Desbaste de mudas tipo filhote do abacaxi cv. Pérola -- 2: análises de
crescimento e de correlações
DESBASTE DE MUDAS TIPO FILHOTE DO ABACAXI CV. PÉROLA ¾ 2. ANÁLISES DE
CRESCIMENTO E DE CORRELAÇÕES1
INTRODUÇÃO
O abacaxi é uma das frutas tropicais mais cultivadas no mundo. No Brasil, berço
do abacaxizeiro e segundo maior produtor mundial, a cultura é economicamente
explorada na maioria dos Estados, dando uma importante contribuição à geração
de renda e emprego e, portanto, à fixação do homem no campo (Souza & Souza,
2000).
As variedades mais cultivadas no Brasil são a 'Pérola' e a 'Smooth Cayenne',
com características bem distintas. A planta da cultivar Smooth Cayenne ou
Caiena Lisa, a mais importante em nível mundial, não possui espinhos ao longo
das bordas das folhas, com exceção das extremidades, tem alta densidade foliar,
fruto cilíndrico e gera reduzido número de mudas tipo filhote (0 a 4). Por
outro lado, a cultivar Pérola, variedade brasileira, respondendo por cerca de
80% da produção nacional (Reinhardt & Souza, 2000), é uma planta de porte
médio, com menor número de folhas dotadas de espinhos nas bordas, fruto cônico,
e que produz muitos filhotes (5 a 15, segundo Cabral, 2000).
O ciclo do abacaxizeiro é dividido em três fases, a vegetativa, a reprodutiva e
a de formação de mudas. Enquanto a primeira fase é bem distinta, terminando com
o início da diferenciação floral ou o tratamento artificial de indução floral
(TIF), as duas outras se sobrepõem por um longo período. A partir do fechamento
das últimas flores, que ocorre cerca de 90 dias após o TIF, até a colheita dos
frutos, que normalmente acontece a partir de 155 a 170 dias após o TIF, há o
desenvolvimento simultâneo do fruto e das mudas tipo filhote (Reinhardt, 2000).
Sabendo-se que a relação fonte/dreno influi muito na distribuição e acúmulo de
fotossintatos, a presença de vários importantes drenos ativos tende a
estabelecer uma forte competição entre os mesmos, podendo prejudicar o tamanho
e/ou peso do fruto.
No manejo de culturas, sobretudo de fruteiras em geral, o desbaste é a prática
usada para reduzir o número de drenos competidores, evitando-se a formação de
frutos pequenos, de menor valor comercial. No Brasil, o desbaste de mudas de
abacaxi não tem recebido atenção, nem na pesquisa nem na prática, embora, mais
recentemente, tenha sido observado o seu emprego por alguns produtores dos
Estados de Tocantins e Minas Gerais, em busca de melhorias da produtividade e
da qualidade dos frutos.
O único trabalho publicado sobre o assunto, e a mesma cultivar, no Brasil, foi
o de Giacomelli et al. (1967), feito na Estação Experimental de Limeira, que
não constataram efeito significativo da redução de coroa e do desbaste de
filhotes em dois níveis (total e redução para três filhotes) sobre o peso de
frutos. Os resultados relatados na primeira parte deste trabalho também não
indicaram efeitos com significância estatística sobre o peso do fruto e a
produtividade da cultura, mas evidenciaram tendência consistente de elevação do
peso do fruto por até 13% (Lima et al., 2001), determinando uma relação
benefício/custo bastante positiva para tal prática (Reinhardt et al., 2000).
Não tem sido encontrada informação na literatura, se o desbaste parcial de
filhotes influi no vigor das mudas remanescentes, inclusive na coroa do fruto,
aspecto também relevante sob o ponto de vista prático, pois os filhotes
constituem o principal material de plantio da cv. Pérola. A eliminação de
algumas mudas em estádio inicial do seu desenvolvimento provavelmente
favorecerá o crescimento e o vigor das demais mudas da mesma planta.
O estudo visou aavaliar o efeito do desbaste de mudas tipo filhote sobre
aspectos vegetativos e produtivos do abacaxi cv. Pérola, cultivado sob as
condições de sequeiro do ecossistema dos tabuleiros costeiros, no litoral Norte
da Bahia. Nesta segunda parte do trabalho, são apresentados e discutidos os
resultados relativos ao acúmulo de matéria fresca e seca nos diferentes órgãos
da planta e as correlações entre caracteres vegetativos e do fruto.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido em abacaxizal comercial da Fazenda Agropecuária
Gavião Ltda, no município de Entre Rios, Bahia, Brasil, situada no Tabuleiro
Costeiro, Zona da Mata, na região do Litoral Norte, no período de junho de 1997
a dezembro de 1998. O plantio apresentou sistema de filas duplas, com
espaçamento de 0,80 m x 0,40 m x 0,30 m, correspondendo a 55550 plantas ha-1.
Em delineamento de blocos completos ao acaso, em parcelas subdivididas, com
sete repetições, foram estudados os seguintes tratamentos de desbaste de mudas
tipo filhote, efetuado aos 90 dias após o tratamento de indução floral: 1 ¾
todas as mudas desbastadas; 2 ¾ mantidas duas mudas do lado do sol poente; 3 ¾
mantidas quatro mudas, com desbaste, de cima para baixo; 4 ¾ mantidas quatro
mudas, com desbaste, de baixo para cima; 5 ¾ mantidas seis mudas; 6 ¾ sem
desbaste (testemunha), em três épocas de avaliação. Cada parcela ocupou área de
32,4 m2com 94 plantas, sendo 60 úteis, distribuídas entre duas fileiras duplas
com 15 plantas por fileira, além de bordaduras de fileiras simples de cada lado
e pelo menos uma planta nas extremidades de cada fileira.
Informações detalhadas sobre as condições edafoclimáticas, preparo do solo,
manejo do plantio e práticas culturais foram apresentadas na primeira parte do
trabalho (Lima et al., 2001).
Para avaliar o crescimento vegetativo da planta, foram feitas três coletas aos
90; 120 e 150 dias após o tratamento de indução floral, sendo uma planta por
unidade experimental, e determinados os pesos fresco (planta inteira, raiz,
caule, pedúnculo, folhas e mudas) e seco (raiz, caule, pedúnculo, folhas e
mudas), após secagem por sete dias na estufa a 800C. Todos os frutos da área
útil foram colhidos e pesados. Três frutos da área útil de cada unidade
experimental foram a amostra usada para a determinação de variáveis de
qualidade do fruto e da coroa.
Os dados obtidos foram submetidos a análises de variância e correlação pelo
Sistema de Análises de Engenharia e Genética ¾ SAEG, comparando-se as médias
pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Análise de crescimento vegetativo ¾Os tratamentos de desbaste estudados não
apresentaram efeito significativo sobre o acúmulo de pesos fresco (Tabela_1) e
seco (Tabela_2) da planta inteira, bem como dos seus órgãos (raízes, caule,
folhas, pedúnculo). No entanto, houve diferenças significativas para os pesos
fresco e seco do conjunto de mudas tipo filhote presentes em cada planta, o que
era esperado em função das intensidades diferentes do desbaste efetuado,
confirmando apenas que os tratamentos foram corretamente aplicados. Ficou
também evidenciada a significância estatística do fator período para as
variáveis peso fresco (pedúnculo, folhas e mudas) e peso seco (caule,
pedúnculo, folhas e mudas), indicando variações significativas em função da
data de avaliação (90; 120 e 150 dias após o tratamento de indução floral). Por
outro lado, a interação entre os fatores estudados não foi significativa, não
tendo ocorrido variação de significância do efeito dos tratamentos em função do
período de avaliação.
Em geral, o peso médio das mudas tipo filhote obtido neste estudo foi baixo
(Tabela_3), o que é compatível com o peso relativamente reduzido dos frutos
colhidos (peso médio geral de 810g) resultante do vigor vegetativo moderado das
plantas e do estresse hídrico ocorrido na fase reprodutiva do ciclo da cultura.
Apesar desse vigor vegetativo relativamente pequeno das plantas e mudas, ficou
evidente um efeito favorável do desbaste com a manutenção de apenas duas mudas
na planta (tratamento 2), determinando um peso médio maior por muda em todos os
três períodos de avaliação, com diferença estatística significativa aos 120 e
150 dias para peso fresco (Tabela_3) e aos 150 dias para peso seco (Tabela_4).
A menor diferença foi 74% para peso fresco e 68% para peso seco, na comparação
dos valores médios gerais desta variável. Por outro lado, não se observou o
mesmo efeito quando se reduziu o número de mudas tipo filhote mantidas na
planta, em torno de dez (testemunha) para seis (tratamento 5) ou quatro
(tratamentos 3 e 4). Portanto, os dados sugerem que a retirada parcial de mudas
tipo filhote, em início de seu desenvolvimento, resultou numa partição mais
favorável de matérias fresca e seca para as mudas, no caso do tratamento com
menor número de mudas (drenos) remanescentes na planta.
A evolução do peso seco presente no caule, pedúnculo e folhas (Figura_1), ao
longo do período de 90 a 150 dias após o tratamento de indução floral do
abacaxizeiro cv. Pérola, foi decrescente, independentemente da intensidade do
desbaste de mudas efetuado. Aos 90 dias após o TIF, o que corresponde acerca de
45 dias após o aparecimento da inflorescência na roseta foliar central da
planta, os valores de matéria seca dos três órgãos foram superiores aos obtidos
aos 120 e 150 dias, excetuando-se apenas o caso do peso seco das folhas e do
pedúnculo no tratamento 3 (desbaste parcial, de cima para baixo, mantendo 4
mudas). A redução consistente da matéria seca destes órgãos da planta sugere
que tenha havido translocação de substâncias de reserva, em primeiro lugar para
o fruto e, em intensidade menor, para mudas em formação (filhotes e a coroa do
fruto). No entanto, a diminuição observada para o peso médio da muda entre 120
e 150 dias (Tabelas_3 e 4) parece indicar que, nesta fase final de enchimento
do fruto, até mesmo as mudas podem atuar como fontes de matéria seca para o
fruto, que é o dreno principal.
Lopes et al. (1987) observaram, em feijão, a seqüência preferencial dos drenos
metabólicos, iniciando com as raízes e as folhas, e após algum tempo de
desenvolvimento vegetativo da planta, mudou-se para o caule, e, quando este
atingiu o ganho máximo em matéria seca, iniciou-se o enchimento dos grãos, de
maneira acentuada e definitiva. Nos três órgãos citados da planta do
abacaxizeiro, a translocação de fotossintatos foi relativamente menor no
tratamento 1 (desbaste total de mudas), com o menor número de drenos, do que no
tratamento 6 (testemunha ¾ sem desbaste), com o maior número de drenos.
Todavia, parece que a remoção de drenos (mudas) não fez com que os drenos que
permaneceram, tenham sido proporcionalmente favorecidos pela translocação de
reservas, à exceção do tratamento 2, no qual as duas mudas mantidas após o
desbaste apresentaram maior peso médio em função do acúmulo de matéria seca
(Tabelas_3 e 4).
Coeficientes de correlação -Os dados sobre o crescimento vegetativo do
abacaxizeiro cv. Pérola, determinado por meio dos pesos frescos (Tabela_5) e
secos (Tabela_6) acumulados, até 90; 120 e 150 dias após o tratamento de
indução floral, indicam uma associação estreita e positiva entre a planta
inteira e os seus órgãos (raiz, caule, pedúnculo, folhas, mudas), com
coeficientes de correlação significativos no nível de 1% de probabilidade entre
todos os caracteres. Os coeficientes foram mais elevados para as correlações
entre planta, caule, folhas e pedúnculo, e mais baixos para as correlações
entre raízes e os demais órgãos da planta. Como esperado, plantas com pesos
maiores para raízes, caule e folhas determinaram também um maior acúmulo de
matérias fresca e seca nas mudas, independentemente do desbaste parcial das
mudas realizado em alguns tratamentos deste estudo.
Por outro lado, as correlações entre caracteres físicos, químicos e físico-
químicos do fruto foram distintas para as diversas variáveis, tendo algumas
delas sido influenciadas pelos tratamentos de desbaste estudados (Tabela_7). Os
coeficientes gerais de correlação indicaram que o peso médio do fruto guarda
associação positiva e altamente significativa com as variáveis de comprimento e
diâmetro do fruto com magnitude de 0,9519 e 0,5927, respectivamente, ocorrendo
correlação negativa significativa entre o teor de sólidos solúveis totais (SST)
e a acidez total titulável (ATT) do fruto, embora com magnitude mais baixa (-
0,3809). E estas correlações não foram afetadas pelos tratamentos de desbaste,
salvo um valor não significativo observado para a correlação entre peso e
diâmetro do fruto dentro do tratamento 3.
Correlações positivas entre peso e dimensões do fruto são esperadas, o mesmo
ocorrendo para a associação negativa entre SST e ATT, pois o próprio processo
de maturação do fruto implica transformação de ácidos em açúcares. Cabral et
al. (1988), Reinhardt & Medina (1992) e Carvalho (1999) também constataram
teores mais altos de STT em frutos com menor ATT.
As correlações do peso do fruto com os pesos frescos da planta e das folhas
(Tabela_7) foram positivas e significativas para todos os tratamentos
estudados, com coeficientes de magnitude mais baixa para o desbaste total
(tratamento 1), confirmando resultados obtidos por grande número de autores,
para diversas cultivares de abacaxi, destacados por Reinhardt et al. (1987) e
resumidos nos livros de Py et al. (1984) e de Cunha et al. (1999). Tais
associações positivas são levadas em conta nas recomendações técnicas sobre a
indução floral artificial do abacaxizeiro, determinando-se a melhor época e
idade da planta para a realização desta prática cultural, em função do nível
mínimo de crescimento atingido pelas plantas, que possa assegurar a obtenção de
frutos de peso adequado para os diferentes mercados. Plantas mais vigorosas
tendem a produzir frutos mais pesados.
No entanto, as correlações de peso e comprimento do fruto com os pesos frescos
de mudas e da coroa foram nitidamente influenciadas pelos tratamentos de
desbaste (Tabela_7). No tratamento-testemunha, sem desbaste, maiores pesos de
fruto foram obtidos em plantas com pesos de mudas (conjunto de mudas do tipo
filhote) mais elevados, mas tal associação positiva não foi significativa no
tratamento 3, no qual se procedeu o desbaste parcial, mantendo-se quatro mudas
de cima para baixo no pedúnculo.
O efeito do desbaste de mudas tipo filhote afetou mais fortemente as
correlações do fruto com a coroa. A correlação foi negativa e altamente
significativa, tanto para os pesos como para os comprimentos das duas
variáveis, dentro do tratamento-testemunha (T6), mas foi positiva dentro de
vários dos tratamentos com desbaste parcial e total estudados (Tabela_7). O
contraste maior ocorreu entre testemunha e o desbaste total de mudas tipo
filhote (T1). Nas plantas-testemunha (sem desbaste, com cacho completo de
mudas), frutos mais pesados estiveram associados com coroas mais leves (e mais
curtas), ao passo que, em plantas com desbaste total de mudas, frutos mais
pesados apresentaram também coroas mais pesadas, reforçando a constatação de
que a coroa passa a ser um dreno importante para os fotossintatos após a
redução do número de mudas tipo filhote, na fase de desenvolvimento do fruto.
CONCLUSÕES
1. O desbaste de mudas tipo filhote favorece o acúmulo de matéria seca nas
mudas remanescentes e na coroa do fruto do abacaxi cv. Pérola.
2. A distribuição de matéria seca entre os órgãos indica partição em favor do
fruto, com redução do peso seco de caule, folhas e pedúnculo na fase de
maturação do fruto, a partir de 120 dias após o tratamento de indução floral.
3. O desbaste de mudas determina a alteração da correlação entre peso do fruto
e peso da coroa, de negativa e altamente significativa para não significativa
ou até mesmo positiva e significativa, a depender da intensidade do desbaste.
4. As correlações do peso do fruto e do peso das mudas com os pesos da planta e
dos seus principais órgãos são positivas e altamente significativas.