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BrBRCVHe0034-71672005000400006

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variedadeBr
ano2005
fonteScielo

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A saúde mental no PSF e o trabalho de enfermagem PESQUISA

A saúde mental no PSF e o trabalho de enfermagem

Mental health in the PSF and the work of nursing

La salud mental en el PSF y el trabajo de enfermería

Ana Tereza Medeiros C. da SilvaI; César Cavalcanti da SilvaII; Maria de Oliveira Ferreira FilhaIII; Maria Mirian Lima da NóbregaIV; Sônia BarrosV; Kamila Késsia Gomes dos SantosIV IEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade Federal da Paraíba, ana@jpa.neoline.com.br IIEnfermeiro. Doutor em Enfermagem. Docente da Universidade Federal da Paraíba, cesar@jpa.neoline.com.br IIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade Federal da Paraíba, mafilha@yahoo.com.br IVEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade Federal da Paraíba, mirian@ccs.ufpb.br VEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, sobarros@usp.br VIDiscente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba, msgarm@ig.com.br

1. INTRODUÇÃO A finalidade deste estudo é compreender os limites e as possibilidades de implementação de ações de saúde mental nos serviços da rede básica de saúde do município de Cabedelo PB, na perspectiva da Reforma Psiquiátrica proposta no país. Busca também refletir sobre um caminho metodológico que aproxime o enfoque da saúde mental do Sistema Único de Saúde SUS, em construção, na atualidade.

O processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil é parte do movimento social por reformas na área da saúde, no bojo das reivindicações pela Reforma Sanitária.

Uma das maiores dificuldades de efetivar mudanças transformadoras nesse sentido tem sido o desacordo entre o que se anuncia como intenção e o que se efetiva na prática, como trabalho de saúde mental, nessa perspectiva(1).

Pesquisa realizada sobre a tendência do processo de efetivação da Reforma Psiquiátrica, em João Pessoa - PB, revela mudanças na estrutura física e na re- organização administrativa dos serviços Psiquiátricos asilares existentes, além da implementação de "novos serviços" dentro do espaço murado do que se constituiu o Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira, caracterizando uma Reforma Psiquiátrica como Reformismo porque as mudanças operadas não apresentam uma qualidade transformadora da assistência psiquiátrica tradicional(1).

Nesse enfoque, os processos de trabalho produzem uma contradição: apresentam-se com uma finalidade comum, a inclusão social, no plano do discurso, que não se efetiva na prática porque os referenciais teóricos, utilizados como instrumentos do trabalho, bem como o objeto do trabalho a doença mentalpermanecem os mesmos do modelo tradicional, impossibilitando a superação paradigmática.

Todavia, o município de Cabelelo PB, por meio da Coordenação do Programa de Saúde da Família - PSF e a Universidade Federal da Paraíba UFPB, através do Departamento de Enfermagem em Saúde Pública e Psiquiatria - DESPP estabeleceram parceria, devendo o DESPP prestar assessoria técnica na área da saúde mental, e, o Município em contrapartida oferecer os serviços do PSF como campo para estágio teórico-prático, pesquisa e extensão de docentes e discentes do DESPP.

Desse intercâmbio resultou um Projeto de Pesquisa(2) aprovado, também, pelo Comitê de Pesquisa e Ética do CCS/UFPB, sendo este estudo o resultado parcial do Projeto, que trata sobre o material empírico produzido pelos enfermeiros. O Projeto teve como objetivos, refletir e mobilizar conhecimentos para enfrentar as questões da saúde mental através das equipes do PSF; identificar as necessidades de saúde mental e as situações-problema que os processos de trabalho em saúde mental precisam considerar, entre os quais o processo de trabalho de enfermagem, para avançar no sentido da Reforma Psiquiátrica e do SUS, no cenário do estudo.

2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICO - METODOLÓGICAS Este é um estudo de caráter qualitativo. Apóia-se no Materialismo Histórico e Dialético - MHD, do qual recorta o Trabalho como categoria de análise. Nessa abordagem o trabalho inaugurou a sociabilidade na qual a matéria é representada pelas relações sociais e a dialética é compreendida pelo movimento da ação humana que produz a história.

O referencial teórico comporta a compreensão de que as Instituições Psiquiátricas são produzidas na prática social concreta, assumindo significados a partir das tramas que os sujeitos constroem no tecido social, por meio do trabalho. Nessa atividade, produzem também as contradições que retardam ou impulsionam as transformações nessa área específica da atividade humana.

A investigação foi desenvolvida junto a oito Equipes do PSF de Cabedelo. A técnica utilizada para a obtenção do material empírico foi a da entrevista individual, a partir das questões: Em que consiste seu trabalho? No contexto do SUS e da proposta de uma Reforma Psiquiátrica no país, como você compreende o processo saúde-doença mental? Quais as situações-problema relacionadas à área da saúde mental que você tem enfrentado na sua prática profissional? Foram entrevistados quatro agentes comunitários, seis enfermeiros, três médicos, e dois familiares de usuários dos serviços, totalizando quinze sujeitos sociais envolvidos com a investigação. Neste estudo, analisamos os depoimentos dos enfermeiros. O material empírico foi analisado pela técnica de análise crítica do discurso proposta por Fiorin(3).

3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DO MATERIAL EMPÍRICO Após transcrição e leitura dos textos, passamos à identificação dos principais temas abordados nas concepções sobre o processo saúde-doença mental; identificação das necessidades de saúde mental, referidas nos relatos sobre as situações-problema; e, à verificação das possibilidades/dificuldades apresentadas na referência dos enfermeiros sobre a efetivação das ações de saúde mental no PSF. Em seguida, procedemos à fase de identificação dos elementos do processo de trabalho de enfermagem.

Nesse percurso, os textos foram decompostos e organizados em blocos temáticos e depois reagrupados em núcleos de significados. O primeiro bloco agrupou textos que versavam sobre o trabalho de enfermagem na perspectiva de um novo modelo de assistência, determinado pelo movimento da Reforma Sanitária. Neles identificamos os objetos de trabalho da Saúde Coletiva e da Saúde Individual, além das dificuldades dos enfermeiros em incorporar, no novo enfoque, a saúde mental, por ser esta "uma área muito específica" e faltar à equipe "preparo", "capacitação", ou seja, faltar o saber instrumental da saúde mental no sentido da Reforma Psiquiátrica.

Esse material empírico constituiu o núcleo de significado que permitiu a construção da categoria empírica: A necessidade de desconstrução/reconstrução do modelo de assistência psiquiátrica tradicional.Categoria empírica, neste estudo, refere-se aos grandes conceitos que sintetizam os temas abordados pelos sujeitos da investigação.

Do mesmo modo, o segundo bloco temático agrupou os textos que se referem ao trabalho propriamente dito, a prática do enfermeiro no PSF. Neles predominaram os temas sobre os elementos do processo de trabalho e sobrea Reforma Psiquiátrica, constituindo o núcleo de significado que originou a segunda categoria empírica: O trabalho de enfermagem na perspectiva da Reforma Psiquiátrica.

3.1 A Necessidade de desconstrução/reconstrução do modelo de assistência psiquiátrica tradicional Modelo de assistência em saúde é uma categoria que sintetiza a compreensão sobre: a) os referenciais teóricos da política e as concepções do objeto de trabalho; b) os serviços que os utilizam; c) os processos de trabalho que os objetivam, em um determinado contexto social. Esse grande conceito que se refere à assistência na área da saúde foi introduzido, no Brasil, a partir da década de 1970 quando a sociedade passou a questionar o modelo de assistência dominante, o da Saúde Pública, e o movimento da Reforma Sanitária propôs sua substituição.

Nesse contexto, o enfoque da Saúde Coletiva, que considera a determinação social do processo saúde-doença, foi tido como mais apropriado do que o modelo de Saúde Pública, para os países Latino-Americanos, por suas condições sócio- econômicas diferentes da dos países ricos do Hemisfério Norte(4).

A insatisfação gerada pelo modelo da Saúde Pública, que não conseguia atender às necessidades reais das populações pobres, motivou o enfrentamento do reducionismo da prevenção clássica e da assistência curativa. No Brasil, sua critica pelo movimento da Reforma Sanitária, resultou na proposta do SUS, cujos princípios filosóficos são, a Integralidade, a Equidade e a Universalidade.

No sentido de efetivar o SUS o Governo Federal elegeu como estratégia o PSF, que pressupõe a inversão do modelo assistencialista, individual, curativo e fragmentado da Saúde Pública, organizado a partir de um novo modo de pensar e produzir saúde no nível da Atenção Básica. Desse modo,reconhece-se no conceito da Atenção Básica à Saúde a possibilidade de promoção, prevenção de agravos e recuperação da saúde individual e coletiva. A adoção do novo enfoque impõe a necessidade de mudanças nos processos de trabalho, o que implica o reconhecimento de necessidades de saúde, até então desconsideradas, ou consideradas isoladamente, novos objetos, instrumentos e finalidade do trabalho para produzir saúde-saúde mental.

A superação do hospitalocentrismo, da cultura de pensar saúde como consulta médica que resulta, sobretudo, na medicalização pressupõe novos referenciais para orientar o processo de trabalho na nova lógica do SUS e na abordagem da Saúde Coletiva. Conseqüentemente, exige articular-se saberes e práticas das diversas áreas com os diferentes universos que envolvem o processo de viver, adoecer e morrer dos seres humanos.

A síntese da complexidade desse modo de pensar o processo saúde-doença, no trabalho em saúde, requer a capacidade de reflexão e crítica da realidade no âmbito singular, particular e da totalidade da existência, o que pressupõe novos processos de trabalho em saúde que valorize a articulação da qualidade técnica-formal com a qualidade política na atividade profissional, voltada à transformação da realidade na área da saúde na perspectiva da consolidação do SUS.

Assim, a construção de novas competências, conseqüentemente de novos perfis profissionais depende, também, da formação de sujeitos sociais críticos e reflexivos, para operar um processo de trabalho compatível com as necessidades que um novo modelo de assistência deve atender. Isso significa que, os modelos de assistência à saúde são processos históricos e socialmente construídos pelos seres humanos e pelas Instituições de um dado contexto. Desse modo, os modelos hegemônicos podem ser repensados, o que implica as possibilidades de manutenção/alteração dos modelos construídos, quando os sujeitos sociais reconhecem as necessidades que os determinam e os sustentam.

Neste estudo, os sujeitos da investigação reconhecem a importância dos Princípios do SUS que orientam a construção de um novo modelo de assistência à saúde, quando manifestaram que, a integralidade da assistênciapressupõe a possibilidade de, no novo enfoque da atual política de saúde, a assistência à saúde mental ser contemplada. Para tanto, afirmamcomo uma das necessidades imediatas das equipes do PSF, a Educação Permanente para capacitar os profissionais do serviço a abranger a complexidade e a dinâmica que as questões da saúde-saúde mental envolvem, na atualidade, conforme os depoimentos: "a reformulação da assistência foi uma decisão da sociedade, precisa ser praticada. Isso é difícil se os profissionais não estiverem preparados. A saúde mental é parte da integralidade, mas precisa preparo... Nenhum profissional aqui tem muita prática com doentes mentais... com medicação psicotrópica,...(E6)" Depois do SUS, tem a questão social que é muito forte, precisa ser considerada, a saúde mental a gente precisa considerar também...é uma área muito específica, precisa de técnicos especializados...(E13).

A maioria dos profissionais não tem a prática de abranger todas as especialidades. É preciso considerar o ser humano na totalidade... eu sei disso na teoria, mas, na prática é preciso esforço para não ficar repetindo o trabalho apenas técnico(E 15).

Esses depoimentos falam das dificuldades dos enfermeiros do PSF para atuar na área da saúde mental. O próprio conceito de saúde mental parece confundir-se com o de doença mental, quando a assistência à saúde mental é referida como assistência psiquiátrica.

Entre as dificuldades da assistência em saúde mental, as imprecisões dos seus termos e de suas práticas são determinadas, também, pelas contradições que se produziram desde sua constituição como instituição social. Tais contradições se expressam no trabalho, tanto nos momentos imediatos, como nos mediatos, refletindo suas articulações com a realidade social mais ampla(5).

A institucionalização da loucura como doença mental, no fim do século XVIII, fundou a Psiquiatria como especialidade médica, cujo objeto de trabalho era a "doença mental" na dimensão singular da vida dos sujeitos, a partir da noção de normalidade/anormalidade que resultou no hospitalocentrismo e na exclusão social da pessoa considerada "doente mental"(6).

A crítica a esse modelo de assistência determinou, no mundo ocidental contemporâneo, os movimentos pela Reforma Psiquiátrica. No Brasil, esse movimento pretende a inclusão social da pessoa com doença mental, o que significa uma nova política, a reorganização dos serviços e um diferente processo de trabalho, que contribua para a formulação de um novo modelo de assistência em saúde mental, no enfoque do SUS, através das Ações Básicas de Saúde.

3.2 O trabalho de enfermagem na perspectiva da Reforma Psiquiátrica O trabalho é um dos pilares sob os quais os modelos de assistência são produzidos. Sua mudança transformadora na área da saúde mental implica uma nova processualidade que pressupõe articular as dimensões teórico-filosóficas, técnicas, sociais, políticas, econômicas e históricas com as questões da loucura, pois, a Reforma Psiquiátrica é um projeto político e social, desencadeado por críticas, sobre a assistência psiquiátrica, entre as quais a compreensão hegemônica sobre o processo saúde-doença mental e o modo tradicional de processar o trabalho que, em última instância, determina a superação ou a manutenção de um modelo de assistência(1).

O trabalho é também uma categoria sociológica de análise historicamente considerado nas explicações das transformações da realidade social por ações concretas, como as práticas profissionais cotidianas. Sua importância, nas sociedades capitalistas, decorre do fato de ser o responsável pela produção de serviços, de mercadorias e de mais valia e a conseqüente acumulação de riquezas.

Nesse enfoque, o modo de produção de bens e de serviços, para atender as necessidades humanas, articula-se com todas as instâncias sociais. Pois, ao se definir o conjunto da estrutura econômica está-se explicando, também, a base de produção social e condicionando a estrutura econômica à superestrutura social, jurídica e política onde se inserem as instituições de saúde-saúde mental, os governos e os movimentos sociais.

O trabalho humano organiza-se em um conjunto articulado de momentos essenciais ao encadeamento dinâmico para a produção intencional do algo novo, a partir da descoberta da potencialidade pressuposta para a transformação, mediada pela energia humana. Essa processualidade é constituída pelo relacionamento entre os elementosdo processo de trabalho, o objeto de trabalho, os meios de trabalho - entre os quais os instrumentos - e, a finalidadedo trabalho. Assim, as idéias de necessidade, energia, intencionalidade e transformaçãode uma realidade, para atender às carências humanas, sintetizadas em um único processo representam o plano de maior abstração do conceito de trabalho humano(7).

Na enfermagem, o estudo de sua prática como trabalho social, historicamente constituído no conjunto das práticas sociais, no plano particular da área da saúde e na singularidade de suas especificidades profissionais foi iniciado na década de 1980(8-10).

Na analise do processo de trabalho em enfermagem, foram identificados dois processos distintos, contudo, inter-relacionados: os Processos de Trabalho na Saúde Individual e os Processos de Trabalho em Saúde Coletiva, sendo o primeiro constituído por dois diferentes processos: O processo de Cuidar e o processo de Administrar(10).

Nesse enfoque, o processo de trabalho Individual Cuidar é desenvolvido, sobretudo, no hospital, como parte do trabalho médico que incorporou como seu objeto de trabalho, os corpos individuais; entre os instrumentos encontram-se os sistemas de assistência de enfermagem, seus procedimentos técnicos e de comunicação e a interação entre os sujeitos envolvidos com a assistência. Do mesmo modo, adotou a finalidade do processo de trabalho médico, a cura dos corpos individuais(10,11).

O segundo tipo de trabalho de enfermagem do Modelo de Saúde Individual, Administrar, tem como elementos do processo de trabalho, recortes de objetos de trabalho da área da Administração e da Educação Continuada; entre os instrumentosestão os modelos da administração, a força de trabalho de enfermagem e os equipamentos. A finalidade é a de organizar o processo de trabalho Cuidar em enfermagem(10).

O modelo de trabalho em Saúde Coletiva, por sua natureza, apresenta diferentes objetos que podem ser tomados pelos diferentes profissionais. Desse modo, o processo de trabalho de enfermagem nesse modelo admite vários tipos de processo, tais como, o Educativo, o da Vigilância Epidemiológica, o Controle das Populações e a Assistência à Família.Nessa abordagem o processo de trabalho em enfermagem no modelo da Saúde Coletiva contém um processo de trabalho administrativo e um processo de trabalho individual(10).

Ao analisar os depoimentos dos enfermeiros do PSF, no cenário deste estudo, verificamos uma freqüente recorrência dos temas que se referem aos processos de trabalho assistir(Cuidar/fazer) tanto no enfoque Individual como no Coletivo e somente uma menção ao processo de trabalho de enfermagem Administrar,conforme os depoimentos: O que mais temos que assistir é o portador de IRA. Crianças com pneumonia, doenças respiratórias agudas e crônicas. Crianças com diarréias, a gente presta a assistência, mas, ela volta para casa e se re-contamina, pois, suas residências não têm saneamento(E 1).

Prestamos assistência também aos Idosos: temos muitos casos de diabetes, alcoolismo, hipertensão... Muita violência doméstica por causa do alcoolismo, do uso de droga por adolescentes(E 15).

Assistência a criança, adulto e mulheres. Assistimos a gestante, fazemos o pré-natal. É um trabalho muito voltado para a prevenção, fazemos buscas ativas, inclusive das doenças mentais(E13).

Organizar o serviço e o trabalho dos Agentes Comunitários, além da assistência direta na prevenção e no tratamento das doenças que se apresentam no nosso dia-a-dia de trabalho. Sobre a doença mental a dificuldade é a falta de preparo da equipe toda para lidar com as questões psiquiátricas. Não dispomos de psiquiatras, às vezes não sabemos como agir(E 5).

Verifica-se que o trabalho de enfermagem é desenvolvido na abordagem da Saúde Coletiva, mas, sobretudo, no plano do enfoque individual, conforme o primeiro depoimento que se refere a um objeto da Saúde Coletiva, o saneamento básico.

Esse tema remete-nos ao saber da Educação Sanitária como instrumento do trabalho. O processo de Assistir/Cuidar individual tem como objeto, as doenças, inclusive as doenças mentais; como instrumento, apresenta-se o saber instrumental da Medicina Preventiva e da Psiquiatria Preventiva; a finalidade, além da cura, manifesta-se a Prevenção, a Educação em Saúde e a Vigilância Sanitária.

Observa-se, portanto, um trabalho que ainda preserva aspectos do modelo tradicional da Saúde Pública, mas incorpora novos aspectos da proposta da Saúde Coletiva, num movimento de transformação que vivencia um momento de transição, pela incorporação de novos instrumentos de trabalho, condição necessária a um novo modelo que contemple a saúde mental. Para tanto, a compreensão dos pressupostos do movimento pela Reforma Psiquiátrica, suas diretrizes, e uma educação permanente dos Recursos Humanos são imprescindíveis para a transformação do processo de trabalho no sentido da efetivação do SUS, sobretudo, no que se refere à integralidade da assistência.

O aprofundamento dos estudos do processo de trabalho em enfermagem na perspectiva do MHD reconhece-a como prática social; os corpos sociais como objeto de trabalho; o seu saber como um dos instrumentos, cuja finalidade é o Cuidar, em uma abordagem que articula a saúde e a enfermagem à estrutura sócio- histórica e cultural mais ampla(9).

A caracterização do processo de trabalho de enfermagem, no Brasil, através do Projeto de Classificação das Práticas de Enfermagem em Saúde Coletiva, evidenciou aspectos importantes a serem considerados na prática profissional, quando se reconheceu a necessidade de se proceder à análise crítica dos seus processos de trabalho(12,13).

O I Seminário Internacional sobre Trabalho na Enfermagem, realizado em Florianópolis, alertou para o fato de que o processo de trabalho em enfermagem ainda não foi suficientemente considerado na formação de profissionais para atuar de acordo com a atual política de saúde (14). Pois, das contradições existentes na formação profissional da Enfermagem a serem superadas, uma das mais complexas e de maior urgência é a que se produz entre a formação e a prática profissional e ela se reflete diretamente nos processos de trabalho (11).

Nos serviços do PSF, cenário deste estudo, a introdução de uma área que até então se manteve como uma especialidade, distante dos serviços de saúde de uma maneira geral como a da saúde mental, requer a adequação de sua compreensão para sua incorporação ao projeto de assistência como um todo, uma vez que o saber instrumental não tem uma aplicabilidade mecânica, mas, apresenta-se como um facilitador, um meio para atingir a finalidade do trabalho, compondo uma das tecnologias do trabalho em saúde. Nessa perspectiva, todos os elementos dos processos de trabalho precisam estar coerentemente articulados para dar o sentido de atender a necessidades sociais identificadas.

Uma dessas necessidades mais imediatas, no cenário deste estudo, parece ser a de capacitar as equipes do PSF para atuar no sentido da municipalização das ações de saúde mental, conforme as orientações da III Conferência Nacional de Saúde Mental(15), o que exige a incorporação das ações de saúde mental no projeto das Ações Básicas de Saúde, para a compreensão do trabalho, pois, apesar dos sujeitos da investigação descreverem ações de saúde mental quando falam de seus trabalhos, contraditoriamente afirmam não desenvolver ações de saúde mental conforme o depoimento: As pessoas estão muito tensas... o desemprego afeta muito..., a gente não encontra a queixa consistente, ele acaba falando que está desempregado, que bebeu, brigou com a mulher e está com a cabeça ruim. Ai a gente conversa, deixa-o desabafar, pede para alguém da família vir aqui ou agenda uma visita domiciliar e a gente sabe das histórias... de agressão, de maus tratos, álcool, droga, tráfico, prostituição, ciúme, traição, essas histórias que a gente não pode fazer muita coisa... (E 2).

Isso significa que esse enfermeiro não reconhece as ações de saúde mental como sendo parte de seu trabalho, apesar de desenvolvê-las quando "escuta", "agenda visitas", "conversa" sobre os temas violência, alcoolismo, drogas.

O trabalho de enfermagem terá sua importância ainda mais destacada no PSF, quando organizar seu processo de trabalho, isto é, delimitar objetos precisos, ter clareza quanto aos meios/instrumentos, ou seja, construir um novo saber instrumental e novas Competências necessárias ao seu reconhecimento e à transformação do seu processo de trabalho para a consolidação do SUS.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O SUS apresentou como perspectiva na sua formulação e mantém como proposta de sua organização a implantação dos Sistemas de Saúde Municipais, com o objetivo de ampliar as condições de saúde e de vida da população usuária dos serviços públicos, o que pressupõe mudar a lógica e a prática do sistema e significa o reconhecimento da necessidade de produção de novos Modelos de Assistência.

Assim, pensar a prática profissional da enfermagem na perspectiva de um modelo de enfoque na Saúde Coletiva, no contexto da atual política de saúde, é um convite à reflexão sobre a transformação das relações sociais na área da saúde.

Nesse sentido, o Trabalho é uma categoria que tem permitido analisar as transformações ao longo da história.

O SUS resulta de um movimento social organizado, está legalmente instituído na Constituição Brasileira de 1988 e prevê em seu artigo 200, inciso III, o ordenamento da formação da força de trabalho em saúde para sua efetivação. A proposta de uma Reforma Psiquiátrica no país é parte do movimento social que resultou no SUS e reclama a inclusão social de uma parcela da população excluída, desde a constituição da Psiquiatria como especialidade médica na modernidade.

O trabalho em saúde envolve vários processos de trabalho, entre os quais o de enfermagem, uma área do conhecimento em maturação que tem como objeto o Cuidar que se objetiva na prática profissional, nos processos de trabalho Individual e Coletivo.

O material empírico deste estudo informa que o trabalho de enfermagem no PSF, cenário do estudo, vivencia um momento de transição e encontra como um dos limites a ser transposto, para a efetivação da Reforma Psiquiátrica e para a consolidação do SUS, a manutenção do saber instrumental sobre o processo saúde- doença mental do modelo de assistência psiquiátrica tradicional.

O saber instrumental da Enfermagem que se manifesta nas concepções do processo saúde-doença mental necessita de revisão. Ainda confunde-se a saúde mental, apenas, com a assistência psiquiátrica, mas, reconhece-se a complexidade do processo de Cuidar dos problemas de saúde em seu enfoque Coletivo, o que envolve a assistência à saúde mental.

As dificuldades causadas pela ambigüidade que o termo saúde mental envolve revelam a importância de a Enfermagem construir um saber instrumental, nessa área, e um referencial de Competências que permitam interpretações adequadas para o encaminhamento do processo de trabalho em enfermagem e em Saúde Coletiva. Nesse movimento, o cuidar integral precisa ultrapassar o plano do discurso e manifestar-se na prática, ou seja, que se incorporem ao Cuidar, os problemas de saúde mental.

Para considerar a possibilidade de efetivação da Reforma Psiquiátrica, urge a Educação Permanente para os profissionais dos serviços e a produção de conhecimentos novos instrumentos dos processos de trabalho a partir da crítica da realidade e da interdisciplinaridade, pois, além da falta de compreensão do que seja o processo saúde-doença mental, o material empírico revelou a falta de reconhecimento de ações de saúde mental como tais.

As transformações das relações sociais que os processos de trabalho podem produzir resultarão no agir conseqüente, na processualidade do trabalho de enfermagem, pois, fundado em bases epistemológicas e metodológicas articuladas, orientando a superação de contradições da realidade social para uma aproximação com uma sociedade inclusiva, na qual não haja o lugar social exclusivo para a loucura, a doença mental, a Psiquiatria e suas Instituições.

Desse modo, o processo de trabalho de enfermagem, pela vinculação histórica e ideológica de sua constituição, nas sociedades de cada época, pode ser legitimado ou superado pela prática profissional, como trabalho que se transforma quando agrega novos significados.


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