Variabilidade genética em caracteres morfológicos, agronômicos e citogenéticos
de populações de maracujazeiro-doce(Passiflora alata Curtis)
INTRODUÇÃO
O maracujazeiro-doce (Passiflora alata Curtis - Bernacci et al., 2003) é uma
espécie brasileira, encontrada no Pará e do Centro-Oeste e Bahia até o Rio
Grande do Sul, mas ainda é desconhecida da maioria da população. O cultivo
comercial tem se expandido em função dos elevados preços do produto no mercado
de frutas frescas (Vasconcellos & Cereda, 1994). A indústria farmacêutica
também utiliza a passiflorina, um calmante natural extraído das folhas, para
fins medicinais (Meletti & Maia, 1999). É uma espécie adequada para
caramanchões e cercas-vivas, de crescimento vigoroso, cujo valor ornamental se
distingue pelas flores vistosas, coloridas e perfumadas.
Na agroindústria, P. alata não é utilizada como matéria-prima fornecedora de
frutos, devido à sua polpa excessivamente adocicada, que produz um suco de
sabor enjoativo (Oliveira et al., 1982). Mas a espécie é considerada tolerante
a moléstias de solo, e por isso poderá vir a ser utilizada como porta-enxerto
para as cultivares de maracujazeiro-amarelo, embora esta enxertia ainda não
seja comercialmente utilizada.
Importantes iniciativas de expansão da cultura têm sido observadas, devido à
significativa elevação dos preços no CEAGESP e interior paulista, onde ele é
mais conhecido. No mercado varejista, é vendido a preços muito superiores aos
praticados para o maracujá-amarelo, o que tem atraído os produtores. Apesar do
contexto altamente favorável, faltam informações técnicas que permitam um
manejo adequado dos pomares e do fruto.
Produtores mais tecnificados têm selecionado matrizes superiores em
produtividade e qualidade, propagando-as por estaquia, para manter suas
características (Meletti & Maia, 1999). O maracujazeiro é uma planta de
fecundação cruzada por excelência, por apresentar elevada taxa de auto-
incompatibilidade, também observada em P. alata (Vasconcellos et al., 2001).
Isto resulta na perda de identidade genética e amplia a variabilidade dos
pomares. A estaquia supera estas limitações, mas exige a disponibilidade de
vários clones selecionados e compatíveis entre si, que, recombinados,
resultarão em frutos superiores. A maioria dos produtores, no entanto, não têm
acesso a essas matrizes.
A inexistência de cultivares comerciais dificulta ainda mais a obtenção de
material de propagação selecionado, e por isso as mudas resultam de sementes
sem seleção, retiradas de frutos do comércio varejista, aumentando também a
variabilidade das plantas. Oliveira et al. (1982) observaram que o polimorfismo
do maracujazeiro-doce resulta em significativas variações no tamanho e formato
dos frutos, peso, espessura da casca, coloração e porcentagem de polpa e número
de sementes.
A heterogeneidade dos frutos também se traduz em preços diferenciados no
mercado. Segundo Vasconcellos et al. (2001), as caixetas de comercialização,
com cerca de 3,5 kg, recebem a classificação por tipo (10; 12; 15; 18; 21 ou
24), de acordo com a quantidade de frutos que nelas cabem. As caixetas tipo 10
ou 12 são cotadas a preços consideravelmente superiores ao da caixeta tipo 15,
e assim sucessivamente.
Considerando ainda a curta viabilidade das sementes (Vasconcellos et al.,
2001), que leva a uma semeadura quase imediata à retirada dos frutos, mais a
auto-incompatibilidade presente na espécie, novos pomares poderiam ser formados
a partir de uma mistura de um número significativo de clones, altamente
produtivos, com qualidade de fruto e mais tolerantes a moléstias. Esses clones
formariam um conjunto de matrizes selecionadas, mantidas por enraizamento de
estacas ou cruzamento manual controlado. Isto poderia contribuir para a
obtenção de lavouras muito superiores às atuais (Ruggiero, 1991; Meletti &
Maia, 1999).
A avaliação de populações nativas e comerciais de Passiflora alata permite a
seleção de clones. Para tanto, faz-se necessária a identificação de acessos
mais produtivos, mais adaptados às diferentes regiões de cultivo e/ou com
características comercialmente desejáveis. Estes estudos ampliam o conhecimento
da base genética disponível e fundamentam o melhoramento genético da espécie.
Assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar diferentes populações de
Passiflora alata do Banco Ativo de Germoplasma (BAGs) do IAC, caracterizando-as
morfológica, agronômica e citogeneticamente, a fim de identificar indivíduos
superiores, de alta fertilidade, visando à seleção de clones mais produtivos e
homogêneos.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido nos BAGs das Estações Experimentais do Departamento
de Desenvolvimento Descentralizado (DDD)-APTA, localizadas em Jundiaí (1992-
1995), Pindorama (1995-1997) e Monte Alegre do Sul (1997-2002), SP. Foram
estudados os acessos (com indicação do número de registro do material-
testemunha no herbário IAC) 'Campinas' (IAC 37970), 'CENARGEN' (IAC 31087),
'Grande' (IAC 42850), 'Jaboticabal' (IAC 37156), 'Mogi-Guaçu' (IAC 37465), e
'Ouro-Miúdo' (IAC 42851).
As matrizes foram obtidas a partir de sementes, coletadas em pomares comercias
de São Paulo e Minas Gerais, em outros BAGs brasileiros e em expedições de
coleta. As plantas foram formadas e conduzidas segundo as recomendações
técnicas para a cultura no Estado de São Paulo (Meletti & Maia, 1999), e
avaliadas por duas safras consecutivas, seqüenciais e não concomitantes, nas
diferentes localidades. Fez-se a caracterização agronômica, morfológica e
citogenética, analisando-se populações distribuídas em blocos ao acaso, com 5
repetições e 3 plantas por parcela em Pindorama; em blocos ao acaso, com 3
repetições e 3 plantas por parcela em Jundiaí e em delineamento inteiramente
casualizado, com 3 plantas por parcela, em Monte Alegre do Sul, onde havia
maior homogeneidade na área experimental.
A caracterização agronômica foi feita com base nas seguintes características:
velocidade de crescimento; número médio de flores por planta, em dois picos de
florescimento; peso médio dos frutos; comprimento e diâmetro equatorial dos
frutos (cm); número de sementes por fruto; espessura do mesocarpo (cm) e teor
de sólidos solúveis totais (ºBrix). Avaliou-se, também, o efeito da época do
ano e sua precipitação pluviométrica sobre o teor de SST (ºBrix) dos frutos
coletados em Monte Alegre do Sul, durante as safras de 1997 a 2002. A
velocidade de crescimento foi estimada pela altura das plantas aos 100 dias
após plantio e pelo diâmetro do caule na fase vegetativa, medido na região de
bifurcação do ramo primário em dois secundários, a 2 m do solo. Para a análise
dos frutos, considerou-se uma amostra de 15 frutos por acesso, tomados ao longo
da safra de cada ano agrícola.
Para a caracterização morfológica, foram considerados: comprimento e largura da
lâmina foliar e da estípula, e comprimento do pecíolo e do apículo foliar;
entre as características vegetativas; comprimento e largura da bráctea, sépala
e pétala, e comprimento do pedúnculo, pedicelo, hipanto e arista da sépala,
entre as características florais, tendo sido estudados os acessos
'Jaboticabal', 'Mogi-Guaçu', 'Grande' e 'Ouro-Miúdo'. Estes acessos foram
comparados, conjuntamente, e acesso a acesso, com um conjunto de plantas
nativas do Estado de São Paulo, listadas por Bernacci et al. (2002), através da
análise de quartis ("box plots"), segundo McGill et al. (1978).
Para a análise citogenética, foram coletadas pontas de raiz e botões florais,
pré-tratados com 8-hidroxiquinolina a 0,03% (0,002M) por 3 horas, à temperatura
ambiente, em seguida fixados em etanol acético (3:1) e mantidos a 7ºC. O
cariótipo foi montado a partir de 10 metáfases, segundo Levan et al. (1964). A
análise de viabilidade polínica foi realizada de acordo com Alexander (1980), a
partir de flores em antese. Foram contados 300 grãos de pólen por flor e 10
flores por acesso, coletadas em diferentes meses do ano.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados de avaliação agronômica e de viabilidade polínica das populações de
maracujazeiro-doce encontram-se na Tabela_1. O efeito de blocos nas avaliações
de Pindorama e Jundiaí não foi significativo, motivo pelo qual os dados
apresentados na Tabela_1 consideram a média das 3 localidades, tendo sido
observada a mesma significância estatística na distribuição das médias,
independentemente do local, para todas as características avaliadas.
Durante a fase vegetativa, os acessos 'Mogi-Guaçu' e 'Grande' foram os mais
vigorosos, por terem apresentado a maior velocidade de crescimento, ou seja, a
maior altura de planta aos 100 dias, e o maior diâmetro de caule na altura da
bifurcação. Isto resultou na antecipação da produção, uma vez que eles
floresceram de 25 a 35 dias antes dos outros, principalmente nos anos mais
quentes. O número médio de flores por planta, em pico de florescimento, também
se apresentou na classe superior para eles, assim como para os acessos
'Jaboticabal' e Ouro-Miúdo. No entanto, considerando o número de flores, a
viabilidade polínica e o peso dos frutos resultantes, observa-se a
superioridade de 'Mogi-Guaçu' e 'Grande', com viabilidade de pólen acima de
84%, e frutos maiores e mais pesados que 'Jaboticabal' e 'Ouro-Miúdo'.
Em relação ao peso do fruto, comprimento e diâmetro equatorial, os resultados
encontrados para os acessos 'Mogi-Guaçu' e 'Grande' superam os obtidos por
Veras (1997), que foram de 197,4g, 10,47cm e 7,06cm, respectivamente,
demonstrando que os frutos ora avaliados, maiores e mais pesados, representam
seleções com características comerciais altamente desejáveis.
Conforme observado por Meletti et al. (1994), há uma relação direta entre a
alta viabilidade polínica e o elevado número de sementes por fruto, novamente
constatada no presente experimento (Tabela_1). Quando associada à polinização
manual, os mesmos acessos ('Mogi-Guaçu'e 'Grande') mostraram superioridade para
estas características.
Não houve diferença significativa entre os teores de SST das populações
estudadas, considerando as médias obtidas nas três localidades(Tabela_1). Todas
superaram aquela observada por Veras (1997), que foi de 18,4º Brix para a
espécie, alcançando valores de 19,8 a 22,8 º Brix, conforme o acesso. No
entanto, quando avaliada sob influência da precipitação pluviométrica, em Monte
Alegre do Sul, esta característica foi nitidamente influenciada pela época do
ano (Tabela_2). No período mais chuvoso (dezembro a março), as médias obtidas
foram significativamente inferiores às do período mais seco (maio a julho),
demonstrando que a precipitação pluviométrica reduziu o teor de SST dos frutos,
independentemente do genótipo considerado. Isto foi confirmado pelo coeficiente
de correlação obtido ( R2 = - 0,90). Para este parâmetro, portanto, observou-se
uma relação inversamente proporcional à pluviosidade, ou seja, quanto mais
chuva, menor o teor de SST (º Brix) dos frutos.
Quanto à espessura de casca, 'Mogi-Guaçu' apresentou média equivalente ao
observado por Veras (1997). Todos os outros apresentaram casca mais fina, o que
representa menos descarte para o consumidor, mas também menor resistência
mecânica ao transporte e manuseio. Há necessidade de desenvolver-se um padrão
para esta característica, ainda inexistente, aliando uma cavidade interna maior
com rendimento em polpa, sem que isto signifique maior dano físico ao fruto,
devido à baixa resistência do mesocarpo.
Os acessos 'Mogi-Guaçu' e 'Grande' foram superiores aos demais, considerando-se
as diferentes características agronômicas avaliadas.
Todas as populações analisadas dePassiflora alata floresceram de maio a
novembro, nas diferentes localidades, com antese a partir das 7h30min, cujas
flores permaneceram abertas até a noite. Picos de viabilidade de pólen foram
observados em maio e junho, com média de 80,13 %, o que representa elevado
potencial para produção de frutos e de sementes.
Quanto à tolerância às moléstias, todas as plantas mostraram-se suscetíveis à
bacteriose causada por Xanthomonas axonopodis pv. passiflorae Gonçalves &
Rosato 2000, sendo que 'Gomo' e 'Ouro-Miúdo' chegaram a morrer por ação deste
patógeno. As demais apresentaram sintomas característicos, recuperando-se após
controle curativo.
O número cromossômico de Passiflora alata é de 2n = 18. Na caracterização
citogenética, não foram observadas diferenças cromossômicas entre os acessos,
possivelmente por serem todos da mesma espécie. O cariótipo mostrou dois pares
de cromossomos submetacêntricos (1 e 6), e dois pares portadores de satélite (4
e 7), sendo sua fórmula cariotípica 2n = 7M+2SM, indicando simetria
cariotípica. A caracterização cromossômica da espécie está sendo apresentada
(Tabela_3) pela primeira vez, sendo que, na literatura, constava, até então,
apenas o número cromossômico (Soares-Scott, 1998).
O comprimento haplóide do genoma foi de 22.88mm, próximo ao observado em outras
espécies do gênero, sendo os cromossomos maiores os de número 1, com centrômero
na região submediana, e o de número 2, com centrômero na posição mediana, e os
menores os de número 8 e 9, metacêntricos. Entretanto, observou-se, para o
cromossomo 9, um comprimento absoluto de 1.98 mm, relativamente maior quando
comparado às outras espécies do gênero Passiflora.
Pela caracterização morfológica, observou-se que os tamanhos das estruturas
avaliadas nas populações cultivadas eram maiores que as dos acessos nativos, em
vários caracteres, tanto vegetativos, tais como ramos (Figura_1a) e folhas
(Figura_1b), quanto reprodutivos, tais como comprimento da pétala (Figura_1c) e
largura da bráctea (Figura_1d).
A maioria dos acessos cultivados apresentou diferenças significativas em
relação às plantas nativas, tal como em relação ao comprimento e largura das
folhas, onde 'Grande' e 'Ouro-Miúdo' apresentaram os maiores comprimentos
(Figura_2a) e larguras foliares (Figura_2b), não diferindo significativamente
entre si, seguidos por 'Mogi-Guaçu' e 'Jaboticabal', este último sem diferenças
significativas em relação aos acessos nativos.
Quando não existiam diferenças significativas entre o conjunto de acessos
cultivados e o das plantas nativas (Figura_2c e 2e), um ou dois acessos
apresentaram diferenças isoladamente, tal como 'Moji-Guaçu' em relação à
largura da estípula (Figura_2d), maior que os demais, e 'Grande' e 'Moji-Guaçu,
maiores em relação ao comprimento do pecíolo (Figura_2f).
A população dos acessos cultivados, com estruturas morfológicas maiores que as
dos acessos nativos, provavelmente, foi alvo de algum tipo de seleção,
realizada pelos produtores, uma vez que não existe cultivar definido. A escolha
de plantas vigorosas, mais produtivas e com frutos de melhor qualidade, pode
ter resultado na seleção indireta para outras estruturas.
Entre os extremos de variação observados, destaca-se a largura da lâmina
foliar, que chegou a atingir 13,8cm no acesso 'Ouro-Miúdo'. Embora Salomão
& Andrade (1987) tenham registrado uma largura máxima de 16,7cm para esta
característica, afirmaram que a planta analisada podia tratar-se de um híbrido.
O valor máximo registrado para o acesso 'Ouro-Miúdo' excede aqueles relatados
por Killip (1938), Cervi (1997) e Bernacci et al. (2002), que estudaram
diferentes populações nativas e apresentam descrições pormenorizadas das
espécies. A seleção por plantas mais vigorosas pode levar a um aumento da
largura da folha, que pode vir a ficar maior, no futuro.
CONCLUSÕES
1) Os acessos 'Mogi-Guaçu' e 'Grande' foram superiores aos demais nas
características agronômicas e na fertilidade dos grãos de pólen, podendo vir a
servir de base para a obtenção de clones selecionados para produtividade e
qualidade de frutos.
2) Há necessidade de selecionar plantas com maior tolerância à bacteriose,
visando a ampliar o valor comercial das plantas selecionadas.
3) Não houve variação do cariótipo entre os indivíduos da espécie Passiflora
alata,independentemente da origem do acesso.
4) As plantas cultivadas apresentam estruturas morfológicas maiores que as
nativas.