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BrBRCVHe0004-28032009000200015

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variedadeBr
ano2009
fonteScielo

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Contracepção e gravidez após transplante hepático: uma visão atual ATUALIZAÇÃO MEDICAL PROGRESS

Contracepção e gravidez após transplante hepático - uma visão atual

Contraception and pregnancy after liver transplantation - an update overview

Mônica Beatriz ParolinI; Júlio Cezar Uili CoelhoII; Almir Antônio UrbanetzIII; Melina PampuchIV IServiço de Transplante Hepático do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) IIDepartamento de Cirurgia do Aparelho Digestivo da UFPR IIIDepartamento de Tocoginecologia do Setor de Ciências da Saúde da UFPR IVSetor de Ciências da Saúde da UFPR Correspondência

INTRODUÇÃO O transplante hepático (TH) é o tratamento de eleição para insuficiência hepática avançada, quando as demais alternativas terapêuticas foram esgotadas.

O TH, além de tratar a doença hepática de base, resgata vários aspectos que englobam o amplo conceito de qualidade de vida, incluindo a recuperação da atividade sexual e reprodutiva, frequentemente comprometidas nessa população. O retorno da fertilidade após TH bem sucedido é evidenciado pelo crescente número de gestações relatadas por diversos centros de transplantes(1, 2, 3, 4, 10, 12, 13, 15, 17, 19, 23, 25, 26, 27).

Muitos aspectos devem ser considerados antes de se incentivar a gravidez em receptoras de TH. Questões como o intervalo de tempo entre o transplante e a concepção, orientações pré-concepcionais, condução do pré-natal, terapia imunossupressora durante a gestação, escolha da via de parto e amamentação devem ser planejadas e acompanhadas por equipe multidisciplinar. O objetivo da presente revisão é apresentar de forma prática os conceitos mais atuais sobre aconselhamento e manejo da contracepção e gestação em receptoras de TH.

Tal revisão é oportuna visto que o número de TH realizados no país cresce a cada ano e os bons resultados obtidos se traduzem num contingente cada vez maior de receptoras em idade fértil.

Função reprodutiva em receptoras de transplante hepático Alterações na função sexual e reprodutiva são comuns nas candidatas a TH e incluem irregularidades menstruais, amenorréia secundária, redução da libido e infertilidade. A mais frequente delas é a amenorréia secundária, que pode atingir até 50% das pacientes com cirrose(2, 12, 13). Tais anormalidades são devidas a alterações do sistema endócrino central e periférico, as quais são agravadas pela desnutrição, comumente presente na cirrose bem como pelo efeito tóxico direto do etanol sobre o eixo hipotálamo-hipófise e gônadas(2, 6, 20).

Após o TH ocorre rápida recuperação da libido e da fertilidade, mesmo na presença de algum grau de disfunção do enxerto(20). Cerca de 80% a 90% das pacientes em idade fértil voltam a menstruar poucos meses após o TH. Estudo realizado no Serviço de Transplante Hepático do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, verificou que 86% das receptoras de TH em idade fértil voltaram a menstruar precocemente (mediana de 1 mês, variando de 1 a 7 meses), sendo que todas com idade inferior a 45 anos reassumiram os ciclos menstruais(17).

Com o aumento da sobrevida após o TH, a perspectiva é que aumentem os casos de gravidez em receptoras de TH, que deverão ser informadas sobre essa possibilidade e devidamente orientadas antes de reassumirem as atividades sexuais.

Aconselhamento pré-concepcional Em toda gravidez o planejamento pré-concepcional é fundamental para aumentar as chances de evolução materno-fetal favorável. Como os primeiros meses após o TH correspondem ao período de maior risco de rejeição hepática com necessidade de esquema mais intenso de imunossupressão e, consequentemente, maior possibilidade de infecções oportunistas, recomenda-se que as pacientes aguardem, pelo menos, 12 meses para engravidar. Durante esse período a perspectiva é de que a paciente se recupere de eventuais complicações da cirurgia e dos déficits nutricionais decorrentes da hepatopatia crônica, o enxerto alcance função adequada, a imunossupressão se estabilize com doses menores dos fármacos e as infecções oportunistas tenham sido devidamente tratadas(1).

Para as pacientes que estejam aguardando o TH, as recém-transplantadas e todas aquelas que não desejam filhos, devem ser dadas orientações sobre anticoncepção. Os métodos de barreira, como os preservativos masculino e feminino, são os de eleição, pois além de oferecer proteção contra a gravidez indesejada, protegem contra doenças sexualmente transmissíveis e não afetam a função do enxerto(1). O dispositivo intra-uterino não é recomendado pois aumenta o risco de infecção nas pacientes transplantadas e tem sua eficácia reduzida pelo fato de que seu mecanismo de ação depende de resposta inflamatória intacta, condição que se encontra comprometida pelas drogas imunossupressoras(1). A contracepção hormonal (oral ou implante) deve ser usada com cautela em pacientes submetidas a TH, sendo contraindicada nas pacientes com hipertensão arterial sistêmica ou com antecedentes de tromboembolismo.

Quando necessário, recomenda-se seu uso na fase mais tardia do pós-transplante (após 1 ano), quando o enxerto apresenta função estável. Como os contraceptivos orais são metabolizados no fígado, podem alterar o nível de certas medicações que compartilhem a mesma via metabólica (citocromos hepáticos). Por isso, recomenda-se controlar com maior frequência os níveis séricos dos inibidores da calcineurina (ciclosporina e tacrolimus), principalmente nos primeiros meses após início do uso do contraceptivo hormonal, pela possibilidade de flutuação na concentração sérica dos mesmos, expondo as pacientes a risco de toxicidade ou, ao contrário, instalação de rejeição por níveis subterapêuticos. Também é prudente monitorar as enzimas hepáticas, particularmente nos primeiros meses após introdução dos contraceptivos orais, para rastrear eventual quadro de colestase(21). Os métodos cirúrgicos definitivos como a laqueadura tubária e a vasectomia são uma ótima opção para os casais que não desejam aumentar a prole.

Outro aspecto importante é que as receptoras de TH devem ser educadas quanto à necessidade de realização periódica de exames para rastreamento de câncer de colo uterino e câncer de mama, visto que a imunossupressão crônica aumenta significativamente o risco de neoplasia maligna.

Evolução e complicações na gestação após transplante hepático O primeiro caso de gravidez após TH foi relatado em 1978 em uma paciente sob uso contínuo de prednisona e azatioprina. O resultado daquela gestação foi o nascimento de um menino saudável com 40,5 semanas de gravidez e pesando 2400 g.

Na época do relato, 12 meses após o nascimento, mãe e criança estavam em excelente saúde(26). A primeira grande série de gestações após TH foi publicada em 1990 pelo grupo da Universidade de Pittsburgh(23). Em 17 receptoras de TH que engravidaram, os principais problemas ocorridos durante a gestação foram hipertensão arterial, anemia e hiperbilirrubinemia. Nenhuma anormalidade congênita ou defeito ao nascimento foi registrado nos recém-nascidos e 15 das 16 crianças, com idade superior a 1 ano, apresentavam desenvolvimento físico e mental normal, sendo que apenas 1 apresentava distúrbio na fala.

Desde então, inúmeras publicações oriundas de diferentes centros relatam a evolução materna e fetal em gestações ocorridas em receptoras de TH1, 2, 3, 4, 5, 7, 10, 12, 13, 15, 17, 19, 25, 27). Com o propósito de compilar e estudar os resultados maternos e fetais de gestações em mulheres receptoras de transplante de órgão sólido, bem como em recém-nascidos cujo pai é transplantado, foi estabelecido em 1991 o "National Transplantation Pregnancy Registry" (NTPR)" na Universidade Thomas Jefferson (Filadélfia, EUA) e que estão disponíveis no endereço eletrônico: http://www.temple.edu/ntpr/. Com base nos dados complicados no NTPR, as gestações após TH são, via de regra, associadas a bons resultados, apesar da maior incidência de algumas complicações materno-fetais (4) No âmbito materno, as complicações mais comuns incluem a instalação de hipertensão arterial e pré-eclâmpsia, as quais afetam preferencialmente pacientes com antecedentes de disfunção renal (creatinina >1,3 mg/dL) ou hipertensão arterial não controlada na época da concepção(5, 11, 14, 18, 21).

Raramente pode haver reativação da infecção pelo citomegalovírus, condição grave por expor a criança ao risco de malformações e doença hepática.

Felizmente os quadros de reativação do citomegalovírus ocorrem nas fases de imunossupressão mais intensa, o que corresponde aos primeiros meses após o transplante. Episódios de rejeição do enxerto durante a gestação são esporadicamente descritos e habitualmente resultam de níveis sub-terapêuticos dos imunossupressores, respondendo prontamente ao aumento da imunossupressão, complementado ou não com pulsoterapia com metilprednisolona(10, 21). Convém lembrar que receptoras de TH que apresentem alteração das enzimas hepáticas durante a gestação devem ser investigadas não apenas para rejeição do enxerto, mas para outras condições como hepatites virais, colelitíase e colestase da gravidez, não havendo contraindicação para a realização de biopsia hepática, se necessário. Os níveis séricos dos imunossupressores devem ser monitorados pelo menos mensalmente, para assegurar que se mantenham no intervalo terapêutico.

Do ponto de vista fetal, a evolução habitual é o nascimento de uma criança saudável sem malformações. Parto prematuro e retardo no crescimento intrauterino são comuns e refletem em parte a maior frequência de hipertensão arterial e pré-eclâmpsia nessa população de mulheres(4, 21). Sofrimento fetal é a maior indicação de cesárea nessas mulheres.

A revisão de literatura mostra 3% de incidência de malformações em crianças de mães transplantadas, o que é comparável à incidência na população em geral(7).

A terapia imunossupressora intraútero parece afetar minimamente a organogênese.

Entretanto, acompanhamento a longo prazo deve ser realizado para determinar se crianças nascidas de mães receptoras de TH têm risco de desenvolver certos distúrbios imunológicos, oncológicos ou metabólicos durante adolescência e idade adulta.

Questiona-se se a doença hepática que motivou o TH poderia ter algum papel no resultado das gestações. Abortos foram mais frequentes em pacientes que tinham cirrose autoimune(7). Mecanismos relacionados à doença, como a presença de anticoagulante lúpico, comum em portadoras de hepatite autoimune, é sabidamente relacionado a abortos em mulheres não-transplantadas, podem ter algum envolvimento(9). Por esta razão, receptoras de TH com antecedentes de doença autoimune devem ser rastreadas para condições como lúpus anticoagulante(7).

Estudos prospectivos randomizados são necessários para definir o papel de citocinas na gravidez e determinar se profilaxias primárias podem ser efetivas.

Existem evidências de que drogas antiagregantes (principalmente ácido acetilsalicílico em baixas doses) previnam pré-eclâmpsia(8). Alguns autores sugerem que o uso de doses baixas de ácido acetilsalicílico (em pacientes com contagem normal de plaquetas) poderia melhorar o resultado de gestações após TH, considerando o risco aumentado de hipertensão arterial, pré-eclâmpsia e abortos(7).

Terapia imunossupressora durante a gestação: escolhas para saúde materna e fetal Um dos grandes avanços responsáveis pelo aumento da sobrevida pós-TH foi o desenvolvimento de drogas imunossupressoras mais potentes e com menos efeitos colaterais, que permitiram a redução da perda dos enxertos por quadros de rejeição. Atualmente a maioria dos centros de TH emprega esquema de imunossupressão baseado no uso do tacrolimus associado à corticoterapia e, eventualmente, drogas antiproliferativas como o micofenolato e o sirolimus. O tacrolimus, considerado hoje a base da imunossupressão pós-TH, apresenta menor impacto na função renal, assim como decréscimo do risco de hiperlipidemia e hipertensão arterial(16). O maior temor entre as gestantes transplantadas é que a medicação imunossupressora possa ter algum efeito negativo sobre os fetos, o que pode levar à conduta equivocada de interromper inadvertidamente o uso de tais drogas. É preciso enfatizar que a manutenção do regime imunossupressor é imprescindível para uma gravidez com sucesso, "o que é bom para a mãe é bom para a criança"(1).

Embora todas as medicações imunossupressoras atravessem a barreira placentária, não evidências que haja aumento na incidência de malformação fetal em RN de mães sob uso de imunossupressores. Os corticosteroides são amplamente utilizados em terapia de imunossupressão, sendo considerados classe B pelo FDA.

Doses aumentadas endovenosas devem ser administradas em pacientes que se encontrem em uso contínuo de tais medicamentos e que serão submetidas a cesariana. É recomendável suplementação com cálcio pelo efeito adverso dos corticosteroides no metabolismo ósseo. Os corticoides não são relacionados a malformações, mas podem favorecer a ruptura prematura de membranas e agravar hipertensão arterial e hiperglicemia maternas(1).

A ciclosporina e o tacrolimus (classe C), conhecidos como inibidores da calcineurina, impedem a síntese da interleucina-1 e 2, têm sua dose ajustada de acordo com o nível sérico. A determinação do nível sérico dessas drogas deve ser realizada pelo menos mensalmente e as gestantes devem ser aconselhadas a evitar medicações que possam alterar os níveis desses imunossupressores (Figura 1). As taxas de malformações com o uso dessas drogas não são diferentes das taxas encontradas da população geral(1).

Embora a azatioprina (classe D) possa levar a um risco maior de anomalias fetais quando usada em doses maiores, não padrão algum de anormalidades descritas. As crianças nascidas de mães que usaram a medicação têm taxas maiores de leucopenia, trombocitopenia e anemia(1).

Em relação aos novos imunossupressores de ação antiproliferativa - micofenolato (classe D) e sirolimus (classe C) -, tais drogas devem ser evitadas, pois a experiência em gestantes é ainda limitada. Publicação recente(24) sobre a evolução da gestação em receptoras de transplante de órgão sólido expostas ao micofenolato mofetil ou sirolimus, com base nas informações enviadas ao NTPR, indica maior incidência de malformações estruturais em crianças expostas ao micofenolato mofetil. Nas sete pacientes transplantadas expostas ao sirolimus na fase da concepção, nas quais o esquema de imunossupressor foi alterado com suspensão imediata do sirolimus, quatro tiveram recém-nascidos saudáveis e três evoluíram com abortamento espontâneo. ROOS et al.(22) publicaram os resultados de estudo experimental no qual identificaram a proteína mTOR (mammalian target of rapamycin), alvo do imunossupressor rapamicina (sirolimus), como sensor de nutrientes na placenta e regulador do transporte placentário de aminoácidos, adaptando o crescimento fetal com a disponibilidade materna de nutrientes. Como o comprometimento do transporte de aminoácidos na placenta pode levar ao crescimento intrauterino restrito, estudos sobre o impacto do uso do sirolimus no crescimento fetal e organogênese são necessários antes que seu uso possa ser considerado seguro em gestantes.

Devido ao uso dos imunossupressores, as pacientes transplantadas têm risco aumentado de infecção. É importante diagnosticar e tratar prontamente qualquer quadro infeccioso, sendo prudente o uso profilático de antibióticos antes de procedimentos invasivos, principalmente amniotomia e episiotomia(1).

Via de parto e aleitamento materno A taxa de cesarianas é aumentada em pacientes com TH prévio. Muitos desses partos cirúrgicos são realizados prematuramente. Mesmo em centros que realizam cesarianas apenas por indicação obstétrica, a taxa é maior que 50%(5). As taxas de cesarianas relatadas no NTPR são semelhantes entre transplantadas tratadas com ciclosporina, Neoral® (ciclosporina em microemulsão) e tacrolimus(3). O parto vaginal deve ser o objetivo de qualquer gestação em paciente transplantada, devendo a cesariana ser reservada às mesmas indicações obstétricas que em qualquer gravidez. Se a cesariana for escolhida, a cirurgia anterior pode dificultar a realização técnica(1).

As drogas imunossupressoras são excretadas no leite humano onde são encontradas nas mesmas quantidades que no soro materno, embora a dose recebida pelo lactente seja geralmente pequena. A maioria dos médicos contraindica a amamentação em mulheres em terapia imunossupressora para evitar qualquer exposição do recém-nascido a medicações tóxicas(1).

Os principais pontos chaves no acompanhamento da gestação em receptoras de TH estão sumariados abaixo: • Toda gestação em receptora de TH é considerada de alto risco e necessita de acompanhamento multidisciplinar especializado.

• A gestação é considerada mais segura após o primeiro ano do transplante em paciente com bom estado geral, função adequada do enxerto, sem evidência de disfunção renal ou hipertensão arterial não controlada e com esquema estável de imunossupressão.

• O esquema de imunossupressão deve ser mantido e os níveis séricos dos imunossupressores devem ser monitorados com frequência. Evitar drogas como micofenolato e sirolimus, que devem ser suspensas se possível 6 semanas antes da concepção.

• Investigar prontamente alterações de enzimas hepáticas, se necessário, com biopsia.

• Episódios de rejeição são raros mas podem ocorrer, inclusive no pós-parto imediato. Portanto, é importante manter monitoramento rigoroso dos níveis de imunossupressão nas primeiras semanas após o parto.

• Rastrear durante toda a gestação e tratar prontamente complicações como diabete, hipertensão arterial, pré-eclâmpsia, retardo do crescimento intrauterino e infecções.

• Parto vaginal é preferível sempre que possível.

• Aleitamento materno não é recomendado.

CONCLUSÃO As gestações após TH são, via de regra, associadas a altas taxas de sucesso e baixos índices de complicações se forem respeitadas algumas condutas. A gestação em receptora de TH deve ser considerada de alto risco e requer acompanhamento pré-natal multidisciplinar com monitorização rigorosa da terapia imunossupressora, da funções renal e do enxerto hepático e diagnóstico e tratamento precoces e adequados de quaisquer complicações. O parto vaginal é preferível sempre que possível e o aleitamento materno não é recomendado com base nos conhecimentos atuais.


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