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BrBRCVHe0004-28032006000300003

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variedadeBr
ano2006
fonteScielo

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Influência da transfusão sanguínea no desenvolvimento de infecção em pacientes com neoplasias malignas do sistema digestório

INTRODUÇÃO Até alguns anos, um dos maiores riscos da transfusão sangüínea homógena estava na contaminação de sangue com diferentes vírus (HIV, hepatites, citomegalovírus, Epstein-Barr, HTLV-I/II, etc.), agentes parasitários (tripanossomíase, leishmaniose, plasmódios, etc.) e bactérias(1, 22, 23, 24).

Entretanto, as novas técnicas de seleção e depuração sangüínea, bem como maior controle dos doadores possibilitou o declínio dessas complicações(1, 23).

Atualmente, as discussões estão mais voltadas para o risco de sepse associada a fenômenos imunitários decorrente da transfusão(2, 3, 4, 5, 15, 21). Atribuem-se à transfusão sangüínea alterações na função imunitária, resultando em manifestações clínicas variadas, de acordo com a compatibilidade doador- receptor(10, 21).

Alguns trabalhos mostraram maior sobrevida de pacientes transfundidos que tiveram de ser submetidos a transplantes renais e cardíacos, bem como naqueles com doença de Crohn e outras afecções auto-imunes(16, 19).

A transfusão também foi eficaz na prevenção de abortos recurrentes(6, 10, 22).

Por outro lado, as transfusões acompanham-se de maior índice de recidiva de câncer colorretal, cervical e prostático(2, 15, 21, 22). As infecções pós- operatórias pulmonares e urinárias foram mais freqüentes em transfundidos, nos quais também foi assinalado retardo de cicatrização(21). ainda estudos afirmando que pacientes aidéticos, ao receberem transfusão sangüínea, podem sofrer progressão mais rápida da doença, diminuindo sua sobrevida e aumentando a incidência de infecções por citomegalovírus e bacterianas, acelerando o processo de caquexia(24).

Acredita-se que a aloimunização, a imunodepressão e a reação enxerto versus hospedeiro contribuam para o surgimento de infecções(24). A aloimunização após a transfusão de hemácias, é bastante comum, possibilitando o aparecimento de aloanticorpos causadores de hemólise, em 1 para 6.000 casos, e reações fatais, em 1 para 600.000. a aloimunização das plaquetas acompanhou-se de maior mortalidade e de mais complicações, principalmente em pacientes trombocitopênicos. Quanto ao plasma, casos de anafilaxia também podem surgir.

Embora propiciem alguns problemas graves, as complicações da aloimunização são geralmente pouco significativas(24).

O sistema imunitário, por meio da atividade dos linfócitos "natural killer" e T citotóxicos, ambos regulados por interações com citocinas, interleucinas (IL-2) e interferon, possui importante papel na limitação da disseminação de células malignas(21, 22). Com o avanço tecnológico, verificaram-se reações imunes ocorridas após a hemotransfusão, que duraram até vários anos. Entretanto, os mecanismos exatos que levam a tais mudanças ainda não estão totalmente esclarecidos. Dentre eles o aumento de citólise mediada por células T, o aumento da síntese da interleucina 10, a ativação de linfócitos, transformações de subgrupos linfocitários, o declínio das células apresentadoras de antígenos, a redução da população de linfócitos B e T, a alteração dos linfócitos "natural killer" e o aumento da taxa de linfócitos T supressores(7). Conseqüentemente, diminui a resistência orgânica, aumenta o índice de infecções e, em presença de neoplasias malignas, essa disseminação é maior e as recidivas são mais freqüentes após transfusões(22, 24).

Outro efeito adverso bem conhecido é a reação enxerto versus hospedeiro, distúrbio mediado por linfócitos imunocompetentes transfundidos, que reagem contra o hospedeiro. Existem vários componentes sangüíneos que podem desencadear essa reação. Pacientes imunodeprimidos são os mais susceptíveis, assim como os prematuros, os com doenças auto-imunes, pacientes oncológicos e receptores de medula óssea. Complicações também foram observadas em pacientes sem comprometimento imunológico aparente. Doses baixas de radiação nos componentes sangüíneos podem minimizar, mas não excluir totalmente o risco dessa reação(24).

Alguns estudos indicam a infecção por vírus latente ativado como sendo mecanismo pelo qual a transfusão sangüínea deprime a imunidade do paciente(24).

Outros afirmam que os maiores responsáveis por esse efeito são os componentes leucocitários do sangue transfundido, tendo em vista que o risco de contaminação pós-operatória e recidiva de câncer é menor após transfusão com sangue filtrado que tenha menor quantidade de leucócitos, assim como após transfusões de apenas concentrado de hemácias(2). A auto-hemotransfusão suprime as adversidades da transfusão homóloga em pacientes oncológicos, embora, se realizada em período inferior a 12 dias da operação, possa determinar riscos hemodinâmicos e diminuir a função dos "natural killer"(15).

Diante da possibilidade de a transfusão sangüínea aumentar o risco de infecções, tendência para diminuição do número de hemotransfusões alogênicas e aumento da doação autógena (auto-hemotransfusão)(14), assim como uso de eritropoietina, elementos sangüíneos artificiais e hormônios estimuladores da medula óssea(9, 11, 12, 13).

O objetivo do presente trabalho foi avaliar a transfusão sangüínea homógena como possível fator relacionado à infecção em pacientes oncológicos.

PACIENTES E MÉTODOS A presente pesquisa foi realizada de acordo com as recomendações da Declaração de Helsinque e da Resolução 196/96 do Ministério da Saúde sobre pesquisa envolvendo seres humanos(18) e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais.

Este estudo retrospectivo foi realizado com base em prontuários do Setor de Oncologia da Santa Casa de Belo Horizonte, MG, tratados no período de agosto de 1992 a julho de 2001. Foram estudados aleatoriamente 400 pacientes acima de 18 anos de idade, de ambos os sexos, distribuídos em dois grupos (Tabela_1): * grupo 1 (n = 200) - pacientes transfundidos * grupo 2 (n = 200) - pacientes não-transfundidos durante o tratamento.

Todos tinham neoplasias malignas sólidas do sistema digestório. Foram excluídas afecções hematológicas (linfomas). O período estudado foi superior a 6 meses, independentemente da evolução de cada caso. A localização primária dos tumores está apresentada na Tabela_2.

Pacientes com infestações e infecções decorrentes de procedimentos terapêuticos invasivos (laparotomias, traqueostomias, drenagens, etc.) foram excluídos devido à natureza duvidosa da patogênese do quadro séptico. Foram listadas apenas as infecções que poderiam ter relação eventual com as transfusões sangüíneas. Nos pacientes transfundidos, levou-se em conta apenas infecções surgidas no período de 10 dias após a transfusão sangüínea. No grupo dos não- transfundidos, consideraram-se apenas as infecções descritas no prontuário após o acompanhamento clínico durante o período de 10 dias a partir do dia seguinte à internação. Foram também excluídos os pacientes que receberam transfusão sangüínea diferente das padronizadas no presente trabalho.

A realização de quimioterapia, radioterapia, bem como a execução de procedimentos cirúrgicos em ambos os grupos foram também registradas.

Considerou-se apenas a transfusão de concentrados de hemácias padrão e de plaquetas, incluindo os volumes transfundidos, não sendo computada a transfusão de outros hemocomponentes (plasma) e hemoderivados (albumina, etc.).

Compararam-se os números de pacientes acometidos por infecção nos dois grupos e a relação entre o surgimento do quadro séptico com idade, sexo, procedimento cirúrgico e outras condutas intervencionistas realizadas, pelo teste qui quadrado ou teste exato de Fisher, quando o valor esperado foi menor que 5.

Valores correspondentes a P <0,05 foram considerados significativos.

RESULTADOS No grupo 1, de pacientes transfundidos, encontraram-se 76 homens e 124 mulheres, enquanto que o grupo 2, controle, foi constituído por 100 homens e 100 mulheres. Infecções foram registradas em 31 (15,5%) pacientes transfundidos e em 28 (14%) não-transfundidos. A diferença entre as incidências de sepse nos dois grupos não foi significativa (P = 0,6726) (OR = 1,13; 0,63 <OR <2,03). Dos 31 pacientes infectados do grupo 1, 14 eram do sexo masculino e 17 do sexo feminino, enquanto que no grupo 2 foram 16 homens e 12 mulheres com infecção.

Não houve diferença da incidência de infecção entre os sexos, tanto para o grupo 1 (P = 0,3727 quanto para o grupo 2 (P = 0,4161).

O volume médio de concentrados de hemácias no grupo 1 foi de 710 mL nos pacientes infectados e de 680 mL nos não infectados (P >0,05).

Transfusões de plaquetas foram necessárias em 22 (11,2 %) dos pacientes.

Desses, 5 apresentaram infecção e 17 não tiveram quadro séptico durante os 10 dias de acompanhamento. A relação entre transfusão de plaquetas e infecção nos pacientes transfundidos não foi significativa (P = 0,32) (OR = 1,72; 0,50 <OR <5,55).

Os dados referentes à idade dos 400 pacientes oncológicos analisados encontram- se na Tabela_1. Não houve diferença na incidência de infecção em relação a esse parâmetro, tanto no grupo de pacientes transfundidos (P = 0,1698), quanto no de não-transfundidos (P = 0,3986). Observou-se, entretanto, que dos 31 pacientes transfundidos que apresentaram infecção, 19 (61,29%) tinham idade superior a 45 anos (P = 0,0670). Dos 28 pacientes não-transfundidos que tiveram infecção, 24 (85,71%) estavam com mais de 45 anos (P = 0,1764). O volume médio de concentrados de hemácias transfundidos nos pacientes infectados foi de 830 mL, enquanto que os sem infecção receberam em média 750 mL. Essa diferença também não foi significativa (P = 0,3452).

A Tabela_2 mostra a localização primária das neoplasias malignas nos pacientes avaliados. Observa-se a predominância de câncer gástrico, de esôfago e de cólon em ambos os grupos. Não houve diferença na incidência de infecções em relação à localização do câncer e à transfusão sangüínea em nenhum dos tumores (P >0,05).

Em relação à natureza das infecções, em ambos os grupos predominaram pneumonia, infecção urinária e monilíase oral (Tabela_3).

O tipo de tratamento adotado e sua possível relação com o surgimento da infecção estão apresentados na Tabela_4. Nessa comparação também não se encontrou diferença entre os pacientes transfundidos e os não-transfundidos (P >0,05).

DISCUSSÃO Os resultados do presente trabalho aparentemente contrariam informações da literatura que apontam a hemotransfusão como causa de imunodepressão e conseqüente maior incidência de infecções em pacientes oncológicos(2, 3, 4, 5, 15, 21, 22). Não se avaliou o sistema imunitário na presente série, entretanto, caso tenha existido algum efeito da transfusão sobre esse sistema, ele não foi suficiente para determinar maior quantidade de infecções nesses doentes oncológicos.

Nos pacientes acima de 45 anos de idade, em ambos os grupos, houve maior número de infecções. Esse resultado está de acordo com os dados da literatura, que apontam a relação entre o avançar da idade e a queda da resposta imune, com conseqüente maior tendência à infecção(3, 17). Contudo, ao se compararem as infecções encontradas em ambos os grupos, nas diferentes faixas etárias, não foi encontrada diferença. Portanto, mesmo nessa situação, a transfusão sangüínea não foi fator marcante.

Em estudo piloto deste trabalho, verificou-se que a maior parte dos pacientes com afecções oncológicas que ficavam internados por períodos superiores a 10 dias, evoluíam com complicações decorrentes da doença de base ou do tratamento.

Para evitar que os doentes desta pesquisa tivessem que ser excluídos por co- morbidades, limitou-se o acompanhamento da casuística a 10 dias.

Quanto às localizações primárias dos cânceres apresentadas na Tabela_2, é importante salientar que não foram estudadas as metástases. Uma vez excluídos os tumores que comprometiam diretamente o sistema imune e que, certamente, causariam imunodepressão e aparecimento de infecções, é possível que as neoplasias pesquisadas no presente estudo não tenham sido responsáveis por infecções posteriores(8, 25). Por ser estudo retrospectivo baseado em prontuários, a não descrição de metástases não significa que elas não possam ter existido e, por limitações propedêuticas, não terem sido evidenciadas.

Em relação às infecções encontradas na Tabela_3, é importante ressaltar que, por ser estudo retrospectivo, avaliaram-se apenas aquelas relatadas nos prontuários, porém eventuais subnotificações podem ter ocorrido nos dois grupos. O local da infecção não parece ter tido relação com o tipo ou região da neoplasia. Quanto à natureza e a gravidade desses quadros sépticos, foram maiores nos pacientes sem transfusão. Esse fato reforça a hipótese de que a hemotransfusão talvez não seja fator destacado na etiopatogenia da sepse.

Sabe-se que relação entre os diversos processos terapêuticos adotados, como radioterapia, quimioterapia e cirurgia, com a imunodepressão do paciente oncológico(7, 8, 20, 25, 26). Todavia, não se pode afirmar que a natureza da terapêutica possa ter sido causadora isolada dessa imunodepressão e conseqüente infecção em ambos os grupos. No grupo de pacientes transfundidos, embora tenha havido maior número de procedimentos cirúrgicos aliados à quimioterapia, houve menor índice de infecções do que no grupo de pacientes sem transfusão. Esse resultado ressalta que a terapêutica adotada na casuística desta série não foi importante para o surgimento de infecção.

CONCLUSÕES É pertinente concluir que no paciente com neoplasia maligna do sistema digestório, a transfusão homógena de hemácias não representou um fator de risco para o surgimento de infecções.


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