Divertículo único do ceco: experiência de um hospital geral brasileiro
ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
A diverticulite cecal é condição rara que se apresenta como um dilema
diagnóstico para o cirurgião. Desde POTIER(16), que descreveu o primeiro caso
de diverticulite cecal, há alguns relatos, inclusive no Brasil(8).
A prevalência de diverticulite cecal é baixa em populações ocidentais, sendo
mais elevada nos descendentes de asiáticos. Na população ocidental, a maior
parte dos divertículos cecais são solitários, segundo GRAHAM e BALLANTYNE(7).
Acredita-se que os divertículos solitários são congênitos, surgindo como uma
projeção sacular do ceco na sexta semana de gestação(23). Esses são
considerados divertículos verdadeiros porque têm todas as camadas da parede
colônica, incluindo a muscular. Estudos patológicos freqüentemente são inábeis
para identificar a parede muscular do divertículo solitário devido à
concomitância de alterações inflamatórias. Divertículos múltiplos são vistos
mais comumente na população de origem asiática e são relatados como
divertículos falsos, em sua grande parte(20).
O divertículo solitário de ceco geralmente se localiza medialmente, próximo à
válvula ileocecal e habitualmente não apresenta associação com diverticulose de
outras porções do cólon(2, 21).
Pacientes com diverticulite cecal têm apresentação clínica praticamente
indistinguível de apendicite aguda com febre, leucocitose e dor abdominal em
quadrante inferior direito. A apresentação clínica da diverticulite cecal
também pode ser a mesma do carcinoma ulcerado de ceco envolvendo o apêndice
cecal. Desse modo, o correto diagnóstico pré-operatório raramente é obtido(12).
CASUÍSTICA
Caso 1
Paciente MSMB, 35 anos, feminino, branca, previamente hígida, foi admitida com
o quadro de dor abdominal em quadrante inferior direito, de forte intensidade,
iniciada 24 horas antes da internação. A dor era precipitada pela movimentação
com aumento gradual de sua intensidade.
O exame físico revelou dor à palpação profunda e à descompressão súbita do
quadrante inferior direito. Temperatura axilar de 38ºC, contagem de leucócitos
de 14.000 x 106/L e 10% de bastonados, hemoglobina de 12,8 g/dL e hematócrito
de 38%. O exame qualitativo de urina (EQU) foi normal.
O diagnóstico presuntivo foi de apendicite aguda. Porém, durante a laparotomia,
observou-se massa localizada no ceco próximo à válvula ileocecal, de
aproximadamente 4 cm de diâmetro, que estava perfurada e tamponada pelo omento
maior. Havia aumento do volume dos linfonodos do mesocólon. Devido à suspeita
de malignidade, foi realizada hemicolectomia direita com íleo transverso
anastomose primária término-terminal. A evolução pós-operatória foi sem
intercorrências.
O exame anatomopatológico revelou divertículo verdadeiro único de ceco com
diverticulite aguda necrosante e perfuração tamponada pelo omento maior,
observando-se peritonite aguda focal e periapendicite aguda focal.
Caso 2
Paciente JDA, 47 anos, masculino, branco, admitido com quadro de dor abdominal
em fossa ilíaca direita, iniciada há 3 dias, com piora progressiva de
intensidade, associada à febre e a fezes diarréicas. Realizada apendicectomia
há 15 anos.
Ao exame apresentava abdome distendido, timpanismo à percussão abdominal,
defesa abdominal, dor à palpação abdominal profunda, principalmente em fossa
ilíaca direita, sem dor à descompressão súbita. Temperatura axilar de 37,2ºC,
hemoglobina de 13,4 g/dL, hematócrito de 38,8%, contagem leucocitária com
19.300 x 106/L com 5% de bastonados. O EQU estava normal. Foi realizada
ecografia abdominal, que evidenciou grande espessamento de paredes do ceco,
saculação de sua parede lateral, com conteúdo ecogênico, medindo 2,5 cm x 1,6
cm, circundada por gordura omental infiltrada. Diagnóstico ecográfico: provável
diverticulite cecal. A seguir, foi realizada tomografia abdominal, que revelou
espessamento parietal e infiltração da gordura pericecal, que sofreu discreta
impregnação pelo meio de contraste, de aspecto compatível com processo
inflamatório cecal. Foi optado por tratamento conservador, iniciando-se
antibioticoterapia com ampicilina, gentamicina e metronidazol, obtendo-se
completa resolução do quadro em 6 dias.
Caso 3
Paciente OICV, 51 anos, feminino, branca, iniciou há 2 dias com quadro de dor
abdominal periumbilical, que se localizou na fossa ilíaca direita, associada à
anorexia. Não apresentava febre, náuseas, vômitos ou alterações do hábito
intestinal.
Ao exame, apresentava abdome flácido, dor à palpação da fossa ilíaca direita,
sem sinais de irritação peritonial. Apresentava temperatura axilar de 36,7ºC,
hemoglobina de 13,4 g/dL, hematócrito de 39,6%, contagem leucócitária 6.900 x
106/L com 2% (de neutrófilos bastonados). A ecografia abdominal demonstrou
lesão arredondada e tubular de 2 cm, com intensa sombra acústica, podendo estar
relacionada a quadro de apendicite aguda. A seguir, foi realizada tomografia
computadorizada abdominal, que revelou espessamento parietal do ceco e
infiltração da gordura adjacente, podendo representar processo inflamatório,
não sendo descartada doença neoplásica. Também se identificou imagem
arredondada de 1,0 cm, que pode estar relacionada com fecalito no interior da
luz do apêndice cecal.
Foi indicada laparotomia exploradora durante a qual foi identificada massa de
consistência endurecida de aproximadamente 3 cm de diâmetro no ceco. Devido à
suspeita de malignidade foi realizada hemicolectomia direita com anastomose
primária ileocólica término-terminal. A evolução pós-operatória foi sem
intercorrências.
O exame anatomopatológico evidenciou divertículo único de ceco, com
diverticulite crônica supurativa e periviscerite.
Caso 4
Paciente LSB, 26 anos, masculino, branco, previamente hígido, foi admitido com
quadro de dor abdominal em fossa ilíaca direita, com evolução de 4 dias, de
forte intensidade, com piora progressiva, associada à febre. Negava náuseas,
vômitos e mudança de hábito intestinal.
O exame físico revelou dor à palpação profunda e à descompressão súbita da
fossa ilíaca direita. Temperatura axilar de 36ºC, contagem de leucócitos de
13.400 x 106/L e 20% de bastonados, hemoglobina de 14,5 g/dL, hematócrito de
43,8%. A ecografia abdominal evidenciou imagem hipoecóica com 2,6 cm de
calibre, arredondada, alongada, com intensa sombra acústica central, podendo
estar relacionada à apendicite aguda.
Foi indicada laparotomia exploradora, durante a qual foi observada massa
localizada no ceco, de aproximadamente 2,5 cm de diâmetro, ulcerada. Havia
aumento do volume dos linfonodos do mesocólon. Devido à suspeita de
malignidade, foi realizada hemicolectomia direita com íleo transverso
anastomose primária término-terminal. A evolução pós-operatória foi sem
intercorrências.
O diagnóstico anatomopatológico foi divertículo de ceco, com inflamação crônica
abscedida, hemorragia e periviscerite. Linfadenite crônica em linfonodos
retrocecais e mesocólicos.
DISCUSSÃO
A maioria dos pacientes com diverticulite de ceco se apresenta com dor
abdominal indistinguível de apendicite aguda. O diagnóstico pré-operatório
requer alto índice de suspeição, especialmente em pacientes jovens, com
ancestrais asiáticos, que apresentam dor em quadrante inferior direito por mais
de 24 horas de duração, sem náuseas, vômitos ou anorexia, e paciente
apendicectomizado(1, 4, 9, 13).
A radiografia de abdome pode revelar fecalito em até 50% dos casos e enema
opaco pode ajudar na delimitação do divertículo com ou sem fecalito(22). A
dificuldade de visualizar o divertículo não exclui a possibilidade de sua
presença, pois o lúmen diverticular pode ser obstruído por um fecalito ou por
edema do colo do divertículo(6, 19). RAO et al.(17) avaliaram a tomografia
computadorizada para o diagnóstico diferencial de dor abdominal em quadrante
inferior direito e encontraram sensibilidade de 98% e especificidade de 98% no
diagnóstico de apendicite aguda. Além disso, demonstraram que a tomografia
computadorizada seria um exame com boa relação custo'benefício a ser empregado
no diagnóstico diferencial dos quadros de dor abdominal com suspeita de
apendicite aguda, o que se traduziu na redução de explorações cirúrgicas
apendiculares negativas.
Quando a laparotomia revela apêndice normal e uma massa inflamatória no ceco, a
suspeita clínica não deve ser direcionada somente para malignidade, mas também
para diverticulite cecal. Outras condições no diagnóstico diferencial são
doença de Crohn, actinomicose, perfuração por corpo estranho, amebíase, tumor
carcinóide e tuberculose(18).
Algumas manobras intra-operatórias têm sido sugeridas para o correto
diagnóstico e apropriado tratamento(3). A mobilização do ceco pode auxiliar
durante a investigação. Palpação direta da lesão pode revelar um fecalito,
sugerindo diverticulite cecal, e palpação indireta através da parede intestinal
oposta pode permitir a palpação do óstio diverticular(6, 19). Alguns autores(3,
11) recomendam cecotomia e biopsia de congelação; outros, porém, argumentam que
este procedimento pode aumentar o risco de contaminação fecal e, em caso de
malignidade, pode haver disseminação de células neoplásicas. Para divertículo
solitário sem reação inflamatória apenas diverticulectomia simples com
apendicectomia en passant, tem sido proposto(11, 13, 14, 19).
Se diagnóstico conclusivo de diverticulite cecal é obtido antes da realização
de cirurgia, tratamento conservador com antibióticos de amplo espectro pode ser
apropriado. Alguns autores recomendam que, se um divertículo cecal é
reconhecido durante a cirurgia, ele deve ser deixado in situ e tratado somente
com antibióticos de amplo espectro(5, 6, 10), conforme a conduta adotada no
caso 2 da presente casuística.
Estudo de revisão encontrou um correto diagnóstico intra-operatório em somente
65% dos pacientes submetidos a hemicolectomia direita de emergência(16). Em
outra revisão, esse índice foi de 84%(15). Nesta situação, diagnóstico de
câncer não pode ser apropriadamente excluído. Adicionando-se a isso, se o
divertículo é mantido, existe risco de recurrência de 15% a 71%(7, 9).
Finalmente, estudos retrospectivos têm mostrado que a hemicolectomia direita de
emergência é segura para diverticulite cecal, com taxa de mortalidade de 1,4%
(7), tendo sido realizada nos três pacientes em que não se obteve diagnóstico
pré-operatório.
Recomenda-se laparotomia exploradora quando não há certeza diagnóstica pré-
operatória, especialmente em pacientes idosos. Em virtude da dificuldade no
diagnóstico transoperatório e de o diagnóstico diferencial envolver doença
maligna, aconselha-se hemicolectomia direita para massas cecais inflamadas
descobertas no transoperatório.