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BrBRCVHe0004-28032008000200005

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variedadeBr
ano2008
fonteScielo

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Diarréia nosocomial em unidade de terapia intensiva: incidência e fatores de risco ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Diarréia nosocomial em unidade de terapia intensiva: incidência e fatores de risco

Nosocomial diarrhea in the intensive care unit: incidence and risk factors

Sérvulo Luiz BorgesI; Bruno do Valle PinheiroII; Fabio Heleno de Lima PaceIII; Julio Maria Fonseca ChebliIII IDisciplina de Anatomia do Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Juiz de Fora, MG IIDisciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Juiz de Fora, MG IIIDisciplina de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Juiz de Fora, MG Correspondência

INTRODUÇÃO A ocorrência de diarréia em pacientes criticamente enfermos parece ser muito comum, independente da causa de admissão inicial à unidade de terapia intensiva (UTI)(44). Não obstante, as taxas relatadas de diarréia ocorrendo nas UTIs variam de forma ampla (2% a 95%)(43). Fatores que justificam pelo menos, parcialmente, esta grande variação incluem a falta de padronização na definição de diarréia e a seleção dos pacientes(27). Por exemplo, KELLY et al.(22) observaram prospectivamente que 41% dos pacientes em uma UTI tiveram diarréia, definida com base na eliminação diária de pelo menos três ou quatro evacuações líquidas. Outros autores relataram que aproximadamente um terço dos pacientes admitidos em UTI desenvolveram diarréia durante sua hospitalização(38).

A diarréia nosocomial pode ter importantes implicações clínicas e econômicas.

Assim, pacientes que contraem diarréia hospitalar apresentam aumento significativo (8 dias, em média) em seu período de internação e, conseqüentemente, nos custos hospitalares(13, 31, 41). Em adição, esses pacientes poderão ter suas feridas cirúrgicas contaminadas pelo material fecal, além de permanecerem por mais tempo expostos a outras infecções nosocomiais, podendo inclusive apresentar taxa de mortalidade maior que aqueles sem diarréia (31). Além disso, neste cenário, na vigência de uma causa infecciosa, existe o risco de disseminação da doença pelo setor, com acometimento de outros pacientes(13).

Dentre as causas identificáveis (ou contribuintes) de diarréia na UTI se destacam: medicações prescritas, nutrição artificial, infecções, impactação fecal, isquemia ou fístula intestinal, septicemia, hipoalbuminemia, dentre outras(17, 28, 38). Diversos fatores de risco aumentam a incidência de diarréia em pacientes internados em UTI. BLEICHNER et al.(7), em estudo prospectivo multicêntrico realizado em 11 UTIs, identificaram através da análise multivariada, os seguintes fatores de risco de diarréia nestes setores: febre ou hipotermia, desnutrição, hipoalbuminemia e presença de um local de infecção.

Similarmente, o uso indiscriminado dos antimicrobianos tem sido apontado como importante fator predisponente de diarréia nosocomial, particularmente ao facilitar a colonização e infecção intestinal pelo Clostridium difficile(18).

Tal suposição se aplica principalmente às UTIs, onde é comum a antibioticoterapia com múltiplos agentes e/ou por períodos prolongados(12).

A determinação da real incidência e das características epidemiológicas principais da diarréia nosocomial na UTI, poderá permitir a implementação de medidas profiláticas rotineiras, visando a prevenção ou atenuação da ocorrência deste importante agravo nos pacientes admitidos nesta unidade. Isto poderá contribuir para a redução da morbidade e, talvez, da mortalidade desses pacientes que se encontram, muitas vezes, gravemente enfermos.

Segundo os autores, até o presente momento, não existem estudos publicados em nosso meio lidando de forma prospectiva com a epidemiologia da diarréia nosocomial em UTI.

O presente estudo prospectivo observacional objetivou determinar a incidência e os fatores de risco associados à ocorrência de diarréia nosocomial em pacientes internados em UTI.

MÉTODOS População de pacientes Este estudo de coorte prospectivo visando avaliar a ocorrência de diarréia nosocomial, foi realizado na UTI de adultos da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, MG, no período de outubro de 2005 a outubro de 2006, onde foram acompanhados todos pacientes consecutivamente admitidos e que permaneceram internados por período mínimo de 72h. O protocolo deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora. Todos os pacientes incluídos neste estudo ou seus responsáveis assinaram o termo de consentimento pós-informação. Foram excluídos pacientes que atendessem a quaisquer das seguintes situações: idade inferior a 12 anos, internação hospitalar ocasionada por diarréia, presença de neoplasia de cólon ou fecaloma, diagnóstico pregresso ou atual de doença inflamatória intestinal ou isquemia intestinal, presença de hemorragia digestiva, uso de laxantes, quimioterápicos ou drogas parassimpaticomiméticas durante a internação, portadores da síndrome de imunodeficiência adquirida e não concordância com a participação no estudo.

Definição dos termos e procedimentos Diarréia nosocomial na UTI Considerou-se como diarréia nosocomial na UTI, o início da mesma pelo menos 72h após a admissão no setor, sendo que os sintomas deveriam denotar mudança no hábito intestinal normal do paciente, com pelo menos duas evacuações líquidas ou pastosas por mais de 2 dias consecutivos(30).

Índice de gravidade A avaliação da gravidade do paciente à admissão na UTI foi realizada em todos os casos por médicos do setor e foi baseada no escore do APACHE II(24).

Insuficiência orgânica Foi definida de acordo com normas previamente descritas pelo American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine Consensus Conference(2).

Imunodepressão Foram considerados imunodeprimidos os pacientes com quaisquer dos seguintes critérios: quimioterapia antineoplásica nos últimos 45 dias, uso de corticosteróide por pelo menos 3 meses, neoplasia hematológica ou câncer metastático, granulocitopenia (<500 neutrófilos/mm³), esplenectomia antes ou durante os primeiros 2 dias de admissão, história de transplante de órgãos requerendo terapia imunossupressiva.

Obesidade Na definição de obesidade, adotou-se o valor do índice de massa corporal > 30 (39).

Etilismo Considerou-se como etilismo significativo uma ingestão alcoólica acima de 40 g/ dia por pelo menos 5 anos.

Desnutrição Adotou-se como critério o método clínico de avaliação nutricional denominado avaliação subjetiva global (ASG)(15).

Coleta de dados Foi realizada diariamente na UTI ao longo de todo o período de internação em cada paciente individual, por médicos e enfermeiros previamente treinados para lidar com os termos usados no presente estudo. Rotineiramente, anotava-se a presença ou não de diarréia na evolução diária do paciente. Para a avaliação dos possíveis fatores de risco de diarréia nosocomial, foram registrados dados demográficos, epidemiológicos e clínicos, a saber: sexo; idade; duração da internação na UTI até a alta ou óbito do paciente; diagnóstico de internação na UTI; co-morbidades; insuficiência orgânica; pontuação no APACHE II nas primeiras 24h; cirurgia realizada durante a hospitalização ou nos últimos 30 dias; tratamento com antimicrobianos (incluindo número de drogas e duração do tratamento); prescrição de anti-secretores; suporte nutricional enteral; " fleet enema" ; níveis séricos de albumina e de hemoglobina na admissão. Neste estudo, considerou-se quaisquer das seguintes co-morbidades como importantes: diabetes mellitus, doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca congestiva, imunodepressão, neoplasia maligna, hepatopatia crônica, etilismo, seqüela de afecção neurológica, obesidade e desnutrição. Nos pacientes que evoluíram com diarréia, registrou-se a duração da mesma, bem como a época de seu início em relação à internação e presença ou não de caso similar na unidade na última semana ou na mesma ocasião. Para fins comparativos, os pacientes foram divididos em dois grupos, com e sem diarréia nosocomial na UTI.

Análise estatística A análise estatística foi realizada utilizando-se o SPSS 14.0 (SPSS, Chicago, IL, USA). Variáveis quantitativas foram expressas como mediana e variação ou como média ± desvio padrão (DP), quando normalmente distribuídas. Estatística descritiva de todas as variáveis relevantes para os grupos foi calculada.

Comparações entre os grupos (com e sem diarréia), assim como a possível relação entre ocorrência de diarréia na UTI com as características demográficas, epidemiológicas e clínico-laboratoriais da população estudada foram analisadas em modelo univariado, utilizando-se o teste t de Student, o teste do qui ao quadrado ou teste exato de Fischer, quando apropriado. Para comparações, o nível de significância estatística foi estabelecido emP<0,05. Todas as variáveis que se mostraram significativas na análise univariada foram posteriormente estudadas através da análise multivariada em um modelo de regressão logística.

RESULTADOS Características gerais da população estudada Foram admitidos consecutivamente 916 pacientes na UTI geral de adultos no período do estudo. Destes, 441 (48,1%) foram excluídos por se enquadrarem em pelo menos um dos critérios de exclusão e 18 (2%) por não apresentarem dados suficientes. Assim, o total de 457 pacientes correspondeu à população estudada.

Destes, 190 (41,6%) foram a óbito durante a hospitalização. Entre os diagnósticos de internação na UTI, destacou-se a pneumonia em 77 (16,8%) pacientes, acidente vascular encefálico em 64 (14%), septicemia/choque séptico em 31 (6,8%) e traumatismo crânio-encefálico em 24 (5,3%) casos, dentre outros.

Características demográficas, epidemiológicas e clínicas da população avaliada Do total de pacientes, 235 (51,4%) eram masculinos e 222 (48,6%) femininos. A idade média foi de 63,7 ± 20,7 anos (variação 16 a 85 anos). O tempo médio de internação na UTI foi de 10,9 ± 11,1 dias (mediana 7, variação 3 a 81 dias). A pontuação média do APACHE II à admissão foi de 16,6 ± 8,2. Adicionalmente, 399 (87,3%) pacientes apresentavam pelo menos uma co-morbidade associada e 317 (69,4%) manifestaram pelo menos uma insuficiência orgânica durante a permanência na UTI (Tabela_1).

Características epidemiológicas e clínicas dos pacientes que cursaram com diarréia na UTI O total de 135 (29,5%) pacientes apresentaram diarréia. A duração média da diarréia foi de 5,4 dias (mediana 4, variação, 2 a 36 dias). O tempo médio do início da diarréia em relação à internação foi de 17,8 dias (mediana 14, variação, 3 a 81 dias). Interessante que, do total de pacientes com diarréia, 113 (83,7%) desenvolveram-na em época em que havia outros casos similares presentes na UTI no mesmo dia ou na semana anterior (Tabela_2).

Características demográficas, epidemiológicas, clínico-laboratoriais e evolutivas dos pacientes com e sem diarréia A média de idade do grupo de pacientes com diarréia (67,2 ± 19,6 anos) foi significantemente maior que daquele sem diarréia (62,3 ± 20,9 anos; P= 0.01).

Da mesma forma, o tempo de internação na UTI foi significativamente maior no grupo com do que naquele sem diarréia (19,7 ± 14,6 vs 7,2 ± 5,9 dias, respectivamente; P= 0.000).

Todas as variáveis relacionadas com gravidade clínica dos pacientes internados na UTI (escore APACHE II, presença de insuficiência orgânica e co-morbidade), associaram-se estatisticamente com a ocorrência de diarréia. Assim, os pacientes com diarréia apresentaram o escore APACHE II à admissão significantemente maior do que aqueles sem diarréia (18,8 ± 7,3 vs 15,6 ± 8,4, respectivamente; P= 0,001). Similarmente, a presença de insuficiência orgânica e co-morbidade foram significantemente mais freqüentes nos pacientes com do que naqueles sem diarréia (90,3% vs 60,5% e 97,8% vs 82,9%, respectivamente; P= 0,000). Do mesmo modo, a incidência de diarréia correlacionou-se significativamente (P= 0,000) com o uso de antibióticos na UTI, assim como com o número total de antibióticos prescritos e com a duração da antibioticoterapia. Além disso, houve associação significativa entre o uso de anti-secretores e de suporte nutricional enteral com a ocorrência de diarréia na UTI. Dos parâmetros laboratoriais avaliados, verificou-se que os níveis séricos de albumina foram significantemente menores no grupo com do que naquele sem diarréia (2,1 ± 0,6 vs 2,4 ± 0,7 g/dL, respectivamente;P= 0,000). Por outro lado, sexo, história de cirurgia atual, uso de " fleet enema" e taxas séricas de hemoglobina não se correlacionaram com a ocorrência de diarréia. Embora nenhum paciente tenha ficado internado exclusivamente em conseqüência da diarréia, a mortalidade no grupo de pacientes com diarréia (56,3%) foi significantemente maior do que naquele sem (35,4%; P= 0.000). A análise univariada dos dados acima se encontra sumarizada na Tabela_3.

Na Tabela_4, encontram-se demonstrados os resultados obtidos através do modelo de regressão logística que incluiu todas as variáveis significativas obtidas na análise univariada. De todas as variáveis testadas neste modelo, apenas as referentes ao número total de antibióticos usados e número de dias de antibioticoterapia associaram-se estatisticamente com a ocorrência de diarréia (P<0.05). Observa-se que cada dia de acréscimo da antibioticoterapia acarreta aumento no risco de 16% de diarréia (IC 12% a 20%), enquanto a adição do uso de um antibiótico a mais ao esquema terapêutico aumenta as chances de ocorrência de diarréia em 65% (IC 39% a 95%). É interessante ressaltar que, embora não estatisticamente significante neste modelo testado, cada dia a mais de permanência na UTI aumentou em 3% a chance de diarréia e cada ponto adicional no APACHE II elevou o risco de diarréia em 9%, enquanto o aumento de 1 mg/dL na albumina sérica reduziu em 47% a probabilidade de ocorrência deste agravo.

DISCUSSÃO A diarréia, queixa comum entre pacientes hospitalizados, tem sido considerada condição auto-limitada e de curta duração, com poucas complicações médicas.

Recentes estudos de diarréia nosocomial, entretanto, têm concluído que esta concepção é errônea. Alguns pacientes com diarréia nosocomial podem desenvolver colite grave, com ou sem formação de pseudomembranas, e colite fulminante(23).

A incidência de diarréia observada no presente estudo foi de 29,5% (135 em 457 pacientes), similar àquela relatada em outros trabalhos. Assim, BRISON e KOLTS (10), considerando diarréia pelo peso fecal >300 g/dia por período consecutivo de 48h, relataram a incidência de 34% dentre 35 pacientes avaliados.

Similarmente, GUENTER et al.(20) avaliando 100 pacientes, registraram a incidência de 30% de diarréia, tendo definido a mesma pela presença de três ou mais evacuações amolecidas ao dia. Incidência maior ainda (41%) foi relatada por KELLY et al.(22), ao avaliarem 81 pacientes admitidos na UTI por mais de 48h. Por outro lado, alguns estudos relataram freqüência menor de diarréia em pacientes de UTI. Por exemplo, em estudo multicêntrico observacional em 37 UTIs na Espanha, envolvendo 400 pacientes submetidos a nutrição enteral, complicações gastrointestinais foram registradas em 62,8% dos pacientes, das quais apenas 15,7% foram devidas à diarréia(35). Estes resultados díspares, podem, em parte, ser justificados pelo fato do conceito de diarréia nosocomial ser muito variável na literatura, não apresentando adequada padronização(8, 26). Sendo assim, dependendo do conceito escolhido, podem-se encontrar diversas incidências(22, 27, 38, 44). Para prevenir a falta de precisão na definição de diarréia na presente casuística, os profissionais da área de saúde que trabalhavam na UTI foram orientados a observar e registrar a freqüência e consistência das evacuações, em vez de usar simplesmente o termo " diarréia" sem critérios previamente definidos.

Neste estudo observou-se na análise univariada, que a permanência hospitalar foi significantemente maior nos pacientes com diarréia (19,7 dias) do que naqueles sem (7,2 dias; P= 0.000). Além disso, a diarréia surgiu numa época relativamente tardia (17,8 dias) da internação (Tabela_2). Estes achados em conjunto sugerem que diarréia na UTI surge, provavelmente, a partir da maior exposição dos pacientes a patógenos, medicamentos e procedimentos médicos à medida que se prolonga a internação(13, 17, 28, 31, 38, 41).

Na presente casuística, a duração da diarréia (5,4 dias) foi similar àquela observada em outros estudos(3, 6, 21). Notavelmente, a taxa de mortalidade foi significantemente maior no grupo com do que naqueles pacientes sem diarréia (P= 0.000) (Tabela_3). Estes achados reforçam a percepção clínica do importante impacto que a diarréia nosocomial apresenta na morbidade e mortalidade destes pacientes críticos.

É interessante assinalar que as variáveis associadas com a gravidade clínica dos pacientes internados na UTI (escore APACHE II, presença de insuficiência orgânica e co-morbidade) foram estatisticamente correlacionadas ao surgimento de diarréia na UTI (Tabela_3), embora apenas na análise univariada. Em adição, a média de idade dos pacientes com diarréia (67,2) foi maior do que naqueles sem (62,3). Em conjunto, estes achados reforçam a percepção geral de que os pacientes mais gravemente enfermos e aqueles com idade mais avançada são os mais predispostos à diarréia na UTI(11, 20, 22, 29, 30, 31, 32, 40).

Alguns estudos demonstraram que a inibição da secreção ácida gástrica esteve associada com aumento do risco de diarréia entre os pacientes hospitalizados recebendo antibioticoterapia, especialmente aquela relacionada com o Clostridium difficile(6, 14). No presente estudo, quase todos os pacientes (97%) com diarréia usaram anti-secretores, embora a administração desta medicação tenha sido também muito comum naqueles que não apresentaram diarréia (89,8%) (Tabela_3). Esta constatação do uso quase rotineiro na UTI de anti- secretores, justifica não se ter observado diferença estatística no modelo multivariado, entre pacientes com e sem diarréia, no que se refere ao uso dessas drogas (Tabela_4).

Embora alguns estudos relatem que a nutrição enteral seja importante fator de risco para diarréia na UTI(1, 20, 38), isto não foi observado no modelo de regressão logística desta casuística (Tabela_4), embora na análise univariada, significantemente mais pacientes (80,7%) que cursaram com diarréia, tenham recebido esta forma de suporte nutricional, comparado com aqueles sem esta complicação (35,7%; P<0.000) (Tabela_3). É possível que as normatizações implementadas na UTI no que se referem à nutrição enteral, tais como a higiene rigorosa, o modo contínuo (em bomba de infusão) de administração de nutrientes e o uso de formulações enterais de baixa osmolaridade e acrescidas de fibras não-absorvíveis, tenham contribuído para a redução da ocorrência de diarréia neste cenário. Substanciando esta hipótese, metanálise recente(19)concluiu que comparado à nutrição parenteral, o suporte nutricional enteral não aumentou o risco de diarréia, sugerindo que talvez a modalidade de administração possa influenciar mais na incidência de diarréia do que a própria via de administração de nutrientes. Além do mais, a maioria dos pacientes deste estudo que recebeu suporte nutricional enteral também usou antimicrobianos (que foi o principal fator de risco para diarréia). Este fato pode também ter contribuído para reduzir a importância final da nutrição enteral como fator de risco para diarréia no modelo de análise multivariada.

A possível correlação entre hipoalbuminemia (talvez refletindo desnutrição) e ocorrência de diarréia nosocomial é controversa. Enquanto BRINSON e KOLTS(10) em estudo prospectivo não-controlado com 35 pacientes de UTI, verificaram que todos aqueles com diarréia apresentavam albumina sérica <2,5 g/dL, PATTERSON et al.(36)não observaram esta associação. Embora na casuística presente a albumina sérica à admissão (2,1 g/dL) do grupo com diarréia tenha sido menor que aquela dos pacientes sem diarréia (2,4 g/dL) (Tabela_3), isto não se manteve na análise multivariada (Tabela_4). Os resultados da presente série, entretanto, sugerem que a albumina possa ter, pelo menos, papel protetor contra o desenvolvimento de diarréia. Assim, no modelo de regressão logística o aumento de 1 mg/dL na albumina sérica poderia reduzir em 47% a chance do surgimento de diarréia (Tabela_4).

Neste estudo, verificou-se que os principais fatores de risco na análise multivariada associados à ocorrência de diarréia nosocomial na UTI foram a duração da antibioticoterapia (OR = 1,16, IC = 1,12-1,20; P = 0,000) e o número de antimicrobianos utilizados (OR = 1,65, IC = 1,39-1,95; P = 0,000) (Tabela 4). Assim, pode-se predizer que um dia a mais de antibioticoterapia eleva em 16% o risco de ocorrência de diarréia, enquanto a inclusão adicional de um antibiótico a determinado esquema antimicrobiano aumenta este risco em 65%.

Outros autores também observaram importante correlação entre antibioticoterapia (incluindo número de antibióticos prescritos) e incidência de diarréia nosocomial(4, 11, 12, 13, 18, 22, 27, 29, 30, 32, 33, 38, 40).

Cerca de 5% a 25% dos pacientes em uso de antibióticos podem desenvolver diarréia, dependendo da população estudada e dos antibióticos utilizados(5).

Globalmente, 20% a 50% de todos os casos de diarréia nosocomial podem ser decorrentes da terapêutica antimicrobiana(28). Adicionalmente, das causas não- infecciosas de diarréia na UTI, os antimicrobianos são os principais responsáveis(42). Os antibióticos podem ocasionar diarréia por diversos mecanismos. Alterações da microflora intestinal, aumento da motilidade e redução da fermentação de carboidratos intraluminais, ocasionando diarréia osmótica, usualmente conduzem à diarréia leve e auto-limitada(42). Algumas vezes, no outro espectro de gravidade, colite por Clostridium difficilepode surgir decorrente de grave distúrbio do equilíbrio da flora intestinal desencadeado pelo tratamento com antimicrobianos de amplo espectro(5, 30).

Atualmente, reconhece-se este patógeno como a principal causa infecciosa de diarréia nosocomial(37, 44). Embora não tenha sido objetivo deste estudo determinar a etiologia da diarréia na UTI, algumas considerações podem ser feitas. Especulou-se que a causa mais freqüente de diarréia neste grupo de pacientes criticamente enfermos possa ter sido o Clostridium difficile. Vários achados corroboram esta hipótese. Assim, a maioria (83,7%) dos pacientes que apresentou diarréia na UTI, esteve em proximidade física com caso(s) similar (es) na mesma ocasião. CHANG e NELSON(13), documentaram que a proximidade física é um fator de risco, independente para ocorrência de diarréia nosocomial associada ao Clostridium difficile,possivelmente pela rápida e fácil disseminação deste patógeno em ambientes hospitalares. Aliado a isto, a maioria dos pacientes deste estudo apresentava, concomitantemente, vários dos fatores sabidamente associados ao risco do desenvolvimento de diarréia relacionada ao Clostridium difficile,incluindo terapia antimicrobiana atual ou recente, idade acima de 60-65 anos(42), permanência prolongada na UTI(34), tratamento com inibidor de bomba de prótons(16), doença subjacente grave(25) e nutrição enteral(9) (Tabela_3). Todavia, estudos prospectivos futuros são necessários para elucidar a etiologia e a abordagem terapêutica da diarréia nosocomial nas UTIs em nosso meio.

CONCLUSÕES A incidência de diarréia na UTI foi consideravelmente elevada (29,5%). O número de antimicrobianos utilizados e a duração da antibioticoterapia foram os principais fatores de risco para ocorrência de diarréia neste setor. Pacientes com esta intercorrência clínica apresentaram aumento da mortalidade. É admissível que a prescrição criteriosa e limitada de antimicrobianos, provavelmente reduzirá a ocorrência de diarréia na UTI e, possivelmente, contribuirá para redução da morbidade e mortalidade destes pacientes criticamente enfermos.


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