Avaliação tardia de doentes gastrectomizados por úlcera péptica: aspectos
clínicos, endoscópicos e histopatológicos
ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
Os novos medicamentos que inibem a produção de ácido pelo estômago e os novos
conhecimentos sobre o Helicobacter pylori (HP) mudaram muito o enfoque do
tratamento da úlcera péptica. Atualmente são raras as vezes em que é necessária
a realização de uma gastrectomia, sendo exceções as operações para as
complicações das úlceras, como as obstruções, hemorragias e perfurações. Os
potentes inibidores das bombas de prótons associados aos esquemas antibióticos
usados para erradicar o HP são capazes de levar à cura da úlcera péptica(12,
22, 25, 39, 40).
Não há na literatura muitos trabalhos relatando a avaliação ampla tardia de
doentes gastrectomizados e sua relação com o HP, bem como a recidiva ulcerosa,
sintomatologia pós-operatória tardia, síndromes pós-gastrectomia, além de
métodos diagnósticos e sua eficiência. É justamente o intuito de saber o que
ocorre com os doentes gastrectomizados na era do HP que estimulou a realização
deste estudo na forma mais abrangente possível.
Os objetivos desta pesquisa foram avaliação clínica, endoscópica e
histopatológica tardia, de doentes gastrectomizados por úlcera péptica.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética Médica do Hospital das Clínicas
da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP em 6/2/1998, parecer nº 007/98.
Foram incluídos na pesquisa doentes previamente submetidos a gastrectomia
parcial como tratamento da úlcera péptica, que tivessem um mínimo de 5 anos de
seguimento pós-operatório, e que não tivessem recebido tratamento prévio para
HP. A indicação cirúrgica em todos os casos foi por intratabilidade clínica,
sendo portanto excluídos os doentes com complicações.
Dentre 156 doentes gastrectomizados no Grupo de Cirurgia de Esôfago, Estômago e
Duodeno, no período de fevereiro de 1985 a agosto de 1993 e convocados pelo
serviço social do Hospital das Clínicas da Unicamp, foram encontrados 61, sendo
que 2 se recusaram a participar do presente estudo, restando 59.
No período de 14/5/1997 a 3/11/1999 os 59 doentes foram avaliados clinicamente
e examinados através de endoscopia digestiva alta (EDA). O intervalo de tempo
entre o tratamento cirúrgico e o controle clínico endoscópico foi, em média, de
96 meses, variando entre o tempo mínimo de 67 e o máximo de 177 meses. Eram 15
doentes (25,4%) do sexo feminino e 44 (74,6%) do sexo masculino, 54 (91,5%)
eram brancos e 5 (8,5%) eram negros. Na época da cirurgia a idade variou de 31
a 77 anos sendo a média de 55,5 anos.
Para facilitar a análise estatística com relação ao local das úlceras, os
achados foram divididos em três grandes grupos, conforme adaptação à
classificação de Johnson(23), de forma a avaliar em um único grupo as úlceras
que possuem etiopatogenia semelhante. Desta forma, as úlceras pilóricas, quando
referidas, foram agrupadas às úlceras duodenais, constituindo um dos três
grupos; as úlceras gástricas constituíram o segundo e os doentes que
apresentavam úlceras gástricas e duodenais o terceiro grupo.
A localização das úlceras no momento do diagnóstico pré-operatório foi
demonstrada através da EDA, sendo: 28 doentes com úlcera duodenal (UD - 47,5%),
18 doentes com úlcera gástrica (UG ' 30,5%) e a associação entre úlcera
gástrica e duodenal foi observada em 13 doentes (UG + UD ' 22%).
Todos os 59 pacientes foram submetidos a gastrectomia, conforme técnicas
cirúrgicas padronizadas - técnica de Schoemaker à Billroth I (BI) e técnica de
Hofmeister à Billroth II (BII)(34), tendo sido realizadas por um único grupo de
cirurgiões do Hospital das Clínicas - UNICAMP. A Tabela_1 demonstra o tipo de
reconstrução utilizada, a realização ou não de vagotomia troncular (VT), em
relação ao local das úlceras.
Protocolo e entrevista clínica
No período de 14/5/1997 a 3/11/1999, todos os 59 doentes que concordaram em
participar da pesquisa e assinaram o termo de consentimento informado foram
entrevistados pelo autor, seguindo o roteiro de perguntas dirigidas pré-
estabelecidas. Todos foram informados e esclarecidos sobre o estudo e seus
objetivos, concordando em realizar EDA de controle e as biopsias.
Os dados obtidos com relação às condições clínicas e resultados de evolução
cirúrgica foram avaliados conforme a classificação de Visick(42) modificada por
GOLIGHER et al.(13)
Endoscopia digestiva alta e biopsias
A EDA foi realizada em todos os casos, conforme preparo padronizado pelo
Serviço de Endoscopia Digestiva do GASTROCENTRO. Os achados endoscópicos foram
classificados segundo os critérios de Sydney(10).
Durante a endoscopia, foram coletados cinco fragmentos de mucosa, sendo,
respectivamente: parede anterior e posterior do corpo gástrico para análise
histopatológica e pesquisa do HP, parede anterior e posterior do corpo e do
fundo gástrico para o teste da urease. Além disso, caso fosse encontrada alguma
alteração endoscópica na mucosa, gástrica, duodenal, jejunal ou de anastomose,
outra biopsia dirigida era feita para análise histopatológica(23, 28).
Os resultados do teste de urease dos três fragmentos de cada doente foram
anotados como positivo, negativo ou inconclusivo para a presença do HP.
Considerou-se como positivo aquele doente que tivesse a bactéria em, pelo
menos, um dos cinco fragmentos.
O estudo histopatológico das biopsias endoscópicas foi analisado por um
patologista experiente em doenças digestivas, usando-se a coloração
hematoxilina-eosina e em alguns casos, também a coloração de Giemsa. Foi
considerado positivo para a presença da bactéria HP quando as mesmas foram
encontradas e identificadas, sem margem de dúvida(23, 28).
Foi realizada revisão das lâminas das peças cirúrgicas da época da
gastrectomia, para verificar as alterações presentes no estômago naquela
ocasião e se havia ou não a presença de HP antes da cirurgia, uma vez que
nenhum dos doentes tinha recebido medicação para a sua erradicação.
Foi realizada análise estatística com o objetivo de possibilitar a análise
descritiva das variáveis pré-operatórias, pós-operatórias e da anatomia
patológica e comparar as variáveis de interesse, utilizando tabelas de
freqüências para as variáveis categóricas e estatísticas descritivas para a
variável contínua. O teste exato de Fisher foi empregado para verificar se
existe associação ou diferença entre as variáveis categóricas (P <0,05).
RESULTADOS
Sintomas pós-operatórios e restrições alimentares
A classificação de Visick foi utilizada para caracterizar a intensidade dos
sintomas pós-operatórios, sendo considerado como Visick I aqueles totalmente
assintomáticos, Visick II com sintomas leves, Visick III com sintomas moderados
e Visick IV com sintomas intensos. A Tabela_2 mostra o número de doentes em
relação a essa classificação.
A maioria dos doentes apresentou ganho de peso no período pós-operatório (40/59
= 67,8%), 14 doentes não alteraram o peso (14/59 = 23,7%) e apenas 5
apresentaram perda de peso (5/59 = 8,5%). Destes cinco doentes que perderam
peso, três apresentavam reconstrução do tipo Y-de-Roux e dois com BI.
Quanto à análise das restrições alimentares no pós-operatório, o grupo sem
restrições totalizou 48 doentes (81,4%), sendo que destes, 42 (42/48 = 87,5%)
tinham reconstrução a BI (P < 0,05).
Dentre os sintomas pós-operatórios analisados, a diarréia ocorreu em 11 doentes
(11/59 = 18,6%), sendo diarréia eventual em 8 doentes e crônica em 3, a anemia
estava presente em 2 doentes (2/59 = 3,4%) e sintomatologia compatível com
dumping em 2 doentes (2/59 = 3,4%).
Helicobacter pylorina peça cirúrgica e na biopsia endoscópica pós-operatória
As lâminas das peças cirúrgicas ressecadas foram reavaliadas e, então,
realizada a pesquisa do HP ou em alguns casos, foram feitas novas lâminas,
empregando-se o bloco de parafina arquivado. Assim, em 57 casos, foi possível
pela revisão das lâminas, determinar a presença ou não do HP.
No pós-operatório foi verificada a presença ou não do HP pelo exame
histopatológico das biopsias endoscópicas e teste de urease (dois de histologia
e três de urease). A Tabela_3 mostra a ocorrência do HP nas peças cirúrgicas,
em relação ao local das úlceras e nas biopsias pós-operatórias (PO).
Quando cada indivíduo foi analisado isoladamente, verificou-se que dos 49
doentes positivos para HP antes da gastrectomia, 46 se mantiveram positivos
(46/49 = 93,8% dos previamente positivos) no pós-operatório tardiamente; dos
oito negativos para HP antes da cirurgia, apenas dois se mantiveram negativos
(2/8 = 25% dos previamente negativos); seis eram negativos e se tornaram
positivos (6/8 = 75% dos previamente negativos) e três que eram positivos, não
têm mais o HP no momento (3/49 = 6,2% dos previamente positivos). Não foi
possível essa avaliação em dois casos.
Sintomas versus Helicobacter pylori
Avaliando-se a relação entre a presença de HP nas biopsias e presença de
sintomas pós-operatórios, observou-se que dos 26 doentes que tinham algum tipo
de sintoma, 25 (25/26 = 96,1%) eram HP positivo. Dos 33 assintomáticos, 85%
(28/33) eram HP positivo e apenas 5 (5/33 = 15,5%) eram HP negativo. Dentre os
53 doentes HP positivo, apenas 25 (25/53 = 47,2%) eram sintomáticos. Não houve
significância estatística na comparação dos grupos (P >0,05).
Especificamente para a diarréia, observou-se que dos 11 doentes com este
sintoma, 100% deles eram HP positivo; por outro lado, dos 48 doentes sem
diarréia, 42 (42/48 = 87,5%) também eram HP positivo, portanto não houve
diferença estatística (P >0,05).
Quanto à anemia e à síndrome de dumping também não houve diferença estatística
com relação à presença ou não de HP (P >0,05).
Na comparação entre a presença do HP nas biopsias e a classificação de Visick
também não houve diferença estatística (P >0,05). A Tabela_4 mostra a
ocorrência de HP em relação à classificação de Visick.
Achados endoscópicos
Na EDA verificou-se que a mucosa do coto gástrico apresentava-se normal na
maioria dos doentes, ou seja, em 31 deles (31/59 = 52,5%), a gastrite
endoscópica enantematosa foi diagnosticada em 22 doentes (22/59 = 37,3%) e
gastrite endoscópica erosiva em 5 doentes (5/59 = 8,5%).
Quanto à recidiva pós-operatória de úlcera péptica, três doentes informaram
história clínica compatível com essa doença. Desses casos, um teve quadro bem
documentado de úlcera de boca anastomótica 2 anos e 8 meses após a cirurgia;
outro teve quadro de hemorragia digestiva alta 3 meses antes da endoscopia
deste estudo e a endoscopia feita na ocasião constatou úlcera, sendo que esse
doente recebeu inclusive tratamento para o HP; e um terceiro doente teve quadro
de hemorragia digestiva alta 11 meses após este estudo e à endoscopia foi vista
úlcera duodenal. Entretanto, durante a realização da EDA para este estudo, foi
constatada a presença de úlcera ativa em outros dois doentes (2/59 = 3,4%).
Assim, ao final foi considerada recidiva ulcerosa pós-operatória no total de
cinco doentes (5/59 = 8,5%).
Além disso, analisou-se se os achados endoscópicos tinham alguma relação com a
presença do HP. Foi observado que a presença ou ausência do HP no coto gástrico
não foi estatisticamente significante para os diversos achados endoscópicos.
Dos 31 doentes com endoscopia normal, 27 (27/31 = 87,1%) eram HP positivo,
porém dos 28 doentes com alguma alteração endoscópica, 26 (26/28 = 92,9%)
também eram HP positivo (P >0,05). Os 2 doentes com úlcera péptica
diagnosticada durante o exame endoscópico apresentavam HP positivo (100%), por
outro lado, dentre os 57 que não tinham úlcera, 89,3% também eram HP positivo
(P >0,05). Quanto à presença de gastrites endoscópica enantematosa e erosiva, o
mesmo resultado foi verificado, ou seja, o HP positivo não influenciou nos
resultados.
Comparando a presença de bile e o tipo de reconstrução cirúrgica, foi observado
que dos 24 doentes com bile no coto gástrico, 19 tinham reconstrução tipo BI
(39,6% dos BI), 4 tinham reconstrução tipo BII (66,6% dos BII) e 1 com
reconstrução tipo Y-de-Roux (20% dos Y-de-Roux).
Resultados dos estudos histopatológicos das biopsias endoscópicas
No estudo histopatológico dos fragmentos de biopsias gástricas obtidas durante
a endoscopia observou-se gastrite crônica em 58 doentes (58/59 = 98,3%) e
apenas 1 (1/59 = 1,7%) doente apresentava mucosa gástrica normal. A Tabela_5
mostra as alterações histopatológicas nas biopsias do coto gástrico
remanescente.
Não foi observada influência estatisticamente significante com relação à
presença do HP no coto gástrico sobre os estudos histopatológicos. No doente
com mucosa normal à histologia, o HP era positivo (100%) e nos 58 doentes com
alguma alteração de mucosa o HP estava positivo em 89,7% (P >0,05).
Resultados dos estudos histopatológicos das biopsias das peças cirúrgicas
Avaliando a relação entre a presença do HP no pré-operatório e os achados
histopatológicos da peça cirúrgica, concluiu-se que não houve significado
estatístico que pudesse correlacionar a presença do HP com algum achado
histológico específico como gastrite crônica (P = 0.210), atrofia de mucosa
gástrica (P = 1.000), hiperplasia, metaplasia (P = 0.705) ou mucosa normal (P
>0.05).
Sintomas pós-operatórios versus achados endoscópicos
Não houve diferença estatística entre a presença ou não de alterações
endoscópicas e os sintomas no pós-operatório. Dos doentes com gastrite
endoscópica enantematosa, 54,5% eram sintomáticos e 45,5% eram assintomáticos
(P >0,05). Dos doentes com gastrite endoscópica erosiva, 40% eram
assintomáticos e 60% eram sintomáticos (P >0,05). Apesar de 31 doentes
apresentarem a mucosa gástrica normal à endoscopia, 38,7% deles apresentavam
algum tipo de sintoma no pós-operatório e 61,3% eram assintomáticos (P >0,05).
Houve uma tendência à significância estatística quando foi avaliada a presença
de úlcera à endoscopia, sendo que os dois doentes com recidiva de úlcera
péptica eram sintomáticos (P >0,05).
Achados endoscópicos versustipo de reconstrução cirúrgica
Não houve correlação estatisticamente significante, porém houve tendência
quando se observou que os doentes com reconstrução tipo BII têm mais gastrite
endoscópica (66,7%), do que os com reconstrução tipo BI (37,5%) ou Y-de-Roux
(0%) (P >0.05). Não foi verificada diferença estatística com relação à presença
de gastrite endoscópica erosiva e tipo de reconstrução cirúrgica. Mucosa normal
foi observada em 50% dos doentes com BI, 33,3% dos doentes com BII e em todos
com reconstrução tipo Y-de-Roux. Portanto, houve tendência maior a apresentar
mucosa normal à endoscopia quando se fez reconstrução tipo Y-de-Roux (P >0.05).
Os doentes em que foi diagnosticada úlcera na EDA tinham reconstrução tipo BI.
DISCUSSÃO
A maioria dos doentes foi submetida a gastrectomia parcial, e empregada a
técnica clássica de Schoemaker, com reconstrução tipo BI associada ou não à
vagotomia(34), por ser mais fisiológica, com o duodeno no trânsito alimentar,
menor risco de desenvolver câncer no coto gástrico e com melhores resultados a
longo prazo(1, 2, 26, 30).
Os resultados encontrados nesta casuística são considerados satisfatórios e
estão muito próximos aos da literatura. Trinta e três doentes (55,9%) dos 59
estão absolutamente assintomáticos. Pela classificação de Visick os resultados
também são considerados muito bons, uma vez que foi considerado Visick I em
54,2% e Visick II em 42,4%, portanto, totalizando 96,5% de doentes com Visick I
e II. A positividade do HP na maioria deles no pós-operatório tardio não teve
influência negativa nos resultados e na classificação do Visick.
SEZIN et al.(32) revisando 710 doentes submetidos a gastrectomia para
tratamento de úlcera péptica obteve excelentes e bons resultados (Visick I e
II) em 94%. Já TYTGAT et al.(41), mencionam que doentes com Visick III e IV são
esperados em cerca de 15 e 25% de doentes submetidos a vagotomia com drenagem
gástrica e também a gastrectomia parcial como tratamento de doenças benignas.
PAPINI-BERTO(27) estudando 71 doentes gastrectomizados, sendo 53 com
gastrectomia parcial e 18 com gastrectomia total e sendo a maioria (68%) por
úlcera péptica, verificou perda de peso referida em 70% dos doentes num período
pós-operatório variando de 6 a 60 meses e que esta ocorreu devido à redução e
mudança de alguns hábitos alimentares.
Ainda com relação aos sintomas pós-operatórios, verificou-se que a presença do
HP na maioria dos doentes não teve influência negativa, ou seja, não houve
diferença estatística mostrando que a presença do HP no coto gástrico
remanescente possa causar mais sintomas. Dos 33 doentes assintomáticos, 28
(84,5%) eram HP positivo e dos 26 doentes com algum tipo de sintoma pós-
operatório, 25 (96,1%) também eram HP positivo.
A taxa de recidiva ulcerosa ocorre em cerca de 2% a 3% dos doentes operados. Na
antrectomia onde se resseca cerca de 40% do estômago distal, associada à
vagotomia, a taxa de recidiva é em torno de 0,6%(2, 19, 31, 32, 35) JUNCOSA et
al.(16), revendo 1200 doentes operados por úlcera péptica gastroduodenal após
10 e 15 anos, observaram recidiva ulcerosa em 6,6% deles. Já um grupo argentino
observou 1,8% de recidiva em estudo de revisão de 710 doentes submetidos a
ressecção gástrica para tratar úlcera (32). TYTGAT et al.(41) demonstram que há
um aumento linear de recorrência ulcerosa no decorrer dos anos e que a taxa de
recidiva após antrectomia com vagotomia troncular é de cerca de 1 a 5%.
ARCHIMANDRITIS et al.(3), revendo 80 doentes gastrectomizados por doença
benigna observaram recidiva ulcerosa de 14%.
A taxa de recidiva verificada nesta pesquisa totalizou 8,5% (cinco doentes),
porém no momento do estudo a úlcera ativa recidivada foi diagnosticada em
apenas 3,4% (dois doentes). Provavelmente foi verificada a recidiva ulcerosa
nesta taxa porque foi realizada EDA em todos os casos, mesmo que os doentes
estivessem assintomáticos. Os dois doentes diagnosticados com úlcera estavam
oligossintomáticos, referindo apenas sintomas dispépticos leves.
Todos os doentes deste estudo com recidiva ulcerosa eram HP positivo no coto
gástrico, porém nem sempre este fato tem sido relatado na literatura. LEE et
al.(11) e LEIVONEN et al.(21), consideraram que apesar da persistência do HP no
pós-operatório de gastrectomias, ela não pode ser considerada como fator
absoluto de causa de recidiva ulcerosa no coto gástrico ou na anastomose.
Quando for necessária a pesquisa do HP no coto gástrico remanescente pós-
gastrectomia é importante e indispensável a coleta de vários fragmentos de
mucosa e, se possível, a utilização de mais de um método diagnóstico,
minimizando assim a chance de não se conseguir diagnosticar a infecção. É
importante também a coleta de fragmentos de todas as paredes do estômago,
anterior, posterior e do fundo gástrico.
A maioria das síndromes pós-gastrectomia resulta de distúrbios da motilidade
gástrica(9, 11, 31). Sua ocorrência se situa entre 5% e 50%, mas na maioria das
publicações sua incidência é próxima de 20%(7, 36). O sexo também pode
influenciar, sendo sua prevalência mais elevada nos doentes do sexo feminino
(18, 39). Apenas cerca de 1% dos doentes que desenvolvem alguma síndrome pós-
gastrectomia apresentam este distúrbio permanentemente e requerem algum
tratamento cirúrgico(9).
A diarréia pós-operatória é uma das complicações freqüentes após cirurgia para
úlcera péptica, cuja freqüência pode variar de 2% a 30%, dependendo da técnica
cirúrgica utilizada(6, 9). BRAGHETTO et al.(6) analisando 519 doentes operados,
verificaram que dos 227 doentes operados por úlcera gástrica, 35 (15,4%)
tiveram diarréia no pós-operatório, sendo 2 (0,9%) diarréia severa e 33 (14,6%)
diarréia leve, e que a maioria deles foi submetida a ressecção gástrica
extensa; e dos 292 operados por úlcera duodenal, 34 (11,6%) tiveram diarréia,
sendo 17 (6,2%) leve, 14 (4,8%) moderada e 2 (0,2%) diarréia severa,
principalmente quando submetidos a vagotomia troncular mais antrectomia. A
maioria dos doentes responde bem ao tratamento clínico com dieta,
antidiarréicos e antiespasmódicos. Este estudo constatou 11 doentes (18,6%) com
diarréia pós-gastrectomia, sendo diarréia temporária em 8 e crônica em 3.
A síndrome de dumping tem sido relacionada com a velocidade de esvaziamento
gástrico depois da gastrectomia com vagotomia troncular. A reconstrução a BII
resulta habitualmente em esvaziamento gástrico mais rápido por não ter o
mecanismo do piloro e nem o do duodeno, e com isso a incidência de dumping pode
chegar a 50% na fase pós-operatória precoce(7, 9). A reconstrução tipo BI, por
ter a resistência do duodeno no trânsito alimentar, causa menos dumping. Já a
reconstrução tipo Y-de-Roux costuma levar a um esvaziamento gástrico lento e
praticamente não resulta em dumping(31, 41).
A síndrome de dumping teve baixa incidência nesta casuística, estando presente
em dois doentes do sexo feminino (3,4%) e coincidentemente submetidos a
gastrectomia tipo BI. OKUMURA et al.(24) também verificaram maior incidência de
síndrome de dumping em mulheres.
A anemia pós-gastrectomia quase sempre é do tipo microcítica e ocorre em cerca
de 20% dos doentes(38). Tovey e Clark(38) estudaram as causas carenciais e os
tratamentos para a anemia pós-gastrectomia. Nesta casuística foi observada
anemia em apenas dois (3,4%) doentes. Porém, não foi feita nenhuma pesquisa
laboratorial adicional por não ter sido este o objetivo do trabalho.
Analisando a ocorrência das síndromes pós-gastrectomia nesta pesquisa, também
se verificou que o HP positivo não influenciou no aumento de sua ocorrência e
nem das suas manifestações clínicas.
Ainda há controvérsias na literatura internacional no que diz respeito à
presença de HP no coto gástrico remanescente pós-gastrectomia parcial e se está
indicado o seu tratamento(4, 5, 8, 20, 25, 29, 37). É sabido que o antro é a
localização preferencial para a permanência do HP e é justamente esta a região
do estômago ressecada na gastrectomia parcial (distal) indicada no tratamento
da úlcera péptica. Portanto, seria possível a cirurgia de ressecção gástrica
suficiente para erradicar o HP? Esta pesquisa conclui que não. Dos 59 doentes
estudados, 53 deles (89,8%) ainda apresentavam o HP no coto gástrico no pós-
operatório tardio (média de 95,9 meses ou 8 anos de tempo de seguimento)
detectado por estudo histopatológico ou pelo teste de urease.
A revisão sistemática de 36 estudos feita por DANESH et al.(8), demonstrou que
a prevalência de HP pós-gastrectomia foi de apenas 50% (tempo médio de estudo
pós-operatório de 10 anos). Os autores não tiveram evidências suficientes para
comparar a incidência do HP para cada tipo de reconstrução cirúrgica como por
exemplo, BI, BII ou Y-de-Roux. Este achado está em desacordo com os presentes
resultados, cuja prevalência do HP foi muito maior. BAHNACY et al.(5)
verificaram a presença de HP no estômago remanescente em 50% dos doentes
gastrectomizados por úlcera péptica e incidência de 9,5% nos doentes
gastrectomizados por câncer gástrico. SHEU et al.(50) obtiveram achados
semelhantes com 52,3% de infecção por HP em um grupo de 86 doentes em
seguimento pós-gastrectomia.
Segundo DANESH et al.(8) e KARAT & GRIFFIN(17) esta baixa prevalência de HP
pós-gastrectomia parcial se deve parcialmente à remoção do antro gástrico e
parcialmente ao efeito bactericida do refluxo biliar prolongado para o coto
gástrico. No estudo presente, foi observada bile no coto gástrico de 24 doentes
(40,7%) e nem por isto foi verificada baixa ocorrência de HP neste grupo. Além
disso, foi constatado HP positivo em 91,7% dos doentes com gastrectomia com
reconstrução BI, em 60% dos doentes com reconstrução em Y-de-Roux e em 100% dos
doentes com reconstrução BII, o oposto do observado em grande parte da
literatura. Por que alguns doentes que tinham HP no pré-operatório deixaram de
tê-lo no pós-operatório tardio? HEYMANN e WILSON(14) afirmam que muitos doentes
fazem uso de antibióticos (terapêutico ou profilático) durante o período de
internação perioperatória e isto poderia eventualmente erradicar o HP. Outro
aspecto discutível é a condição socioeconômica dos doentes desta série que, por
ser de um modo geral baixa, tenha contribuído na persistência do HP no pós-
operatório.
Concluindo, alguns trabalhos mostram que a presença do HP no coto gástrico
remanescente é comum, porém sua incidência é menor do que antes da cirurgia(5,
33). Neste estudo, 86% dos doentes tinham HP no pré-operatório e 89,8% deles
também o tinham no pós-operatório. Portanto, o HP incidiu mais no coto gástrico
remanescente do que no período pré-operatório, porém sem diferença estatística.
E dos 49 doentes que tinham HP no pré-operatório, 46 se mantiveram positivos
(93,8% deles) e mais 6 se tornaram positivos no decorrer destes anos de
seguimento.
A avaliação por EDA de todos os doentes no pós-operatório tardio permitiu uma
completa visão da situação macroscópica do coto gástrico. Os achados mostraram
mucosa gástrica normal à visão endoscópica na maioria dos casos (52,5%).
Gastrite endoscópica enantematosa foi observada em 22 (37,3%) e gastrite
endoscópica erosiva em 5 doentes (8,5%). Úlcera ativa durante a EDA foi
verificada em dois doentes, como já comentado anteriormente. Mais uma vez a
positividade de HP no coto gástrico não influenciou na ocorrência dos achados,
pois estava presente tanto em 87,1% dos doentes com mucosa normal, como em
92,2% dos doentes com alguma alteração da mucosa gástrica (P <0,005). Os
doentes com gastrectomia com reconstrução tipo BII tiveram maior tendência a
apresentar gastrite endoscópica (66,7%) do que os com reconstrução tipo BI
(37,5%) e Y-de-Roux (0%). Todos os doentes com Y-de-Roux tinham mucosa gástrica
normal à EDA, seguidos dos doentes com BI (50% deles).
CONCLUSÕES
A análise final dos resultados mostrou que o tratamento cirúrgico proposto para
este grupo de doentes trouxe resultados tardios muito satisfatórios. A
hemigastrectomia, seguida de vagotomia troncular ou não, contribuiu para
diminuir as recidivas ulcerosas. A reconstrução cirúrgica do tipo BI também
mostrou freqüência pequena de sintomas tardios. O Helicobacter pylori apesar de
estar presente no coto gástrico em 89,8% dos doentes, não influenciou de forma
negativa nos resultados clínicos, endoscópicos ou histopatológicos no pós-
operatório tardio.