Análise descritiva dos perfis social, clínico, laboratorial e antropométrico de
pacientes com doenças inflamatórias intestinais, internados no Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho, Rio de Janeiro
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Análise descritiva dos perfis social, clínico, laboratorial e antropométrico de
pacientes com doenças inflamatórias intestinais, internados no Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho, Rio de Janeiro
Descriptive analysis of the social, clinical, laboratorial and anthropometric
profiles of inflammatory bowel disease inwards patients from the "Clementino
Fraga Filho" University Hospital, Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Paula Peruzzi EliaI; Homero Soares FogaçaII; Rodrigo G. G. Rego BarrosIII;
Cyrla ZaltmanII; Celeste Siqueira C. EliaII
IServiço de Endoscopia Digestiva Pediátrica - Departamento de Cirurgia
Pediátrica do Instituto Fernandes Figueira ' FIOCRUZ
IIDisciplina de Gastroenterologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
IIIFaculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ
Correspondência
INTRODUÇÃO E LITERATURA
A retocolite ulcerativa idiopática (RCUI) e a doença de Crohn (DC), também
chamadas de doenças inflamatórias intestinais (DII), compõem um grupo
heterogêneo de doenças cuja manifestação final comum é a inflamação, em cuja
patogênese estão envolvidos diferentes fatores genéticos, imunológicos e
ambientais(10).
As manifestações clínicas são decorrentes tanto do acometimento do trato
gastrointestinal (TGI) pela doença, como pelo surgimento de manifestações
extra-intestinais, que ocorrem em cerca de 35% dos pacientes(13, 33).
Embora de etiologia multifatorial, muitos pacientes internados com exacerbação
aguda de sua doença apresentam desnutrição protéico-calórica(6, 11, 17, 18),
hipoalbuminemia(4, 7) e anemia(13, 16, 33). Leucocitose, trombocitose, aumento
nos níveis séricos de proteína C reativa e de velocidade de hemossedimentação
(VHS) podem ser decorrentes de inflamação crônica(3, 33).
O aumento da incidência das DII tem sido associado com maior grau de
industrialização das regiões estudadas e à ocidentalização no estilo de vida,
incluindo hábitos alimentares e tabagismo(24, 29).
Acometem pacientes jovens e economicamente ativos e apresentam alta morbidade.
Isso representa grande custo econômico para os indivíduos e para a saúde
pública devido ao uso prolongado de medicamentos, necessidade de inúmeros e
complexos exames diagnósticos, freqüentes internações hospitalares e, muitas
vezes, realização de cirurgias.
No Brasil são poucos os estudos epidemiológicos que permitem conhecer a
incidência e a prevalência das DII. No entanto, essas enfermidades não são tão
raras como se acreditava há alguns anos(9). A maior parte dos estudos é
realizada em pacientes de ambulatório, sendo de extrema importância conhecer os
aspectos epidemiológicos, clínicos e nutricionais dos pacientes internados, a
fim de que se possa realizar o diagnóstico precoce e iniciar terapêutica mais
adequada, retardando ou impedindo o desenvolvimento de suas possíveis
complicações.
MÉTODOS
Foram estudados 43 pacientes com diagnóstico de DII internados nas enfermarias
de gastroenterologia, coloproctologia, cirurgia geral, clínica médica e
emergência do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), no período compreendido de março de
2001 a junho de 2004. Nesse período, 382 pacientes com DII estavam sendo
acompanhados ativamente nos ambulatórios de gastroenterologia e coloproctologia
do hospital.
Critérios de inclusão:
a) diagnóstico de DII comprovado através de critérios clínicos,
radiológicos, endoscópicos e/ou histopatológicos;
b) o motivo de internação estar relacionado com a atividade das DII,
suas complicações, ou ambas.
Critérios de exclusão:
a) idade abaixo de 16 anos ou acima de 75 anos;
b) presença de colites por outras causas, incluindo infecções
parasitárias;
c) presença de outras doenças granulomatosas, como a tuberculose;
d) diagnóstico de doenças neoplásicas;
e) portadores do vírus HIV ou pacientes com AIDS;
f) enfermos restritos ao leito;
g) gestantes ou nutrizes;
h) pacientes internados por complicações da terapêutica das DII;
i) enfermos com insuficiência orgânica múltipla.
Todos os pacientes, após esclarecimento verbal e preenchimento de consentimento
informado, foram submetidos ao protocolo de investigação. O trabalho foi
aprovado pela comissão de Ética Médica do HUCFF-UFRJ.
Foram excluídos sete pacientes ao longo deste estudo. As causas de exclusão
foram as seguintes: um paciente acamado com necrose asséptica da cabeça do
fêmur, dois com diagnóstico de tuberculose intestinal, uma com diagnóstico de
endometrioma e outra com tumor carcinóide multicêntrico, um enfermo tinha tumor
de reto e o outro estava internado para se investigar um nódulo pulmonar.
Anamnese
Os dados analisados foram: identificação, diagnóstico principal e secundário,
data de início de sintomas e de diagnóstico da doença, diferença de tempo entre
o início dos sintomas e do diagnóstico, complicações relacionadas às DII,
manifestações extra-intestinais, tratamento medicamentoso e/ou cirúrgico em
ambulatório e internado, motivo da internação e duração desta, e a procedência
do paciente. Avaliou-se, também, o hábito tabágico, uso de antiinflamatórios
não-esteróides (AINE), história familiar de alguma doença intestinal, a
necessidade de hemotransfusão e de suporte nutricional durante a
hospitalização.
Os aspectos sociais estudados foram: residência, naturalidade, nível de
escolaridade, saneamento básico do local de moradia, renda mensal individual,
familiar e per capita.
A extensão das DII e o comportamento da DC foram descritos conforme a
classificação de Viena(16). Os índices de atividade de doença utilizados foram
HARVEY e BRADSHAW(19) para DC e LICHTIGER et al.(23) para RCUI.
Avaliação antropométrica
Foi realizada pelos mesmos profissionais, com experiência prévia nesse tipo de
mensuração. Foram avaliados: peso corporal (kg), estatura (m), prega cutânea
tricipital (PCT), índice de massa corporal de Quelet (IMC), índice de gordura
do braço (IGB), circunferência muscular do braço e percentagem de perda de peso
(%PP).
Utilizaram-se as seguintes fórmulas para cálculo(12):
Considerou-se como peso usual do paciente aquele referido 6 meses antes da
internação os e como perda de peso significativa, valores maiores que 10% em
período de 6 meses.
Avaliação laboratorial
Os exames laboratoriais foram coletados com prazo máximo de 7 dias antes ou
após a realização da avaliação antropométrica. Foram realizadas a dosagem
sérica de proteínas totais e albumina, ferritina, hemoglobina e proteína C
reativa, a contagem de linfócitos totais e a medida da VHS.
Metodologia estatística
Para comparação dos dados quantitativos entre dois grupos foi utilizado o teste
de Mann-Whitney e para comparação de dados qualitativos o teste exato de
Fisher. Foram aplicados testes não-paramétricos para as variáveis que não
apresentassem distribuição normal. O critério de determinação de significância
adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelo software
estatístico SAS® System.
RESULTADOS
Trinta e um enfermos (72,1%) tinham o diagnóstico de DC, 10 (23,3%) de RCUI e 2
(4,7%) de colite indeterminada. As idades variaram entre 16 e 74 anos, com
média de 36,7 e mediana de 34 anos. Trinta pacientes eram mulheres (69,8%) e 13
homens (30,2%). Trinta e um eram brancos (72,1%), sendo 9 pardos (20,9%) e 3
(7%) negros.
Quanto à extensão da doença, nos pacientes com DC: 60% era ileocólica, 20%
cólica e 20% restrita ao íleo terminal. Em relação à RCUI: 50% apresentavam
pancolite, 30% sigmóide-proctite e 20% colite esquerda. Ao se avaliar o
comportamento da DC, predominou a doença penetrante em 24 casos (77,4%),
seguida de doença estenosante em 4 (12,9%) e em 3 (9,7%) doença inflamatória
(não-estenosante e não-penetrante).
O período entre o início dos sintomas das DII e o diagnóstico foi menor que 1
ano em 72,5% dos pacientes. Apenas um enfermo com DC nunca havia tido
complicação e 51,6% daqueles com DC já tinham apresentado mais de três
complicações (Figura_1).
As manifestações extra-intestinais que os pacientes com DII já haviam
apresentado em algum momento da evolução de sua doença estão descritas na
Figura_2.
Constatou-se que 69,8% dos pacientes não tinham outras doenças associadas às
DII. A enfermidade mais freqüentemente associada com a DC foi a hipertensão
arterial sistêmica (12,9%), enquanto na RCUI observou-se associação com
hepatopatias (dois casos de colangite esclerosante primária, um de hepatopatia
crônica em investigação e um de esquistossomose).
Alguns pacientes avaliados já haviam sido submetidos a cirurgias devido às DII,
especialmente aqueles com DC (44,2%), enquanto na RCUI apenas um (10%) havia
sido operado antes da internação (hemorroidectomia).
Em relação às cirurgias realizadas durante a hospitalização, a mais freqüente
foi a ressecção intestinal na DC (nove pacientes), seguida da fistulectomia
(dois). Na RCUI, a cirurgia mais freqüente foi a colectomia total (dois).
O corticóide foi o medicamento mais utilizado antes (67,7% dos pacientes com DC
e 60% daqueles com RCUI) e durante a internação (80,6% dos enfermos com DC e
90% daqueles com RCUI), sendo que 51,6% dos pacientes com DC e 30% daqueles com
RCUI faziam uso de corticóide por um período maior do que 6 meses.
Considerando-se ainda as medicações em uso antes da internação, o grupo de
imunomoduladores foi o segundo mais utilizado na DC (25,8%) enquanto que na
RCUI a sulfassalazina foi utilizada na mesma freqüência dos corticoesteróides
(60%).
O motivo da internação nos pacientes com DII avaliados está descrito na Figura
3.
O tempo de internação mínimo foi de 8 dias e máximo de 94, com média de 26,09
dias. Vinte e nove pacientes foram provenientes dos ambulatórios do HUCFF-UFRJ
(67,4%), 3 da emergência deste hospital (7%) e 11 (25,6%) vieram de outra
instituição.
Sete pacientes eram ex-tabagistas (16,3%) e sete (16,3%) ainda fumavam. Apenas
nove (20,9%) estavam em uso de AINE antes da internação e 93% desconheciam a
história familiar de doenças intestinais. Não foi possível estabelecer
associação estatística entre o fumo e o diagnóstico de DC ou de RCUI (P =
0,99), assim como correlacionar o uso de AINE e a atividade de doença, e a
história familiar de enfermidades intestinais com o diagnóstico das DII.
Durante a hospitalização, 20,9% dos pacientes não necessitaram de
hemotransfusão e dois (4,7%) faleceram.
Em relação aos índices de atividade de doença, observou-se que havia doença
ativa em 50% dos enfermos com RCUI, conforme o índice de Lichtiger, e 80,7% dos
com DC, de acordo com o índice de Harvey e Bradshaw.
Dentre as alterações laboratoriais, a que predominou foi a hipoalbuminemia
tanto na DC quanto na RCUI, conforme descrito na Figura_4. As alterações
antropométricas, foram freqüentes e multifatoriais (Figura_5) e ocorreram tanto
na DC quanto na RCUI, no entanto, não foi possível encontrar associação com
significância estatística entre essas e o diagnóstico das DII, e entre essas e
hipoalbuminemia.
Observou-se que 93% dos pacientes residiam no Grande Rio, sendo que 72,1% eram
naturais do sudeste, 23,3% do nordeste, 2,3% do norte e 2,3% do sul.
Em relação à escolaridade, a maioria dos pacientes havia cursado apenas o
ensino fundamental (37,3%) e apenas um enfermo (2,3%) havia completado o ensino
superior.
Todos os doentes relataram saneamento básico em sua residência.
Em relação à renda mensal individual, observou-se que era ausente em 13
pacientes (30,2%), 7 (16,3%) recebiam até 1 salário mínimo, 16 (37,2%) entre 1
e 5 salários, 4 (9,3%) entre 6 e 10 salários e não foi possível determinar a
renda em 3 doentes (7%). Em relação à renda mensal familiar, viu-se que 2
famílias (4,7%) ganhavam até 1 salário mínimo, 23 (53,5%) entre 1 e 5 salários,
6 (14%) entre 6 e 10 salários, 6 (14%) mais de 10 salários e em 6 casos (14%)
não foi possível determinar a renda mensal familiar.
Considerando a renda mensal familiar per capita, observou-se que não havia
nenhum caso de ausência de rendimentos, 41,9% (18 famílias) recebiam até 1
salário, 41,9% entre 1 e 5, apenas 1 família (2,3%) recebia entre 6 e 10
salários mínimos, e não houve casos com mais de 10 salários, em 6 pacientes
(14%) esta avaliação foi impossibilitada.
DISCUSSÃO
Embora a incidência da RCUI seja maior que a da DC(10), 72,1% dos pacientes do
presente estudo tinham DC, o que pode ser justificado por se estar avaliando
doentes internados e a DC tende a ter evolução mais grave, com mais
complicações intestinais, hospitalizações e intervenções cirúrgicas que a RCUI
(26). O período de internação foi considerado longo, com importante ônus para a
rede pública de saúde.
A distribuição da DC foi muito semelhante à descrita na literatura(11), com
acometimento do íleo terminal mais freqüentemente. No entanto, contrariando
dados da literatura(22), observou-se que metade dos pacientes com RCUI
apresentava pancolite, provavelmente por se estar estudando pacientes
internados, com uma apresentação mais agressiva.
Embora as DII sejam doenças raras e necessitem de exames complexos para o seu
diagnóstico, entre os pacientes internados o intervalo de tempo entre o início
de sintomas e o diagnóstico foi menor que 1 ano em 72,5% dos casos, sendo que a
maioria referia período inferior a 6 meses. Esse achado pode representar maior
conscientização da existência das DII no Brasil, maior acessibilidade às
técnicas diagnósticas(24) e ao fato de enfermos com evolução grave estarem
sendo encaminhados mais rapidamente para internação em um hospital de
referência, como o HUCFF-UFRJ.
Apenas um doente avaliado ainda não tinha desenvolvido complicações
relacionadas às DII e 37,2% (todos com DC) já tinham apresentado mais de três
complicações em algum momento da evolução da doença. Observou-se mais que o
dobro na freqüência de fistulização (77,42%) se comparada à descrita por
REGUEIRO (30%)(27).
Outro achado interessante é que a maioria destes pacientes desenvolveu o início
dos sintomas antes dos 40 anos de idade. O início precoce dos sintomas,
conforme a classificação de Viena(15), tem relação com um curso mais agressivo,
acometimento do íleo terminal, fístulização e estenoses mais freqüentes.
Em relação às manifestações extra-intestinais, atentou-se que, semelhante à
casuística mundial(13, 33), a artralgia foi a mais freqüente, o eritema nodoso
ocorreu apenas na DC (22,6%) e o pioderma gangrenoso predominou na RCUI (20%).
A nefrolitíase foi a complicação urogenital mais comum e apenas 9,3% dos
pacientes apresentaram manifestações oculares. A única manifestação
hepatobiliar encontrada foi a colangiopatia, embora a esteatose hepática seja
descrita como a manifestação hepatobiliar mais comum nas DII(33), o que sugere
que esta tenha sido pouco diagnosticada por ser uma manifestação assintomática,
sem investigação diagnóstica rotineira.
A maioria dos pacientes não apresentava co-morbidades (69,8%), provavelmente
por se tratar de população jovem.
Apenas 20,9% dos enfermos avaliados não estavam em uso de medicamentos antes da
hospitalização, destes, 77,7% estavam sem tratamento devido à ausência de
diagnóstico formal das DII até o momento da internação. A droga mais utilizada
antes e durante a internação foi o corticóide, por mais de 6 meses em 51,6% dos
pacientes com DC e em 30% daqueles com RCUI. Os imunomoduladores estavam sendo
administrados em menores proporções, provavelmente por não serem considerados
medicamentos de primeira escolha na fase aguda das DII(5, 8, 20, 31, 32).
Apesar da alta incidência de fístulas e de atividade de doença, apenas um
paciente estava em uso de infliximabe, podendo estar diretamente relacionado
com o nível socioeconômico dos indivíduos atendidos no HUCFF-UFRJ, uma vez que
se trata de medicamento de alto custo, que não era fornecido pelo Ministério da
Saúde até o momento da realização do presente estudo.
Aspecto que chama a atenção é que, apesar da maioria dos enfermos (79,1%)
estarem em tratamento das DII antes da hospitalização, principalmente com
corticóide, as causas mais freqüentes de internação estavam diretamente
relacionadas à atividade de doença ou a complicações desta. Ao se avaliar o
índice de HARVEY e BRADSHAW(19) para DC e o de LICHTIGER et al.(23) para RCUI,
constatou-se que 80,7% dos pacientes com DC e 50% daqueles com RCUI estavam em
atividade de doença. Estes dados corroboram a hipótese de que os doentes
hospitalizados com DII apresentem doença grave, muitas vezes refratária ao
tratamento clínico, associada a complicações de alta morbidade, representando
elevado custo hospitalar.
As cirurgias, indicadas nos casos de falha no tratamento clínico ou na presença
de sérias complicações da doença, podem ser curativas na RCUI, mas não na DC. A
proctocolectomia é requerida em 15% dos enfermos, usualmente por doença
refratária(22). Na presente casuística, 20% do grupo com RCUI foram submetidos
a colectomia total com ileostomia por refratariedade à terapêutica clínica. Na
DC, a cirurgia está reservada ao tratamento das complicações e é mais freqüente
quando há acometimento ileocecal (87% a 90%) maior que colorretal (50% a 58%)
(3). Em estudo realizado pelo Instituto de Gastroenterologia do Hospital das
Clínicas, em Minas Gerais(9), 50% dos enfermos com DC haviam sido submetidos a,
pelo menos, uma cirurgia abdominal. Observou-se que na presente amostra, as
duas cirurgias mais freqüentemente realizadas nos enfermos com DC, antes e
durante a hospitalização, foram ressecções intestinais e fistulectomia. A
apendicectomia havia sido realizada em três doentes (7%) antes da internação e
deve ser ressaltado que, em alguns casos, a DC tem apresentação inicial que
mimetiza a apendicite aguda, pelo acometimento inflamatório da região íleocecal
(3) .
O nível de albumina sérica freqüentemente correlacionado ao estado nutricional,
também pode refletir reação de fase aguda mediada por citocinas durante um
evento inflamatório(4, 10). A desnutrição e a hipoalbuminemia são achados
relevantes nas DII, especialmente na DC(2). Encontrou-se hipoalbuminemia na
maior parte dos pacientes com DC e RCUI. No entanto, uma minoria dos dois
grupos apresentava concentração de proteína total sérica menor que 5 g/dL,
reforçando a hipótese de não haver relação entre hipoalbuminemia e desnutrição
na amostra estudada. Para confirmar este dado, tentou-se correlacionar
individualmente cada alteração antropométrica com a hipoalbuminemia, mas não
houve significância estatística entre nenhuma destas associações.
Anemia é outro achado relevante(7, 8, 13, 16, 36) e foi observada em 69,8% dos
doentes avaliados, sendo mais freqüente na DC, embora a enterorragia fosse mais
comum na RCUI. Apesar da sua presença freqüente, uma minoria de pacientes foi
hemotransfundida. Os resultados desta série sugerem que a anemia nas DII não é
exclusivamente ferropriva por perda de sangue vivo ou oculto pelo TGI,
corroborando a hipótese da sua etiologia ser multifatorial(16). Soma-se a isto
o fato de apenas um paciente ter apresentado dosagem sérica de ferritina baixa,
que é um achado relevante na anemia ferropriva. Embora se saiba que a ferritina
também seja uma proteína de fase aguda e na presença de inflamação, níveis
séricos normais não excluem deficiência de ferro(20). Logo, a dosagem sangüínea
elevada de ferritina em 22,73% dos enfermos pode estar sendo subestimada.
A contagem sérica de linfócitos pode ser utilizada como um parâmetro
nutricional para medir a competência imunológica(29). No presente estudo, 71%
dos pacientes com DC e 50% daqueles com RCUI apresentavam linfopenia,
provavelmente por alteração do estado nutricional, além do efeito colateral dos
imunossupressores, que estavam sendo utilizados em 30,2% dos hospitalizados.
O aumento dos níveis séricos de VHS e da proteína C reativa, assim como a
presença de trombocitose podem representar inflamação(3, 21, 33, 34). Nesta
casuística, encontrou-se aumento na medida sérica de VHS (60,71% dos doentes
com DC e 40% com RCUI), de proteína C reativa (foi dosada em apenas
31 pacientes e estava positiva em 54,8%) e trombocitose (25,81% dos enfermos
com DC e 10% com RCUI). No entanto, não foi possível fazer correlação
estatística entre estes resultados e a atividade de doença.
Conforme o Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar(35), ficou
demonstrado que 48% dos doentes internados estavam desnutridos. Nas DII, a
desnutrição é achado comum, com múltiplas causas, acometendo 85% dos
hospitalizados com exacerbação aguda destas enfermidades(18). As medidas
antropométricas são uma forma de mensuração de fácil aquisição, manuseio
simples e baixo custo na avaliação do perfil nutricional(14). Refletem o
passado do estado nutricional e têm como limitação a impossibilidade de
detectar alguns distúrbios nutricionais de instalação muito recente ou
deficiências específicas de nutrientes(12).
A percentagem de perda de peso recente (%PP) tem boa correlação com a morbidade
e mortalidade(12), pois inclui o tempo em que ocorreu a alteração ponderal. Na
presente casuística, praticamente a metade dos enfermos avaliados já
apresentava perda de peso importante pelo menos 6 meses antes da internação, o
que pode ter contribuído para o agravamento da doença de base e piora clínica.
SANTOS et al.(30) descreveram que o IMC é de grande utilidade para avaliar o
estado nutricional quando em associação com outros indicadores, uma vez que
leva em consideração o somatório de todos os compartimentos corporais, sem
distinguir o peso associado ao músculo ou à gordura corporal. Neste grupo em
estudo, as alterações do IMC ocorreram em 26,2% dos pacientes, percentagem
menor que a das outras medidas antropométricas (IGB, CMB e % PP). De modo que
se fosse interpretada isoladamente, poderia subdiagnosticar os casos de
desnutrição.
Em concordância com trabalho realizado por SANTOS et al.(30), encontraram-se
alterações na PCT e na CMB, mais freqüentes que as descritas no estudo citado,
provavelmente porque se avaliaram pacientes internados e aquela pesquisa foi
realizada em doentes de ambulatório.
Apesar da utilização prolongada de corticóide, que modifica o estado
nutricional através do aumento do apetite e ganho ponderal(30), havendo aumento
da gordura corporal, houve redução do IGB em 72,1% dos enfermos (71% com DC e
80% com RCUI), ressaltando uma redução significativa na gordura corporal,
independentemente da corticoterapia.
Embora tenha-se encontrado pelo menos uma alteração antropométrica na maioria
dos pacientes desta série, apenas 25,8% dos com DC e 10% dos com RCUI usaram
suplemento enteral, 6,45% com DC e 10% com RCUI utilizaram suplemento
nutricional oral. A nutrição parenteral total foi administrada em apenas dois
doentes (4,9%), sendo que ambos tinham sido submetidos a cirurgia de ressecção
intestinal durante a internação. Pode-se justificar esta baixa percentagem de
suporte nutricional pelo fato da avaliação do estado nutricional não ser ainda
rotina nas enfermarias, sendo indicado em proporções menores do que o realmente
necessário. Com o presente estudo, propõe-se que a avaliação antropométrica
seja realizada rotineiramente nos enfermos com DII, uma vez que as diferentes
mensurações antropométricas são de fácil manuseio, baixo custo e fidedignas
quando realizadas por profissionais experientes, podendo contribuir para
indicação mais precisa de suplementação nutricional em mais casos, reduzindo
complicações infecciosas e pós-operatórias.
Ao se avaliar a distribuição quanto à idade, constatou-se que os doentes desta
série são adultos jovens, com idade média de 36,7 e mediana de 34 anos. No
entanto, esta distribuição não foi bimodal, como descrita em muitos centros
(10). Em relação à raça, 27,9% dos pacientes não eram da raça branca, o que
pode ser justificado pela urbanização e assimilação de hábitos ocidentais, que
levou a aumento no envolvimento de populações não-brancas(9, 24, 28). Deve-se
salientar que no Brasil há grande miscigenação racial e que, muitas vezes,
encontram-se dificuldades em classificar a raça.
Existem alguns fatores considerados modificadores das DII, como o tabagismo
(fator protetor para RCUI e fator de risco para DC) e o uso de AINE, que leva à
exacerbação das DII(25). Nesta casuística houve uma pequena amostra de
pacientes tabagistas e em uso de AINE, não sendo possível correlacionar estes
achados com a atividade de doença. Em relação à história familiar de
enfermidades intestinais (história de DII, diarréia crônica sem diagnóstico e
câncer intestinal), esta foi encontrada em apenas 7% dos pacientes.
Recentemente vem sendo descrita uma mudança no perfil epidemiológico das DII,
notadamente devido à urbanização e à industrialização(24, 28). A maioria dos
pacientes estudados (93%) era proveniente do Grande Rio, que é um pólo
industrial, e todos residiam em moradias com saneamento básico, sendo que 74,4%
das residências tinham mais de três cômodos. Soma-se a isto o fato de que
nenhum paciente era analfabeto e que 76,8% completaram o ensino fundamental.
Apenas um completou o ensino superior.
Na avaliação da renda mensal individual, familiar e per capita, observou-se que
13 pacientes não tinham renda individual, mas nenhum declarou a ausência de
renda familiar. Estes enfermos não tinham renda própria, provavelmente por
estarem afastados de suas atividades devido à gravidade da doença. Isto
demonstra o grande impacto das DII na renda familiar, limitando o aporte
financeiro destes enfermos, sobrecarregando a família. Soma-se à morbidade
desta enfermidade o fato de muitos pacientes desconhecerem os benefícios
sociais e os direitos dos acometidos de doença crônica, de modo que, além de
estarem afastados de suas atividades diárias, necessitam da compra de
medicamentos caros.
Quanto à renda mensal per capita (o salário de todos os membros da família
dividido pelo número de habitantes) verificou-se que 41,9% (18 famílias)
recebiam até 1 salário mínimo, 41,9% recebiam entre 1 e 5 salários mínimos, e
apenas 2,3% (1 família) recebia entre 6 e 10 salários mínimos; em 14% (6
famílias) esta renda foi indeterminada. Este dado se correlaciona perfeitamente
com o perfil social da população brasileira e dos pacientes atendidos em
hospitais públicos universitários, correspondendo a indivíduos de baixa renda,
que dependem exclusivamente de atendimento fora do setor privado.
Apesar da gravidade da doença nos pacientes estudados, apenas dois (um com DC e
um com RCUI) evoluíram para o óbito. Embora seja casuística muito pequena para
ter significância estatística, pode-se observar que estes dois enfermos tinham
em comum anemia, hipoalbuminemia acentuada e alterações antropométricas (% PP,
CMB e PCT). Estes três parâmetros isoladamente vêm sendo relacionados em alguns
trabalhos com pior evolução da doença(4, 16, 25, 30). A hipoalbuminemia e a
anemia seriam marcadores de gravidade, pois têm relação não apenas com
atividade de doença, mas também com desnutrição. A desnutrição é conseqüência
da própria enfermidade e contribui para a maior susceptibilidade do paciente a
infecções e complicações pós-operatórias.
Estes exames laboratoriais de fácil realização e baixo custo estão disponíveis
na maioria dos hospitais públicos. Os parâmetros antropométricos podem ser
aferidos rotineiramente no ambulatório, por profissional treinado, sem
prolongamento importante no tempo de consulta. A intervenção precoce a fim de
se evitar ou tratar a desnutrição, permitiria uma abordagem adequada desta
complicação e reduziria a morbidade, minimizando o número de internações e o
custo com a terapêutica.
Seria interessante sugerir que estes três parâmetros, hipoalbuminemia, anemia e
alterações antropométricas, fossem pesquisados rotineiramente no ambulatório e
que o somatório desses achados pudesse ser interpretado como um marcador
negativo na evolução clínica das DII.
CONCLUSÃO
Os pacientes com DII internados nas enfermarias do HUCFF-UFRJ apresentam quadro
evolutivo mais grave, com a doença em atividade, na presença de freqüentes
manifestações extra-intestinais, com ou sem complicações, apesar do uso
prolongado de corticoterapia. A DC foi mais prevalente nos pacientes internados
(72,1%), por ser de evolução clínica mais agressiva se comparada à RCUI. A
hipoalbuminemia, anemia e as alterações antropométricas são comuns nesta
amostra e estão relacionadas a uma piora clínica das DII, podendo ser
utilizados como parâmetro de avaliação de gravidade destas enfermidades.
Entretanto a taxa de mortalidade é baixa. O perfil social não diferiu do
encontrado na população estudada.