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BrBRCVHe0034-71672003000200003

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variedadeBr
ano2003
fonteScielo

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Comunicação não-verbal de pessoas portadoras de ostomias por câncer de intestino PESQUISA

Comunicação não-verbal de pessoas portadoras de ostomias por câncer de intestino

Nonverbal communication of persons bearers of ostomy due to bowel cancer

Comunicación no verbal de personas portadoras de ostomias por cáncer de intestino

Silene Oliveira PaegleI; Maria Júlia Paes da SilvaII IEnfermeira. Mestre pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo IIEnfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Médico- Cirúrgica da EEUSP

1 Introdução Estimou-se que, no ano de 2002, haverá 337.535 casos novos e 122.600 óbitos por câncer, em todo o Brasil. Nos homens, esperava-se 165.895 (49%) casos novos e 66.060 (54%) óbitos, enquanto que, nas mulheres, estimava-se 171.640 (51%) casos e 56.540 (46%) óbitos. A análise da mortalidade mostrou que, em 2002, o câncer de cólon e reto apresentaria 4,10/ 100.000, sendo o terceiro como causa de morte, precedidos do câncer da mama feminina (10,25/100.000), que se mantêm como a primeira causa de morte por câncer entre as mulheres, e pelo câncer de pulmão (5,29/100.000)(1). Ressalta-se que dois terços dos afetados por câncer de colon e reto possuem mais de 50 anos. O processo de reabilitação visa proporcionar a continuidade do tratamento, desenvolver a capacidade de aprendizado e autocuidado, contribuir para o retorno da pessoa às suas atividades, facilitando o ajuste ao novo estilo de vida junto à família e comunidade, numa atitude recíproca(2).

Num recente trabalho sobre a identificação das modificações relatadas por ostomizados ao conviverem com uma ostomia definitiva, observou-se, em dois serviços distintos, porém com uma população semelhante, o relato das seguintes modificações. Na Policlínica II, no âmbito pessoal (68%) seguidas de modificações sociais (52%), profissionais (40%) e familiares (32%) e no Hospital da Clínicas da Unicamp, 80% nos aspectos pessoais, 53% pelas alterações sociais, 53% profissionais e apenas 7% familiares. Dentre as modificações pessoais perda de controle das eliminações, modificações quanto à higiene pessoal e alterações no relacionamento sexual, restrições às atividades de lazer e interação social(3).

A enfermeira pode auxiliar no melhor enfrentamento frente aos ajustes designados pela doença e o tratamento(4). Os grupos de suporte têm sido estabelecidos para facilitar a adaptação das pessoas à nova condição de saúde vivida(5). As pessoas com melhor suporte possuíam escores de qualidade de vida significativamente mais altos em relação aos indivíduos de suporte baixo(6). No Brasil observa-se uma multiplicidade de abordagens, com vistas a oferecer suporte educativo e emocional à clientela(7,8,9), considerando que alguns fatores terapêuticos estão contemplados em abordagens grupais(8). Uma das autoras do presente estudo realizou experiência de dois anos junto a mulheres em tratamento para o câncer de mama, em processo grupal, num Hospital de referência, numa ação integrada com o serviço de Psiquiatria e Psicologia(10), confirmando que o coordenador enfermeiro pode oferecer informações sobre cuidados em saúde que podem facilitar o processo terapêutico.

Nas intervenções em Enfermagem faz-se necessário (re) valorizar os sujeitos, através de seu discurso, de sua presença, de suas ações, de seus gestos e dos seus silêncios. Quando considerado como objeto, o indivíduo subjetivo, como ser passivo, o eu interior, todo conteúdo interno da vida é enfraquecido, desvalorizado e destruído.

1.1 A Comunicação Não-Verbal A comunicação aparece em diferentes formas de interação interpessoal, grupal e social, sendo dinâmica, evoluindo, modificando-se, modificando-nos e modificando aos outros(11).

A fonte do comportamento não-verbal provém de programas neurológicos herdados da espécie humana, experiências comuns a todos desta espécie, de acordo com a cultura, classe social, família e indivíduo(12). Dois terços do significado das mensagens percebidas pelo receptor nas relações interpessoais são de caráter não-verbal(12). A percepção de uma pessoa é influenciada pelo conteúdo verbal (7%), pelo tom de voz (38%) e pela expressão corporal (55%). Na comunicação humana são utilizados o corpo, os artefatos e a disposição dos indivíduos no espaço. Os sinais não-verbais podem ser classificados como: paralinguagem, cinésica, proxêmica, tacêsica, características físicas, fatores ambientais, entre outros(12,13). As funções básicas da comunicação não-verbal são complementares à comunicação verbal, substituir, contradizer e demonstrar sentimentos(13).

Este estudo tem por finalidade compreender, à luz do referencial da comunicação não-verbal, durante a realização de grupo focal, a percepção do processo de adoecimento e repercussões no modo de vida de pessoas estomizadas.

1.2 Objetivo da Pesquisa Descrever e analisar a comunicação não-verbal de pessoas portadoras de ostomias integrantes de um grupo.

2 Material e Método Trata-se de um estudo de campo, exploratório, descritivo, observacional, interativo e transversal. Foi realizado num Hospital-Escola de caráter público que possui cerca de 308 leitos de internação.

A população foi composta por 5 pessoas portadoras de ostomias, por câncer de Intestino. Estas foram reunidas em grupo, coordenado pela enfermeira- pesquisadora e Enfermeira Estomaterapeuta - ET, do serviço. Definiu-se o Grupo Focal ou Grupo de Discussão para verificar as opiniões, relevâncias e valores dos entrevistados; essa estratégia é utilizada para complementar informações sobre conhecimentos peculiares a um grupo em relação a suas crenças, atitudes e percepções(14).

O Projeto de Pesquisa foi encaminhado à Comissão de Ética e Ensino e Pesquisa do Hospital e após sua aprovação, realizou-se contato com enfermeira estomaterapeuta para utilizar o Livro de Registro dos estomizados atendidos e identificar a população alvo, emitindo-se a carta-convite. Foram postadas 20 cartas, havendo retorno de 15 pessoas por telefone e destas, apenas 6 compareceram à entrevista. Os motivos de não comparecimento foram mudança de endereço para o interior do Estado, o estado de saúde debilitado dos pacientes e morte. Na entrevista individual, para esclarecer os termos da pesquisa e estabelecer o primeiro contato com a pesquisadora, foi distribuído o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, explicitando o objetivo e técnica de coleta de dados e, em anexo, o Programa dos Encontros cujos temas foram: (1) Eu antes do adoecimento; (2) Eu doente e o tratamento; (3) Eu me recuperando com uma ostomia; (4) Eu e minha vida cotidiana; (5) Eu neste grupo. A coleta de dados foi realizada em outubro e novembro de 2001, com um grupo de cinco pacientes, o qual se reuniu durante cinco semanas consecutivas, sendo cada encontro com duração de 1 hora e meia. Os dados foram coletados através de gravações em vídeo, durante a realização dos encontros, e registro em diário de campo.

Houve a análise das gravações em vídeo à luz do referencial da comunicação não- verbal(12).

3 Resultados e Discussão 3.1 Perfil geral dos participantes O grupo se caracterizou por 5 pessoas estomizadas após câncer de intestino, sendo 3 mulheres e 2 homens, com idade variando entre 50 e 78 anos, operados com intervalos variando de 8 meses a 6 anos, apresentavam doenças associadas como: cardiopatia (2); diabetes (1), hipertensão (1). Quanto ao estado civil eram casados (2), separados (2) e viúvo (1), todos possuíam filhos.

Escolaridade: analfabetos (2), primeiro grau (2), segundo grau (1). Ocupação: aposentados (2), as mulheres caracterizavam-se como do lar (2), ex-trabalhadora do campo (1).

3.2 Descrição geral dos encontros Os participantes sentaram-se próximos, numa distância íntima, devido ao fato da sala ser pequena. Os acessórios, como bolsa e casaco, eram colocados numa cadeira à parte, e observou-se que a proximidade entre os participantes provocou distorções na dinâmica das relações humanas e na expressão espontânea das pessoas. Explicitou-se tensão e ansiedade entendidas como uma reação à situação nova, favorecida pelo ambiente físico e por características subjetivas dos participantes. A presença da ET, cuja função seria garantir a confiabilidade na proposta em função do convívio prévio nas ações de cuidar, ocorreu apenas no e encontros, gerando insegurança para os pacientes.

Em todos os encontros observou-se um tempo médio de seis minutos para iniciar a discussão do tema proposto, havendo o que denominamos de aquecimento prévio, no qual falava-se de assuntos aleatórios. Quanto à abstenção, houve uma falta no segundo e terceiro encontros, de pessoas diferentes, justificada por problemas crônicos agudizados em sua saúde. No encontro eu antes do adoecimento, houve uma tendência a falar da história diagnóstica, detalhando os sinais e sintomas que culminaram com a internação e cirurgia, havendo um predomínio de gestos ilustradores. A coordenadora tentou resgatar a história de vida anterior ao adoecimento, gerando referências ao trabalho e família. Por serem idosos, apresentavam uma diminuição ou cessação da atividade trabalhista, no momento da descoberta da doença; no tocante a vida familiar, explicitou-se um empobrecimento frente à vida afetiva e pouco dinâmica, como se a doença fosse o acontecimento de maior relevância.

3.3 Aspectos gerais da comunicação não-verbal 3.3.1 Espaço pessoal e territoriedade Trataremos agora de aspectos gerais da comunicação não-verbal como o espaço pessoal e a territoriedade que ao serem invadidos provocou reações como afastamento, mudança na orientação do corpo e interposição de barreiras com braços e pernas. O espaço pessoal varia com o tipo de relação que está sendo mantida, referente às características pessoais e culturais(12).

Conceitualmente, a territoriedade refere-se a área que o indivíduo reivindica como sua, servindo a quatro funções básicas: segurança, privacidade, autonomia e identidade pessoal(12,13). É sabido que quando estamos num lugar pequeno, como foi o caso da sala de encontro, aumentamos a distância psicológica.

Inconscientemente, desumanizamos, olhamos menos, diminuímos os movimentos corporais e falamos pouco(12,13). Na distância íntima, as defesas possíveis apresentadas por falta de escolha são: imobilidade, olhos no infinito, músculos tensos(12,13).

3.3.2 A gestualidade Foram observados gestos emblemáticoscomo bater o , denotando impaciência, raiva; o tamborilar os dedos, mãos ou dedos cerrados, o roer as unhas, explicitando ansiedade expressos, por exemplo, quando um dos participantes monopolizava a fala, deixando os outros refém de sua logorrréia, ou quando algum tema ameaçador era evidenciado, como a questão do momento diagnóstico, ou dos diferentes aspectos do cuidado da ostomia, tema do terceiro encontro (12,13). Concomitante, acompanharam as falas os gestos ilustradores, os quais são aprendidos por imitação, como por exemplo representar com as mãos a "saída" de sangue. Houve a presença dos reguladores, os quais regulam e mantêm a comunicação, sugerindo ao receptor que continue, repita, elabore, oportunidade a outro de falar, presente na postura da coordenadora, nos meneios positivos de cabeça, reforçando a continuidade da fala do outro, direcionando e estimulando. nos participantes foi observado, em diferentes encontros, o desvio do olhar, presente quando um contava sobre sua experiência individual de forma prolixa ou expressava algo desagradável, como a palavra câncer.

Verificou-se ainda a presença dos gestos adaptadores, sendo definidos como partes do nosso corpo usado para compensar sentimentos como insegurança, ansiedade e tensão ao roer as unhas, mexer no cabelo ou manipular objetos (12,13).

3.3.3 A expressão facial No tocante aos sinais faciais, podemos dizer que os rostos expressaram as emoções puras como a alegria, ao levantar as pálpebras, sorrir com o olhar brilhante, levantando a bochecha com fechamento do olho e levantamento da boca, expressão que apareceu em alguns momentos de descontração do grupo, particularmente presentes no quarto encontro, quando um dos participantes fala sobre o retorno às atividades na academia, à dança(12,13).

A raiva - representada pela testa enrugada verticalmente, pela junção das sobrancelhas, olhos fechados e tensos ou abertos e firmes, boca tensa, mandíbula cerrada, pupila contraída - foi esboçada mais comumente por três participantes, quando relataram sobre os cuidados com a ostomia, o escape de gases promovendo rompimento da conexão entre a placa aderida ao corpo e a bolsa coletora ou reverberação de ruídos indesejáveis, causando constrangimentos sociais e a necessidade de viver com o equipamento de contenção dos efluentes fecais por toda a vida.

A expressão de nojo, demonstrada por meio do lábio superior levantado acompanhado do lábio inferior e sobrancelha acentuada, apareceu durante as falas de três participantes, ao lembrarem da limpeza da ostomia, ou quando uma delas mostrou o dedo do quebrado, retirando seu sapato e expondo seus pés nús aos demais participantes.

O desprezo - expresso por meio de lábio superior com um dos cantos levantados e olhar de cima para baixo - esteve presente na imagem de uma das mulheres, a mais jovem, mais instruída e de melhor condição socio-econômica, ao desviar o olhar frente à explicação evasiva da coordenadora do grupo, referente à questão de cunho ético na busca de confirmação do câncer de um dos participantes, o qual afirmava ter retocolite ulcerativae ter sido encaminhado para realizar quimioterapia após tratamento cirúrgico.

A ansiedade, observada ao mordiscarem os lábios ou cutículas, foi bastante realçada pela proximidade corporal. Observou-se a lembrança de momentos dolorosos e incômodos - através dos olhos fechados, rugas na testa, lábios comprimidos, rigidez facial, comissura labial voltada para baixo - ao contarem sobre o momento diagnóstico na realização dos exames pré-operatórios.

Foram observados raros momentos de interesse demonstrados por meio da expressão facial; um deles em duas participantes em relação a um terceiro nos dois últimos encontros, quando olharam com maior interesse e voltaram o corpo para prestarem mais atenção à instigante fala referente à academia, a dança, ao relembrarem uma época de maior vitalidade física. No entanto, esta postura não foi dominante, explicitando o pouco envolvimento dos participantes que, quando muito, permaneciam respeitosamente em silêncio, particularmente nos momentos em que a coordenadora dava alguma explicação teórica referente ao tema do dia.

A vergonha, representada pelo ato de abaixar os olhos, mudar o foco do olhar, com leve protusão da língua e observação através dos cílios, apareceu na imagem de uma participante, principalmente quando contava do exame coloproctológico, na fase diagnóstica, quando teve que ficar nua no centro cirúrgico.

3.3.4 Características pessoais As características pessoais, como as vestimentas, possuem função física e psicológica, servindo como instrumento de atração sexual, auto-afirmação, autonegação, ocultamento, identificação grupal e exibição de status. Verificou- se que as mulheres utilizaram saia ou vestido apropriados a sua idade e condição física, uma vez que é orientado aos estomizados a utilização de roupas confortáveis. Nos homens, chamou a atenção um dos participantes. Ele usou boné em todos os encontros, roupas brancas ou em tons claros e jaqueta jeans forrada. O boné é conhecido como símbolo de jovialidade, as roubas confundiam- se com a dos profissionais de saúde e, por estar muito calor, a jaqueta esboçava um status de bem vestido. Evidenciou-se sua preocupação com a aparência, associado ao retorno à academia para danças e encontros sociais e, ao relato feito no decorrer das reuniões, de que tivera três mulheres e que "desperdiçara" a vida, por causa da "vaidade", do mau comportamento, como se naquele momento sentisse que recebera uma punição, expressando uma reflexão carregada de julgamento moral.

4 Considerações Finais Considera-se que a descrição e análise da comunicação não-verbal fora realizada atendendo ao objetivo proposto. As expressões faciais expressaram a situação de desconforto vivenciada pelos participantes, sem que fosse possível uma discriminação significativa referente aos temas. Vale destacar que, neste estudo, evidenciou-se uma gestualidade defensiva e de descarga tensional, prioritariamente, decorrente da conformação física determinada pelo espaço oferecido e por características de seus participantes. A estratégia de atendimento em grupo, com roteiro temático, pode ser considerada um fator que interferiu na comunicação, uma vez que foi direcionado o conteúdo do discurso dos sujeitos e determinado uma maior exposição de cada um no espaço grupal. O estudo esclarece o quanto a leitura da comunicação não-verbal possibilita uma maior aproximação da compreensão do universo dos sujeitos, durante a interação no processo grupal, dentro de um recorte de pesquisa num espaço institucional.

Ressaltamos que é através do sofrimento impresso no corpo que eles buscam nossa ajuda nos serviços hospitalares.


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