Armazenamento de caqui (Diospyros kaki, L.) cv. Quioto, em atmosfera controlada
ARMAZENAMENTO DE CAQUI (Diospyros kaki, L.) cv. QUIOTO, EM ATMOSFERA
CONTROLADA1
INTRODUÇÃO
O caqui-'Quioto' vem despertando interesse dos produtores devido à sua colheita
tardia, depois da cv. Fuyu, além de ser bem aceito pelo consumidor, por
apresentar polpa com cor "chocolate" não taninosa. Seus frutos são
redondo-alongados de bom tamanho, pertencentes ao grupo variável com altos
índices de autopolinização, o que lhe confere a característica de apresentar
sementes. Poucos estudos têm sido feitos com essa cultivar, principalmente com
relação ao seu potencial de armazenamento.
O caqui foi introduzido no Brasil por volta de 1890, em São Paulo. Hoje, as
regiões Sul e Sudeste são as principais produtoras, por apresentarem condições
edafoclimáticas adequadas (Martins & Pereira, 1989). No RS, a área da
cultura vem crescendo nos últimos anos por ser de fácil manejo, pouco uso de
agrotóxicos e boa aceitação no mercado.
O baixo consumo per capita no Brasil, o curto período de colheita, a alta
perecibilidade dos frutos e o mercado regionalizado fazem com que a oferta no
período de safra seja muito maior que a demanda, ocasionando queda de preços,
perdas das mais diversas, desde aquela parte da produção que não é colhida por
falta de mercado, até aquela desperdiçada no sistema de comercialização, com um
conseqüente desabastecimento do mercado por 7 a 8 meses do ano pela falta do
produto. Seu armazenamento poderia contribuir para contornar estes problemas.
Segundo Brackmann & Donazzolo (2000), a conservação do caqui depende
principalmente das condições de armazenamento. No entanto, os fatores pré-
colheita, como sanidade do pomar, nutrição mineral e ponto de maturação não são
menos importantes. De acordo com estes autores, as condições de temperatura e
umidade relativa (UR) das câmaras são os fatores mais importantes no
armazenamento, e o uso de atmosfera controlada (AC), modificada (AM) e absorção
de etileno podem melhorar a qualidade dos frutos.
A temperatura ideal para a conservação de caqui ainda não está definida. No
entanto, 0ºC é a mais recomendada para uma boa conservação, diminuindo a
intensidade de degradação dos ácidos e açúcares e retardando a senescência (Lee
et al., 1993; Brackmann et al., 1997). Para a cv. Triumph, Prusky et al. (1997)
utilizaram -1ºC e Brackmann & Saquet (1995) verificaram que -0,5ºC foi
melhor que 0,5ºC para a cv. Fuyu.
Aliada à baixa temperatura, pode-se utilizar a AC para retardar a perda de
qualidade durante o armazenamento. As altas concentrações de CO2 inibem
diversas enzimas do ciclo dos ácidos tricarboxílicos, reduzindo o metabolismo e
a respiração dos frutos (Brackmann & Chitarra, 1998). Não se dispõe de
informações precisas acerca das concentrações de gases para armazenar caqui em
AC. Pressões parciais de 16kPaO2/15kPaCO2 são citadas por Brackmann et al.
(1997) como boas condições de armazenamento para a cv. Fuyu, e 8kPaCO2/2kPaO2
em '0,5ºC são tidas como boas condições de armazenamento para as cultivares
Taubaté, Bauru e Fuyu (Brackmann & Saquet, 1995).
O objetivo do presente trabalho foi avaliar o efeito de condições de baixas
temperaturas e de altas pressões parciais de CO2 no armazenamento, em AC, sobre
a qualidade dos frutos de caqui cv. Quioto, visando a diminuir perdas em pós-
colheita e prolongar o período de conservação.
MATERIAL E MÉTODOS
Os frutos utilizados foram da cv. Quioto, provenientes de um pomar comercial de
Farroupilha - RS, colhidos com a coloração da epiderme laranja-amarelada, ponto
de maturação considerado adequado para a conservação por longo período, e
firmeza de polpa acima de 50N. Após a colheita, os frutos foram transportados
ao Núcleo de Pesquisa em Pós-Colheita (NPP) do Departamento de Fitotecnia da
Universidade Federal de Santa Maria, onde foram submetidos a um processo de
seleção, excluindo-se aqueles que apresentavam maturação avançada, baixo
calibre ou com ferimentos. Posteriormente, foi efetuada uma homogeneização das
amostras experimentais e aplicados os tratamentos. O delineamento experimental
foi o inteiramente casualizado, arranjado em um esquema bifatorial 2x3, com
quatro repetições por tratamento e unidade experimental composta por 19 frutos.
Os tratamentos constaram de uma combinação de duas temperaturas ('1,0 e '0,5ºC,
com uma oscilação de ±0,2ºC) e três pressões parciais de CO2 (0; 5 e 10kPa). A
umidade relativa do ar foi mantida acima de 95% e o O2 acima de 15kPa.
Os frutos foram armazenados em minicâmaras experimentais herméticas, com
capacidade de 72L, mantidas, durante o período de armazenamento, em duas
câmaras frigoríficas de 24m3, onde se estabeleceu o controle automático da
temperatura. Os teores de CO2 foram obtidos mediante injeção deste gás nas
minicâmaras. O processo respiratório dos frutos resultou no consumo de O2 e
acúmulo de CO2, e, para manutenção dos níveis estabelecidos, foram realizadas
diariamente análises e correções. A determinação das concentrações dos gases
foi feita através de analisadores eletrônicos de O2 e CO2 marca Agridatalog, de
fluxo contínuo, pelos quais se circulou uma amostra de gás de cada minicâmara
que, após a análise, retornou à respectiva minicâmara. As leituras foram feitas
em porcentagem que, na altitude de Santa Maria, praticamente equivale à unidade
kPa. O O2 consumido pela respiração dos frutos foi compensado pela injeção de
ar nas minicâmaras. O CO2, quando em excesso, foi eliminado, circulando-se o
gás das minicâmaras por uma solução absorvente com hidróxido de potássio a 40%.
A concentração do etileno nas minicâmaras de atmosfera controlada foi
monitorada semanalmente durante todo o período de armazenamento. Uma seringa
com volume de 50ml era enchida com a atmosfera homogeneizada de cada minicâmara
e desta eram injetadas duas amostras de 1ml em um cromatógrafo a gás, equipado
com uma coluna Porapak N 80/100 e detector de ionização de chama (FID).
Na instalação do experimento, foi realizada uma análise de qualidade de três
amostras de 10 frutos. As avaliações subseqüentes foram realizadas após três
meses de armazenamento mais três dias de exposição à temperatura ambiente (18-
20ºC), simulando o período de comercialização. Os parâmetros de qualidade
avaliados foram firmeza de polpa (N) e incidência de podridões (%), conforme
descrito por Brackmann et al. (1997); índice de escurecimento da epiderme,
determinado através de níveis de manifestação, onde o nível 1 corresponde ao
fruto com área menor de 10% da epiderme com escurecimento; 2 com epiderme do
fruto apresentando entre 10 e 30% de escurecimento; e 3 com escurecimento maior
de 30%. O índice foi calculado pela soma dos produtos do número de frutos pelo
seu nível, dividido pelo número total de frutos da amostra; perda de peso (%),
calculada pela diferença de peso da amostra por ocasião da entrada na câmara e
da data de avaliação do experimento; sólidos solúveis totais (ºB), determinados
por refratometria, utilizando o suco de uma fatia mediana dos frutos de cada
amostra; cor da epiderme obtido por um colorímetro eletrônico, da marca
Minolta, que utiliza o sistema CIE L*, a*, b*; e, respiração (mLCO2.kg-1.h-1) e
produção de etileno (mLC2H4.kg-1.h-1), determinados através da quantificação do
CO2 e do etileno produzido por 10 frutos hermeticamente fechados em um
recipiente de vidro com capacidade de 5 litros, durante aproximadamente 2
horas. Esta análise foi realizada 24 e 48 horas após a saída dos frutos da
câmara, no período de simulação da comercialização e contou com apenas duas
repetições, não sendo, por este motivo, submetidas à análise estatística.
Para cada parâmetro avaliado, foi efetuada uma análise da variância, sendo as
médias do fator temperatura comparadas estatisticamente pelo teste F, ao nível
de 5% de probabilidade do erro e o fator CO2 submetido a uma análise de
regressão. As variáveis perda de peso e podridões, expressas em percentagem,
foram transformadas pela fórmula ,, e arc-sen
<formula/>respectivamente, antes da análise da
variância.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A interação entre os fatores (temperatura e CO2) não foi encontrada para nenhum
dos parâmetros avaliados (Tabela_1). Isso indica que a resposta de cada fator
dentro dos níveis do outro fator foi semelhante. Possivelmente, o intervalo
muito pequeno entre as temperaturas utilizadas levou a esse resultado, tanto
que foi constatada diferença significativa entre as duas temperaturas apenas
para a variável firmeza de polpa (Tabela_2).
Isoladamente, o CO2não se mostrou influente na redução da perda de peso (Figura
1B) e da firmeza de polpa (Figura_1A ), ao passo que as podridões apresentaram
uma resposta linear negativa (Figura_1A). Para os parâmetros, SST, cor e índice
de escurecimento de epiderme, a resposta foi quadrática, sendo que valores de
CO2 entre 5 e 10kPa apresentaram os melhores resultados (Figuras_1B e 1C).
Com relação à cor da epiderme, os frutos em alto teor de CO2 apresentaram
coloração mais amarela (b*) e mais vermelha (a*) (Figura_1C), representando que
o CO2 acelerou os processos de mudança da cor de epiderme. Isto confirma que os
pigmentos no caqui continuam a ser sintetizados durante o armazenamento,
conforme observado por Turk (1993), quando da aplicação de 0,25 a 0,5kPa de CO2
por 46 horas após o armazenamento, o que estimulou a síntese de caroteno,
fazendo parte das transformações que ocorrem no amadurecimento. Como altas
concentrações de CO2 são indicadas para estimular a destanização do caqui
(Guelfat-Reich et al, 1975), significa que este gás tem efeito acelerador de
alguns processos do amadurecimento. A variação da pressão parcial do O2 e,
principalmente, do CO2, pode estimular a síntese de a-caroteno (Wright &
Kader, 1997), o que explica o aumento da coloração amarela. A coloração
vermelha mais intensa no caqui é uma característica desejável, desde que não
venha acompanhada da perda de firmeza de polpa. Os teores de CO2 estudados
neste trabalho parecem apresentar este efeito, visto que produziram frutos mais
vermelhos e não influenciaram a firmeza de polpa (Figuras_1A e 1C).
Com pressões parciais de CO2 próximas a 10kPa constataram-se os menores índices
de escurecimento da epiderme (Figura_1B), que é a principal causa de perda do
caqui armazenado. Lee et al.(1993), Brackmann et al. (1997) e Park (1997)
confirmam estes resultados. Isso sinaliza que esse dano pode estar relacionado
à senescência dos frutos, ou, mais propriamente, ao processo respiratório, já
que esse fator (CO2) tem ação inibitória marcante na cadeia respiratória
(Brackmann & Chitarra, 1998). A análise dos valores de produção de etileno
e respiração dos frutos após a saída da câmara (Figura_1D) reforça esta
hipótese. A respiração dos frutos mantidos a 0kPa de CO2 foi maior do que a dos
frutos armazenados a 10kPa e, especialmente, aqueles mantidos a 5kPa.
Verificou-se que, após um dia de permanência a 18-20ºC, depois de 3 meses de
armazenamento com 10kPa de CO2, a produção de etileno foi zero, e em 5kPa foi
aproximadamente a metade do que produziram os frutos mantidos em 0kPa. No
segundo dia, os frutos mantidos a 0kPa de CO2, durante o armazenamento,
produziram três vezes mais etileno que aqueles mantidos a 5 ou 10kPa,
confirmando que altas pressões parciais de CO2 inibem a evolução da produção do
etileno (Kader, 1986). Esta maior produção de etileno provavelmente acelerou os
processos metabólicos relacionados à senescência, evidenciados pelos dados de
respiração, e estimulou a manifestação do escurecimento de epiderme. A absorção
do etileno contribui para a redução da incidência deste distúrbio (Lee, et al.,
1993), que pode estar relacionado à maturação avançada e à oxidação de
polifenóis dos frutos (Kim et al., 1992; Ben-Arie & Zutkhi ,1992), devido à
alta atividade da enzima polifenol oxidase, que é maior em frutos com elevada
incidência do distúrbio (Park, 1997). Já que a aplicação de antioxidante
(2.000mg.L-1 de difenilamina ou 2.500mg.L-1 de etoxiquin) contribui para a
redução da incidência do escurecimento (Lee, et al., 1993), é realmente
possível que um processo de oxidação esteja envolvido (Burmeister et al.,
1997). Apesar de o fator CO2 apresentar efeito positivo, o índice de
escurecimento de epiderme manteve-se elevado (aproximadamente 1,7 - equivale a
± 20% da superfície escurecida), mostrando a necessidade de se investigar
outras técnicas para a redução da incidência do distúrbio. Também há a
possibilidade de as manchas escurecidas serem causadas pela ocorrência de
fungos (Alternaria alternata), como observado por Ben-Arie & Zutkhi (1992).
Entretanto, as manchas não apresentavam características evidentes de ataque de
patógenos.
A firmeza de polpa não apresentou resposta às diferentes pressões parciais de
CO2(Figura_1A). Em outras cultivares de caqui, no entanto, condições de AC
retardaram a perda de firmeza de polpa (Brackmann et al., 1997; 1999; Park,
1997). Embora o alto teor de CO2tenha reduzido a respiração e produção de
etileno após a saída da câmara (Figura_1D), o índice de escurecimento de
epiderme e as podridões (Figuras_1A e 1B), não deve ter afetado a degradação
das pectinas e hemicelulose da parede celular, tidas como responsáveis pela
firmeza de polpa. No entanto, foi o único parâmetro a apresentar diferença com
relação à temperatura. A atividade das enzimas envolvidas no processo de perda
de firmeza de polpa parece apresentar diferenças marcantes para o caqui em
pequenas variações de temperatura, quando esta se aproxima da ideal, que para a
cv. Quioto está, provavelmente, abaixo de '0,5ºC.
O fator CO2 apresentou uma relação direta na redução da incidência de podridões
(Figura_1A). Prusky et al. (1997) também encontraram resultados semelhantes.
Provavelmente por influenciar diretamente na germinação dos esporos e
desenvolvimento do fungo e, indiretamente, por retardar o processo metabólico
de senescência dos frutos armazenados, que os torna mais sensíveis ao ataque de
patógenos, como demonstraram Wells & Uota (1970). Os dados obtidos mostram
que, para outros parâmetros avaliados, as respostas ao CO2 foram quadráticas,
indicando que o ponto de máxima eficiência técnica está abaixo de 10kPa.
Portanto, elevando os teores deste gás para concentrações muito acima das
estudadas, podemos ultrapassar o limite para a manifestação de dano
fisiológico. No entanto, pressões parciais acima de 15kPa já foram estudadas
para a cultivar Fuyu, sendo eficiente no controle de podridões e não causando
dano fisiológico na forma de escurecimento de epiderme (Brackmann et al.,
1997). Assim sendo, em virtude da alta incidência de prodridões verificada,
aproximadamente 35% com 10kPa de CO2, e da eficiência do CO2 no controle de
fungos, é provável que pressões parciais de CO2 ainda mais elevadas na
temperatura de '1,0ºC possam ter um melhor desempenho.
CONCLUSÃO
A temperatura de '1,0ºC, pela redução da perda de firmeza de polpa, e pressões
parciais de CO2 próximas a 10kPa, pela redução de podridões e escurecimento de
epiderme, é melhor condição de armazenamento dentre as estudadas para o caqui
cv. Quioto. Nesta condição, o período de armazenamento deve ser inferior a 3
meses, devido às altas perdas por podridões, ficando, no entanto, com firmeza
de polpa acima da considerada mínima para o consumo.