta, foi também
instalado um tubo de acesso para sonda de nêutrons até a profundidade de 1,0 m,
para a determinação do teor de água do solo.
O monitoramento dos teores de água do solo e da profundidade do lençol freático
foi feito no período chuvoso de 1997, 1998 e 1999, quando ocorreram elevações
contínuas do lençol freático. A freqüência de leituras nos poços de observação
dependeu do regime pluvial, isto é, houve maior freqüência de leituras em
períodos de chuvas constantes e menor freqüência em períodos de chuvas
esporádicas. As leituras do teor de água do solo foram feitas na freqüência de
sete dias.
Foram monitoradas: (i) a profundidade do lençol freático; (ii) os teores de
água do solo nas profundidades de 0,3 m, 0,5 m e 0,7 m; e (iii) com base no
teor de água correspondente à saturação do solo, foi avaliada a porosidade
drenada nos perfis de solo referentes às profundidades pretendidas do lençol
freático, pela equação:
sendo ea a porosidade drenada do solo, qS o teor de água à saturação em base
volumétrica (cm3.cm-3) e q o teor de água atual do solo em cm3.cm-3.
Foram feitas medições biométricas a cada 90 dias nas plantas dos tratamentos
T1, T2 e T3, em 1997 e 1998, e também nas plantas do tratamento T4, em 1999. Em
novembro de 1999, foi feita a primeira colheita na área, e os frutos foram
separados em comerciais (peso do fruto igual ou superior a 285 g) e não
comerciais (peso inferior a 285 g). Foi feita a análise de variância dos dados
de produção, que foi associada ao monitoramento do lençol freático e ao teor de
água do solo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise de variância não foi significativa (P>0,05) para as variáveis de
produção relativas aos pesos do total de frutos e de frutos comerciais (Figura
2). A analise foi significativa para números de frutos totais e comerciais, mas
o teste de Tukey não mostrou diferença entre as médias dessas variáveis. As
produtividades das plantas a 3,5 m, 10,5 m e 17,5 m do dreno foram
satisfatórias, considerando o primeiro ano de colheita no local, tendo sido
inclusive um pouco acima em valores absolutos da produtividade sob ausência do
lençol freático.
De modo geral, em 1997, a profundidade média do lençol freático entre os drenos
(PMLF), em toda a área, esteve, na maior parte do tempo, entre 0,5 m e 1,0 m,
sendo que o encharcamento completo do solo (PMLF = 0) só foi observado em
curtos intervalos de tempo (máximo de um dia), com imediata recessão do lençol
freático (Figura_3). No período de máxima concentração das precipitações (80-
100 dias julianos), a PMLF variou de 0,12 m a 0,50 m. Nesse ano, além de um
regime pluvial mais intenso, ocorreu um razoável número de precipitações acima
de 80 mm, chegando a atingir até 100 mm, o que correspondeu a uma recarga do
lençol freático equivalente a uma elevação de 0,5 m (Figura_3). A diferença
entre as profundidades médias do lençol freático a 3,5 m e a 10,5 m de
distância do dreno foi de 0,1 m, e entre as profundidades a 10,5 m e 17,5 m de
distância do dreno foi de 0,06 m. No ano de 1998, a PMLF oscilou entre 0,8 m e
1,5 m durante todo o período chuvoso estudado. As menores elevações do lençol
freático ocorridas em 1998 devem-se ao regime pluvial pouco acentuado, com
poucas chuvas, entre 40 e 70 mm, valores esses capazes de promover elevações
entre 0,2 e 0,35 m no lençol freático (considerando a macroporosidade de 20%).
A média das diferenças entre as profundidades do lençol freático, a 3,5 m e a
10,5 m do dreno, foi de 0,1m e, entre as profundidades a 10,5 m e a 17,5 m, foi
de 0,38 m. No período monitorado de 1999, as profundidades do lençol freático,
tanto a 3,5 m e a 10,5 m como a 17,5 m, foram superiores a 1,0 m durante os 55
primeiros dias do ano, reduzindo-se a partir daí, mas mantendo-se numa média de
0,6m, atingindo a superfície do solo durante apenas um dia. Nesse ano, a
diferença entre as profundidades do lençol freático, a 3,5 m e a 10,5 m do
dreno, foi em média de 0,15 m e, entre as profundidades a 10,5 e 17,5 m, foi em
média de 0,06 m .
As diferenças entre as profundidades do lençol freático, a 3,5 m, a 10,5 m e a
17,5 m do dreno, não foram suficientes para gerar diferenças significativas no
estado da água do solo nessas condições, sendo que, em 1997, a média das
diferenças entre os teores de água no perfil de 0 a 0,6 m, para as distâncias
de 3,5 m e 10,5 m do dreno, foi de 0,02 cm3.cm-3 e, para as distâncias de 10,5
m e 17,5 m, foi de 0,03 cm3.cm-3. Em 1998, a média das diferenças entre os
teores de água no perfil de 0 a 0,6 m, para as distâncias de 3,5 m e 10,5 m do
dreno, foi de 0,02 cm3.cm-3 e, de 10,5 m e 17,5 m, foi de 0,01 cm3.cm-3. Em
1999, a média das diferenças entre os teores de água no perfil de 0 a 0,6 m,
para as distâncias de 3,5 m e 10,5 m e para as distâncias de 10,5 m e 17,5 m do
dreno, foi de 0,01 cm3.cm-3.
No ano de 1997, o período entre 80 e 90 dias foi o que resultou em valores da
porosidade drenada do solo mais baixos, atingindo a 10% (Figura_4). Os espaços
aéreos individuais, nesse período, não foram propícios à cultura da manga,
tendo atingido 7,5% na profundidade de 0,5 m e 5% na profundidade de 0,7 m. Em
1998, a porosidade drenada, independentemente da posição relativa ao dreno, foi
superior a 16% na maior parte do período avaliado, traduzindo¾se em condições
normais de arejamento do perfil do solo. Nesse período, as chuvas não foram
suficientes para afetar as condições de arejamento do solo, de forma a torná-la
prejudicial ao desenvolvimento da cultura da manga. Em 1999, no período
monitorado, a porosidade drenada foi superior a 22% em todas as distâncias do
dreno estudadas, o que se traduziu em condições de aeração razoáveis para a
cultura.
Os baixos valores da porosidade drenada observados nas profundidades entre 0,5
e 0,7 m, em 1997 (Figura_4), não afetaram o crescimento e desenvolvimento da
mangueira, o que pode ser observado pela Figura_5, onde os parâmetros
biométricos das plantas dos diferentes tratamentos mantiveram-se crescentes em
todas as medidas executadas de 1997 a 1999. Deve-se levar em conta que, em
1997, apesar das recargas mais acentuadas do lençol freático, tendo em vista
estar a manga no segundo ano após o plantio, as raízes ainda estavam
concentradas provavelmente na região superficial do perfil do solo (0 - 0,3 m),
onde a porosidade drenada se manteve em níveis iguais ou superiores a 9%. A
manga é considerada moderadamente tolerante ao encharcamento (Shaffer, 1997) ou
à deficiência de aeração do solo. Períodos curtos de encharcamento não são
fatais para a manga, podendo trazer uma pequena redução nas atividades
fisiológicas, havendo recuperação imediata após a reaeração do solo.
Os valores de produtividades, tanto de peso como do número dos frutos
comerciais e do total de frutos, considerados razoáveis para a cultivar em
estudo, associados aos dados de posição do lençol freático, teor de água e
porosidade drenada, permitem observar que o desenvolvimento e frutificação da
manga, cultivar Keitt, não foi afetado sob condições de lençol freático à
profundidade média de 1,0 m, durante os cinco ou seis meses de período chuvoso,
com recargas temporárias atingindo profundidades próximas da superfície do
solo, com recessão imediata do lençol freático.
CONCLUSÕES
1. O lençol freático à profundidade média de 1,0 m, durante os cinco ou seis
meses de período chuvoso, com recargas temporárias atingindo profundidades
próximas da superfície do solo, seguidas de recessão imediata do lençol
freático, não foram suficientes para afetar o desenvolvimento e a produtividade
da manga, cultivar Keitt.
2. As diferenças na profundidade média do lençol freático entre as posições a
3,5 m, a 10,5 m e a 17,5 m do dreno não foram suficientes para causar
diferenças significativas no estado da água do solo, nessas posições, durante o
período monitorado.
3. O crescimento e produtividade da manga, cultivar Keitt, não foi afetado em
condições de porosidade drenada do solo próximo ou superior a 10%.