Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRCVHe0004-28032003000400006

BrBRCVHe0004-28032003000400006

variedadeBr
ano2003
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Tratamento de pacientes com hepatite crônica pelo vírus C com interferon-alfa e ribavirina: a experiência da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO A infecção pelo vírus da hepatite C (VHC) é um problema mundial de saúde pública. Dados da Organização Mundial da Saúde estimam que 2,5% a 4,9% da população brasileira esteja infectada pelo VHC(22), o que significa 3,9 a 7,6 milhões de pessoas com risco de desenvolver cirrose ou hepatocarcinoma.

Apontou-se também que, no Brasil, 20% a 58% dos pacientes com hepatopatia crônica têm anticorpos contra o VHC (anti-VHC)(8). Assim como em outras partes do mundo, na América Latina, as doenças hepáticas terminais associadas ao VHC constituem-se na principal indicação de transplante hepático em adultos*.

Os fatores de risco fortemente associados à infecção são uso de drogas injetáveis, transfusão sangüínea antes da introdução da pesquisa do anti-VHC em doadores de sangue e, em menor escala, acidentes de punção(1, 11). A maioria dos pacientes infectados (70% a 80%) evolui para hepatite crônica; destes, 20% ' se a contaminação ocorreu após os 40 anos de idade ' desenvolverão cirrose em duas décadas(20). Em cirróticos, o risco anual de desenvolver hepatocarcinoma varia de 1% a 4%(1, 4, 10, 11).

Até meados da década de 1990, a única medicação disponível para o tratamento da hepatite crônica C era o interferon-a. Contudo, após 48 semanas de tratamento, resposta virológica, ou seja, negativação do RNA do VHC por PCR "polymerase chain reaction" era observada em apenas 5% a 20% dos pacientes(3, 9, 12, 16, 17, 21). Esse insucesso, apesar das diversas dosagens, preparações e esquemas terapêuticos utilizando monoterapia com interferon, estimulou a realização de estudos com terapia combinada, sendo a mais avaliada a associação de interferon-a com ribavirina, um análogo nucleosídio sintético.

Em 1998, foram publicados dois trabalhos de grande impacto, comparando os resultados da terapêutica com uso isolado interferon-a ou associado com ribavirina em pacientes com hepatite crônica C(13, 18). Ambos demonstraram que a taxa de resposta virológica sustentada (ou seja, persistência de negativação do RNA do VHC 24 semanas após o término do tratamento) foi significativamente maior nos pacientes que usaram a combinação, quando comparados aos tratados apenas com interferon. Por tais razões, a Reunião de Consenso, realizada posteriormente, recomendou que portadores de hepatite crônica C, com alterações persistentes das aminotransferases, sem terapia prévia ou contra-indicações, deveriam ser tratados com a combinação interferon-a e ribavirina(6).

Este estudo teve como objetivo analisar os resultados do tratamento combinado interferon-a/ribavirina em um grupo de pacientes adultos, com hepatite crônica pelo VHC, que participaram de um programa de fornecimento de medicamentos pelo Estado do Rio Grande do Sul.

PACIENTES E MÉTODOS A Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, através da Assessoria de Medicamentos Especiais (AME), estabeleceu em 1995, protocolo de fornecimento de interferon-a para tratamento de pacientes com hepatite crônica pelo VHC. A partir de setembro de 1999, foi incluído também o fornecimento de ribavirina.

Fluxo de atendimento Todo paciente com hepatite crônica C, atendido em qualquer unidade, pública ou privada, estava apto a solicitar o fornecimento de interferon-a e ribavirina ao governo do Estado do Rio Grande do Sul. Para tanto, deveria ser encaminhado à AME por seu médico-assistente (responsável pelo estabelecimento do diagnóstico, avaliação dos riscos/benefícios do tratamento e posterior acompanhamento), com pedido de inclusão no programa e cópias dos exames (ver Protocolo de inclusão).

Na ocasião, era aberto processo administrativo. Este, posteriormente, era analisado por médicos-peritos, que se baseavam para a tomada de decisão (atender ou negar o pedido), na documentação apresentada, identificando pacientes que preenchiam os critérios de inclusão/exclusão do protocolo.

Analisado o pedido, pacientes e médicos-assistentes eram informados da decisão e, no caso de inclusão no programa, da necessidade de entregarem à AME os resultados da pesquisa do RNA do VHC a ser realizada no final do tratamento e 6 meses após seu término.

Para cada paciente era aberto um prontuário contendo os dados fornecidos à AME.

Para o presente estudo, utilizaram-se esses apontamentos (nem sempre todos os campos estavam preenchidos). Quando necessário, entrou-se em contato telefônico com os pacientes e médicos-assistentes para informações complementares.

Protocolo de inclusão Em resumo, um paciente, para receber interferon-a e ribavirina para tratamento de hepatite crônica pelo VHC, deveria preencher os critérios de inclusão do protocolo e apresentar os resultados dos exames listados abaixo.

Os critérios de inclusão compreendiam: paciente com 1) infecção pelo VHC (anti- VHC reagente/RNA do VHC positivo), 2) alterações persistentes de aminotransferases e 3) biopsia hepática, realizada até 6 meses antes da inclusão, compatível com hepatite crônica, com atividade moderada a grave e/ou fibrose.

Os exames solicitados pela AME eram: pesquisa do anti-VHC e do RNA do VHC por PCR, genotipagem do VHC, hemograma, plaquetas, creatinina, tempo de protrombina, fosfatase alcalina, alanino aminotransferase, aspartato aminotransferase, hormônio tireoestimulante, tiroxina, anti-HIV, fator antinuclear, antimúsculo liso e biopsia hepática. Esta última, eventualmente, era dispensada, desde que houvesse elementos clínicos para tanto (por exemplo, doenças da coagulação ou evidências clínicas, laboratoriais e de imagem de cirrose com contra-indicação para realizar biopsia hepática).

Eram excluídos do protocolo os pacientes que apresentassem: 1) co-infecção com vírus da imunodeficiência humana (HIV) (critério posteriormente retirado), 2) insuficiência renal (creatinina > 1,5 mg/dL), 3) doença auto-imune (os critérios clínicos de contra-indicação de tratamento com interferon-a/ ribavirina eram discutidos com o médico-assistente, quando necessário) e 4) tratamento prévio com essa associação de drogas.

Esquema de tratamento A AME disponibilizou os seguintes esquemas terapêuticos: Pacientes com genótipo 2 e 3: interferon-a, 3 milhões de unidade, 3 vezes por semana, mais ribavirina (1,0 ou 1,25 g/dia, para pacientes com até 75 kg ou mais, respectivamente), por 6 meses.

Pacientes com genótipo 1: a mesma combinação de drogas, por 12 meses, desde que houvesse comprovação da negatividade da pesquisa do RNA do VHC no mês de tratamento. Nos demais, considerados não-respondedores, o fornecimento era suspenso.

Critérios de resposta virológica Resposta ao final do tratamento: negativação do RNA do VHC por PCR.

Resposta sustentada: manutenção da negativação do RNA do VHC 6 meses após o término do tratamento.

Não-respondedor: persistência do RNA do VHC 6 meses após o início do tratamento independentemente do genótipo.

Recidivante: surgimento do RNA do VHC após o término do tratamento em paciente com resposta completa ao final do tratamento.

Análise estatística O programa SPSS 10.0 foi utilizado para base de dados e cálculo do Qui- quadrado, sendo aceito P < 0,05 como estatisticamente significativo.

RESULTADOS Características da amostra Entre maio de 1999 e dezembro de 2000, 665 pacientes tiveram aprovados seus pedidos de inclusão no programa. Entretanto, por se tratar de estudo retrospectivo, nem sempre todos os dados dos prontuários foram recuperados, razão pela qual foram analisadas informações sobre 400 pacientes (60,1%). A média de idade dos pacientes foi de 46,5 anos (DP ± 10,3 anos), tendo a maioria deles (71,7%) mais de 40 anos (Tabela_1). Duzentos e dois casos (50,5%) eram do gênero masculino.

Destaca-se, na Tabela_1, que a proporção entre homens e mulheres foi similar e que a maioria estava infectada com o genótipo 3. Observa-se, também, em relação à histologia, que a proporção de pacientes com atividade histológica mínima/ leve ou moderada/grave foi igualmente distribuída entre os pacientes, havendo pequena preponderância de casos sem fibrose ou expansão porta.

Taxas de resposta ao final do tratamento e resposta sustentada A Figura_1 especifica o número de pacientes considerados nos diversos momentos da análise.

Segundo informações dos médicos-assistentes, em 47 casos (11,7%) foi suspenso o tratamento antes do previsto (45 por efeitos adversos e 2 por abandono). Na análise por intenção-de- tratamento (Tabela_2), 196 (49%) de 400 pacientes apresentaram resposta virológica ao final do tratamento. Quando da coleta de dados, 63 desses 196 com resposta ao final do tratamento ainda estavam em seguimento, logo sem dados sobre resposta sustentada. Calculou-se a taxa de resposta sustentada excluindo-se esses 63 casos. Resposta sustentada ocorreu em 109 (32%) de 337 pacientes.

Variáveis associadas à resposta sustentada Entre as variáveis associadas com resposta ao tratamento (Tabela_3), analisaram-se as que mais comumente são listadas como capazes de influenciar as taxas de resposta. Ressalva-se que os números mostrados não consideram os 63 pacientes ainda em seguimento quando do término da coleta de dados. Observa-se que as taxas de resposta sustentada foram significativamente maiores em mulheres e em pacientes infectados com genótipo não-1.

DISCUSSÃO Antes de considerar os resultados, é necessário comentar os possíveis vieses do trabalho. Não sendo este um estudo prospectivo, randomizado e controlado, mas sim, a análise retrospectiva dos resultados observados em uma coorte de pacientes que receberam medicamentos para tratamento da hepatite C em programa de saúde pública, probabilidade da ocorrência de viés de seleção.

Entretanto, os pacientes incluídos no programa eram provenientes de diferentes municípios do Rio Grande do Sul e, para inclusão no protocolo, não foi feita distinção entre os atendidos em hospitais públicos ou em consultórios particulares. Adicionalmente, sendo este tratamento de alto custo, estima-se que a maioria dos pacientes com hepatite crônica C tenha procurado obtê-lo gratuitamente. É possível que os pacientes tratados na rede pública, pelas dificuldades sabidamente conhecidas, possam não ter tido o mesmo padrão de seguimento que os atendidos na rede privada. Entre outros aspectos pertinentes, ressalta-se que, em casos de genótipo 1, adequada adesão ao tratamento é associada a maior probabilidade de resposta sustentada(15).

Outro viés a ser considerado é o de aferição, que as pesquisas do RNA do VHC e os estudos anatomopatológicos foram realizados em distintos laboratórios de análise clínica ou de patologia. Também não houve padronização do tipo (interferon-a ' 2A ou interferon-a-2b) ou do fabricante do interferon, pois a aquisição do produto dependia de licitação organizada pela Secretaria Estadual de Saúde. Sabe-se, contudo, que não diferença significativa entre os resultados observados no tratamento da hepatite crônica C com dois tipos de interferon-a(16, 21). No entanto, como vários fabricantes eram licitados, não se tem conhecimento da bioequivalência entre os produtos fornecidos.

Finalmente, que se registrar ainda as perdas iniciais (informadas pelos médicos-assistentes e atribuídas a efeitos adversos ou abandono do tratamento) e as perdas tardias (o desconhecimento do tipo de resposta ao final do seguimento nos casos que ainda não tinham completado o período de 6 meses após o término do tratamento, quando do encerramento da coleta de dados).

Entretanto, não sendo norma do Estado analisar os resultados dos tratamentos de alto custo que disponibiliza à população, considerou-se que este estudo, pioneiro neste sentido, poderia ser de auxílio na tomada de decisões, uma delas a de estabelecer controles mais rígidos para o fornecimento de medicamentos e de controle dos resultados. Por outro lado, acredita-se que os dados obtidos refletem a realidade do atendimento médico em nosso meio, ou seja, fora de ensaios clínicos.

Na presente série, a taxa de resposta virológica sustentada com tratamento combinado foi de 32%, inferior às registradas nas séries de POYNARD et al.(18) e de McHUTCHINSON et al.(13), de aproximadamente 38%. A este respeito, é importante ressaltar que, se este estudo mostra resultados mais tímidos, muito provavelmente os resultados dos ensaios descritos na literatura sejam por demais otimistas. Entende-se que eles não refletem realidade assistencial, uma vez que também apresentam viés de seleção. Assim, nesses estudos, os critérios de inclusão são extremamente rígidos e ao paciente é dada abordagem diferenciada. Esse redobrado cuidado com o paciente está baseado no rigorismo científico da pesquisa e, também, nos vultosos recursos envolvidos nesse tipo de estudo. A propósito, e como exemplo, pesquisadores italianos observaram, em série de pacientes atendidos em ambulatório de hospital universitário, que a taxa de erradicação do Helicobacter pylorifoi bastante inferior à registrada em ensaios clínicos, mesmo usando tratamentos de primeira linha, tal como preconizado pelos pesquisadores(5).

Entre os fatores preditivos de resposta ao tratamento combinado interferon-a/ ribavirina, avaliaram-se o gênero e a idade do paciente, o genótipo do VHC e a histologia hepática.

A taxa de resposta sustentada foi significativamente maior nas mulheres, quando comparadas aos homens, o que também é descrito na literatura(15). Na experiência de POYNARD et al.(19), o gênero feminino foi fator independente, associado com resposta sustentada, com chance 1,5 vez maior de apresentar resposta sustentada. Possivelmente um fator de confusão quando avaliado o gênero, uma vez que as mulheres, geralmente, têm menor índice de massa corporal, o que aumenta a biodisponibilidade das drogas(14). Também deve ser lembrado que o consumo de álcool, mais difundido entre os homens, favorece maior viremia, diminui a taxa de resposta ao tratamento e acelera a evolução para cirrose(2). Não se dispõe, porém, desse dado para correlação.

Neste estudo, houve taxa maior de resposta sustentada nos pacientes com idade inferior a 40 anos, embora sem significado estatístico. Na experiência de alguns autores(19), ter 40 anos ou menos é um fator preditivo independente de resposta sustentada.

Os pacientes com genótipo não-1 apresentaram taxa de resposta sustentada significativamente maior que os infectados com genótipo 1 (39% vs20%, respectivamente). Este achado é descrito sistematicamente na literatura. As razões da maior resistência do genótipo 1 ao tratamento não estão ainda esclarecidas(7).

No presente estudo, em relação aos achados histológicos, não houve diferença estatística nas taxas de resposta sustentada entre pacientes com maior ou menor atividade ou com fibrose mais ou menos significativa. Por outro lado, está estabelecido que, quanto menor o grau de fibrose, mais eficaz é o tratamento (21).

Em suma, em uma série de pacientes adultos com hepatite crônica pelo VHC, tratados com interferon-a e ribavirina, incluídos em programa público de fornecimento de drogas de alto custo, observou-se taxa de resposta ao final do tratamento de 49% e resposta sustentada de 32%. Portanto, essa associação está longe de constituir o tratamento ideal. Espera-se que a inclusão de novos medicamentos a serem fornecidos, como o interferon peguilado, possam determinar taxas de resposta mais adequadas.


transferir texto