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variedadeBr
ano2012
fonteScielo

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Transtornos esofágicos Transtornos esofágicos

Peter J. KahrilasI; André J. P. M. SmoutII IDivision of Gastroenterology, Department of Medicine, Feinberg School of Medicine, Northwestern University, Chicago, Illinois, USA IIDepartment of Gastroenterology and Hepatology, Academic Medical Center, Amsterdam, The Netherlands Correspondência

SINTOMAS ESOFÁGICOS Apesar dos avanços em testes de diagnóstico para as doenças gastrointestinais (GI), uma cuidadosa história clínica continua a ser fundamental para a avaliação de um paciente com sintomas gastrointestinais superiores. A maioria dos pacientes que apresentam transtornos esofágicos terá uma doença relativamente leve e não fatal e, em muitos casos, uma história cuidadosamente obtida levará a um tratamento rápido e preciso.

Como alternativa, também é importante identificar os pacientes portadores de uma maior probabilidade de doença subjacente grave para que possam ser investigados e geridos de forma rápida. Como parte da história, os médicos devem inquirir sobre hábitos alimentares do paciente, bem como consumo de fumo e álcool. Alguns indivíduos podem experimentar sintomas apenas quando comem excessivamente, particularmente se feito tão tarde da noite, antes de ir para a cama.

Os principais sintomas esofágicos são quatro, cada um deles associado a um distúrbio funcional de esôfago, sendo: azia, dor no peito, disfagia e globus.

Azia (pirose) Este é o sintoma de origem esofágica encontrado com maior frequência. Azia é caracterizada por um desconforto ou sensação de queimação atrás do esterno que irradia para o epigástrio e pescoço(1). É um sintoma intermitente, mais comumente experimentado dentro de 60 min após refeição, durante o exercício ou enquanto estiver deitado ou reclinado. O desconforto é aliviado com água ou antiácido, mas com freqüência interfere nas atividades habituais. Dada a elevada prevalência do refluxo gastroesofágico (RGE), seu valor preditivo como diagnóstico é alto quando a azia é o sintoma dominante ou exclusivo. A associação é tão forte que, em tais casos, a terapia empírica para DRGE tornou- se uma estratégia aceita na presença deste sintoma(2). No entanto, o termo "azia" é frequente e indevidamente usado e/ou referido como outros termos, tais como "indigestão" ou "regurgitação", obrigando o médico a esclarecer o significado pretendido.

Dor torácica Este é um sintoma de esôfago surpreendentemente comum com características muito semelhantes à dor cardíaca, sendo esta discriminação muito difícil em alguns casos. Dado o potencial de morbidade e mortalidade associadas com a dor cardíaca, convém sempre ter atenção para esta opção antes da esofágica(3). Dor esofágica geralmente é descrita como uma sensação de pressão no meio do peito, irradiando-se para a mandíbula, costas ou braços. A etiologia exata da dor esofágica é desconhecida, mas é demasiado simplista interpretá-la como indicativa de espasmo esofágico ou outra manifestação de uma anormalidade contrátil.

Raramente tais indivíduos objetivamente têm espasmo e nenhuma correlação pode ser estabelecida entre pequenas alterações da contratilidade esofágica e eventos de dor. Mas, provavelmente, as semelhanças com a dor cardíaca resultam do fato de que os dois órgãos compartilham um plexo de nervos e as terminações nervosas da parede esofágica terem pouca capacidade discriminativa entre os estímulos(4).

Distensão esofágica ou mesmo estimulação química (por exemplo, com ácido) será frequentemente percebida como dor torácica(5,6). Na verdade, a DRGE é sua causa mais comum que a dismotilidade esofágica(3).

Disfagia Este sintoma é relatado em algum grau em mais de 30% dos indivíduos com DRGE.

Pode ser causado por estenose péptica, anel de Schatzki, disfunção peristáltica, ou simplesmente pela inflamação da mucosa associada à esofagite.

A disfagia também ocorre na ausência de qualquer anormalidade identificável, caso em que é provável ser resultado de sensibilidade anormal ao movimento de bolus durante o peristaltismo. Disfagia esofágica é frequentemente descrita como uma sensação de comida "abrir" o caminho para baixo ou até mesmo da parada do alimento no tórax por um período prolongado. Distinções importantes são entre disfagia de alimento exclusivamente sólido ao invés de líquidos e sólidos, se é episódica ou disfagia constante e progressiva, ou disfagia não progressiva. A disfagia para líquidos, como também para os alimentos sólidos, sugere uma anormalidade motora do esôfago, como a acalásia(7). Por outro lado, a disfagia a alimentos sólidos exclusivamente é sugestiva de uma anormalidade estrutural como estenose, anel de Schatzki ou tumor e sempre deve ser investigada. Se a disfagia é apenas episódica, sugere um comprometimento leve do lúmen esofágico. Estes indivíduos podem relatar sintomas discrepantes: ou percebem que não impedimento ao trânsito de alimentos ou que estão completamente obstruídos a tal ponto de até mesmo os líquidos voltarem.

Disfagia progressiva para comida sólida é um achado preocupante, especialmente quando em associação à perda de peso, sendo esta a apresentação clássica do câncer de esôfago. A percepção do paciente quanto ao local de parada do alimento no esôfago é grosseiramente imprecisa.

Cerca de 30% das obstruções esofágicas distais são percebidas como disfagia cervical, com frequência induzindo a solicitar uma avaliação de distúrbio de deglutição orofaríngea. Em tais casos, o esôfago pode geralmente ser identificado como o culpado devido à ausência de sintomas concomitantes, geralmente associados à disfagia orofaríngea, tais como aspiração, regurgitação nasofaríngea, tosse, sialorreia ou óbvio comprometimento neuromuscular.

Sensação de Globus Este sintoma, rotulado como alternativa "globus hystericus", é a percepção de um nódulo ou plenitude na garganta sentidos independentemente da deglutição(8).

Na verdade, embora tais pacientes sejam frequentemente encaminhados para uma avaliação da disfagia, a sensação de globus muitas vezes é aliviada pela deglutição. Como está implícito pelo seu outro nome (globus hystericus), a sensação de globus muitas vezes ocorre no cenário de distúrbios de ansiedade ou em obsessivos-compulsivos(9). A experiência clínica ensina que tal sintoma é atribuível à DRGE em uma fração substancial de pacientes, embora essa experiência amplamente não seja refletida na literatura científica(10).

PIROSE RECORRENTE Anamnese Advogada de 34 anos de idade é encaminhada ao gastroenterologista pelo seu médico de atenção primária em razão de sintomas de refluxo "resistente à terapia". Tem sofrido por cerca de 5 anos com episódios diários de pirose que responderam parcialmente ao tratamento com o inibidor de bomba de prótons (IBP), prescrito pelo seu médico de atenção primária. Endoscopia do trato gastrointestinal superior (EGD) realizada 3 anos antes não revelou sinais macroscópicos de esofagite, bem como de hérnia de hiato.

Quando o gastroenterologista obtém a história, fica claro que os episódios de dor retroesternal em queimação (Caixa 1, Figura_1) experimentados pela paciente, duram de 10 minutos a algumas horas, não apresentam relação temporal clara com as refeições e não são dependentes da postura. A paciente não sofre de regurgitação nem de outros tipos de dor no peito. Não disfagia, odinofagia nem outros sinais clínicos de alarme (Caixa 2). O uso de omeprazol 40 mg diariamente (Caixa 3) parece melhorar um pouco os sintomas, mas o resultado é descrito como insatisfatório, mesmo com uma dose de 40 mg duas vezes ao dia (Caixa 4). A paciente solicita tratamento cirúrgico.

O gastroenterologista decide repetir a endoscopia do trato GI superior (Caixa 6), após o período de 2 semanas sem IBP. Na endoscopia não são observadas anormalidades macroscópicas (Caixa 7). Não são obtidas biópsias. São, então, realizadas pHmetria e impedanciometria esofágicas de 24 horas (Caixa 9) após a paciente interromper o omeprazol por 7 dias. A exposição esofágica ao ácido (Caixa 10) encontra-se na faixa normal (tempo com pH<4: ereto 3,2%, supino 0%, total 2,3%). Durante o registro de 24 horas a paciente apresenta seis episódios do sintoma. Nenhum destes episódios é associado temporalmente ao início de um episódio de refluxo, seja ácido ou não-ácido, resultando em uma probabilidade de associação de sintoma (PAS) de 0% (Caixa 12). Antes da colocação do cateter de pH/impedância, foi realizado estudo manométrico para medir a distância do esfíncter esofágico inferior (EEI) para a narina (Caixa 13). Durante este exame foi observada peristalse esofágica normal bem como pressão e relaxamento normal do EEI em repouso (Caixa 14). Conclui-se pelo diagnóstico de pirose funcional (Caixa 16).

DOR TORÁCICA RECORRENTE COM SUSPEITA DE ORIGEM ESOFÁGICA Anamnese Professora aposentada de 72 anos de idade consulta um gastroenterologista, encaminhada pelo cardiologista. Nos últimos 2 anos experimentou vários episódios de dor retroesternal grave, que se irradia para a mandíbula e para o braço esquerdo; algumas vezes também irradiação da dor para a linha média das costas (Caixa 1, Figura_2). Antes do início da dor torácica a paciente raramente apresentou problemas de saúde. O seu apêndice foi removido aos 22 anos de idade e submeteu-se a uma histerectomia aos 52 anos, em razão de fibromas. Não apresenta história familiar relevante de doença gastrointestinal.

A dor no peito ocorre com uma incidência média de dois episódios por semana, com grandes variações na frequência da ocorrência; é descrita como uma sensação opressiva. O início da dor não está claramente relacionado com a ingestão de refeição e não disfagia entre ou durante os episódios. Não pirose, regurgitação nem odinofagia típicos. O início da dor não está claramente relacionado ao exercício ou à postura corporal. O exame físico dos pulmões e da parede torácica é normal (Caixa 2). Em três ocasiões a paciente foi internada na unidade coronariana de um grande hospital geral. Não foi encontrada evidência de isquemia miocárdica nem de infarto em nenhuma das ocasiões. A radiografia do tórax é normal. A angiografia coronariana revelou artérias coronárias normais e o teste de esforço foi normal (Caixas 5 e 6). Antes do encaminhamento ao gastroenterologista, foi feita tentativa terapêutica com omeprazol 40 mg 2 vezes ao dia (Caixa 8). Após 6 semanas deste tratamento, a paciente relatou que a dor no peito continuava ocorrendo (Caixa 9).

O gastroenterologista solicita endoscopia do trato GI superior (Caixa 11) em que é observada junção escamo-colunar normal, posicionada 1 cm proximal à impressão diafragmática (Caixa 12). Neste estágio, o médico decide solicitar exames adicionais: manometria esofágica (Caixa 18), seguida por pHmetria de 24 horas, sem uso de inibidor de bomba de próton (Caixa 14). Estes apresentam peristalse normal, função do EEI normal (Caixa 19) e exposição fisiológica ao ácido (tempo com pH < 4:3,2%) (Caixa 15). Durante o estudo de 24 h não ocorreram episódios de dor no peito. Portanto, não pode ser estabelecida a probabilidade de associação de sintoma (Caixa 17). Conclui-se por diagnóstico de dor torácica funcional com origem esofágica presumida (Caixa 21).

DISFAGIA Anamnese Motorista de ônibus de 44 anos de idade é encaminhado ao gastroenterologista pelo seu médico de atenção primária em função de disfagia para alimentos sólidos e líquidos (Caixa 1, Figura_3). Os sintomas começaram cerca de 1 ano. Inicialmente eram intermitentes e leves, mas nas últimas semanas a percepção do bolo alimentar trancar ao nível médio-torácico é percebida em quase todas as refeições. Não apresenta dor no peito nem odinofagia, nem características de disfagia orofaríngea e o exame físico para causas não esofágicas da disfagia é negativo (Caixa 2). Seu peso corporal tem permanecido constante em 92 kg. O paciente experimenta pirose 1 vez por semana em média.

Breve tentativa terapêutica com um antagonista do receptor H2 iniciada pelo seu médico de atenção primária, eliminou a pirose, mas não melhorou a disfagia. Sua história médica, por outro lado, é normal e o paciente não relata uso de nenhum medicamento. Não história familiar de doença gastrointestinal.

Realizou-se endoscopia do trato GI superior (Caixa 4), excluindo-se esofagite macroscópica ou qualquer lesão orgânica que causasse obstrução esofágica (Caixa 5) e o exame microscópico das biópsias obtidas do esôfago distal, assim como do proximal, mostra que não nenhuma evidência de esofagite eosinofílica ou de outra anormalidade histológica. A deglutição de bário com estimulação com bolo de marshmallow (Caixa 6) não revela lesão estrutural nem comprometimento do trânsito através do esôfago (Caixa 7). Em função da presença de sintomas leves de refluxo (Caixa 9), inicia-se uma tentativa com IBP omeprazol 40 mg duas vezes ao dia (Caixa 10). Isto não resulta em melhora da disfagia do paciente (Caixa 11).

O gastroenterologista então solicita um estudo manométrico do esôfago (Caixa 13), que mostra peristalse esofágica normal, pressão normal do EEI (esfíncter esofágico inferior) e relaxamento normal do EEI após a deglutição (Caixa 14). O monitoramento concomitante da impedância confirma o trânsito completo do bolo em 9 de 10 deglutições, achados que estão dentro da faixa normal. O paciente nega novamente qualquer sintoma cervical (Caixa 16). Conclui-se pelo diagnóstico de disfagia funcional (Caixa 20).

SENSAÇÃO DE BOLO NA GARGANTA Anamnese Empresária de um pequeno negócio, de 30 anos de idade, consulta seu médico de atenção primária (MAP) em razão de sensação de bolo na garganta (Quadro 1, Figura_4). Ela tem apresentado este sintoma de forma intermitente por cerca de 1 ano, mas a intensidade tem aumentado nas últimas semanas. Não nenhum evento desencadeador óbvio. Sua deglutição é normal e sem dor. Não disfagia (Quadro 4) nem odinofagia e ela não apresenta rouquidão nem qualquer outra alteração em sua voz (Quadro 6). O sintoma melhora ao se alimentar. Mesmo assim a paciente tem a impressão de que alguma coisa está parada na sua garganta.

Raramente tem pirose e não perdeu peso. Exceto por isto, a paciente está sadia.

Não fuma e ingere álcool com moderação (Quadro 6). Com exceção de anticoncepcional oral, ela não faz uso de nenhum medicamento.

O MAP examina o pescoço, a garganta e a cavidade oral da paciente e não encontra anormalidades (Caixa 2). Não massas palpáveis, nem linfonodos ou tireoide aumentados. Tem-se a impressão de que a paciente está experimentando alguma ansiedade e verifica se a sensação de bolo está temporalmente relacionada ao estresse, mas a paciente nega esta associação. Convencido de que está lidando com um distúrbio funcional, o MAP explica à paciente que não nada seriamente errado e tenta tranquilizá-la.

Entretanto, 2 semanas mais tarde a paciente consulta novamente o médico em função da continuidade da sensação de bolo. É então, encaminhada a um otorrinolaringologista, pois revendo sua história, tivera exposição substancial a fumo passivo e estava bastante preocupada com isto (Caixa 7). O especialista não encontrou nenhuma anormalidade no exame que incluiu a nasolaringoscopia (Caixa 8). Por existir uma associação entre o globus e o achado endoscópico de mucosa gástrica ectópica no esôfago proximal e o câncer esofágico, a paciente é encaminhada para endoscopia (Caixa 10). Não foram encontradas anormalidades (Caixa 11). Iniciou-se tentativa de tratamento de 6 semanas com IBP em função da presença de alguma pirose (Caixa 14). Isto não resultou em melhora da sensação de bolo (Caixa 15). A paciente é novamente tranquilizada sobre a natureza benigna da sua condição e é feito um diagnóstico de globus(Caixa 17).

CONFLITO DE INTERESSE Garantia do artigo: Rome Foundation.

Contribuições específicas dos autores:Peter J. Kahrilas: conceito e desenho, análise e interpretação dos dados, rascunho do artigo.

André J. P. M. Smout: coautoria.

Apoio financeiro:Financiado com a subvenção da Rome Foundation.

Potenciais conflitos de interesse: Nenhum.


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