Avaliação da resistência à Xylella fastidiosa em germoplasma de tangerina e
híbridos introduzidos da Itália e Córsega
COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA
A Clorose Variegada dos Citros (CVC) foi constatada pela primeira vez no
Brasil, em 1987, na região Noroeste do Estado de São Paulo (De Negri, 1993). Em
levantamentos realizados pelo FUNDECITRUS, no Estado de São Paulo, tem sido
verificado o aumento da porcentagem de plantas com CVC, sendo que, no censo de
2000, observou-se que 13,23% das árvores estavam com sintomas foliares da
doença; 20,8% com sintomas em folhas e frutos, o que perfaz um total de 34,03%
de árvores infectadas; deste total, 44,44% tem de 6'10 anos e 42,69% de 3-
5 anos (FUNDECITRUS, 2000).
O agente causal desta doença é a bactéria Xylella fastidiosa, que é restrita ao
xilema. É uma bactéria endofítica parasita que habita exclusivamente os
elementos de vasos ou traqueídeos constituintes do xilema da planta-hospedeira
(Purcell & Hopkins, 1996). Esta bactéria tem como vetores para sua
disseminação algumas espécies de cigarrinhas da família Cicadellidae, sendo que
esta também pode ser transmitida através da enxertia de borbulhas contaminadas,
fato comprovado por Li (1997). A rápida disseminação da bactéria deve-se ao
material propagativo contaminado, e uma vez introduzida na área, as cigarrinhas
disseminam a doença para outras plantas.
A CVC ataca quase todas as variedades comerciais de laranja-doce no Brasil (Lee
et al., 1992). Li et al. (1996), estudando 128 variedades e clones de laranja-
doce, encontraram que estas começaram a apresentar sintomas três meses após a
inoculação por enxertia, tanto dentro como fora de estufa, sendo os resultados
dos testes sorológicos positivos.
Uma das maneiras de controle da CVC seria a utilização de variedades
resistentes, mas, apesar de o Brasil ter um dos maiores bancos de germoplasma,
não foi encontrada até o momento nenhuma variedade comercial de laranja-doce
resistente ou tolerante a esta doença (Mourão Filho et al., 1997).
Este trabalho teve como objetivo avaliar o comportamento de genótipos
introduzidos de bancos de germoplasma de outros países, com respeito a sua
resposta à inoculação da bactéria causadora da CVC, pelos métodos sorológico
(ELISA) e molecular (PCR).
O experimento foi conduzido na Estação Experimental de Citricultura de
Bebedouro (E.E.C.B.), Bebedouro - SP, em estufa com telado antiafídico nas
laterais e cobertura de plástico. Estudaram-se genótipos de tangerina e
híbridos introduzidos via borbulha sadia pela EECB, FUNDECITRUS e CENARGEN de
bancos de germoplasma da Itália e Córsega, sendo utilizada a laranja - Pêra
como padrão. Cada material constou de 4 plantas, três das quais foram
inoculadas com a bactéria e a outra, sem inocular, utilizou-se como testemunha.
Os materiais avaliados estão relacionados na Tabela_1.
As borbulhas dos materiais, retiradas de plantas sadias que se encontram na
EECB, foram enxertadas em diversos porta-enxertos relacionados na Tabela_1, em
novembro de 1998. Após um mês aproximadamente, as fitas plásticas foram
retiradas e o porta-enxerto podado para induzir o crescimento da copa a ser
estudada; entretanto, as plantas não apresentaram um crescimento uniforme,
sendo que, durante o ano de 1999, foi necessário refazer alguns enxertos. As
plantas desenvolveram-se em sacos plásticos de 4 litros (tamanho 15x30cm), com
substrato à base de solo (65% de terra areno-argilosa, 20% de esterco de
curral, 10% de vermiculita, 3% de orgânico humificado, 1% de superfosfato
simples, 0,5 % de calcário dolomítico) e 0,5% de NPK (12-06-12).
Os ramos infectados com a bactéria foram obtidos de plantas da variedade Pêra,
com sintomas típicos da doença nas folhas e nos frutos. Os ramos utilizados
pertenciam à brotação de um ano de idade com 4 cm de comprimento e 3 a 4
folhas, sendo cortados da planta, e a inoculação era feita no mesmo dia. O
método utilizado para a inoculação nas plantas foi o da garfagem lateral de
ramos de plantas doentes (Li, 1997). As avaliações dos sintomas da CVC
iniciaram-se três meses após a inoculação, segundo o indicado por Li (1997).
Esta avaliação foi feita mensalmente, da primeira à terceira vegetação,
observando a presença ou não de sintomas nas folhas.
O primeiro teste sorológico DAS -ELISA (Double Antibody Sandwich Enzyme-Linked
Immunosorbent Assay) foi realizado quando as plantas completaram 9 meses após a
inoculação e o segundo no mês de outubro de 2000. Os extratos foram preparados
a partir de 5 folhas adultas da primeira vegetação de cada planta de citros.
Para a realização do teste, no laboratório da FUNDECITRUS, foi utilizado o
anticorpo contra Xylella fastidiosa produzido por Sanofi Diagnostics Pasteur -
France (kit ELISA para diagnóstico de CVC).
A avaliação pelo teste de PCR (Polymerase Chain Reaction) foi realizada no mês
de outubro de 2000, utilizando-se do mesmo material usado no teste de ELISA. O
procedimento de extração do DNA foi feito com o protocolo proposto por Shillito
& Saul (1998). A quantificação do DNA foi realizada em espectrofotômetro
(BECKMAN ' DU 640), medindo-se a absorbância em contraste com uma amostra de
TE, nos comprimentos de onda de 260 e 280 nm. Para estimar a quantidade dos
DNAs, utilizou-se o padrão de que uma unidade de densidade óptica (DO) equivale
a 50 mg de DNA por mL de solução (Sambrook et al., 1989). Para a reação da PCR,
utilizou-se o primer RST 31 e RST 33. O teste foi realizado no laboratório de
Bioquímica e Microorganismos de Plantas da UNESP/FCAV-Jaboticabal.
Durante o desenvolvimento do experimento, as plantas não apresentaram um
crescimento uniforme, sendo que, durante o ano de 1999, foi necessário refazer
alguns enxertos dos materiais-copas, assim como em muitos materiais foi preciso
fazer uma ou duas reinoculações devido ao baixo índice de pegamento do ramo
doente. Este fato fez com que as avaliações fossem feitas em épocas diferentes.
A baixa taxa de pegamento foi reportada anteriormente por Souza et al. (2000) e
Nunes (1999), este último citando uma taxa de pegamento das inoculações ao
redor de 30 a 40%. Estas baixas taxas podem ocorrer, em primeiro lugar, porque
os ramos que estão sendo usados para inoculação, correspondem aos mais afetados
pela bactéria (para assegurar, assim, uma boa quantidade inicial do inóculo
para a infeção), fato que pode estar impedindo o bom pegamento dos ramos. Outro
fator que poderia estar influenciando o baixo pegamento dos ramos, é o efeito
dos porta-enxertos.
Os primeiros sintomas, embora muito fracos, apareceram 7 meses após a
inoculação, no mês de setembro de 1999, no material OMO 30; em novembro de
1999, ou seja, 9 meses após a inoculação, estes foram observados nos materiais
OMO 15 e OTA 29.
Todos os materiais foram submetidos ao teste de ELISA, nove meses após a
inoculação, sendo os resultados apresentados na Tabela_1. Assim, no primeiro
teste realizado, em outubro de 1999, foram avaliados 14 materiais, encontrando-
se resultados positivos em plantas que não apresentaram sintomas, como é o caso
dos materiais OMO 14 e OMO 29. Os materiais OMO 30, OMO 15 e OTA 29, que haviam
apresentado sintomas da doença nas folhas, também apresentaram resultado
positivo no teste. No mês de abril de 2000, o teste foi aplicado em outros 15
materiais, os quais foram inoculados no mês de julho de 1999, encontrando-se
resultados positivos para os materiais Mandarine Encore SRA 190, OMO 31, OTA 28
e OTA 15. Estes três últimos começaram a apresentar sintomas 8 meses após a
inoculação. No mês de agosto de 2000, foi feito o teste nos materiais que
haviam sido inoculados no mês de dezembro de 1999. Nestes materiais, nenhuma
planta apresentou sintomas da doença, nem a bactéria foi detectada no teste. A
não-detecção da bactéria, neste caso, demonstra a necessidade do uso de uma
técnica mais precisa quando a concentração da bactéria é baixa, como é o PCR.
Nunes (1999) reportou que, nas avaliações feitas 10 e 11 meses após a
inoculação, o número de plantas em que a bactéria foi detectada, foi maior do
que em plantas aos 7 meses após a inoculação. Assim, o autor encontrou que
plantas com 219 dias após inoculação não apresentavam resposta positiva ao PCR;
entretanto, aos 305 dias após a inoculação, 66% das plantas avaliadas foram
positivas para a presença de X. fastidiosa. No mesmo trabalho, mas em outro
ensaio, encontrou-se que, 143 dias após a inoculação, 52,5% das plantas foram
positivas, embora dessas plantas apenas 25% apresentassem sintomas de CVC, e
aos 170 dias, 90% das plantas apresentaram resultados positivos pelo PCR e 80%
destas plantas apresentaram sintomas visuais da doença. Neste caso, o material
avaliado foi laranja-Pêra.
Souza et al.(2000) encontraram que, em algumas variedades introduzidas, os
sintomas começaram a surgir 8 meses após a inoculação, divergindo dos
resultados obtidos por Li (1997) e He (1998), que verificaram a presença de
sintomas 3 meses após a inoculação.
No mês de outubro de 2000, todas as plantas foram submetidas a uma nova análise
de ELISA e a uma de PCR, com a finalidade de se fazer uma última avaliação do
material e comparar os resultados dos testes. Nesta avaliação, foram
encontrados como positivos para o teste de ELISA e PCR os materiais OMO 30, OMO
31, OMO 29 e OTA 15, nos quais a bactéria já havia sido detectada no primeiro
teste. Em Satsuma Panache SRA 579, Clementina Oroval SRA 335, Clementina
Tomatera SRA 535, Clementina Bruna SRA 531, OMO 24 e OTA 34, a bactéria não
havia sido anteriormente detectada por ELISA, porém estes materiais
apresentaram resultado positivo para ambos os testes, ELISA e PCR, fato que
pode estar indicando que, nestes materiais, a concentração da bactéria aumentou
nos últimos meses ou que o teste anterior não foi o suficientemente acurado.
Alguns materiais apresentaram resultados positivos só para PCR, como no caso de
Mandarine C 54 SRA 337, Clementina Caffin SRA 385, Tangelo Allspice SRA 327,
OMO 22, OMO 17, OMO 14 e OTA 27, sugerindo que este teste é mais preciso que o
teste de ELISA. Os materiais Mandarine Encore SRA 190, Mandarine Antillaise SRA
497, OTA 28, OMO 15 e três plantas do material OMO 30 (no qual só uma planta
foi positiva ao PCR e apresentou sintomas) foram reportados como positivos no
teste de ELISA, mas não foram detectados pelo PCR. Este resultado pode levar a
duas suposições: a primeira é que sejam falsos positivos, resultado este que
corrobora os resultados de Souza et al., (2000) e que confirma a pouca
sensibilidade e confiabilidade deste teste para a detecção da bactéria. A
segunda suposição é que, no caso do material OMO 15, o primeiro teste de ELISA
foi realizado onze meses antes do segundo e pode ter ocorrido que, durante este
tempo, a bactéria não conseguiu manter-se na planta e, por isto, agora, não foi
detectada. Para laranja-Pêra, esperava-se obter sintomas mais rapidamente, mas
após 15 meses de inoculação, não foi observada a sintomatologia característica,
e os resultados nos testes de ELISA e PCR foram negativos. Provavelmente, não
ocorreu uma boa colonização da bactéria, não sendo suficiente para ser
detectada pelos testes.
Em todos os casos, os materiais utilizados como testemunha não apresentaram
sintomas, e a bactéria não foi detectada, o que confirma não haver nenhuma
outra fonte de inoculação nos materiais.
As conclusões preliminares deste trabalho são as seguintes:
- Para a detecção da bactéria, no caso de estudos de inoculação, é preciso
recorrer ao teste molecular de PCR, que apresenta resultados mais confiáveis,
por ser mais preciso que o teste sorológico de ELISA.
- Os materiais que foram positivos no teste de PCR podem ser considerados como
suscetíveis à Xylella fastidiosa.
- Os primeiros sintomas foram detectados após 7 meses da inoculação.