Apendagite epiplóica: aspectos clínicos e radiológicos
COMUNICAÇÃO BREVE
INTRODUÇÃO
A apendagite epiplóica (AE) é uma condição clínica incomum, benigna e auto-
limitada. Resulta da torção ou trombose venosa espontânea das veias que drenam
os apêndices epiplóicos. Manifesta-se por dor abdominal aguda localizada
principalmente em quadrante inferior esquerdo (QIE). O diagnóstico se faz por
tomografia computadorizada (TC) de abdome. O tratamento é conservador.
MÉTODOS
Pacientes atendidos no Hospital Barra D'Or (HBD), Rio de Janeiro, RJ, entre
fevereiro de 2005 e setembro de 2006, com quadro de dor abdominal e submetidos
a avaliação clínico-laboratorial e a métodos de imagem (tomografia
computadorizada helicoidal). Foram avaliados, retrospectivamente, boletins de
atendimento do hospital e verificados resultados de exames complementares
apenas de pacientes com diagnóstico tomográfico de AE atendidos no HBD. Buscou-
se identificar dados epidemiológicos e definir aspectos relacionados à
localização, tempo de evolução e tratamento da enfermidade naquela instituição.
Buscou-se definir as alterações laboratoriais mais encontradas e descrever
características de imagem tomográfica da apendagite (localização e tamanho).
RESULTADOS
Foram avaliados 44 pacientes com diagnóstico de AE, 82% homens e 18% mulheres,
com idade variando entre 20 e 84 anos e média de idade de 44,7 anos.
A apresentação clínica mais comum foi dor abdominal de moderada intensidade
localizada em QIE em 93% dos casos. A dor em mesogástrio foi observada em 2%
dos pacientes, suscitando o diagnóstico diferencial de pancreatite aguda; dor
hipogástrica foi relatada em 5% dos casos. O tempo de evolução da dor
abdominal, anterior ao diagnóstico definitivo, variou de 1 a 5 dias, com
mediana da duração de 3 dias.
As alterações laboratoriais mais freqüentes foram: piúria discreta e
leucocitose, cada uma presente em 5% dos pacientes. A maioria deles,
representando 81% dos casos, não apresentou quaisquer alterações laboratoriais.
Nos demais casos, não havia registros de exames laboratoriais.
O diagnóstico definitivo foi feito por TC de abdome com achado de imagem ovalar
com densidade de gordura e centro radioluscente (Figuras_1 e 2). A topografia
mais freqüente foi a de cólon descendente em 52% dos pacientes, seguido pelo
sigmóide em 30% e cólon transverso em 2%. As lesões ovóides observadas na TC de
abdome mediam entre 1,4 e 4,1 cm, com média de 2,4 cm. Observou-se espessamento
da gordura perilesional em todos os pacientes (Figura_2).
A maioria dos pacientes, 62% dos casos (27/44), foi submetida a tratamento em
ambulatório com analgésicos e antiinflamatórios. A prescrição de antibióticos
foi praticada em 36% dos pacientes. Os medicamentos mais comumente indicados
foram amoxicilina-clavulanato em 25% (4/16) e ciprofloxacina isolada ou
associada ao metronidazol em 75% (12/16). Um paciente foi internado e submetido
a tratamento cirúrgico com ressecção e drenagem de abcesso em sigmóide. Não
houve seguimento após alta hospitalar.
DISCUSSÃO
A apendagite é uma condição clínica benigna, que ocorre secundariamente à
torção ou trombose venosa espontânea das veias que drenam os apêndices
epiplóicos(5). A sinonímia é variada e inclui: apendicite epiplóica,
apendagite, epiploitite hemorrágica, epiplopericolite. Atinge indivíduos entre
a segunda e quinta décadas de vida, com incidência similar entre homens e
mulheres(3).
Os apêndices epiplóicos foram primeiramente descritos por Vesalius em 1543(2).
No entanto, a entidade apendagite só foi reconhecida por Linn, em 1956(2).
Os apêndices omentais são projeções da superfície externa do cólon, repletas de
gordura, recobertas por serosa e projetando-se na cavidade peritonial.
Aproximadamente 50 a 100 apêndices estão presentes ao longo do cólon, porém são
mais abundantes e proeminentes no cólon transverso e sigmóide. Seu tamanho
médio é de 3 cm, variando de 0,5 a 5 cm, embora possa ocasionalmente alcançar
até 15 cm(3). São mais numerosos e de maior tamanho em indivíduos obesos e
naqueles com história de emagrecimento recente. Sua função é similar à do
grande omento, constituindo um mecanismo de defesa e proteção.
A apresentação clínica habitual é de dor abdominal aguda localizada em
quadrante inferior esquerdo, em paciente com bom estado geral e afebril. No
entanto, pode mimetizar quadro de abdome agudo, levando ao diagnóstico
incorreto de apendicite ou de diverticulite agudas.
A análise laboratorial se caracteriza pela contagem de leucócitos e velocidade
de hemossedimentação normais ou pouco elevados. Não há relatos de alterações
urinárias. Na presente amostra houve 5% de alterações do sedimento urinário,
definidas como contagem de piócitos superior a 5 por campo em homens, de acordo
com a ABNT 2005. Não foram consideradas alterações inferiores a este patamar.
Houve 5% de leucocitose nos pacientes estudados, definida com contagem de
leucócitos superior a 11.000/mm3. O relato da literatura de discreta
leucocitose em pacientes com AE corrobora o achado da presente casuística(6).
Antes do advento da TC, o diagnóstico era realizado intra-operatoriamente. A
primeira descrição tomográfica de AE é atribuída a Danielson, em 1986(3).
Atualmente, o diagnóstico se faz por TC de abdome, com o achado de massa
paracólica, ovalar, de 1 a 5 cm, com densidade de gordura, acompanhando-se de
espessamento do revestimento peritonial e atenuação da gordura periapendicular.
As lesões ovalares observadas na presente casuística revelaram diâmetros entre
1,4 e 4,1 cm, compatíveis com as dimensões descritas na literatura. Há relatos
de diagnóstico por ultra-sonografia (US) e ressonância nuclear magnética (RNM).
Na US de abdome pode-se evidenciar lesão expansiva ovóide hiperecóica, não-
compressíva, com halo hipoecóico. Apesar de ser bom método diagnóstico, a
precisão da US depende da experiência do radiologista, do tipo de equipamento e
do tipo físico do paciente, com pior rendimento em obesos. Já a RNM, apesar da
elevada resolução de imagem, tem seu uso limitado pelo alto custo e pela menor
disponibilidade(1, 2, 3, 5, 6).
A lista de diagnósticos diferenciais é extensa e inclui apendicite,
diverticulite, doenças de vesícula biliar, ruptura de cisto ovariano, torção de
ovário, gravidez ectópica, câncer de cólon, abcesso, ileíte por Crohn, adenite
mesentérica, cisto de úraco. Do ponto de vista estritamente tomográfico, outras
condições podem mimetizar apendagite, entre elas: infarto omental, paniculite
mesentérica e processos inflamatórios agudos primários ou secundários
(apendicite ou diverticulite)(4).
O tratamento é conservador, em ambulatório e dispensa o uso de antibióticos ou
tratamento cirúrgico. Consiste na administração de analgésicos e
antiinflamatórios, com a melhora completa dos sintomas em torno de 3 a 14 dias.
O diagnóstico incorreto pode levar a intervenções desnecessárias, sejam elas
hospitalizações, antibioticoterapia ou até mesmo cirurgias. Na amostra
estudada, 36% dos pacientes recebeu tratamento com antibióticos orais ou
parenterais, enquanto que um paciente foi submetido a cirurgia.
CONCLUSÃO
A AE é uma doença inflamatória, incomum, de bom prognóstico. No estudo
realizado houve predomínio de homens, na quinta década de vida. A manifestação
clínica mais observada foi a dor abdominal em quadrante inferior esquerdo. O
diagnóstico foi estabelecido por TC de abdome. A lista de possíveis
diagnósticos diferenciais é extensa, variando de acordo com a localização da
AE. O tratamento conservador leva à resolução completa do quadro na maioria dos
casos.