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variedadeBr
ano2007
fonteScielo

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Doença de Crohn e cálculo renal: muito mais que coincidência? ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Doença de Crohn e cálculo renal: muito mais que coincidência?

Crohn's disease and kidney stones: much more than coincidence?

Maria Lenise Lopes Viana; Rose Meire Albuquerque Pontes; Waldir Eduardo Garcia; Maria Emília Fávero; Denise Cavenaghi Prete; Tiemi Matsuo Departamento de Clínica Médica, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Londrina, PR Correspondência

INTRODUÇÃO A formação de cálculos renais em pacientes com doença inflamatória intestinal é mais comum do que na população geral. A freqüência de litíase neste grupo de pacientes varia de 12% a 28%(10), enquanto que na população em geral afeta de 1% a 14% das pessoas(6). Vários fatores têm sido associados ao seu aparecimento, entre eles o volume urinário, pH, excreção de oxalato, citrato e magnésio, embora não se tenha chegado a consenso sobre o grau de importância de cada um destes fatores litogênicos(2, 5, 9, 12, 15, 18, 19).

Na doença de Crohn, a maioria dos cálculos é constituída de oxalato de cálcio, devido a maior absorção e excreção urinária de oxalato. O oxalato proveniente da dieta, normalmente, não é absorvido quando ligado ao cálcio no intestino, porém nos casos de absorção ou ressecção cirúrgica do intestino, permanece livre devido à fixação do cálcio aos ácidos graxos. Pode, também, ocorrer diminuição da quantidade de Oxalobacter formigens, uma bactéria intestinal responsável pela degradação do oxalato. Ademais, os ácidos biliares e os próprios ácidos graxos aumentam a permeabilidade do cólon ao oxalato. O conjunto dos fatores mencionados favorece o aparecimento de hiperoxalúria(8, 11, 14).

A formação de cálculos no trato urinário é um processo multifatorial que envolve o balanço entre os fatores promotores da formação de cálculo e os inibidores da cristalização(7, 17).

O propósito deste estudo foi analisar os principais fatores promotores da litogênese (cálcio, oxalato, fosfato e ácido úrico), fatores inibidores (citrato, magnésio) e o grau de supersaturação urinária em relação ao oxalato de cálcio, ácido úrico e fosfato de cálcio. Acredita-se que a compreensão desses fatores seja útil na prevenção do aparecimento e da recurrência da nefrolitíase nos pacientes com doença de Crohn, condição por si bastante agressiva e que desencadeia alterações importantes na vida das pessoas por ela acometidas.

MÉTODOS Após aprovação pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina (Parecer CEP 048/03), foram incluídos no estudo 29 pacientes com doença de Crohn, com idade de 17 a 79 anos (40,2 ± 13,1), sendo 18 mulheres. Esses pacientes eram acompanhados no Ambulatório de Doenças Inflamatórias Intestinais e apresentavam acometimento de intestino delgado isolado ou delgado e cólon, simultaneamente. O diagnóstico de doença de Crohn foi estabelecido por meio de critérios reconhecidos e aceitos internacionalmente(3). As seguintes condições foram excluídas: pacientes com disfunção renal (creatinina sérica maior que 1,5 mg/dL) e hipertireoidismo. A coleta das amostras de urina foi realizada na fase inativa da doença, determinada por CDAI (Crohn's Disease Activity Index) menor que 150(4) e na ausência de infecção urinária. Foi verificada a utilização de medicamentos que, sabidamente, poderiam interferir nos resultados bioquímicos dos parâmetros analisados(1).

A avaliação metabólica incluiu medidas séricas e urinárias, ultra-sonografia de rins e vias urinárias e determinação do índice de saturação urinária em relação ao oxalato de cálcio, ácido úrico e fosfato de cálcio. No sangue dos pacientes em jejum foram dosados creatinina, ácido úrico, cálcio e magnésio e gasometria venosa para medida de pH e bicarbonato.

Em urina de 24 horas (duas amostras) foram dosados oxalato, citrato, magnésio, fosfato, sódio, potássio, cloreto e volume. A análise do sedimento urinário e a medida de pH foram realizadas em amostra isolada de urina. Os pacientes foram cuidadosamente instruídos como proceder à coleta de urina de 24 horas, que foi colhida em galão plástico sem conservante.

O cálcio foi determinado por espectrofotometria de absorção atômica, o ácido úrico pelo método da uricase, a creatinina pelo método de Jaffé, o fosfato pelo método do fosfomolibdato, o magnésio pelo método azul de metiltimol, o sódio, potássio e cloreto foram determinados através de eletrodo de íon seletivo. O citrato foi dosado por método enzimático, em urina acidificada, utilizando citrato lyase. O oxalato foi dosado em urina acidificada através de método indireto por determinação do cálcio contido no precipitado de oxalato de cálcio, induzido na amostra(16). O pH urinário foi medido em amostra isolada através de determinação potenciométrica em pHmetro Celm.

O exame ultra-sonográfico foi realizado por um mesmo observador com aparelho Voluson 730 GE, transdutor de 2 a 5 MHZ para verificar a presença de cálculo renal e avaliar a morfologia do trato urinário.

O índice de saturação urinária foi calculado utilizando-se do software EQUIL- 93.

Foi realizada a análise estatística descritiva e os dados identificados com média, desvio padrão, valores mínimo e máximo, mediana e freqüências relativa e absoluta. Para comparação das medianas utilizou-se teste U de Mann-Whitney.

Para determinar associação entre as variáveis foi utilizado teste do Qui- quadrado ou o teste Exato de Fisher. O nível de significância adotado foi de 5% em todos os testes.

RESULTADOS Dos 29 pacientes avaliados, o segmento ileal encontrava-se acometido em 55,2% deles. Em 48% o diagnóstico da doença era recente (menos de 5 anos) e 65,5% deles haviam sido submetidos a procedimento cirúrgico em região intestinal, sendo que em 57,9% desses houve remoção de algum segmento ileal. Apenas dois pacientes não apresentaram nenhum parâmetro urinário considerado como potencial distúrbio metabólico associado à nefrolitíase. Três pacientes apresentaram somente um distúrbio e 24, dois ou mais distúrbios urinários litogênicos (Figura_1). Todos tinham função renal normal com níveis de creatinina de 0,8 ± 0,2 mg/dL. Seis mostraram pH urinário abaixo de 5,5, mas esse parâmetro isoladamente não foi considerado fator potencial para a litogênese, uma vez que os pacientes não revelaram supersaturação para ácido úrico. A Tabela_1 mostra a freqüência das alterações metabólicas urinárias, sendo a hipocitratúria (72,4%) e a hipomagnesiúria (48,3%) os achados mais freqüentes. Nenhum paciente desenvolveu hiperfosfatúria. Dos 21 que apresentaram hipocitratúria (72,4%), 8 possuiam ressecção ileal. Dos 14 pacientes com hipomagnesiúria (48,3%) somente 1 não mostrou hipocitratúria associada e 6 deles possuiam ressecção ileal.

A análise ultra-sonográfica detectou a presença de cálculo renal em 13 pacientes (44,8%). Nove eram do sexo feminino (69,2%) e quatro do masculino (30,8%), com média de idade de 37,8 anos. Destes, cinco apresentaram hipocitratúria isolada, três, hipocitratúria associada com hipomagnesiúria, um apresentou hiperoxalúria, hipocitratúria e hipomagnesiúria, dois, baixo volume urinário, hipocitratúria e hipomagnesiúria, um, hipocitratúria e hipomagnesiúria e apenas um deles não apresentou nenhuma alteração metabólica urinária.

Quando se compararam os parâmetros urinários dos pacientes operados e não operados, verificou-se que nos primeiros (sobretudo naqueles com ressecção do íleo), a excreção dos fatores inibidores (citrato e magnésio) foi menor e dos fatores promotores (cálcio, oxalato, ácido úrico, fósforo e sódio), maior que nos não operados. O oxalato urinário foi significativamente maior nos pacientes com cirurgia intestinal (28,4 ± 17,5) do que naqueles sem antecedentes de cirurgia (16,4 ± 11,0). Nos pacientes que haviam sido submetidos a ressecção de algum segmento ileal, a excreção de oxalato urinário também foi maior (35,3 ± 19,2) do que naqueles que possuíam segmento ileal intacto (17,6 ± 10,1) (P<0,05). A excreção urinária de fósforo também foi maior nos pacientes com ressecção ileal (612,3 ± 192,0) em comparação com os com íleo intato (442,8 ± 226,7) (P<0,05). Nos pacientes com cálculo renal não se observou diferença estatisticamente significante para os fatores metabólicos em relação aos não possuidores de cálculo (Tabela_2).

A Tabela_3 mostra a supersaturação relativa de oxalato de cálcio, fosfato de cálcio e ácido úrico. Os pacientes com cirurgia intestinal apresentaram urina supersaturada para oxalato de cálcio e fosfato de cálcio (P = 0,007 e P = 0,015, respectivamente), assim como aqueles com ressecção ileal (P= 0,007 e P = 0,019). Não se observou associação entre a presença de cirurgia intestinal, de ressecção ileal e supersaturação urinária em relação aos pacientes com cálculo renal.

DISCUSSÃO Em pacientes com doença de Crohn, o aumento da excreção urinária de oxalato tem sido descrito como o principal fator de risco litogênico em decorrência da hiperoxalúria associada à síndrome de absorção vivenciada por eles(5, 10, 12).

Apesar dos pacientes deste estudo não apresentarem grandes alterações na excreção de oxalato, quando se comparam os pacientes submetidos a cirurgia intestinal com não operados, observa-se diferença com significância estatística (P<0,05) entre os grupos. Quando esses pacientes submetidos a cirurgia são estratificados de acordo com o tipo de cirurgia, a excreção urinária de oxalato mostra-se, em média, maior naqueles com cirurgia ileal.

A oxalúria esteve, de maneira geral, dentro dos limites de normalidade, provavelmente pela ingestão deficiente de alimentos ricos em oxalato pela população brasileira (espinafre, ruibarbo, beterraba, nozes, acelga, amendoim, etc)(11) ou pelo fato do estudo ter sido realizado em período de inatividade da doença.

A excreção urinária dos outros fatores promotores como o cálcio e o ácido úrico também não mostrou alteração significativa neste grupo de pacientes, entretanto, observou-se alta freqüência de hipocitratúria (72,4%) e hipomagnesiúria (48,3%). Considerando que tanto o citrato quanto o magnésio são importantes agentes inibidores da cristalização, suas deficiências podem favorecer o processo de crescimento e agregação dos cristais, principalmente dos sais de cálcio(2).

Nesta série foi observada litíase renal em 44,8% dos pacientes, achado considerado alto. NISHIURA et al.(11)observaram litíase renal em 25% dos pacientes com diagnóstico de doença inflamatória intestinal, SOTO et al.(15) encontraram litíase renal em 16,3% e CAUDARELLA et al.(5) encontraram freqüência de cálculos renais de 8,3% no pré-operatório e de 11,9% no pós- operatório dos pacientes submetidos a procedimento cirúrgico.

É descrito que a presença de supersaturação associada à insuficiência de inibidores da cristalização como magnésio, citrato e/ou outros fatores inibidores na urina, predispõe à formação de núcleos de cristalização(7, 13).

Os pacientes deste estudo que haviam sido submetidos a intervenção cirúrgica intestinal mostraram possuir alterações significativas na saturação urinária e de acordo com ALVES et al.(2), em todas as situações clínicas nas quais ocorre a supersaturação de oxalato de cálcio, observa-se aumento do risco de formação de litíase urinária.

Nos pacientes com cálculo renal, não se observam diferenças na excreção dos solutos e na saturação urinária quando comparados com indivíduos livres de cálculos urinários. Provavelmente esse resultado se deve ao número pequeno de pacientes da amostra. Entretanto, as alterações metabólicas encontradas em 93,1% deles, assim como a alta freqüência de hipocitratúria e de hipomagnesiúria e o alto número de pacientes com litíase urinária, mostram que esses pacientes possuem alterações significativas. Investigação em maior escala ou com duração mais longa e compreensão mais específica dos mecanismos determinantes da formação de cálculos renais neste grupo de pacientes, poderiam favorecer a atuação preventiva sobre os fatores que propiciam a formação do cálculo, diminuindo as complicações deles decorrentes.


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