Análise estrutural da laringofaringe e suas implicações na miotomia do
cricofaríngeo, na injeção de toxina botulínica e na dilatação por balão
ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
A transição faringoesofágica (TFE) é zona de alta resistência, com 2 a 4 cm de
extensão, interposta entre a faringe e o esôfago. Considera-se que esta
transição seja capaz de relaxar-se durante a deglutição para permitir a
passagem do bolo em trânsito. Esta zona, durante o repouso, apresenta pressão
positiva que varia de 20 a 100 mm Hg, havendo referências que atribuem
variações ainda maiores, como 18 a 145 mm Hg(22). A estrutura considerada como
responsável principal por esta zona de alta pressão é o músculo cricofaríngeo.
Admite-se que o músculo cricofaríngeo, contraído durante o repouso, relaxa-se
quando da deglutição para permitir a passagem do bolo em trânsito da faringe
para o esôfago(10, 11, 13, 15, 16, 17, 29, 30, 33). O conceito de ser o
cricofaríngeo o músculo responsável por esta zona de alta pressão sustenta
também o conceito de acalásia do cricofaríngeo (acálasia do EES ' esfíncter
esofágico superior)(21, 28), que se define como distúrbio de motilidade em que
o EES deixa de relaxar-se durante a deglutição, manifestando disfagia
intermitente(26, 31).
Diversas doenças, em especial as neurológicas, cursam com disfagia causada por
distúrbios que afetam a função faríngea. Admite-se que, nestes pacientes, a
disfunção do cricofaríngeo seja um dos mais freqüentes achados(13). A disfunção
primária do músculo cricofaríngeo, algumas vezes também rotulada como acalásia,
é admitida como uma desordem funcional rara que se define por impedir o
relaxamento do cricofaríngeo, determinando disfagia e aspiração(28, 29).
A miotomia, a injeção de toxina botulínica e a dilatação pneumática do músculo
cricofaríngeo têm sido propostas como alternativas terapêuticas que visam
contribuir, permeando a obstrução causada pela não abertura da TFE.
A miotomia do cricofaríngeo, por acesso externo ou endoscópico, é praticada
para produzir a abertura da TFE considerada resistente pelo não-relaxamento do
músculo cricofaríngeo(6, 20, 23, 24, 30). Esta miotomia, algumas vezes, não se
resume à secção do fascículo transverso deste músculo; não raro, uma miotomia
alargada é processada envolvendo, em sentido cranial, o fascículo oblíquo do
cricofaríngeo e as fibras mais caudais do fascículo tireofaríngeo. Em sentido
caudal, o alargamento da miotomia do cricofaríngeo alcança as primeiras espiras
da musculatura circular do esôfago. A ampliação da extensão da secção muscular
além dos limites do fascículo transverso do músculo cricofaríngeo tem sido
justificada pela participação desta musculatura vizinha na geração destas
maiores dimensões da zona de alta pressão da TFE(16, 32).
A injeção da toxina botulínica de tipo A em nível da TFE tem sido executada por
via percutânea ou por procedimento endoscópico, visando o relaxamento do
músculo cricofaríngeo(1, 5, 13, 27). A resposta a este procedimento é
dependente da dose utilizada, da técnica de infiltração e da massa muscular a
ser bloqueada. A toxina botulínica é uma neurotoxina que, diluída em soro
fisiológico e injetada no músculo, difunde-se, produzindo quimiodesnervação por
bloqueio da liberação de acetilcolina das vesículas pré-sinápticas, o que
impede a transmissão nervosa e determina relaxamento muscular, que pode ser
observado de 3 a 10 dias após sua aplicação(4, 25).
A dilatação pneumática, que visa ampliar a região delimitada pelo músculo
cricofaríngeo, é utilizada como alternativa à miotomia e à toxina botulínica e
é, por esta razão, como aqueles procedimentos, indicada nos casos em que se
supõe que a transição faringoesofágica se mostre resistente pelo não
relaxamento muscular. Posiciona-se o balão em nível da TFE, onde ele é
expandido inicialmente com baixa pressão de 1,5 a 2 atm, seguindo-se com
progressiva dilatação até que se atinja cerca de 20 mm de diâmetro para, por
analogia com os resultados da dilatação de zonas estenosadas, produzir a
dilatação da TFE, resultando em luz ampliada que permita o fluxo
faringoesofágico(19, 28, 29).
As técnicas aqui apontadas são invasivas e dependentes de bases morfofuncionais
consistentes para a indicação, execução e definição de seus limites. Observe-se
que a miotomia do cricofaríngeo tem sido empregada, já há longo tempo, como
parte do tratamento de disfagias de origem neurológica, miogênica, estrutural
ou idiopática, e sua eficácia, como procedimento capaz de corrigir a disfunção
do cricofaríngeo, permanece controversa. Como relatado por KELLY(20), embora
resultados favoráveis tenham sido publicados, ainda são poucos os estudos
efetuados sobre a secção do cricofaríngeo para que se dirimam as controvérsias.
A partir destas premissas, procedemos à revisão anatômica e estrutural da TFE
com vistas a dar base mais consistente à análise dos procedimentos
intervencionistas que visam diminuir a resistência desta transição por atuação
sobre a integridade da musculatura regional.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram estudados 6 segmentos de cabeça e pescoço e 18 blocos contendo laringe,
laringofaringe e segmento proximal do esôfago cervical obtidos de cadáveres
humanos, adultos de ambos os sexos, fixados em aldeído fórmico a 10%. Os
segmentos de cabeça e pescoço foram incluídos em gesso, congelados e cortados
em serra de fita, quatro no plano sagital e dois no transversal. As fatias
sagitais e as transversas, com espessura entre 1 e 1,5 cm, foram analisadas em
nível da TFE quanto à relação das estruturas. Os blocos foram dissecados com
auxílio de lupa cirúrgica DF Vasconcelos nº 1628, com aumentos variados a fim
de permitir a análise das relações, inserções musculares e distribuição
espacial dos fascículos do músculo constritor inferior da faringe. Mensurou-se
a espessura dos fascículos do músculo constritor inferior da faringe em três
níveis da linha média posterior, utilizando-se paquímetro da marca Sommet. O
nível mais alto foi definido pela maior espessura encontrada em nível do
fascículo tireofaríngeo, o segundo ponto mensurado foi em nível da zona
intermédia entre os fascículos oblíquo e transverso do músculo cricofaríngeo e
o terceiro em nível do fascículo transverso do cricofaríngeo.
RESULTADOS
Nos cortes sagitais, pôde-se evidenciar a convexidade da lordose cervical em
nível das quinta e sexta vértebras cervicais, intimamente aposta à laringe,
definindo ação de pinça que mantém aproximadas as paredes anterior e posterior
da laringofaringe por toda a extensão longitudinal da cartilagem cricóide.
Tanto o contorno longitudinal posterior, dado pela coluna cervical, quanto o
contorno longitudinal anterior, desenhado pela linha média da cartilagem
cricóide, deixam ver íntima aposição entre a lordose cervical e a cartilagem
cricóide (Figura_1). Nos cortes efetuados no plano transverso, em nível da
cartilagem cricóide, verifica-se maior aposição mediana com afastamento, em
ambos os lados, da relação entre a convexidade lateral das vértebras, da também
convexa morfologia lateral da cartilagem cricóide. A luz laringofaríngea,
resultante desta relação, apresenta-se com morfologia transversa variável em
dimensão, quando se observam, em seu sentido craniocaudal, as diversas secções
obtidas. Os cortes em nível da extremidade superior da cartilagem cricóide
deixam ver a luz faríngea significativamente maior do que aquela vista em
cortes que tomam porções inferiores da cartilagem cricóide. Em um mesmo corte
transverso de cerca de 1,5 cm de espessura, em nível da cartilagem cricóide,
vemos que na superfície superior, a extensão látero-lateral da luz faríngea é
significativamente maior do que aquela vista quando se observa o mesmo corte
por sua superfície inferior (Figura_2A e 2B).
A dissecação dos 18 blocos contendo laringe, laringofaringe e segmento proximal
do esôfago cervical pôde ser descrita de modo comum. Não se encontraram no
material deste estudo, salvo por características de dimensão e dimorfismo
laríngeo, variações que permitam as descrições de grupos com características
distintas.
As paredes musculares posterior e laterais da laringofaringe mostram-se
constituídas pela inter-relação de fascículos musculares pares, aplanados e de
pequena espessura, que constituem o constritor inferior da faringe. Na porção
superior da laringofaringe, inserido na linha média posterior em rafe fibrosa,
vê-se fascículo muscular alargado que, a cada lado da linha média posterior, se
dirige obliquamente de cima para baixo e de posterior para ântero-lateral,
inserindo-se na linha oblíqua da cartilagem tireóide, configurando por suas
inserções e localização, o fascículo tireofaríngeo, porção superior do
constritor inferior da faringe. Abaixo deste fascículo e com menor espessura,
identificam-se dois fascículos musculares distintos: o primeiro que se dirige
posterior e bilateralmente em sentido ântero-lateral, para inserir-se na borda
lateral da cartilagem cricóide; e outro, ímpar, que se insere de um a outro
lado nas bordas póstero-laterais da cartilagem cricóide. Estes fascículos, por
suas inserções, configuram os fascículos musculares que constituem o músculo
cricofaríngeo que juntos com os fascículos do tireofaríngeo constituem o
músculo constritor inferior da faringe (Figuras_3, 4, 5, 6).
Os dois fascículos do músculo cricofaríngeo, pela distribuição espacial de suas
fibras, podem ser designados: o superior, como oblíquo e o inferior, como
transverso.
Os fascículos superiores do músculo cricofaríngeo mostram-se inseridos
posteriormente na rafe mediana posterior da faringe e dirigem-se obliquamente,
a cada a lado, de cima para baixo e de posterior para ântero-lateral, indo
inserir-se a cada lado nas bordas laterais da cartilagem cricóide, com menor
obliqüidade do que a observada para os fascículos do tireofaríngeo (Figuras_4,
5).
O fascículo transverso do músculo cricofaríngeo é ímpar e cruza a linha média
de um a outro lado, inserindo-se por suas extremidades nas bordas laterais da
cartilagem cricóide. Sua altura, pouco maior que 1 cm, e seus limites são
facilmente observáveis não só pelo sentido transverso de suas fibras, mas
também pela evidente delimitação de suas margens superior e inferior. A
superior delimita-se com zona de rarefação muscular na parede posterior da
faringe e a inferior com a ausência da camada muscular longitudinal, na
extremidade superior da linha média posterior do esôfago.
A medida da espessura da parede muscular faríngea formada pelo constritor
inferior, em nível da linha média posterior, mostrou o fascículo tireofaríngeo
com a maior espessura, de 2 a 2,5 mm, que decresce até a zona desprovida de
músculo entre os fascículos oblíquos e o transverso do cricofaríngeo, para
cerca de 0,5 mm ou menos, voltando a se espessar para não mais que 1 mm em
nível do fascículo transverso do cricofaríngeo.
A zona de rarefação muscular que se observa na parede posterior da
laringofaringe é delimitada pelas fibras do fascículo transverso,
inferiormente, e pelas fibras dos dois fascículos oblíquos do cricofaríngeo,
superiormente. Pequenas e esparsas fibras provenientes das margens inferiores
dos dois fascículos oblíquos podem ser vistas esparsamente distribuídas sobre a
zona de rarefação muscular, que é basicamente constituída em sua superfície
externa, por fáscia conjuntivo-fibrosa. Esta zona, mais delgada que as vizinhas
pela ausência de fibras musculares, pode ser destacada pela transiluminação
(Figura_4).
A delimitação inferior do fascículo transverso devido à ausência na linha média
posterior da camada muscular longitudinal do esôfago, deveu-se à obliqüidade
das fibras longitudinais do esôfago que, inseridas a cada lado nas bordas
laterais da cartilagem cricóide, desenham em sua progressão no esôfago, zona
triangular posterior, cujo assoalho é formado pelas fibras circulares do
esôfago que, neste nível, se posicionam em plano pouco mais profundo que o
ocupado pelas fibras transversas do fascículo inferior (transverso) do
cricofaríngeo (Figura_5).
A parede anterior da laringofaringe em nível da projeção da cartilagem cricóide
não apresenta musculatura faríngea. Esta parede, conjuntivo mucosa, cobre o
contorno posterior da cartilagem cricóide que, nesta região, apresenta a cada
lado de sua linha média o ventre muscular do músculo cricoaritenóideo
posterior, que atua na dinâmica laríngea sendo para a faringe simples coxim
regional.
CONSIDERAÇÕES
O músculo cricofaríngeo, ao qual se atribui a responsabilidade da alta pressão
registrada em nível da transição faringoesofágica, é músculo de tipo estriado
e, como tal, não é capaz de se manter contraído com alto gasto de energia por
tempo indefinido, durante os intervalos dos esforços de deglutição, para só se
relaxar durante a vigência deste esforço(7).
Em nível da transição faringoesofágica, a manometria registra pressões
radialmente desiguais, sendo os valores do contorno anterior e posterior
significativamente mais altos do que aqueles registrados lateralmente(12, 32).
A distribuição espacial dos fascículos do constritor inferior da faringe deixa
ver inserção na rafe posterior da faringe e inserção ântero-lateral nas
cartilagens tireóide e cricóide, gerando, pela ausência de musculatura faríngea
no contorno anterior, configuração em meia calha, que torna fisicamente
impossível gerar pressão anterior e posterior de maior expressão, por ação
contrátil dos fascículos do músculo constritor inferior, entre eles o
cricofaríngeo. O fascículo transverso do cricofaríngeo se estende de um a outro
lado da cartilagem cricóide como faixa muscular contínua; com esta
configuração, mesmo que ele fosse capaz de se manter contraído, não geraria
pressão anterior e posterior de maior intensidade que as registradas
lateralmente. Esta configuração deveria gerar pressões laterais de maior
intensidade que as anterior e posterior. O registro pressórico que deixa ver
predomínio anterior e posterior, no entanto, é facilmente explicado pela ação
de pinça sobre a faringe que é produzida pela relação de aposição entre a
lordose cervical e cartilagem cricóide(7, 8) (Figuras_1, 2).
A transição faringoesofágica, cuja extensão pode variar de 2 a 5 cm, apresenta
pressões de repouso que, em indivíduos normais, chegam a variar de 18 a 148 mm
Hg(22). O músculo cricofaríngeo tem sido apontado como o principal responsável
pela função esfinctérica definida pela alta pressão desta TFE(10). Como
justificativa para as maiores extensões da zona de alta pressão registrada na
TFE, admite-se a participação da porção tireofaríngea do constritor inferior e
ainda das primeiras espiras da musculatura circular do esôfago como
responsáveis pela extensão maior que a ocupada pelos fascículos do
cricofaríngeo(18, 32). Os valores extremos maior e menor da média pressórica
registrados na TFE e obtidos em amostras de indivíduos normais deixam ver
intervalos que terminam por abrigar uma faixa muito grande de normalidade(3,
12, 14). Intervalos tão significativos e distribuição com tal variabilidade
põem sob suspeita o significado deste registro. De fato, o valor pressórico
oferecido para a TFE torna-se pouco expressivo por ser obtido pela média das
pressões radiais registradas. Como as pressões anterior e posterior são
significativamente mais altas que as laterais(2, 9, 32), e como a maioria das
aferições considera pelo menos três dos pontos cardeais, podemos ter valores
finais com desvios significativamente acentuados. O erro básico desta pressão
média é a admissão de que ela se deva a um estado permanente de contração da
musculatura faríngea quando ela, em verdade, se deve à ação de pinça exercida
pela relação coluna cervical (C5/C6) e a laringe (cartilagem cricóide), como se
pode observar pela anatomia de relação em nível da TFE (Figura_7).
A extensão da relação entre a coluna e a cartilagem cricóide explica também a
maior ou menor dimensão em altura da zona de alta pressão e porque a pinça
formada por esta relação determina o registro de maior valor pressórico
anterior e posterior, e o óbvio menor valor nos registros laterais. Justifica,
ainda, a grande variação pressórica média observada para a região. Deste modo,
o músculo cricofaríngeo e os vizinhos, estriados de tipo esquelético, já
sabidamente incapazes de manter contrações continuadas em condições
fisiológicas, delimitam o contorno faríngeo, mas não são os responsáveis pela
geração pressórica regional. O fascículo transverso do cricofaríngeo que
delimita, constituindo-se no responsável morfológico pela zona anatomicamente
mais angustiada da transição faringoesofágica, pode ser assim apontado como o
principal responsável pela resistência da TFE, mas não pela alta pressão
regional.
A consideração de um valor pressórico alto e único (média das pressões radiais)
e a existência de zona anatomicamente angustiada definida pelo músculo
cricofaríngeo, associadas ao conceito clássico de função esfinctérica, que tem
o piloro como padrão, certamente serviram de condutores ao distorcido
entendimento de que a alta pressão da transição faringoesofágica se devesse a
um estado de contração mantida, em especial do músculo cricofaríngeo, que
deveria se relaxar para permitir a passagem do fluxo faringoesofágico.
A descrição manométrica da TFE, que se baseia na pressão radial média, registra
durante o repouso uma pressão positiva, que desaparece no início da deglutição,
caindo a zero ''devido ao relaxamento do músculo cricofaríngeo''. A seguir, com
a chegada do bolo deglutido na região, a pressão se eleva a valor
significativamente maior do que aquele, já elevado, que se observa no repouso.
Com a transferência do bolo da faringe para o esôfago, a transição
faringoesofágica retorna ao repouso e a apresentar pressão positiva ''devida ao
músculo cricofaríngeo, agora em seu estado basal de contração mantida''.
O improvável mecanismo acima descrito tem contra ele uma série de fatos: 1. de
ser o músculo cricofaríngeo de tipo estriado esquelético, músculo altamente
dependente de energia para sua função e cujas reservas rapidamente se
extinguem; 2. de ter o arranjo muscular regional a morfologia de meia calha
que, mesmo contraído, não seria fisicamente capaz de gerar a distribuição
pressórica observada para a TFE; 3. de o arranjo muscular local só estreitar a
laringofaringe na extensão de não mais que 1 cm em nível do fascículo
transverso do cricofaríngeo, enquanto a zona de alta pressão da TFE mede de 2 a
4 cm de extensão; 4. de haver na extensão da área de alta pressão, entre os
fascículos oblíquos e transverso do cricofaríngeo, região onde sequer existe
músculo; 5. de mesmo após a secção longitudinal total do músculo cricofaríngeo,
persistir pressão positiva em nível da TFE.
As variações pressóricas da TFE podem ser explicadas, em especial, pela ação de
pinça entre a coluna e a laringe. A pressão de repouso na transição
faringoesofágica se mantém elevada por ação da pinça cricocervical de forma
passiva e sem gasto de energia. No início da deglutição, o hióide e a laringe
se elevam e se anteriorizam, devido à contração da musculatura supra-hióidea e
tireoióidea, e a pinça cricocervical se desfaz, levando a pressão basal da TFE
a zero. A seguir, a onda pressórica de ejeção oral expande a TFE, elevando sua
pressão acima do nível de repouso. O cricofaríngeo, músculo que delimita o
contorno póstero-lateral da TFE é, inicialmente, distendido para, a seguir, se
contrair, potencializando a ação pressórica da ejeção oral.O registro da ação
pressórica do cricofaríngeo se soma ao da ejeção oral. O músculo cricofaríngeo
contraído na fase anterior, em seqüência aos constritores agora se relaxa e a
pressão basal da TFE cai em direção ao patamar de repouso. A pinça
cricocervical se refaz por relaxamento da musculatura supra-hióidea e
tireoióidea. O repouso da TFE é restaurado e agora mantido sem gasto de energia
(Figura_8).
Mas a crença ainda é a de que uma transição faringoesofágica que não se abre
funcionalmente durante a deglutição, teria no estado de contração do
cricofaríngeo o elemento de resistência que, bloqueando o livre fluxo digestivo
da faringe para o esôfago, facilitaria a permeação das vias aéreas. Assim,
romper a integridade deste ''anel'' que não se relaxa através da miotomia,
quimiodesnervação ou dilatação que produza a lise da resistência, seriam
lógicas opções para a terapêutica. Este pretenso ''não relaxamento'' sustenta
também a definição de ''acalásia do cricofaríngeo'': entidade mórbida que não
existe para este músculo e que por definição não pode se instalar em músculo de
tipo estriado esquelético, cuja despolarização alcança unidades motoras de
comportamento distinto da atividade elétrica e mecânica que ocorre nos músculos
de tipo liso, onde se pode observar esta doença.
Dois casos não publicados de miotomia por acesso externo, indicados e
acompanhados por avaliação manométrica e videofluoroscópica, um com hipertrofia
do cricofaríngeo, o outro com abertura retardada por falta de sincronismo entre
a abertura da TFE e a ejeção oral, mostraram significativa melhora pós-miotomia
do fascículo transverso do cricofaríngeo; mas ambos os casos apresentavam
dinâmica hiolaríngea que, embora limitada, se traduzia por afastamento da
relação entre a coluna e a laringe e ainda se via algum grau positivo de ejeção
orofaríngea*.
A secção do fascículo transverso do cricofaríngeo, e somente a dele, diminui a
resistência da transição faringoesofágica, pois a dimensão da luz faríngea
acima deste ponto é suficientemente larga e, em si, não oferece resistência. A
resistência observada acima do fascículo transverso do cricofaríngeo se deve à
relação de pinça laringocervical. A secção de fascículos constritores acima da
porção transversa do cricofaríngeo, como o usualmente procedido nas miotomias e
em especial nas alargadas, é negativo pois a região já apresenta dimensão
suficiente. Se processada esta seção, será lesada a musculatura constritora,
importante para a geração de alguma força propulsiva. Complementa a
possibilidade de eficiência da miotomia do fascículo transverso do
cricofaríngeo a presença remanescente de alguma dinâmica hiolaríngea, traduzida
por sua elevação e anteriorização pois, como já sabido, a resistência acima do
fascículo transverso é passiva, dependente da aposição entre a coluna e a
laringe. A secção do cricofaríngeo terá pouca ou nenhuma eficácia se a elevação
e anteriorização do complexo hiolaríngeo não ocorrer. Associado à dinâmica
hiolaríngea, é também importante certo grau de pressurização faríngea à
montante, de modo a transferir o conteúdo faríngeo através da TFE.
Com menor resistência devida à secção do fascículo transverso do cricofaríngeo
e elevação da laringe que, quando presente, desfaz a pinça formada pela relação
entre a cartilagem cricóide e a coluna em nível da lordose cervical, é possível
obter-se algum resultado positivo. A importância da dinâmica hiolaríngea e da
pressurização faríngea como elementos básicos para indicação da secção do
músculo cricofaríngeo começa a ser relatada pela literatura(20).
É certo que o cricofaríngeo não se mantém contraído fisiologicamente durante
todo o tempo; mas, então, qual sua possível participação na fisiopatologia das
disfunções da TFE? Músculo estriado esquelético que é, pode nas doenças
neurológicas, tipo acidente vascular cerebral com comprometimento do sistema
piramidal, gerar espasticidade, nas doenças neurológicas de acometimento
extrapiramidal, rigidez e, nas menos freqüentes ''disfunções primárias do
cricofaríngeo'', hipertrofia ou hipertonia.
Assim, a secção do fascículo transverso do cricofaríngeo, que delimita a já
anatomicamente reduzida luz da TFE, agora espástico, rígido, hipertônico ou
hipertrófico, efetuadas em pacientes que apresentem algum grau de pressurização
faríngea e dinâmica de elevação e anteriorização hiolaríngea, terá grandes
possibilidades de produzir algum eficiente resultado (Figura_9). Intervenção
que alcance fascículos musculares faríngeos que não o transverso do
cricofaríngeo certamente produzirá ou agravará a deficiência faríngea e mais
grave será se efetuada em paciente cuja dinâmica hiolaríngea já se mostrar
comprometida.
As considerações que sustentam o conceito de possível eficiência e deficiência
para as miotomias valem também para a terapêutica com toxina botulínica. Esta
segue a mesma linha de raciocínio, mas tem como complicadores a dificuldade de
correta abordagem da pouco expressiva massa muscular e a alta difusão da
neurotoxina, que pode produzir seus efeitos além do limite adequado. Para este
tipo de ação sobre o cricofaríngeo, a via externa parece temerária e pouco
recomendável. A via endoscópica seria mais adequada mas careceria, além dos
cuidados já indicados para a miotomia, que se cuidasse de encontrar dose capaz
de ter sua ação quimiodesnervante (limitada ao fascículo transverso do
cricofaríngeo).
A dilatação pneumática de uma transição faringoesofágica funcionalmente
comprometida precisará, para ser verdadeiramente eficiente, produzir ruptura
muscular. Trata-se neste caso, de miotomia traumática, miotomia por
esgarçamento do fascículo transverso do cricofaríngeo. Sua única vantagem é que
o posicionamento do balão se faz específica e naturalmente na região
anatomicamente angustiada, delimitada pelo fascículo transverso do músculo
cricofaríngeo, não devendo comprometer nas dilatações efetuadas no limite do
razoável, a musculatura faríngea vizinha. Seus maiores óbices são as lesões
concomitantes da mucosa e possíveis cicatrizações indesejáveis que podem
terminar por criar estenose cicatricial, mesmo no plano muscular. Parece-nos
difícil definir e controlar um nível ideal de distensão que produza o
afastamento das bordas musculares esgarçadas sem outros danos.
Finalmente, não é adequado, baseado no fato de que o registro pressórico da
transição faringoesofágica se deve mais diretamente à ação de pinça entre a
coluna e a cartilagem cricóide, avaliar a efetividade das miotomias através do
estudo das variações do registro médio desta pressão, como oferecido pelo
método manométrico. O estudo manométrico da TFE fica por merecer revisão
conceitual; a valorização de uma pressão média induz a erro, pois a secção
muscular só elimina a resistência local interferindo apenas nas pressões
registradas lateralmente e não nas registradas anterior e posteriormente, que
mais elevadas, mascaram a redução pressórica passível de ser obtida pela
miotomia. Assim, as pressões parciais e as variações temporais da pressão da
TFE podem ser informação útil, mas a pressão média de repouso oferecida como
base de referência para a pressão regional tanto antes, como após a miotomia
não tem nenhum valor prático e traz consigo o erro básico de induzir a crença
de ser o músculo cricofaríngeo o responsável maior pela pressão em nível da
TFE.
CONCLUSÕES
O músculo cricofaríngeo é músculo de tipo estriado esquelético e, por
conseguinte, incapaz de manter contração continuada por longos períodos. Suas
inserções ântero-laterais na cartilagem cricóide configuram morfologia em meia
calha que não permitem, quando de sua contração, a geração de pressão com
predomínio anterior e posterior como a encontrada na TFE. Este tipo de
distribuição pressórica tem sustentação na relação de pinça exercida por um
lado pela rigidez oferecida pelos corpos vertebrais, por outro pelo contorno
posterior da cartilagem cricóide. Apostas durante o repouso comprimem em
sentido ântero-posterior, as paredes da porção inferior da laringofaringe e
geram a alta pressão regional.
Miotomia alargada da TFE, aquela que se estende além do fascículo transverso do
cricofaríngeo, lesa musculatura ejetora e em área cuja dimensão luminal
dispensa a secção parietal.
Miotomia que tome somente o fascículo transverso do cricofaríngeo, poderá
contribuir positivamente para a melhoria do fluxo faringoesofágico. A
eficiência deste procedimento é dependência da existência de alguma força de
ejeção e elevação hiolaríngea a ela associada.
O fascículo transverso do músculo cricofaríngeo é fitado e de pequena espessura
para ser infiltrado diretamente, mesmo por via endoscópica; deste modo, a
submucosa certamente termina por ser o depositário, pelo menos parcial, da
toxina botulínica. Por analogia com a miotomia, esta toxina deveria desnervar
somente o fascículo transverso do cricofaríngeo. Neste contexto, dose, diluição
e pontos de infiltração assumem importante papel no uso terapêutico desta
neurotoxina em nível do cricofaríngeo. A eficiência deste procedimento também é
dependente da existência de alguma força de ejeção e elevação hiolaríngea.
Difusão da droga além dos limites do fascículo transverso interferirá em
musculatura que participa da ejeção e não da resistência local, podendo tornar
a injeção ineficaz e mesmo nociva, à semelhança das miotomias alargadas.
Injeção de toxina botulínica adequadamente indicada e limitada ao fascículo
transverso do cricofaríngeo teria valor semelhante ao das miotomias, também
corretamente indicadas e que tomem somente o fascículo transverso do
cricofaríngeo.
A dilatação por balão pneumático não parece ser procedimento adequado para uma
região que não apresente estenose fibrótica a ser rompida. Possível resultado
positivo será devido ao esgarçamento regional de extensão e resultado
cicatricial incerto.
Não é adequado, baseado no fato de que o registro pressórico da transição
faringoesofágica se deve mais diretamente à ação de pinça entre a coluna e a
cartilagem cricóide, avaliar a efetividade das miotomias através do estudo das
variações da pressão média da TFE como registrado pelos métodos manométricos.