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BrBRCVHe0034-71672003000300020

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variedadeBr
ano2003
fonteScielo

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"Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil": um documento da década de 50 do século XX

1 Considerações iniciais Em nossa atividade docente temos constatado que o estudo que nome a este artigo não é conhecido por muitas enfermeiras e mesmo por docentes de enfermagem. Próximo de completar cinqüenta anos de existência, este documento é um valioso testemunho dos valores e práticas de pesquisa da Enfermagem brasileira da época. Sua posterior repercussão até hoje se faz sentir quando se observa, por exemplo, a disponibilização de dados censitários nos sites das entidades de classe e a preocupação dos órgãos governamentais responsáveis pelo planejamento em saúde com a distribuição quali-quantitativa dos profissionais de enfermagem.

Na década de 50, quando o documento foi produzido, as informações sobre enfermeiros brasileiros dependia em grande parte dos dados armazenados na única entidade de classe existente - Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas (ABED), mais tarde denominada Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn). O veículo de divulgação à época - Revista Annaes da Enfermagem, noticiava principalmente os fatos que envolviam a agremiação, e apresentava artigos de revisão e de opinião de enfermeiras e outros profissionais da saúde. Em 1955, esta revista passou a se intitular Revista Brasileira de Enfermagem e, no seu papel de disseminador de relatórios de pesquisas, manteve este pioneirismo até quando começaram a serem editadas outras revistas de enfermagem, como a Revista da Escola de Enfermagem da USP, em 1967 e a Revista Gaúcha de Enfermagem, em 1976, dentre outras, até hoje em circulação.

Assim, um estudo de tal porte, realizado em condições excepcionais, viria marcar, pela sua significância, a História da Enfermagem brasileira não na época em que foi feito, como posteriormente. Nesse particular, destaca-se o arrojo da entidade promotora considerando: o reduzido número de enfermeiras "diplomadas" no país e, portanto, de associadas, a busca e conquista de financiamento internacional, o número de profissionais que mobilizou para sua execução, a abrangência do objeto de estudo, a correção do tratamento metodológico e as implicações do produto para as políticas de Saúde e Educação.

2 O documento A elaboração do estudo iniciou-se em 1955, provavelmente com o objetivo de favorecer o desenvolvimento da Enfermagem e controlar o exercício da profissão, entre outros motivos porque, na época, em decorrência do conflito mundial encerrado na década anterior, situações de excepcionalidade econômica e política em outros países provocava a imigração de enfermeiros estrangeiros para o Brasil. Registre-se ainda que um levantamento de dados preliminar, de âmbito restrito, fora divulgado em 1950, mas anos mais tarde foi constituída uma comissão para concretizar esse intento(1).

É possível inferir ainda que a realização do mesmo tenha sofrido forte influência de trabalhos de mesma natureza, realizados nos Estados Unidos, como o traduzido para o português em 1945(2). Além disso, a busca do financiamento pela Comissão de Intercâmbio Cultural e Profissional da ABED, acabou por resultar na conquista do apoio das fundações W. K. Kellogg e Rockfeller, ambas americanas. Ainda contou com a colaboração técnica da Oficina Sanitária Pan- Americana (OPAS), o que resultou na constituição de um centro de pesquisa que elaborou o projeto, recrutou e treinou os enfermeiros entrevistadores.

Os dados foram colhidos a partir de 1956 e o relatório final do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil foi organizado em cinco partes, como se relatará a seguir.

A primeira - "Enfermeiros em atividade e inativos" apresenta o quantitativo de profissionais, sua distribuição nos postos de trabalho no campo hospitalar, de saúde pública e de ensino, e as causas de satisfação e insatisfação com as condições de trabalho. O texto aponta o interesse dos afastados em voltar a trabalhar em tempo parcial e inclui recomendações para estudos sobre satisfação e insatisfação no trabalho, indicando, como um atrativo para esses profissionais, a facilidade para atualização e formação no nível de pós- graduação.

A segunda - "Enfermagem Hospitalar", contém informações sobre os estabelecimentos hospitalares, a organização do Serviço de Enfermagem nessas instituições, a implementação de Educação em Serviço e o Treinamento de Atendentes de Enfermagem. Naqueles tempos, o quantitativo de profissionais de enfermagem era limitado, utilizando-se a prática de treinar leigos, em serviço, nos próprios hospitais, para a execução de tarefas elementares. Chama a atenção ainda, a existência, na época, da diminuta relação de pessoal de enfermagem / leito, apontada pelas relatoras como conseqüência do desconhecimento pela população, dos direitos à assistência de enfermagem de qualidade, conceito até hoje valorizado.

A terceira parte - "Enfermagem em Saúde Publica" aborda a distribuição nos serviços federais, estaduais e nos chamados centros de saúde. Nas recomendações desse capítulo, observa-se a prescrição de capacitação dos enfermeiros para o trabalho com grupos de clientes. interessantes comentários sobre uma categoria profissional com quem houve disputa no campo de atuação - a visitadora sanitária.

A quarta parte - "Escolas e Cursos de Auxiliar de Enfermagem", aponta a distribuição geográfica das instituições de ensino e a composição dos corpos docente e discente. Os reparos a serem feitos no currículo de formação do auxiliar de enfermagem são indicados pelas autoras, e foi feita uma crítica à ausência de interesse do Ministério da Educação e Cultura nesse tipo de ensino.

Evidentemente, não houve comentários sobre o técnico de enfermagem uma vez que a questão passou a freqüentar as discussões da classe nos anos 60.

Finalmente, a quinta parte - "Escolas de Enfermagem" caracteriza os estabelecimentos, suas instalações, os corpos discente e docente e os aspectos financeiros. Quando o estudo foi realizado, havia 33 escolas de formação de enfermeiros, com maioria na região sudeste. O nível de detalhamento do estudo abrange as instalações e chega à indicação do número de exemplares de livros didáticos nas bibliotecas, dentre outras preciosidades.

A apreciação do estudo não se restringe à descrição da realidade observada, mas deve se estender para a proposição das etapas da investigação, detalhadas no próprio documento, numa demonstração do pioneirismo e rigor adotados no seu planejamento e realização. Assim, pode-se tomar o documento em pauta como um marco também da pesquisa em enfermagem no Brasil (3).

Em um estudo realizado por Carvalho(1), um capítulo com cerca de 30 páginas em que discorre sobre esse estudo, contando desde os seus antecedentes até a conclusão. Consultá-lo permite conhecer as personagens que dele participaram e as diversas etapas, inclusive os componentes da Comissão de Seguimento do Levantamento que operou até 1964.

3 Considerações Finais O referido estudo, desde seu início, propiciou recomendações a vários órgãos.

Como exemplo, cita-se o que constou como recomendação do IV Congresso Brasileiro de Enfermagem, realizado em Salvador-BA em 1950, "obter apoio do Ministério da Educação e Saúde, a fim de realizar periodicamente o censo das enfermeiras diplomadas e das várias categorias de pessoal auxiliar de enfermagem"(4).

O fato do relatório final ter sido divulgado em cópias mimeografadas somente em inglês contribuiu para o conhecimento restrito sobre o estudo. Essas cópias, em número reduzido, foram distribuídas para as líderes da Enfermagem. A publicação em português, também em edição numericamente restrita, ocorreu no início dos anos 80(5). Ainda assim, o relatório esteve disponível para consulta em bibliotecas de Enfermagem que são referência no país, como as das principais escolas de enfermagem e, mesmo assim, poucas menções a ele são feitas em estudos mais recentes. Dentre estes, merece destaque o trabalho realizado por Brandão(6), que estudou três gerações de enfermeiras pesquisadoras brasileiras, identificando a primeira delas como a "das pioneiras" - a que despontou nos anos 50, atribuindo destaque em seu comentário ao documento ora em foco como um marco da pesquisa em Enfermagem, que propiciou o reconhecimento social da categoria e permitiu aos enfermeiros enunciar um discurso autorizado sobre a profissão.

O desconhecimento de tão importante documento pode ser explicado pelo fato do estudo da História ainda ser pouco valorizado em nosso país, o que se reflete também no pouco interesse de parte significativa dos profissionais de enfermagem pela História da Enfermagem brasileira. Apesar de Barreira e Baptista(7) terem descortinado um panorama mais favorável para a pesquisa e a divulgação de estudos sobre a História da Enfermagem no Brasil, é preciso reconhecer que isto se , principalmente, no âmbito acadêmico e pouco se estende para o profissional que desempenha sua atividade em espaços distantes desse meio.

Assim, ainda é válido perguntar: Será que nós, enfermeiros, não deveríamos preocupar-nos em saber daquilo que foi recomendado após o referido estudo, o que foi obtido e aquilo que não se obteve? A despeito dos trabalhos posteriormente realizados sobre esta temática pelas associações de classe de Enfermagem, trinta anos depois(8,9), não estaria na hora de repetir o estudo para buscar saber, entre outras informações, como estão os profissionais de enfermagem ativos os inativos e os que exercem outras profissões/atividades, como consta em um artigo(10) de 1998? As áreas de atuação a serem investigadas hoje se resumiriam na saúde pública e hospitalar? Certamente não pois, além das atividades nessas áreas estarem ampliadas e modificadas, outras possibilidades se apresentam. Em compensação, poderia ser irrelevante hoje buscar informações sobre o atendente de enfermagem. Dentre os dados a serem coletados sobre escolas e cursos de formação de profissionais de enfermagem dever-se-ia incluir o técnico de enfermagem, as especializações e a pós-graduação senso estrito.

Muitas outras perguntas e propostas poderiam surgir, tal como naquela época, o que instigou um grupo de enfermeiras corajosas a realizarem o estudo. Assim, este artigo, mesmo tendo características histórico-documentais pretendeu instigar a consulta ao documento, informar de sua existência aos pesquisadores interessados no tema e propor questões de sua análise à luz da realidade do início do século XXI.

Próximo de seu cinqüentenário, o "Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil, 1956-1958"(5), continua mais vivo do que nunca, representando importante marco na História da Enfermagem brasileira.


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