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BrBRCVHe0004-28032003000100011

BrBRCVHe0004-28032003000100011

variedadeBr
ano2003
fonteScielo

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Infecção fulminante pós-esplenectomia REVISÃO/REVIEWINTRODUÇÃO Acreditou-se, durante muito tempo, que a remoção do baço não propiciaria conseqüência danosa aos pacientes. Quando ocorriam lacerações esplênicas ' ainda que mínimas ', decorrentes de trauma abdominal ou de manipulações cirúrgicas no andar superior do abdome, era contumaz a realização da esplenectomia total(4, 14, 15, 20). Essa operação era também indicada com finalidade diagnóstica, para estádio de enfermidade maligna, por anemia ou trombocitopenia, leucemia, linfoma e hipertensão porta(9, 19, 30, 34). Contudo, atualmente, o número de indicações para esplenectomia vem nitidamente decrescendo, principalmente daquelas relacionadas ao trauma e a enfermidades hematológicas ou malignas. Tal fato deve-se ao reconhecimento da potencialidade de ocorrência da infecção fulminante pós-esplenectomia (IFPE), ao desenvolvimento de novos métodos de diagnóstico por imagem e de alternativas terapêuticas para algumas enfermidades(13, 23, 34, 41, 42).

O risco de desenvolvimento da IFPE ocorre tanto em adultos, quanto em crianças, podendo surgir em qualquer época após a cirurgia e seu risco independe da indicação cirúrgica para a esplenectomia(13, 39). Mesmo em presença de hiposplenia e asplenia funcional congênita ou por atrofia esplênica, anemia falciforme, trombocitopenia essencial, doenças linfoproliferativas (linfomas Hodgkin e não-Hodgkin, e leucemia linfocítica crônica), lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide, colite ulcerativa, dermatite herpética, doença intestinal inflamatória ou doença celíaca, esse risco persiste(5, 41).

As crianças apresentam maior possibilidade de desenvolvimento de IFPE fatal, devido ao predomínio esplênico na fagocitose de microrganismos durante os primeiros anos de vida(19, 44). TIMENS et al.(44) mostraram que a resposta imune ineficiente em crianças com menos de 2 anos pode ser devida à imaturidade da zona marginal do baço. Enquanto todos os demais compartimentos celulares completam sua maturação precocemente, a zona marginal mostra diferenças estruturais essenciais, comparada aos adultos, como a ausência de expressão de CD21 e alto percentual de células co-expressando IgM e IgD. Essa estrutura esplênica encontra-se especificamente envolvida na resposta imune a antígenos timo-independentes tipo 2 (antígenos TI-2), polissacarídios que compõem o componente antigênico da cápsula de pneumococos.

A remoção completa do baço permanece com indicação precisa em pacientes com esferocitose hereditária ou hiperesplenismo refratários a tratamento clínico.

Nesses casos, mesmo a presença de baços acessórios ou a implantação acidental de fragmentos esplênicos na cavidade peritonial (esplenose) podem contribuir para o insucesso terapêutico(2, 19, 41, 42). Recentemente, a esplenectomia parcial passou a ser preconizada para tratamento da esferocitose hereditária em crianças, que possuem o sistema imunitário ainda imaturo. Ainda que possa persistir hemólise leve ou moderada, acredita-se que essa alternativa deva ser empregada, visando à manutenção da função de defesa, que o risco de sepse pode ser maior do que a repercussão hematológica(2). Em alguns casos, pode ser necessária uma segunda operação para remover o tecido esplênico restante, mas esse procedimento é realizado em pacientes em faixa etária mais elevada e com o sistema imunitário maduro.

Também continua existindo indicação para esplenectomia total em pacientes selecionados, principalmente para: púrpura trombocitopênica idiopática, anemia hemolítica auto-imune, leucemia de células cabeludas e doença de Hodgkin com grande acometimento esplênico(19, 34). Em outras doenças hematológicas ' talassemia maior, anemia falciforme, hipertensão porta, doença de Gaucher tipo I ' a esplenectomia parcial ou subtotal deve ser considerada(9, 30, 34).

Em pacientes com lesão esplênica oriunda de trauma, diversas alternativas para preservar a função do baço passaram a ser desenvolvidas(18, 28, 31, 32, 33). A retirada completa do baço passou a ser aceita somente para os casos em que lesão extensa do órgão e de seu pedículo cirurgicamente incontrolável ou para doenças diretamente relacionadas à função esplênica alterada(1, 13, 19, 27, 32, 33, 34, 42).

A despeito do grande número de casos publicados de IFPE, ainda não existem dados suficientes para determinar sua real incidência, o mecanismo exato da infecção, os fatores de risco associados, bem como as condições necessárias para o desenvolvimento da infecção fulminante no hospedeiro esplenectomizado.

O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão acerca da infecção fulminante pós-esplenectomia, focalizando aspectos que possam prover diagnóstico e tratamento tanto quanto possível precoces, bem como estratégias para uma profilaxia mais eficaz dessa enfermidade.

HISTÓRICO A correlação entre sepse e esplenectomia é conhecida desde 1891, quando Bardach mostrou aumento do índice de infecção em cães esplenectomizados(24). Em 1919, MORRIS e BULLOCK(24), em estudo experimental com ratos, mostraram que a esplenectomia poderia resultar em aumento da susceptibilidade a infecções e que indivíduos asplênicos estariam menos aptos a controlar a sepse bacteriana.

Sabe-se, desde o final do século XIX, que o baço apresenta capacidade de regeneração. Griffini e Tizzoni, em 1883, foram os primeiros a mostrar áreas de regeneração esplênica espontânea no peritônio de cães submetidos a esplenectomia total(15). Poucos anos mais tarde, esse fato foi observado em humanos por Albrecht (1896), que notou a presença de múltiplos nódulos esplênicos na cavidade peritonial e os denominou como múltiplos baços acessórios(6). Schilling, em 1907, encontrou nódulos similares em necropsia e também acreditou tratar-se de baços acessórios(6). Em 1910, von Kuttner foi o primeiro a chamar a atenção para a presença de múltiplos nódulos esplênicos encontrados em um paciente de 4 anos com trauma penetrante no abdome que resultou em rotura do baço(6). Foltin, em 1911, e von Stubenrauch, em 1912, relataram condições similares após trauma abdominal severo(6). Em 1939, BUCHBINDER e LIPKOFF(6) sugeriram a denominação de esplenose para o tecido esplênico regenerado espontaneamente dentro da cavidade abdominal, após trauma do baço.

MANLEY e MARINE(20)foram pioneiros no estudo da regeneração de tecido esplênico auto-implantado. Esses autores mostraram que auto-implantes esplênicos no tecido subcutâneo da parede abdominal, em coelhos, resultaram em neobaços com características morfológicas mantidas, com presença de cápsula, trabécula e polpas branca e vermelha. Von Stubenrauch (1919) realizou auto-implante de fragmentos esplênicos na cavidade abdominal de cães e verificou viabilidade desse tecido, 1 a 3 meses após a implantação(6). Seguiram-se trabalhos de PERLA e MARMORSTON-GOTTESMAN(29), em 1930, que observaram que o auto-implante esplênico fornece proteção contra a infecção por Bartonella muris, usualmente fatal após esplenectomia, e CALDER(7), em 1939, que observou o crescimento de fragmentos esplênicos na cavidade abdominal.

O primeiro caso clínico de sepse fatal pós-esplenectomia foi relatado por O'Donnel, em 1929, por doença de Banti(16). em 1952, KING e SHUMACKER Jr.

(16) relataram complicações infecciosas graves após a realização de esplenectomias ' indicadas por doença hemolítica congênita ' em cinco crianças com idade inferior a 6 meses, duas evoluindo para óbito. Esse último estudo é o marco da literatura para a comprovação da associação entre a esplenectomia e a sepse. Contudo, inicialmente, julgou-se que esse risco seria restrito às crianças.

DIAMOND(11), em 1969, chamou a atenção para o que denominou de infecção fulminante pós-esplenectomia (IFPE), entidade clínica distinta de outras sepses ou bacteremias, presentes em indivíduos com baço preservado, alertando para os riscos da asplenia. Mesmo desconhecendo sua etiologia, propôs que essa doença estava relacionada à eliminação do papel de filtro fagocitário bacteriano e perda da produção específica de anticorpos. Em 1973, SINGER(39) mostrou que o risco de desenvolvimento da IFPE era muito maior que o imaginado previamente.

Em 2.795 pacientes submetidos a esplenectomia total, a freqüência de sepse variou entre 4% e 25%, com mortalidade variável, de acordo com a indicação cirúrgica entre 2% e 52%.

Em 1978, PEARSON et al.(28) verificaram a presença de função esplênica em crianças com esplenose, após esplenectomias por trauma. Por meio de cintilografia, esses autores constataram que havia tecido esplênico residual regenerado em 26% a 64% desses pacientes e, nesses casos, não foram encontrados corpúsculos de Howell-Jolly ou hemácias senescentes no sangue periférico, como usualmente ocorre em pacientes asplênicos.

Com base nos achados clinicopatológicos da regeneração de implantes esplênicos espontâneos, o auto-implante esplênico heterotópico passou a ser considerado como opção na tentativa de preservar as funções do baço, nos casos em que se fosse inevitável a sua retirada(8, 15, 17, 18, 22, 31, 32, 43).

EPIDEMIOLOGIA E ETIOPATOGENIA O risco de desenvolvimento de IFPE, durante toda a vida, em qualquer faixa etária, é de cerca de 5%. Adolescentes e crianças com menos de 15 anos apresentam a maior incidência ' 0,13% a 8,1% ', comparados com adultos ' 0,28% a 1,9% ', visto que, durante os primeiros anos de vida, a fagocitose de microrganismos ocorre, quase que exclusivamente, no baço(25). SCHWARTZ et al.

(36) referiram que esse risco é de um caso para cada 545 pessoas, por ano de observação. STYRT(41) estimou o risco de ocorrência de forma fatal de IFPE em 1:300 a 1:350 crianças esplenectomizadas e em 1:800 a 1:1000 adultos.

A esplenectomia, como parte do procedimento cirúrgico para as ressecções gástricas radicais em pacientes com câncer do estômago, propicia diminuição da resposta imune mediada por linfócitos T(26). HANSEN e SINGER(13) mostraram que esplenectomias incidentais durante outras operações, como gastrectomias, apresentam o menor risco para o desenvolvimento de IFPE, mas ainda assim esse risco é 35 vezes maior que o da população em geral.

A IFPE pode ocorrer desde poucos dias após a remoção do baço, até vários anos, sendo mais freqüente dentro dos primeiros 2 anos (50% a 70% de todos os casos e até 80% em crianças)(5, 13, 39 ,41).

A causa da sepse pós-esplenectomia não é inteiramente conhecida, mas dois fatores estão certamente envolvidos em sua patogenia: celular (fagocitose) e humoral (produção de anticorpos), ambos desempenhados pelo sistema mononuclear fagocitário (SMF). O baço tem maior capacidade do que o fígado, por grama de tecido, para a fagocitose de microrganismos. Em pacientes sem baço, a porção não-esplênica do SMF compensa sua ausência, mas a formação de anticorpos é menos eficiente. Nessas situações, diminui a função da IgG e reduz a quantidade de IgM(8, 9).

As principais modificações na resposta imune do hospedeiro que ocorrem após esplenectomias são: diminuição da atividade fagocitária, com menor depuração sangüínea de partículas, principalmente as não-opsonizadas; aumento do tempo de permanência dos linfócitos no sangue; redução da IgM sérica; menor atividade da via alternativa do complemento e diminuição da formação de substâncias ligadas à ativação dos macrófagos, como a tuftsina e properdina(12, 19, 22, 37, 41).

DREW et al.(12) mostraram modificações no sistema imune de pacientes após esplenectomia total por trauma. Embora a perda da função fagocitária após esplenectomias fosse, ao menos parcialmente, restaurada em pacientes com implantes esplênicos espontâneos (esplenose), as concentrações de imunoglobulinas no soro, bem como sua síntese in vitro, não retornaram ao normal, sugerindo que distúrbios da síntese dessas opsoninas sejam importantes para a sepse em pacientes esplenectomizados.

O baço, além de seu papel direto na defesa contra infecções, também age como mediador na regulação de certas populações celulares em outros órgãos, como pulmão, fígado e intestino(4, 14, 35, 37, 40). SHENNIB et al.(37) mostraram, in vitro, diminuição da atividade fagocítica de macrófagos alveolares contra linhagens de Streptococcus pneumoniae em camundongos esplenectomizados. Animais asplênicos inoculados com pneumococos apresentaram altas concentrações dessas bactérias no sangue, acompanhadas de alta mortalidade, possivelmente pela ausência da depuração esplênica. HEBERT(14) verificou que, em ratos esplenectomizados, ocorre diminuição da depuração pulmonar de pneumococos e aumento da translocação de pneumococos vivos para os linfonodos traqueobronquiais, comparado a animais-controle. Com base na noção da liberação intraporta de fatores esplênicos que modulam a função das células de Kupffer, BILLIAR et al.(4)verificaram que a remoção do baço reduz a inibição de endotoxinas mediada por essas células. SPAETH et al.(40) mostraram que a esplenectomia não parece promover a translocação bacteriana no intestino de camundongos. Também observaram que a esplenectomia aumenta a resistência à translocação bacteriana induzida por inoculação intraperitonial de endotoxinas de Escherichia coli.

Diversos modelos experimentais de sepse pós-esplenectomia mostraram que a remoção do baço aumenta a mortalidade decorrente de exposição a bactérias, por inoculação intranasal ou intravenosa(8, 17, 18, 25, 36). Esse fato está diretamente relacionado à diminuição da taxa de remoção ou depuração dessas bactérias da corrente sangüínea, sendo que a imunização prévia dos animais diminui a mortalidade e aumenta a taxa de depuração bacteriana(8, 17). O baço desempenha papel imune fundamental, especialmente quando microrganismos ou outros antígenos entram em contato com o hospedeiro diretamente por via intravenosa, visto sua função na recirculação linfocitária(36).

LIVINGSTON et al.(18) mostraram que a instilação transtraqueal de Streptococcus pneumoniae em ratos, produz rotineiramente pneumonia, sugerindo que esse modelo de inoculação bacteriana seja mais adequado ao estudo da sepse pós- esplenectomia por esse microrganismo. Animais esplenectomizados apresentam mortalidade maior e infecção pulmonar mais precoce do que os submetidos a esplenectomia parcial ou controles normais.

Os agentes etiológicos mais freqüentemente encontrados nas IFPE são as bactérias encapsuladas ' Streptococcus pneumoniae (50% a 90% de todas as infecções e 60% dos casos fatais), Haemophilus influenzae tipo B e Neisseria meningitidis. SINGER(39) citou esses três patógenos como responsáveis por 73% de todas IFPE. Essas bactérias colonizam o sistema respiratório alto e, ao penetrarem na corrente sangüínea em pacientes asplênicos, provocam a IFPE. Para que ocorra a fagocitose, as defesas corporais contra esses patógenos encapsulados envolvem a opsonização. Embora o anticorpo, por si, possa ser opsônico para alguns organismos, a opsonização é marcadamente aumentada pelo complemento(12, 25). Visto que a maioria dos pneumococos é eficazmente opsonizada pela via alternativa de complemento, na qual não necessidade de anticorpos específicos para sua ativação, essa via alternativa pode representar o principal mecanismo para opsonização de pneumococos em hospedeiros não- imunes. Sem o baço, o déficit de complemento pode prejudicar a opsonização e reduzir as defesas dos hospedeiros à invasão por pneumococos(9, 12, 19, 37).

Outras bactérias, como Escherichia coli, Streptococcus b-hemolítico, Staphylococcus aureuse Pseudomonassp, também são notificadas como de risco(9, 13, 19, 39). Na revisão de SINGER(39), a E. coli foi a responsável por 12% dos casos relatados de IFPE. Similarmente, grande variedade de agentes, incluindo outros microrganismos entéricos Gram-negativos, como Capnocytophaga canimorsus, assim como patógenos não-bacterianos, como Babesia, vírus e fungos, também são relatados em casos esporádicos(19).

Indivíduos infectados com o vírus da imunodeficiência humana (HIV) tendem a apresentar melhora do quadro clínico após a remoção do baço, possivelmente devido à eliminação da grande carga viral existente nos linfócitos esplênicos.

Após esplenectomias, aumenta a contagem de linfócitos CD4+ e diminui o desenvolvimento da síndrome da imunodeficiência humana ' AIDS(3, 13, 42).

Indivíduos asplênicos ou hiposplênicos também são mais suscetíveis a cursos fatais de malária causada por Plasmodiumsp(9, 19, 41). A importância do baço na malária reflete-se na esplenomegalia que se desenvolve com infecções repetidas.

Têm sido descritos inúmeros casos de macicez esplênica, em presença da qual um trauma mínimo pode levar à rotura do órgão. A função fagocitária do baço é de primordial importância nessa enfermidade e a esplenectomia resulta em sua exacerbação, com aumento do número de eritrócitos parasitados na circulação (41).

THALHAMER et al.(43) estudaram o papel do baço e do auto-implante esplênico na depuração de bacteremias experimentais causadas por Escherichia coli em coelhos. Diferentes quantidades de bactérias foram injetadas por via intravenosa e, a intervalos variados, eram colhidas amostras sangüíneas para determinação do número de unidades formadoras de colônias (UFC). Após 7 minutos, não havia mais quantidade detectável de bactérias no grupo-controle.

Todos os animais asplênicos e auto-implantados mostraram declínio considerável da depuração sangüínea, sendo que, aos 19 minutos, não havia mais bactérias no sangue. Não foram encontradas diferenças na cinética depurativa entre animais sem baço e animais com auto-implantes esplênicos. A vacinação contra E. coli aumentou a depuração nos três grupos.

QUADRO CLÍNICO Os sinais prodrômicos da IFPE podem ser, inicialmente, discretos, assemelhando- se a estado gripal, com febrícula e sintomas não-específicos, mas com evolução rápida para choque séptico, com hipotensão arterial, anúria e coagulação intravascular disseminada. Na maioria dos casos apresentam curso fatal nas primeiras 48 horas após admissão hospitalar, mesmo com o uso de antibióticos de largo espectro e de cuidados intensivos, principalmente naqueles casos ocorridos até 2 anos após a remoção do baço(9, 19, 41, 42). O choque está freqüentemente presente, com necrose renal cortical ou necrose tubular aguda, necrose hepática e acúmulo de fluidos nas cavidades serosas. Outras complicações incluem púrpura fulminante, gangrena de extremidades, convulsões e coma(9, 13, 41, 42). À necropsia, observam-se alterações típicas da sepse, com envolvimento de múltiplos órgãos, podendo incluir hemorragia e necrose supra- renal ' síndrome de Waterhouse-Friderichsen(13, 41, 42).

Em adultos, a IFPE geralmente não apresenta localização primária óbvia, enquanto em crianças menores que 5 anos de idade, infecções focais, particularmente meningite e pneumonia, são mais comuns(19, 42).

No período pós-operatório imediato de uma esplenectomia podem ocorrer complicações agudas, como abscesso subfrênico, principalmente quando realizados outros procedimentos associados. Nessas infecções, os agentes etiológicos mais encontrados são estafilococos e bacilos entéricos Gram-negativos, diferentemente dos principais microrganismos causadores da IFPE. Pode ocorrer trombocitose e leucocitose, chegando a níveis alarmantes. Esses valores atingem o pico máximo após 10 dias da esplenectomia, reduzindo gradualmente após esse período(9, 42).

DIAGNÓSTICO Nos pacientes sob risco de apresentarem hiposplenia funcional, pode ser de grande valia o exame de esfregaços de sangue periférico à procura de corpúsculos de Howell-Jolly, como indicativo da função esplênica. A presença desses corpúsculos indica função diminuída ou ausente do baço e a necessidade de medidas profiláticas(19, 41, 42).

Qualquer apresentação febril em paciente esplenectomizado leva a alto índice de suspeição de IFPE. Enquanto se aguarda o diagnóstico, não se deve retardar o início do uso empírico de terapia antimicrobiana(41, 42). Altas concentrações plasmáticas de bactérias em esfregaços de sangue periférico, usualmente acima de 106 UFC/mL, permitem realizar o diagnóstico antes que o resultado da cultura esteja disponível. Esse número é muito maior que aquele encontrado em pneumonias e em outras infecções não relacionadas à esplenectomia(9, 19, 41).

A coloração por Gram e culturas devem também ser realizadas em aspirados de púrpuras ou petéquias na pele. As culturas sangüíneas são positivas dentro das primeiras 24 horas, possibilitando a correção do esquema antimicrobiano.

Líquidos pleurais e ascíticos devem ser examinados. A punção lombar é indicada, particularmente em crianças, devido à alta incidência de meningite(19, 41).

TRATAMENTO O tratamento deve ser bastante agressivo e precoce, logo aos primeiros sinais de provável sepse. Todos os pacientes asplênicos com febre de origem não esclarecida, precisam receber antibioticoterapia intravenosa empírica de largo espectro em doses elevadas ' freqüentemente penicilina, ampicilina, cefotaxima ou ceftriaxona, que, a princípio, possuem boa atividade contra microrganismos encapsulados ' S. pneumoniae, H. influenzae e N. meningitidis ', os agentes etiológicos mais freqüentes da forma fatal dessa síndrome. Com o aumento da prevalência de pneumococos resistentes, bem como a possibilidade de ocorrência de outros microrganismos, o espectro de cobertura necessário tende a ser maior.

Em áreas com evidência de presença de pneumococos moderadamente resistentes, está indicado o uso de cefalosporina de quarta geração, como a cefpiroma, cefepima ou cefquinona, e, naqueles locais onde sabidamente se reconhecem pneumococos resistentes, deve-se empregar vancomicina. Em pacientes alérgicos à penicilina, pode ser utilizado cloranfenicol, imipenem ou meropenem(5, 9, 10, 19, 41). A maioria dos autores recomenda o início imediato de antibioticoterapia empírica, em qualquer estado febril, mesmo para aqueles que tenham sido convenientemente vacinados(9, 19, 41, 42).

Poucos têm sido os avanços na terapia da IFPE. A terapia com imunoglobulina, bem como o uso de corticosteróides, ainda não teve o seu valor comprovado. A despeito do tratamento agressivo, graves seqüelas podem advir nos pacientes que sobrevivem, e 50% a 75% dos pacientes com IFPE evoluem para óbito, freqüentemente nas primeiras 48 horas(9, 13, 19, 41, 42).

PROFILAXIA A prevenção encerra grande potencial para diminuir a mortalidade decorrente da IFPE. Muitas das pesquisas clássicas sobre a ocorrência de IFPE em pacientes asplênicos ou hiposplênicos foram realizadas em épocas em que ainda pouco se sabia sobre essa enfermidade e, praticamente, não se adotavam medidas profiláticas que objetivassem minimizar seu surgimento. As estratégias para profilaxia situam-se em três categorias principais: educação, imunoprofilaxia e quimioprofilaxia. Além dessas, a partir da constatação de regeneração morfológica e funcional de implantes espontâneos de baço (esplenose), o auto- implante esplênico heterotópico tem sido empregado por alguns grupos com o intuito de preservar tecido esplênico e, conseqüentemente, fornecer proteção contra a IFPE.

Educação ' A educação dos pacientes é de importância primordial. Eles devem ser informados acerca de riscos e tipos de infecção. Devem ser avisados para procurar, rapidamente, socorro médico a qualquer sinal ou sintoma compatível com infecção. Também devem ser encorajados a alertar o profissional de saúde, incluindo dentistas, a respeito de seu estado asplênico ou hiposplênico(41, 42).

O guia britânico de prevenção e tratamento de infecção em pacientes com ausência ou disfunção esplênica recomenda que os pacientes asplênicos devem ser encorajados a usar bracelete de alerta médico e ter sempre consigo um cartão informando acerca da ausência do baço, outros detalhes clínicos e números telefônicos para contato(5, 10).

Imunoprofilaxia ' A vacinação profilática contra pneumococos vem sendo recomendada mais de duas décadas para todos os pacientes asplênicos ou hiposplênicos e constitui a primeira linha de defesa no que se refere às medidas preventivas. Não existem evidências de que a vacinação profilática, mesmo com pneumococos vivos, seja insegura para crianças e adultos sem baço ou com baço disfuncional(5, 10).

Encontram-se disponíveis vacinas imunogênicas dirigidas aos três maiores causadores da IFPE: Streptococcus pneumoniae (23 tipos, cobrindo cerca de 85% das infecções), Haemophilus influenzae (tipo B) e Neisseria meningitidis(grupos A, C, Y e W135). Visto que nem todas as linhagens bacterianas patogênicas estão incluídas nessas vacinas, a infecção pode ocorrer, mesmo que tenha havido resposta imune adequada(5, 9, 19, 41, 42, 44). Na maioria dos casos, a IFPE com curso fatal é causada por pneumococos, com seus polissacarídios capsulados, considerados como antígenos tipo 2, independentes de linfócitos T(8, 9, 13, 17, 19, 41, 42, 44).

Casos esporádicos de falhas de vacinações têm sido relatados. Ademais, outras bactérias, para as quais não existem vacinas, respondem por alto percentual de IFPE. Por essas razões, a vacinação, por si, não deve permitir a falsa noção de segurança(5, 10, 41, 42). As crianças, particularmente as com menos de 2 anos de idade, geralmente apresentam inabilidade para desenvolver resposta adequada de anticorpos a antígenos polissacarídicos, levando a risco de falha da vacinação(5, 10, 41, 42). Recentemente, foi desenvolvida nova vacina conjugada, com sete tipos de polissacarídios, para ser utilizada nesses pacientes(10, 42).

Esta vacina, apesar de mais imunogênica, apresenta espectro de ação mais limitado.

Pacientes submetidos a esplenectomias eletivas devem ser vacinados ao menos 2 semanas antes da cirurgia, parecendo nesses casos haver melhor resposta.

Aqueles pacientes submetidos a esplenectomias em regime de urgência devem ser vacinados logo após a cirurgia ou após 14 dias, parecendo haver melhor resposta quando a vacinação não é retardada(5, 9, 10, 19, 41, 42).

A imunogenicidade pode estar reduzida se a vacinação ocorrer após a esplenectomia ou enquanto o paciente estiver em regime de quimioterapia.

Estudos em pacientes com doença de Hodgkin mostraram resposta inadequada de anticorpos até 3 anos depois, quando a vacinação foi feita após início do tratamento com agentes imunossupressores. Parece melhor postergar a imunização, ao menos 6 meses após a quimioterapia ou a radioterapia e, durante esse tempo, realizar antibioticoprofilaxia(5, 10, 38).

Todo paciente asplênico ou hiposplênico deve ser reimunizado com vacina pneumocócica a cada 5 a 10 anos. Durante o 1o ano após a vacinação de pacientes esplenectomizados, a concentração de anticorpos séricos declina linearmente cerca de 24% a 32% do pico máximo. Em função disto, a reimunização inicial para pneumococos deve ser feita mais precocemente, após 3 anos da primeira dose(5, 13, 42). A eficácia e a utilidade da vacinação, bem como da reimunização, contra Haemophilus influenzae tipo B é menos clara do que com a vacina pneumocócica, mas ela é recomendada para pacientes não imunizados previamente (5, 19, 42).

A vacina meningocócica é imunogênica em pacientes asplênicos. Após a esplenectomia por trauma, boa resposta de anticorpos com a vacinação, enquanto que em pacientes esplenectomizados por linfoma e que receberam quimioterapia e radioterapia, evidencia-se pequena resposta de anticorpos. Como a proteção decorrente dessa vacina é de curta duração, a imunização para meningococos não é empregada rotineiramente para pacientes esplenectomizados, exceto quando em viagem por áreas onde existe risco aumentado para infecção pelo grupo A ou para aquelas pessoas em contato com pacientes com meningite devido a microrganismos dos grupos A e C(5). A reimunização deve ser considerada após 2 anos, nos pacientes de alto risco, especialmente em crianças (5, 13, 41, 42).

Existem alguns questionamentos acerca da eficácia da administração intravenosa de gamaglobulina (anticorpo opsonizante) em pacientes de risco, profilática ou terapeuticamente. Da mesma forma, verificou-se que a administração de Corynebacterium parvum, em ratos com esplenectomias parciais, aumenta a massa esplênica e estimula o sistema mononuclear fagocitário, aventando-se a hipótese de que possa ser utilizado como imunomodulador, em casos selecionados(9, 42).

Quimioprofilaxia ' A antibioticoprofilaxia contra a infecção pneumocócica nos pacientes asplênicos, principalmente em crianças (até 16 anos), nos primeiros 2 anos após esplenectomia, parece exercer papel importante na prevenção da IFPE.

Geralmente, utilizam-se doses diárias de penicilina ou amoxicilina, especialmente nos primeiros 2 anos após a esplenectomia, devendo-se lembrar da possibilidade de microrganismos resistentes a esses antibióticos. Quando houver alergia à penicilina, pode ser utilizada a eritromicina. Para os adultos, a eficácia dessa profilaxia ainda não está definitivamente comprovada(5, 9, 10, 19, 41).

Auto-implante esplênico ' Quando a esplenectomia total for necessária, o auto- implante esplênico heterotópico parece constituir a única alternativa para preservação de tecido esplênico. Constitui procedimento simples e sem associação com complicações maiores(18, 22, 23, 31, 32). Existem diversos modelos animais, bem como estudos em humanos, que evidenciam a regeneração do tecido esplênico auto-implantado, com características estruturais similares às do baço normal.

Os estudos experimentais para investigação do efeito imunoprotetor de implantes esplênicos autógenos fundamentam-se, em sua maioria, na exposição de animais a diversas espécies bacterianas, com avaliação do nível de depuração desses microrganismos da corrente sangüínea e da mortalidade decorrente da sepse por eles provocada(8, 17, 18, 37, 43). Também foram investigados os benefícios potenciais da imunização combinada com o auto-implante, especialmente após exposição a pneumococos, mostrando que essa associação aumenta o índice de depuração bacteriana e diminui a mortalidade(8, 17).

Recentemente, mostrou-se a regeneração da função fagocitária bacteriana de macrófagos de auto-implante esplênico, em ratos Wistar(21). Os resultados desse estudo sugerem que o auto-implante esplênico propicia proteção contra a bacteremia por Escherichia coli. Pesquisas adicionais são necessárias para mostrar se o implante autógeno de baço pode prover imunoproteção suficiente para reduzir a incidência da sepse grave pós-esplenectomia em humanos.

Alguns pesquisadores vêm realizando auto-implantes esplênicos em humanos, indicando o restabelecimento de algumas funções do baço por métodos laboratoriais indiretos e técnicas cintilográficas. Dentre as funções aparentemente preservadas, encontram-se a capacidade de remover substâncias coloidais, eritrócitos alterados e inclusões corpusculares, como as de Howell- Jolly, Heinz e Pappenheimer da corrente sangüínea(15, 31, 32, 44). Outros aspectos que aparentemente normalizam são a produção de anticorpos contra polissacarídios pneumocócicos e os níveis de imunoglobulinas, complemento, plaquetas e linfócitos(17, 23, 26, 31, 32, 44).

Parece possível que o auto-implante forneça proteção mais eficaz em crianças visto que o tecido esplênico transplantado regenera-se melhor em animais jovens, existindo indicações que isso também seja verdadeiro para humanos(17, 18, 32, 43, 44).

A recuperação da função fagocitária esplênica, após implantes autógenos, ainda não foi definitivamente comprovada e, lamentavelmente, o auto-implante esplênico não tem sido lembrado como opção terapêutica, notadamente para as lesões esplênicas traumáticas. Alguns casos de IFPE têm sido descritos em pacientes com evidência de tecido esplênico ectópico ou regenerado tanto em adultos, quanto em crianças, atestando que a simples presença desse tecido regenerado ou residual não garante proteção efetiva contra sepse(23, 36).

CONSIDERAÇÕES FINAIS As medidas preventivas anteriormente mencionadas não são suficientes para debelar o risco de desenvolvimento da IFPE. Conforme enfatizado, inúmeras estratégias vêm sendo desenvolvidas visando maximizar a possibilidade de preservação esplênica. A esplenectomia total deve ser evitada sempre que possível, visto sua associação com taxas aumentadas de sepse fulminante pós- operatória. Com a utilização de melhores métodos propedêuticos de imagem e de formas alternativas para tratamento de enfermidades hematológicas e malignas, as atitudes referentes à esplenectomia têm sofrido mudança nos últimos anos.

Com base nos conhecimentos atuais, quando a esplenectomia é inevitável, ainda que se realize o auto-implante esplênico heterotópico, recomenda-se o emprego da imunoprofilaxia de amplo espectro(9, 13, 41, 42).


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