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BrBRCVHe0034-71672003000200011

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variedadeBr
ano2003
fonteScielo

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Subnotificação de acidentes com perfurocortantes na enfermagem PESQUISA

Subnotificação de acidentes com perfurocortantes na enfermagem

Underreporting of accidents with cutting and piercing objects in nursing

Subnotificación de accidentes con perfurocortantes en enfermería

Maria Helena Palucci Marziale Enfermeira. Professor Livre-Docente da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/ USP

1 Introdução As lesões percutâneas causadas por acidentes do trabalho devido a manipulação de material perfurocortante é considerado um sério problema nos Estados Unidos, por atingir aproximadamente 10 milhões de profissionais da área da saúde e, pela possibilidade de transmissão ocupacional de patógenos veiculados pelo sangue como o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), Vírus da Hepatite B (HBV) e o Vírus da Hepatite C (HCV). Em adição, as conseqüências fisiológicas desses acidentes, podem acarretar severos problemas emocionais aos trabalhadores devido à possibilidade de contaminação por vírus causadores de patologias letais e, envoltas em preconceitos, como a AIDS(1).

Os dados mais recentes(2) indicam que o risco de infecção pós-exposição ocupacional com material perfurocortante é de 0,25% a 0,4% para o vírus HIV, 6% a 30% para o vírus HBV e 0,4% a 1,8% para o vírus HCV.

De acordo com o Center for Disease Control and prevention- CDC, aproximadamente 384.000 injúrias percutâneas ocorrem anualmente nos hospitais americanos, sendo que 236.000 dessas injúrias são resultantes de acidentes com material perfurocortante(1).

Diante dessa situação, foi criada, naquele país, uma lei federal (Needlestick Safety and Prevention Act) com vistas a prevenir a ocorrência de tais acidentes e esforços foram empreendidos junto aos trabalhadores, aos hospitais e indústrias para minimizar esses acidentes(3).

Um sistema padronizado de registro, o Exposure Prevention Information Network ' EPINet, foi criado por pesquisadores da Universidade de Virgínia e atualmente é usado por hospitais e instituições de saúde para notificar como as exposições ocupacionais ocorrem e a eficiência das medidas preventivas adotadas(4).

O CDC e os hospitais americanos desenvolveram planos pós-exposição ocupacional a sangue e fluidos corpóreos que envolvem notificação, avaliação e tratamento do trabalhador, a fim de planejar estratégias, elaborar estimativas e avaliar as condutas a serem adotadas para redução dos acidentes(4).

A notificação do acidente é extremamente importante para o planejamento de estratégias preventivas, além disso, ela é um recurso que assegura ao trabalhador o direito de receber avaliação médica especializada, tratamento adequado e benefícios trabalhistas.

A subnotificação da exposição ocupacional a doenças infecciosas é uma grande barreira para entender os riscos e os fatores associados com a exposição ocupacional a sangue e fluidos corpóreos(5).

No Brasil, embora o risco de acidentes dessa natureza estejam presentes nas atividades dos profissionais de saúde, principalmente entre trabalhadores de enfermagem, do grande número de pacientes portadores dos vírus HIV, HBV e HCV e das más condições de trabalho oferecidas por muitos hospitais, é observada a inexistência de dados sistematizados sobre a ocorrência dos acidentes com material pérfurocortante que permitam conhecer a real magnitude do problema.

Outro fator que dificulta conhecer a realidade brasileira, é a falta da cultura para a notificação do acidente do trabalho.

Embora o número de pesquisas abordando o referido problema tenha aumentado na última década, as investigações, na maioria das vezes, retratam a realidade de alguns hospitais ou de algumas regiões do país. Dentre as pesquisas realizadas destacamos estudos(6-10) que revelam os fatores associados a ocorrência de inoculações acidentais entre trabalhadores da área da saúde.

Os resultados das pesquisas têm sido imprescindíveis para as mudanças das práticas de trabalho. As pesquisas têm alertado para a necessidade de conscientização dos trabalhadores, administradores e instituições para com os riscos da exposição ocupacional a sangue e fluidos corpóreos veiculadores de patógenos que causam infecção e a necessidade de incentivar sua notificação.

Notificar um acidente do trabalho significa registrá-lo no protocolo de Comunicação de Acidente de Trabalho ' CAT, o referido protocolo é disponibilizado através de via impressa e eletrônica. O empregador é obrigado a comunicar a Previdência Social a ocorrência do acidente de trabalho(11). A notificação deve ser feita até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e de imediato à autoridade policial competente em caso de acidente fatal. No caso de falta de comunicação, por parte da empresa, poderão emitir a CAT o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, não havendo neste caso limite de prazo para a notificação(12).

As estatísticas dos acidentes do trabalho são importantes fontes de informação para programas que visam tornar as práticas de trabalho mais seguras. O sub- registro dos acidentes, por sua vez, tem aumentado nos momentos de recessão econômica devido, entre outros aspectos, ao medo do trabalhador de perder seu emprego(13).

A referida autora, ao estudar as causas de subnotificação de acidentes do trabalho entre o pessoal de enfermagem, constatou dentre os motivos alegados pelos trabalhadores o desconhecimento dos reais riscos causados pelo acidente e da necessidade da realização da notificação.

O sistema de registros dos acidentes do trabalho no Brasil precisa ser modificado com vistas às dificuldades relacionadas à qualidade e quantidade de informações disponibilizadas no protocolo usado(14). A autora considera que esse fato que possa estar contribuindo, de forma efetiva, para a subnotificação de acidentes do trabalho em nosso país.

Estudando os fatores associados à ocorrência dos acidentes de trabalho com material perfurocortante temos constatado que múltiplos fatores podem estar associados. No entanto, dentre os principais fatores estão os relacionados a inadequações da organização do trabalho, das práticas de trabalho adotadas, dos materiais disponíveis e fatores pessoais. Temos observado o registro de um pequeno número de acidentes, fato que nos leva a considerar a hipótese de subnotificação das inoculações acidentais, quando relacionado ao grande volume de manipulação de agulhas e catéteres intravenosos efetuada pelos profissionais de enfermagem na execução de suas atividades (10).

Em estudorealizado em quatro hospitais da região de Ribeirão Preto/SP, constatamos que na população composta por 1662 trabalhadores de enfermagem foram registrados 46 acidentes do trabalho com perfurocortante, o que corresponde a ocorrência anual de apenas 2,70%(15). Diante desta situação nos motivamos a realizar este estudo.

2 Objetivos - Identificar os acidentes de trabalho ocorridos, entre os trabalhadores de enfermagem, nos últimos três anos e os ocasionados por material perfurocortante; - Identificar se os acidentes ocorridos com material perfurocortante foram ou não notificados; - Levantar os motivos que levaram os trabalhadores a notificar ou não os acidentes de trabalho com material perfurocortante; - Levantar as facilidades e dificuldades encontradas pelos trabalhadores para notificação do acidente do trabalho nos hospitais estudados.

3 Material e método Pesquisa de campo de caráter descritivo e análise quantitativa dos dados.

3.1 Local O estudo foi realizado em dois hospitais da região de Ribeirão Preto ' São Paulo: - Hospital A: Hospital Universitário da cidade de Ribeirão Preto com 3900 trabalhadores, sendo 1166 pertencentes à equipe de enfermagem. Hospital selecionado para a pesquisa por ter sido identificado no estudo anterior (15) como o local de menor ocorrência de acidentes de trabalho com material perfurocortante. A seleção se deu com vistas à hipótese de subnotificação dos acidentes.

- Hospital B: Hospital Filantrópico de Sertãozinho com 240 trabalhadores, sendo 146 deles pertencentes à equipe de enfermagem. Selecionado por ter sido o hospital com a maior ocorrência de acidentes do trabalho com material perfurocortante notificados em 1999.

3.2 População/Amostra A população foi constituída pelos trabalhadores de enfermagem dos hospitais A e B (n=1.312). A amostra foi composta por 350 trabalhadores de enfermagem do hospital A e 44 trabalhadores de enfermagem do hospital B, totalizado 394 sujeitos. O critério de inclusão utilizado considerou a amostragem de 30% do total de trabalhadores lotados nas unidades de internação dos dois hospitais e o critério de exclusão eliminou os trabalhadores que estavam de férias, licenças e aqueles que não consentiram em participar da pesquisa.

3.3 Coleta de dados Os dados foram coletados através de entrevistas estruturadas efetuadas no próprio local de trabalho por duas graduadas em enfermagem, previamente treinadas.

Para nortear as entrevistas foi utilizado um protocolo de coleta de dados construído pelas autoras. O referido protocolo foi submetido a apreciação de três enfermeiros pesquisadores especialistas na área e considerado adequado quanto à objetividade, clareza e conteúdo.

As entrevistadoras foram treinadas para a aplicação do protocolo através da realização de um teste-piloto, no qual foram entrevistados 10 trabalhadores da Maternidade dos dois hospitais. Os dados foram coletados no período de janeiro a junho de 2002 nos turnos da manhã, tarde e noite.

3. 4 Aspectos éticos O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.

4 Resultados e Discussão Inicialmente apresentamos informações relativas às rotinas de notificação nos hospitais estudados. Tais informações foram obtidas junto a direção dos hospitais quando da solicitação de permissão para realização da pesquisa.

A notificação do acidente de trabalho no hospital A é efetuada no Serviço Especializado de Segurança e Medicina do Trabalho ' SESMT, onde é preenchida a CAT e feito o encaminhamento a Unidade Especializada de Tratamento de Doenças Infecciosas - UETDI dos casos de exposição ocupacional a sangue e fluídos corpóreos. A referida unidade também é responsável pelo atendimento e avaliação dos trabalhadores acidentados com material perfurocortante ocorridos nos hospitais da região de Ribeirão Preto ' SP.

A notificação do acidente com material perfurocortante é feita no período noturno, feriados e finais de semana na própria UETDI, devido ao não funcionamento do SESMT nos referidos períodos.

No hospital B o preenchimento da CAT é feito pela enfermeira da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar ou pela enfermeira supervisora que estiver no plantão. Em casos de inoculações acidentais o trabalhador é encaminhado para a UETDI do hospital A.

O trabalhadores dos dois hospitais estudados possuíam, com maior freqüência (39%), tempo de serviço inferior a 6 anos e em relação aos horários de trabalho foi constatado que 23,45% dos trabalhadores do hospital A e 52,28% do hospital B possuíam esquema de trabalho em turno fixo e 76,55% trabalhadores no hospital A e 47,72% trabalhadores no hospital B em turnos alternantes.

Devido aos baixos salários recebidos é comum encontrarmos trabalhadores de enfermagem que possuem mais de um emprego. Neste estudo foi constatado que 43 (12,28%) trabalhadores do hospital A e 10 (22,70%) trabalhadores do hospital B possuíam outro emprego o que aumenta sua exposição aos riscos ocupacionais e a sobrecarga de trabalho.

Durante o período estudado 197 trabalhadores de enfermagem relataram terem sido acometidos por acidentes de trabalho nos hospitais sendo que, 175 trabalhadores acidentados (do hospital A) relataram ter sofrido 336 episódios de acidentes e 22 trabalhadores acidentados (do hospital B) relataram ter sofrido 35 acidentes o que demonstram que o mesmo trabalhador pode ter sofrido mais que um acidente.

Dos 336 acidentes relatados pelos trabalhadores do Hospital A, 243 (72,32%) acidentes foram notificados e 93 (27,68%) não notificados. No hospital B dos 35 acidentes, 21 (60%) foram notificados e 14 (40%) não notificados. Os resultados revelam que os trabalhadores de enfermagem possuem condutas diferentes diante da ocorrência de cada acidente.

Apesar de legalmente obrigatória a notificação dos acidentes de trabalho, na prática, está sujeita a subnotificação, devido ao sistema de informação usado e a concepção fragmentada das relações saúde e trabalho(10). Outro fator que tem contribuído para a subnotificação especificamente, das injúrias percutâneas, pelos trabalhadores de enfermagem está relacionada à falta de importância atribuída pelos próprios trabalhadores às pequenas lesões causadas pelas agulhas(16).

Dos 336 relatados pelos trabalhadores do Hospital A, 242 (72,02%) acidentes foram ocasionados por material perfurocortante e desses, 150 (61,98%) foram notificados e 92 (38,02%) não. Dos 35 acidentes relatados pelos trabalhadores do Hospital B 30 (85,72%) foram ocasionados por material perfurocortante desses, 18 (60,00%) foram notificados e 12 (40,00%) não.

Os dados demonstram que embora os hospitais apresentem estruturas diferentes, seus trabalhadores enfrentam numerosos episódios de inoculações acidentais, o que corrobora com dados da literatura que apontam inúmeros fatores associados à ocorrência dos acidentes, em especial, a forma de organização de trabalho e disponibilidade de Equipamento de Proteção Individual, dispositivos de segurança e educação em serviço(8).

Dentre o motivo alegado com maior freqüência pelos trabalhadores dos hospitais A e B para notificar o acidente estava relacionado à percepção que o trabalhador tem de que a notificação oferece proteção se ele adoecer (29,7) e, para não notificar o acidente destaca-se o julgamento feito pelo trabalhador da não necessidade do registro (32,70%) e o desconhecimento do risco de contrair doenças (24,04%).

Devido à falta de informações muitos trabalhadores se consideram culpados pela ocorrência do acidente, no entanto, estudos mostram as questões de ordem pessoal como: desatenção, pressa e despreparo estão na maioria das vezes associados a fatores provenientes das condições de trabalho oferecidas(10).

Os resultados indicaram que 27,92% dos trabalhadores não referiram facilidades para notificar o acidente. Os fatores considerados facilitadores estão relacionados, principalmente, ao fato da notificação ser feita no próprio hospital e a rapidez do procedimento.

Como pode ser constatado na tabela_4, vários motivos foram descritos como dificuldades para notificar os acidentes, entre eles as dificuldades burocráticas do sistema de notificação, na forma de atendimento dos trabalhadores, tanto para preenchimento da CAT como para avaliação especializada, além de dificuldades pessoais dos trabalhadores.

Devido à falta de conhecimento do trabalhador em saber os riscos a que está exposto, no ambiente de trabalho e a culpabilidade da ocorrência que o trabalhador se auto-atribui, foram aspectos relatados pelos trabalhadores. No entanto, são inúmeros os fatores que podem estar associados à ocorrência de acidentes percutâneos entre os quais grande manipulação de agulhas, sobrecarga de atividades, o estresse, a pressa, comportamento agressivo de pacientes, urgências, falta de programas de capacitação do pessoal, disposição e inadequação das caixas de descarte do material, não oferta de equipamentos de segurança, desconsideração às precauções padrão, desconhecimento do risco de infecção e reencape ativo de agulhas e o não oferecimento de material com agulhas retráteis e seguras devem ser considerados em conjunto, quando da investigação do motivo do acidente (17,18).

6 Conclusões Foram investigadas possíveis subnotificações de acidentes de trabalho em dois hospitais de estrutura técnico-administrativa diferentes da região de Ribeirão Preto-SP. Os resultados obtidos nos permitiu concluir que a subnotificação de inoculações acidentais ocorreu na ordem de 37,55% nos dois hospitais, alertando para a necessidade de adoção de medidas preventivas à ocorrência do problema e, incentivo às notificações.

Embora se constitua uma prática legalmente exigida, foi constatado que muitos trabalhadores apresentam déficit de informações sobre a obrigatoriedade e a importância do registro do acidente, pois, através do número de ocorrência se torna possível diagnosticar a gravidade do problema e planejar medidas específicas de prevenção a população trabalhadora da instituição em cada ambiente de trabalho.

Dentre os motivos referidos pelos trabalhadores que os levaram a não notificar os acidentes figuraram além da falta de conhecimento sobre o risco de contaminação (24,04%) e a falta de informações sobre a necessidade ou forma de registro (18,27%), o medo de demissão ou repreensão pela chefia (6,72%).

Destacamos ainda, que 32,70% dos trabalhadores acidentados julgaram ingenuamente não ser necessário a notificação, fato que pode estar relacionado a crença de que não seria atingido pela infecção. Salientamos que todos os acidentes com material perfurocortante devem ser notificados e cabe ao médico especialista avaliar a necessidade de realização de exames laboratoriais e o tratamento preventivo com antiretrovirais.

A pesquisa ora realizada mostra que maior atenção deva ser voltada às questões das inoculações acidentais nos hospitais, haja vista sua ocorrência e a falta atenção direcionada pelas instituições e órgãos governamentais a essa questão.

Cabe lembrar que nos Estados Unidos existe uma legislação específica, visando a prevenção de tais acidentes e, em nosso país não conseguimos conhecer a real magnitude do problema existente.

Consideramos necessário agregar programas educativos à aquisição de material de segurança, adequação da organização do trabalho e ao incentivo à notificação para controlar e prevenir as inoculações acidentais entre os trabalhadores de enfermagem.


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