Adenocarcinoma metastático cutâneo de origem desconhecida: Relato de um caso
RELATO DE CASOSCASE REPORTSINTRODUÇÃO
Metástases podem ser a primeira manifestação de adenocarcinoma. Cerca de 60%
delas podem ser cutâneas e acometem indivíduos de idade avançada e em forma de
múltiplos nódulos. O sítio primário é reconhecido somente em 15% a 20% dos
pacientes em investigações complementares(15). As autopsias identificam o foco
primário em 70% a 80% dos casos, sendo que os locais mais comuns são os pulmões
e o pâncreas, juntos correspondendo a 40% dos sítios identificados(12). Outros
sítios podem ser: estômago, cólon e fígado. Apesar dos avanços terapêuticos e
da quimioterapia nos últimos 5 anos, o prognóstico é muito desfavorável, com
sobrevida média de 3 a 4 meses.
Manifestações cutâneas costumam aparecer em pacientes com doença maligna em
estágio bastante avançado. Ocorrem, na maioria das vezes, durante recidiva
neoplásica.
Relata-se o caso de um paciente com diagnóstico de adenocarcinoma moderadamente
diferenciado confirmado por biopsia, localizado na pele da fossa ilíaca
esquerda, cujo sítio primário não foi identificado.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, 77 anos, procedente de Minas Gerais.
Há 3 meses passou a se queixar de tumoração protusa e endurecida na pele da
fossa ilíaca esquerda associada à astenia e perda de 10 kg de peso no período.
O interrogatório sobre os vários sistema identificou a presença de tosse
crônica e diminuição do jato urinário. De antecedentes pessoais, destacou-se
tabagismo de 20 cigarros por dia, desde os 14 anos de idade.
Ao exame físico apresentava na fossa ilíaca esquerda lesão vegetante,
irregular, endurecida e com ulceração central sangrante, medindo 5,0 x 4,0 cm,
associada a um único linfonodo palpável em região inguinal esquerda com 3,0 cm
em seu maior eixo (Figura_1). Toque retal com próstata pouco aumentada.
Exames laboratoriais gerais não demonstraram nenhuma alteração. Os marcadores
séricos tumorais eram normais: PSA (0,8 ng/dL), CEA (2,3 ng/dL), CA19-9 (8,1
ng/dL) e a-fetoproteína (5,3 ng/dL).
A biopsia incisional da lesão de pele revelou adenocarcinoma moderadamente
diferenciado, interpretado como lesão metastática.
O paciente foi submetido a exames de imagem para pesquisar o foco neoplásico
primário. A radiografia simples de tórax, tomografia computadorizada de tórax e
abdome, endoscopia digestiva alta e colonoscopia não revelaram nenhuma lesão.
A conduta cirúrgica foi ressecção em fuso da lesão com margens de pele livres
da doença e síntese primária associada a exérese do linfonodo inguinal.
A peça foi submetida a exame anatomopatológico, que demonstrou tratar-se de um
adenocarcinoma tubular moderadamente diferenciado (Figura_2). O estudo
imunoistoquímico revelou o seguinte padrão de imunoperoxidase: CEA negativo,
CK7 positivo (Figura_3), CK20 negativo e PSA negativo, sendo portanto,
afastados tumores primários do intestino grosso e da próstata. Os principais
sítios primários aventados foram pâncreas e vias biliares. Embora não se tenha
afastado completamente a possibilidade de tumor de anexos de pele, este
diagnóstico tornou-se improvável devido o crescimento de tipo profundo na derme
e tecido adiposo subcutâneo.
DISCUSSÃO
Os adenocarcinomas metastáticos diferenciados correspondem a 60% dos casos de
lesões metastáticas de origem primária desconhecida, enquanto que os carcinomas
e adenocarcinomas pouco diferenciados correspondem a cerca de 30%, sendo os 10%
restantes provenientes de carcinoma escamoso ou outras neoplasias malignas
pouco diferenciadas(1, 2, 18). Com relação aos adenocarcinomas diferenciados,
os sítios metastáticos mais comuns são linfonodos, fígado, pulmões e ossos(18).
Manifestações cutâneas de neoplasias ocultas podem se apresentar como lesões
paraneoplásicas ou metastáticas. Metástases para pele são comuns e sua
ocorrência tem sido relatada em 0,2% a 9% dos pacientes com câncer, sendo a
mama o sítio primário mais comum na mulher e os pulmões mais freqüentes nos
homens(16). LOOKINGBILL et al.(9) observaram 10% de metástases para pele em
4.020 pacientes com doença metastática. Nódulos foram as manifestações clínicas
mais freqüentes, apesar de lesões inflamatórias, ulceradas ou bolhosas também
terem sido notadas.
O diagnóstico das lesões é firmado pelo exame microscópico convencional do
tecido biopsiado. Os adenocarcinomas bem ou moderadamente diferenciados,
apresentam-se como formações glandulares de células tumorais. A lesão primária
geralmente não pode ser identificada somente pelo exame histológico.
Entretanto, há alguns padrões sugestivos de sítios específicos, como por
exemplo a presença de células em anel de sinete, sugerindo metástase de
adenocarcinoma gástrico e formações papilíferas sugestivas de neoplasias
originárias de ovário.
Os exames de imunoperoxidase e microscopia eletrônica são de valor limitado na
identificação da origem da maioria dos adenocarcinomas bem ou moderadamente
diferenciados. A coloração para PSA é exceção, uma vez que é relativamente
específico para câncer da próstata e deve ser usado em homens com achados
clínicos sugestivos. Da mesma maneira, imunoperoxidase positiva para receptores
de estrogênio ou progesterona sugere câncer de mama em mulheres com
adenocarcinoma metastático. Já o CK 20 sugere câncer primário colorretal.
Ocasionalmente, colorações neuroendócrinas (cromogranina, sinatopsina) podem
identificar a neoplasia. Existem colorações diversas, entretanto nenhuma se
revelou tumor-específica, devendo ser usadas sempre em associação com todos os
demais dados clínicos.
A busca exaustiva, muitas vezes onerosa, pela neoplasia primária é questionada
na literatura, já que essa é raramente localizada e, na maioria das vezes não
muda a evolução da doença em curso. LEVINE et al.(8) estimaram que pesquisa
profunda aumentaria a sobrevida de 11% a 11,5% no final de 1 ano, a um custo de
2 a 8 milhões de dólares para grupo de 1000 pacientes.
HAMMAR(3) reportou que exames anatomopatológicos são os mais específicos e
menos onerosos na determinação da origem das neoplasias metastáticas e devem
ser realizados antes de investigações radiológicas e intervenções cirúrgicas.
Poucos autores sugerem benefício em relação a opções terapêuticas após a
descoberta do diagnóstico específico(3, 5, 13). Apesar de outros autores se
depararem com situações em que não há terapia efetiva para o tumor, há de se
considerar o desejo por parte do paciente e sua família de identificar a fonte
da neoplasia.
A avaliação clínica consiste na pesquisa de sinais ou sintomas suspeitos e
estimativa da extensão da doença metastática, incluindo história e exame físico
detalhados. Exames laboratoriais devem constar de hemograma, testes de função
hepática, creatinina sérica e análise de urina. Radiografia simples de tórax
deve ser realizada em todos os pacientes. Indivíduos do sexo masculino devem
ter nível de PSA sérico mensurado, enquanto que mamografia deve ser indicada
para os de sexo feminino.
A tomografia de abdome identifica 10% a 35% dos sítios primários, além de
acusar focos adicionais de doença metastática(4, 10).
Exames de imagens extensivos para pacientes assintomáticos raramente são úteis,
além de serem dispendiosos e gerarem confusões ou resultados falso-positivos.
Há poucos relatos na literatura médica a respeito do papel da tomografia por
emissão de prótons. Pequena série identificou 7 lesões primárias em 29 casos
(24%)(6).
Os marcadores séricos tumorais CEA, CA15-3, CA19-9, CA 242, CA125, BHCG, alfa-
fetoproteína mostraram-se úteis, principalmente em termos de prognóstico e
acompanhamento da resposta à terapia(2).
Apesar do desenvolvimento da quimioterapia nos últimos 5 anos, o prognóstico
desses pacientes é desfavorável, com sobrevida média de 3 a 4 meses. Com
relação ao tratamento, os pacientes podem ser divididos em subgrupos
clinicamente definidos para receber terapias específicas. Exemplo deste
subgrupo seria o de mulheres com carcinomatose peritonial. Essas pacientes
costumam ter índices séricos elevados de CA 125, o exame histológico é
semelhante ao de carcinoma de ovário e a doença extra-peritonial é rara. A
citorredução seguida de quimioterapia gera sobrevida média de 18 meses(7, 14).
Outros subgrupos específicos seriam de mulheres com metástases linfonodais
axilares (sugerindo neoplasia primária de mama não identificada) e homens com
possível adenocarcinoma de próstata. Porém, quase 90% dos pacientes não se
encaixam em nenhum desses subgrupos, sendo reservada a eles a quimioterapia
empírica. No passado, diversos esquemas quimioterápicos propostos produziram
taxas de baixas resposta e sobrevida a longo prazo(17). O único agente isolado
estudado adequadamente foi o 5-fluorouracil (5-FU), com taxas de resposta
oscilando entre 0% e 16%(11, 15). O regime FAM (5-FU, doxorubicina, mitomicina
C) e outras variações têm sido usados com freqüência, apresentando taxas de
resposta variadas entre 8% e 39% (média 20%)(2). Alguns estudos mais
encorajadores atuais, ainda em fase II, prometem avanços com a utilização de
novos agentes quimioterápicos.