Qualidade pós-colheita da pêra (Pyrus communis L.) cultivar Carrick submetida a
diferentes condições de armazenamento
COLHEITA E PÓS-COLHEITA
Qualidade pós-colheita da pêra (Pyrus communis L.) cultivar Carrick submetida a
diferentes condições de armazenamento1
Postharvest quality of pear (Pyrus communis L.) cv. Carrick submitted to
diferents storage conditions
Enilton Fick CoutinhoI; Marcelo Barbosa MalgarimII; Edson Luiz de SouzaIII;
Rosa de Oliveira TreptowIV
IEng. Agr., Dr., Pesquisador, EMBRAPA-CPACT, enilton@cpact.embrapa.br, Fone:
053 2758146
IIEng. Agr., MSc., Doutorando em Fruticultura de Clima Temperado UFPeI,
malgarim@ufpel.tche.br, Fone: 053 2758189
IIIEng. Agr., MSc., Ciência e Tecnologia Agroindustrial DCTA, UFPeI, Cx.P. 394,
CEP 96001-970, Pelota/RS
IVEconomista Doméstica, MSc., UFPel, Cx. P. 394, CEP 96001-970, Pelotas/RS
INTRODUÇÃO
A pereira (Pirus communis L.) é uma fruta de clima temperado de grande
importância nacional, tendo em vista seu alto consumo, sendo a quarta fruta de
clima temperado mais consumida no Brasil, após a maçã e o pêssego (Nakasu e
Leite, 1990; Zecca, 1995). No entanto, quando se compara a produção brasileira
dessas frutas, é a menos expressiva, o que impõe ao país a condição de segundo
maior importador, com cerca de 162 mil toneladas, em 1997 (João et al. 2002;
Madail e Reichert, 2002).
No Brasil, o cultivo da pereira de alta qualidade, em escala comercial é
pequeno, sendo que pequenas áreas de plantio estão localizadas nos estados do
Sul. O plantio de cultivares de baixa qualidade tem favorecido as importações
de pêra fresca, principalmente do Chile e Argentina. Para aumentar seu consumo
"per capita" que está em torno de 0,5Kg/ano, o país deverá produzir frutas de
qualidade semelhante às importadas.
O tipo de respiração das pêras é climatérica. Durante a maturação, as frutas
experimentam um mínimo climatérico que precede uma fase de rápido aumento da
atividade respiratória definida como "crise climatérica". Nesta fase, a fruta
passa por profundas e rápidas modificações bioquímicas como a hidrólise do
amido, o aumento dos açúcares, a solubilização da protopectina e a modificação
dos pigmentos da pele, dentre outras (Porrit, 1964).
As pêras européias não alcançam a maturidade para consumo na planta,
requerendo, em determinados casos, tratamentos pós-colheita especiais. Quando
as pêras européias permanecem na árvore, desenvolvem uma textura pobre, falta
de suco e ausência do sabor típico da cultivar. De modo geral, devem ser
colhidas na maturidade fisiológica, geralmente muito firmes, sendo amadurecidas
antes do consumo, mediante o armazenamento refrigerado de 1 a 0°C e 90-95% de
umidade relativa (UR). Logo após o armazenamento em frio, as pêras completam
seu amadurecimento em ambiente com temperaturas entre 15 e 21°C e 80-85% de UR
(Cantillano, 1987).
O presente trabalho teve por objetivo avaliar a qualidade pós-colheita de pêras
cv. Carrick sob diferentes condições de armazenamento.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento realizou-se com frutas de tamanho médio com peso em torno de
180g, da safra 2000/01, utilizando as câmaras frigoríficas e laboratórios de
Pós-colheita e Tecnologia de Alimentos da Embrapa Clima Temperado, Pelotas, RS,
Brasil.
As pêras cultivar Carrick procederam de pomar localizado nesse centro de
pesquisa, onde, depois de colhidas, foram classificadas e selecionadas com
relação ao ponto de colheita, coloração marrom esverdeada da película e
presença de manchas avermelhadas na parte exposta ao sol (Ribeiro et al, 1991).
As frutas foram embaladas em caixas de 5 kg com dimensões de 0,45 x 0,30 x
0,15m (comprimento, largura e altura, respectivamente) previamente sanitizadas
e armazenadas em câmara fria de 25m3 (0±0,5ºC e 90-95% de UR), para fins de
simulação das condições de comercialização, com posterior transferência para
temperatura ambiente (20±1ºC e 65-70% de UR). Os tratamentos testados foram:
T1) 30 dias a 0ºC; T2) 28 dias a 0ºC + 2 dias a 20ºC; T3) 26 dias a 0ºC + 4
dias a 20ºC; T4) 24 dias a 0ºC + 6 dias a 20ºC.
Por ocasião da colheita e após 30 dias de armazenamento foram analisadas
variáveis físico-químicas e químicas. Teor de sólidos solúveis totais (SST) foi
expresso em ºBrix; acidez titulável (AT), em % de ácido málico foi determinada
segundo metodologia do Instituto Adolfo Lutz (1985); relação SST/AT; ocorrência
de podridões expressa em porcentagem; a avaliação da cor foi realizada com
colorímetro Minolta CR-300 (fonte de luz D 65) e firmeza de polpa, determinada
utilizando-se um penetrômetro manual da marca McCornick FT 327, com ponteira de
5/16 polegadas e resultado expresso em libras.
A avaliação sensorial foi realizada por 11 julgadores treinados, através de
métodos discriminativos (Lawless e Haymann, 1998). As características
analisadas foram: a) aparência: compreendendo os atributos de cor da epiderme,
defeitos e desidratação; b) sabor: incluindo doçura, acidez, sabor
característico e sabor estranho; c) textura: firmeza da polpa, suculência e
arenosidade e adstringência. Avaliou-se, ainda, a qualidade geral, levando-se
em consideração o sabor, a textura e intenção de compra com base na aparência.
Os testes sensoriais foram realizados em cabines individuais, em pratos brancos
codificados com três dígitos aleatórios, padronizando-se o tamanho da amostra
para avaliação das características de sabor e textura. As características de
aparência foram analisadas em uma mesa central no laboratório de avaliação
sensorial, com controle de iluminação, estando as frutas colocadas em bandejas
plásticas brancas, codificadas. O método empregado foi o Descritivo, teste de
avaliação de atributos, segundo Lawless e Haymann (1998). Os dados foram
coletados através de fichas individuais, utilizando escalas não estruturadas de
9cm, cujo extremo esquerdo corresponde a menor intensidade e o direito a maior
intensidade dos atributos em análise.
O delineamento estatístico das análises químicas foi o inteiramente
casualizado, utilizando-se 10 frutas por tratamento e 3 repetições. Para a
comparação de médias usou-se o teste de Duncan. Na avaliação sensorial, foram
empregados blocos casualizados, sendo cada julgador uma repetição. A comparação
de médias foi através do teste Tukey, em nível de 5% de probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Observou-se diminuição progressiva da firmeza da polpa das frutas, a partir da
colheita, nos diferentes períodos de armazenamento refrigerado e sob
temperatura ambiente (Figura_1). Os frutos que permaneceram 30 dias a 0ºC (T1)
e os que permaneceram 28 dias a 0ºC, acrescidos de 2 dias a 20ºC (T2), não
diferiram entre si, quanto à firmeza. Os tratamentos 3 e 4 diferiram entre si e
em relação aos demais, registrando-se uma marcante redução nos valores,
indicando que a diminuição de dois dias no tempo em câmara e acréscimo de dois
dias no tempo de simulação de prateleira causou estas transformações (Figura
1). O mesmo comportamento foi constatado nas frutas submetidas ao tratamento 4,
em que foram observados os menores valores de firmeza. Portanto, a firmeza
diminuiu com o aumento do tempo sob temperatura ambiente. Resultados
semelhantes foram obtidos por Seibert et al (2000), com a cv. Packham's
submetidas a dois e oito dias de vida de prateleira em temperatura ambiente.
As pêras européias necessitam de um período de tempo em temperatura ambiente
para completar o amadurecimento, caracterizado por perda da firmeza dos
tecidos. Segundo Ahmede e Labavith (1970), citado por Seibert et al (2000), a
diminuição da firmeza da polpa é devido, basicamente, à dissociação das paredes
celulares, com diminuição no grau de polimerização de ácidos urônicos que
geralmente é acompanhado de aumento nos teores de pectinas solúveis.
Os valores de cor de superfície a* (+a = vermelha e -a = verde) e cor de fundo
b*(+b = amarelo e -b = azul), apresentaram acréscimos com o aumento sob
temperatura ambiente, o que significou a evolução da coloração das frutas,
respectivamente, vermelha de superfície e amarela de fundo (Tabela_1). Quanto
aos valores da luminosidade ou claridade da cor L* (0 = preto e 100 = branco)
apresentaram acréscimo com o aumento do tempo sob temperatura ambiente,
significando que a cor das pêras ficou mais clara. No mesmo período, o valor do
ângulo Hue (hº = tan-1b*/a*) diminuiu, indicando evolução da maturação.
A mudança da cor de fundo em pêssegos e nectarinas deve-se à degradação das
clorofilas por clorofilases que, segundo Luchsinger e Walsh (1993), são
estimuladas pela ação do etileno. Já a síntese de carotenóides e pigmentos que
dão a coloração amarela à epiderme, é característico das frutas que estão
fisiologicamente desenvolvidas. (Lelièvre et al, 1997, Girardi et al., 2000).
A acidez titulável diminuiu ligeiramente com o aumento do tempo sob temperatura
ambiente, de modo que o menor valor foi registrado no tratamento 4 (Figura_2).
Segundo Vangdal (1982), a acidez titulável apresenta mudanças não
significativas no começo da maturação, declinando lentamente até o final do
amadurecimento, embora estas mudanças não afetem o sabor. A pêra cv. Carrick
apresentou uma ligeira oscilação, na colheita a porcentagem de ácido málico foi
de 0,41% e no tratamento de 24 dias a 0ºC seguido de 6 dias a 20ºC foi de
0,32%.
Os teores de sólidos solúveis totais aumentaram com o incremento do número de
dias sob temperatura ambiente, com o maior valor ocorrendo no tratamento 4
(Figura_3).
Os dados obtidos indicaram uma evolução nos teores de sólidos solúveis
(11,7ºBrix) na colheita até 13,87ºBrix no tratamento 24 dias a 0ºC mais 6 dias
mantidas a 200C. A permanência em temperatura ambiente por dois ou quatro dias
não proporcionou alterações significativas desses teores. Durante a maturação,
o conteúdo de sólidos solúveis da pêra aumenta ligeiramente e depois decresce
com a senescência (Vangdal, 1982).Valores de sólidos solúveis totais (11,8 a
18,6ºBrix) foram obtidos por Kappel et al. (1995) em experimento com cultivares
distintas de pêra.
Segundo Nakasu e Leite (1990), a pêra cultivar Carrick é uma fruta de tamanho
médio a grande, de forma oblonga-periforme, epiderme bronzeada com manchas
avermelhadas. Sua polpa é de cor branca/amarelada, medianamente macia, de
suculência moderada, doce, com pouca acidez, leve aroma e adstringência. A
descrição das características de aparência, sabor e de textura foram avaliadas,
por uma equipe treinada de julgadores, que demonstraram diferenças
significativas nas frutas dos diversos tratamentos (Tabela_2).
A avaliação da cor de fundo, nas frutas retiradas da câmara (30 dias) e
imediatamente avaliadas mostraram o predomínio da coloração verde (Tabela_2). A
partir de dois dias em temperatura ambiente, as frutas já apresentaram
tonalidade de amarelo. A permanência das frutas em temperatura ambiente por 6
dias resultou no predomínio da cor amarela, como cor de fundo, indicando o
estádio de maturação mais avançado. Segundo Seibert et al (2000), as pêras
européias necessitam do armazenamento a frio associado a um período em
temperatura ambiente para completar o amadurecimento.
A evolução da cor, com o predomínio do amarelo como cor de fundo, refletiu na
avaliação da simulação de comercialização. O maior nível de aceitação no último
tratamento, indicou a importância da cor, na escolha do produto, já que as
frutas não apresentavam defeitos e/ou desidratação (Tabela_2), características
importantes às diferentes classes de consumidores.
As frutas submetidas aos tratamentos 3 e 4 apresentaram doçura regular a
moderada e, conseqüentemente, menores teores de acidez e uma maior intensidade
de sabor característico da fruta, confirmando seu estádio de maturação mais
avançado (Tabela_2).
Nos tratamentos 1 e 2, houve predomínio da acidez sobre a doçura, com as frutas
classificadas como regularmente ácidas e ligeiramente doces (Tabela_2).
Apresentaram ligeiro desenvolvimento do sabor característico, com leve
predomínio de sabor estranho, indicado pelos julgadores como sabor "verde". A
produção de compostos de aroma e sabor, conforme Cantillano (1987) é uma das
principais mudanças que se verifica na maturação das pêras. Os resultados
verificados neste trabalho, com as maiores médias de sabor nos dois últimos
tratamentos, sendo o sabor classificado como de regular a moderado, concordando
com a observação do autor. Provavelmente o sabor da pêra foi fortemente
influenciado pelo conteúdo de açúcares da fruta.
O mesmo comportamento refletiu nas características de textura. Os tratamentos 1
e 2 apresentaram frutas com textura semi-rígida a rígida, segundo a
classificação dada pela equipe sensorial (Tabela_2), correspondendo a valores
de firmeza na faixa de 14 a 16 libras. As frutas em relação à suculência foram
classificadas como ligeira a regular e regular arenosidade e adstringência, o
que caracteriza frutas com maturidade fisiológica, mas ainda com maturação de
consumo incompleta.
As frutas dos tratamentos 3 e 4 caracterizaram-se por apresentar: polpa macia
(tratamento 3), muito macia (tratamento 4); moderada suculência; ligeira
arenosidade e sem adstringência (tabela_2). As frutas dos tratamentos 3 e 4
atingiram, portanto, a maturação de consumo. Segundo Faoro et al. (1999b), as
pêras japonesas apresentam grãos arenosos. Neste trabalho, com pêras européias,
a arenosidade foi percebida pelos julgadores com mais intensidade nos
tratamentos 1 e 2, enquanto nos demais, a arenosidade da polpa foi classificada
como ligeira, tendendo à sensação de amanteigada, termo amplamente utilizado
por Faoro (1999a), na caracterização das pêras tipo européia.
A qualidade, no sentido amplo, reflete, portanto, os valores atribuídos às
características de sabor e textura, onde se destacaram os tratamentos 3 e 4
classificados como bom a ótimo, enquanto os demais foram classificados como os
de menor qualidade (Tabela_2).
Vangdal (1982) afirma que o sabor das pêras é fortemente influenciado pelo
conteúdo de sólidos solúveis totais da fruta, o que encontra concordância com o
aumento da relação SST/AT (Figura_4).
Segundo Chitarra (1997), os sólidos solúveis totais e a acidez titulável são
importantes características de qualidade do sabor. Enquanto o teor de sólidos
solúveis aumenta durante o amadurecimento, a acidez diminui, propiciando uma
variação da relação sólidos/acidez entre 15 a 25, índice considerado ótimo para
a colheita ou consumo de pêssegos e ameixas. Neste trabalho, foram obtidos
valores baixos de acidez que propiciaram uma variação da relação SST/AT entre
34 a 44. No caso de pêra cv. Carrik, valores em torno de 39 são considerados os
mais adequados para consumo, o que foi confirmado pelos dados obtidos
principalmente em relação ao sabor e à qualidade geral.
As pêras praticamente não apresentaram sinais de podridão, nos diferentes
tratamentos estudados, durante todo o tempo de armazenamento.
CONCLUSÕES
Pêras da cv. Carrick armazenadas sob refrigeração pelos períodos de 24 e 26
dias, e amadurecidas por 4 e 6 dias sob temperatura de 20°C tiveram melhor
qualidade de comercialização e consumo.