Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRCVHe0034-71672006000100005

BrBRCVHe0034-71672006000100005

variedadeBr
ano2006
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Atenção e presença física: dimensões expressivas e a prática dialógica do cuidado de enfermagem na perspectiva do cliente hospitalizado PESQUISA

Atenção e presença física: dimensões expressivas e a prática dialógica do cuidado de enfermagem na perspectiva do cliente hospitalizado

Attention and physical presence: expressive dimensions and the dialogical practice of nursing care according to the perpective of the hospitalized client

Atención y presencia física: dimensiones expresivas y práctica dialógica de la atención de enfermería en la perspectiva del cliente hospitalizado

Luisa Maria da Silva de BarcelosI; Neide Aparecida Titonelli AlvimII IEnfermeira aposentada do Ministério da Saúde. Mestre em Enfermagem. Professora da Universidade Estácio de IIProfessora Adjunto do Departamento de Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ. Doutora em Enfermagem. Membro da diretoria colegiada do Núcleo de Pesquisa de Fundamentos do Cuidado de Enfermagem.

titonelli@terra.com.br

1. INTRODUÇÃO Este estudo integra a linha de pesquisa "cuidados fundamentais de enfermagem", que vem sendo desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisa de Fundamentos do Cuidado de Enfermagem (Nuclearte), da Escola de Enfermagem Anna Nery/Universidade Federal do Rio de Janeiro. O objeto desta pesquisa foi "a atenção e a presença física como dimensões expressivas do cuidado de enfermagem hospitalar, mediadas pelo diálogo". Teve como objetivo discutir a atenção e a presença física como cuidados fundamentais expressos na relação dialógica entre o cliente e a equipe de enfermagem, na perspectiva do cliente hospitalizado.

Foram utilizados os conceitos de atividades expressivas e cuidado humano(1) e de diálogo(2). Watson(1) classifica as atividades de enfermagem em instrumental e expressiva. A primeira refere-se ao atendimento das necessidades mais voltadas ao aspecto físico, biológico, do cliente como a higiene corporal, a medicação e alguns procedimentos técnicos. na segunda classificação referida, considera-se em primeiro plano os aspectos psico-sociais. Neste ínterim, vale dizer que este estudo destaca a atenção e a presença física como atividades expressivas da enfermagem, conjugando qualidades como dedicação, paciência, presteza e respeito mútuo.

A Enfermagem é caracterizada como uma ciência do cuidado cuja prática se orienta na abordagem humanista(1). Nesta concepção, todo processo de cuidar implica numa relação entre quem cuida e o sujeito, partícipe do cuidado; e, nesta relação, está imbricado o contexto sócio, político, econômico e cultural, tanto dos envolvidos, quanto da instituição em que o cuidado é prestado. Assim, o cuidado recebe influência direta desses dois setores: o projeto político- institucional onde estão vinculados, clientes e profissionais de saúde, e o contexto de vida na qual ambos estão inseridos. Essas relações são historicamente definidas e podem determinar as implicações de cada qual no desenvolvimento das ações de cuidar.

Nessa direção, destacamos que a experiência do cuidado é uma relação recíproca.

Ou seja, requer um investimento dos envolvidos que compartilham do cuidado numa relação de co-participação. Ocorre que, cada pessoa vivencia o cuidado de maneira singular, segundo seus próprios referenciais, e imprimem, neste espaço, maneiras singulares de expressão de subjetividades.

E é que se encontra, ao nosso ver, as pontes com Freire(2) ao afirmar que a vocação do homem é a de ser sujeito e não objeto. Isso sugere que a relação de cuidado deve se estabelecer horizontalmente, por meio de uma prática dialógica, em que o cliente possa discutir, questionar, criticar e expressar suas necessidades e desejos de cuidado. Afinal, conforme diz Freire(2), se é na práxis que a palavra se impõe, ela não é dita para os outros, mas com a palavra dos outros.

2. METODOLOGIA Optamos pela pesquisa qualitativa por entendê-la adequada às questões que envolvem o relacionamento interpessoal, na medida em que conta com uma variedade de métodos e técnicas que possibilitam o desvendar dos problemas emergentes do cotidiano dessas relações.

Os sujeitos foram cinco clientes adultos, de ambos os sexos, vivendo com AIDS.

Os critérios de inclusão na pesquisa foram ser clientes que se submeteram à internação hospitalar em decorrência da doença e que estavam sob acompanhamento ambulatorial num hospital municipal do Rio de Janeiro. A opção pelos sujeitos se justifica pela nossa experiência profissional de vinte anos no âmbito hospitalar convivendo com clientes com AIDS.

Na produção de dados, trabalhamos com a triangulação de técnicas, conjugando a técnica de criatividade e sensibilidade "Almanaquea" com a entrevista semi- estruturada e a observação participante. Vale destacar que, com o uso da criatividade e da sensibilidade na produção de dados da pesquisa, o imaginário transcendeu a racionalidade e a diversidade das experiências e vivências dos sujeitos emergiu da expressão criativa e sensível e serviu de motivadora para o diálogo entre nós, pesquisadoras, e os participantes do estudo. Durante toda a produção de dados, foram registradas as expressões verbais e não verbais dos sujeitos. Cada encontro durou, em média, de 30 a 60 minutos. Os dados foram analisados à luz da análise de discurso, segundo Orlandi(4,5).

Cabe ainda ressaltar que foram respeitados os aspectos éticos da pesquisa dispostos na Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde/MS, que regula as Normas de Pesquisa envolvendo Seres Humanos. Assim, além da autorização da Comissão de Ética em Pesquisa da Instituição, cenário do estudo, os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Ainda em observância à mencionada Resolução, mantivemos o anonimato dos sujeitos por meio de nomes próprios fictícios por eles escolhidos, a saber: João, Pedro, Margui, Ricardo e Jorge.

3. RESULTADOS No que pese os cuidados de enfermagem, Jean Watson(6), ao teorizar sobre os fatores de cuidado, se utilizou dos trabalhos de Rogers, Carkhuff e Gazola para "definir as características necessárias no relacionamento ajuda-confiança, capaz de estabelecer uma relação harmônica e cuidadosa". A autora cita a congruência - que as enfermeiras sejam verdadeiras em suas interações; a empatia - que sejam sintonizadas com os sentimentos de seus clientes; e o calor - que se refere à aceitação positiva do outro, traduzida pela linguagem corporal, pelo toque, pelo tom de voz... Tudo isso, em um conjunto harmonioso, pode transmitir a compreensão empática, indispensável numa relação de cuidado.

Neste contexto, atenção, afeto, respeito, compaixão, reciprocidade... Todos são fatores que demonstram sensibilidade e amor, sem os quais o cliente percebe-se, e na verdade o é, objeto do cuidado, mero depositário de procedimentos e tarefas (agente passivo). Para Waldow(7), quando se imprime no cuidado qualidades expressivas como as enunciadas, a cuidadora não mais realiza procedimentos em alguém, mas reflete junto e realiza uma ação integrada, com alguém, com envolvimento e responsabilidade, o que proporciona crescimento para ambos os envolvidos na relação do cuidado.

Alguns sujeitos da pesquisa explicitaram esses fatores na relação com a equipe de enfermagem. Tomamos como exemplo "João". Quando questionado sobre sua posição no cuidado de enfermagem hospitalar fez questão de ressaltar a atenção e a presença física da enfermagem neste espaço, que resultaram em benefícios tanto físicos, quanto emocionais: Na internação, às vezes eu sentia que a enfermagem se deu para mim.

No momento, eu fui um cliente meio revoltado, mas depois, com o tempo, fui aceitando, foi legal, eu gostei muito de ficar no hospital...(João) Lançamos-lhe um olhar de questionamento e João completou: Sério...(breve pausa). O atendimento foi maravilhoso! Porque a enfermagem me ajudou muito... Eu cheguei com sessenta e seis quilos e hoje estou com sessenta e nove quilos. A enfermagem foi muito presente, muito atenciosa. (João) Podemos analisar o discurso de 'João'sobre várias vertentes. Na primeira, ele nos sinaliza as diferentes fases e/ou sentimentos que acompanham o cliente no processo de hospitalização, destacando, dentre estes, a revolta e a aceitação.

Ressaltamos que, associadas a estas, outras fases também podem acompanhar o momento de internação, como a negação, a adaptação e o ajustamento. Vale salientar que, o que diferencia estas fases, na nossa maneira de ver e que foi confirmada pelos depoimentos dos sujeitos, é justamente a experiência de cada um no espaço de demarcação institucional, que, como nos referimos, guarda também uma estreita relação com as influências externas a este meio.

No caso de 'João', o sentimento inicial de revolta foi, gradativamente, se transformando em aceitação, segundo ele, pela experiência positiva de cuidado que vivenciou no hospital, que marca a segunda vertente de seu discurso. Ele ressaltou a recuperação visível no seu corpo físico (o aumento do peso corporal), relembrou o estado emocional com o qual chegou no hospital e a maneira atenciosa com que foi cuidado pela enfermagem.

A respeito dessa interação positiva no cuidado, Ferreira(8) relata que "Ao cuidarmos do outro estamos realizando, não somente uma ação técnica, como também uma ação sensível, que envolve o contato entre humanos através dos órgãos dos sentidos (da pele no tocar, do olhar, do ouvir, do olfato, do falar...)". Este espaço intersubjetivo de cuidado colabora com a comunicação e a interação entre os que dele participam.

Também não se pode deixar de considerar a terceira vertente de sua fala, agora relacionada à solidão. Assim, o fato de 'João'viver sozinho no Rio de Janeiro pode ter contribuído, embora não determinado, nesta relação 'harmoniosa'com a equipe de enfermagem. Ele é natural do estado do Pará e ressente-se da falta de amigos e da família, ficando reduzido a um grupo muito restrito de convivência.

Relata ter apenas uma vizinha com a qual se relaciona socialmente e, por conta dessa solidão, pensa em retornar a sua cidade natal: "Eu sou , eu vivo , saio muito para cinema e teatro com uma vizinha minha amiga. Eu estou até pensando, depois de uma visita que fiz a minha terra (Pará) e encontrei amigos de infância e alguns com a mesma doença minha, , tudo é mais tranqüilo! Porém, tenho que ter certeza que eu terei meu tratamento, para poder viver" (João).

Observamos, nas expressões não verbais de João, o contentamento ao ter identificado amigos com o mesmo diagnóstico no seu estado de origem, o que o fez desejar estar de volta ao Pará, além, é claro, da vontade de retornar ao seio familiar. , segundo o que deixou transparecer, não seria o único, o diferente, o estigmatizado...

Apesar de considerar satisfatória sua experiência de cuidado com a enfermagem, declarou: "Essa figura (referindo-se à produção do Almanaque) me lembra que no começo da doença, digamos assim, fiquei muito preocupado (...). Não adianta ficar triste, nem reclamando... (João).

de se considerar, no entanto, que o fato de ter atribuído à sua experiência de cuidado uma qualidade positiva, não significa, necessariamente, que sua posição neste cuidado tenha sido de participação, de integração, pois seu discurso polifônico não evidencia uma construção crítica-reflexiva acerca do cuidado, no entanto, remete ao referencial de gênero. Vejamos: (...)Quando eu soube que estava com AIDS, minha reação foi normal, tranqüila. Até hoje, eu nunca chorei... Nunca chorei (deu um tom de voz muito triste e baixo) Acho que é pior a pessoa que fica se lamentando... Eu nunca chorei e nem vou chorar (pausa)" (João).

A construção da identidade de gênero marcou o seu discurso. Sabemos que a sociedade estabelece diferentes papéis para o que seja esperado de um comportamento feminino e masculino. Esses papéis são demarcados conforme a cultura, a classe social, o grupo étnico e outras categorias. Vale lembrar que 'João'é nortista e heterossexual. Logo, sua posição de não reclamar, não se lamentar e, sobretudo, de não chorar, é perfeitamente justificável quando situada na perspectiva do gênero.

Prosseguindo, após alguns momentos de reflexão, 'João'concluiu: "Acho que a minha melhora foi porque as enfermeiras me tratavam como amigo. Foi fundamental o atendimento delas, foi maravilhoso! Eu tenho muito que agradecer. É bom ter quem tome conta, quem cuide... Porque eu sou , mesmo sem ser nada seu elas cuidam" (João).

As falas de 'Pedro', 'Margui', 'Ricardo' e 'Jorge'reforçaram as qualidades positivas do cuidado da enfermagem hospitalar. Vejamos a seguir: 'Pedro' tem vinte e três anos de idade e três tem ciência de seu diagnóstico. Foi muito participativo durante a produção de dados. Relatou que passou por um episódio de internação em decorrência da AIDS, por quinze dias. Sobre o cuidado de enfermagem, declarou: "Foi muito bom, com bastante atenção" (Pedro) 'Margui' relata ter contraído a AIDS um ano e meio. passou por vários episódios de internação, tendo sido apenas um em decorrência da AIDS, pois além desta, possui o diagnóstico de epilepsia e câncer uterino. Aparentou tranqüilidade durante todo o nosso encontro. Diferente de 'Pedro', 'Margui'afirmou que não se preocupa com a divulgação do diagnóstico da doença no seu ciclo sócio-familiar. Ao questioná-la sobre sua experiência no cuidado de enfermagem, ressaltou: "Tive toda atenção no cuidado, até porque sou ex-funcionária da casa e conheço quase todo mundo (...) Todos tinham muita paciência comigo" (Margui).

É oportuno considerar que a experiência positiva de 'Margui' com o processo de hospitalização e com o cuidado de enfermagem em si pode ter relação com a sua situação de pertença ao grupo. Como a própria mencionou, foi funcionária do hospital, cenário deste estudo, e acredita que este fato possa ter contribuído com as relações estabelecidas neste espaço durante o período de internação.

'Ricardo', um jovem de 23 anos, soube do diagnóstico da doença cerca de dois meses que antecederam a produção de dados da pesquisa. Neste ínterim, esteve internado por um período de vinte e dois dias. Embora as circunstâncias de sua internação hospitalar tenham sido bastante desfavoráveis, uma vez que internou com quadro clínico de meningite e foi notificado, posteriormente, que era portador de HIV, ele fala com muito entusiasmo de sua experiência no cuidado de enfermagem. Questionado sobre sua posição neste cuidado, 'Ricardo'afirmou: "Eu tinha uma relação maravilhosa! Quando elas (a equipe de enfermagem) chegavam (na enfermaria de isolamento) eu ajudava a trocar a minha roupa de cama, pois eu estava sozinho no isolamento por causa da meningite (...) Mas eu tinha um lugar no trabalho delas" (Ricardo).

Pesquisadoras: De que maneira você participava do cuidado? Ricardo: Às vezes eu queria falar, mas não tinha com quem, pois estava no isolamento, quando entrava alguém (...) Mas, tudo que eu precisava... Às vezes, eu chorava e elas vinham e me acalmavam, eu pedia e elas ligavam para a minha família. Então, eu tinha participação no trabalho delas. Fui sempre tratado como um ser humano em tratamento para ficar bom, com todo o respeito.

Sua fala é elucidativa no sentido de mostrar a importância da valorização do desejo do outro, do entendimento daquilo que é necessário e de interesse do cliente num dado momento ou circunstância. É importante frisar que, para que isso efetivamente ocorra, é mister o envolvimento da equipe de enfermagem, demonstrando preocupação, atenção, afeto, respeito... como requisitos indispensáveis no cuidado humano.

Nessa linha de pensamento, Franco et al(9) ressaltam como pressupostos básicos para um relacionamento efetivo o oferecimento de apoio, que pode ser manifestado de diversas maneiras: "quando ficamos ao lado da pessoa enferma/ sadia atendendo as suas necessidades expressas verbalmente ou não, quando oferecemos segurança e até quando paramos para ouvi-la".

Isso sugere que a relação equipe de enfermagem-cliente, neste estudo, defendida como dialógica, pode ocorrer sob diferentes formas de comunicação, tais como, o olhar, o toque, o afago, a linguagem corporal, a fala...

Para Freire(2), numa relação vertical, em que ausência de uma experiência dialógica e de participação, as pessoas tornam-se inseguras e incapazes de tomar decisões. Ao tempo em que, quando se estabelece uma relação de reciprocidade, desvela-se um processo interativo.

Nesse ponto, o fato de 'Ricardo'estar numa enfermaria de isolamento em função da meningite, poderia tê-lo deixado bastante descontente naquele momento, inclusive numa posição de rejeição aos cuidados necessários à sua recuperação.

No entanto, a maneira pela qual experimentou esse momento o fez reagir satisfatoriamente. Segundo ele, isso foi possível graças a relação de ajuda- confiança que estabeleceu com a equipe de enfermagem.

Esta relação também se fez importante na mediação de um conflito familiar que resultou em mais uma experiência positiva de cuidado. Vejamos: Ricardo: (...) "Na internação hospitalar contei para minha mãe que eu era homossexual e apresentei meu namorado a ela. Hoje vivemos todos bem (...) Para mim, o Hospital do Andaraí é tudo, a enfermagem sempre muito atenciosa e prestativa. Sempre conversando e informando, me ajudou muito a contar a minha verdade. A enfermagem é tudo!" A este respeito, Watson(6) destaca em um dos seus pressupostos sobre a ciência do cuidado que "O ambiente de cuidado é aquele que oferece o desenvolvimento do potencial enquanto permite que a pessoa escolha a melhor ação para si mesma em um determinado momento". Neste contexto, a internação hospitalar propiciou ao cliente deixar emergir sua verdade sexual e conjugal junto aos familiares e, como declarou, com o apoio da enfermagem. Isto ocorreu porque foi garantido ao cliente o direito de expressar seu desejo, de experienciar o diálogo como facilitador do autocrescimento e da auto-realização.

Em síntese, a atenção e a presteza como parte da relação dialógica, expressa sob diferentes formas com a equipe de enfermagem, gerou no cliente a confiança necessária para superar sua posição de oprimido e assumir uma postura de auto- aceitação e credibilidade para tomar decisões.

Segundo Freire(2), a premissa básica daqueles que realizam o processo educativo é propiciar o fortalecimento pessoal dos seres humanos com quem interagem. O importante é ajudar o ser humano a ajudar-se, é fazê-lo agente de sua transformação. Com uma postura comumente crítica, Freire também assinala que a aquisição de habilidades é um processo social e não simplesmente individual, no qual a participação do indivíduo é indispensável.

Colaborando com a presente discussão, ressaltamos um pressuposto básico de Watson(6) que ressalta: "A mente e as emoções da pessoa são as janelas de sua alma. O atendimento de enfermagem pode ser e é físico, de procedimentos, objetivo e factual, mas, no nível mais elevado da enfermagem, as respostas do cuidado humano, as transações de cuidado humano e a presença das enfermeiras no relacionamento transcendem o mundo material físico limitado pelo tempo e pelo espaço e fazem contato com o mundo emocional e subjetivo da pessoa como rota para o ser interior e o sentido mais alto do ser".

Pelo exposto, concordamos com a fala de Watson(6) quando refere que, como a ciência do cuidado varia do biofísico até o intrapessoal, cada enfermeira torna-se uma ativa participante na luta do cliente pela auto-atualização. Além disso, o cliente é colocado no contexto da família, da comunidade e da cultura.

Prosseguindo, as palavras de 'Jorge'também evidenciaram uma experiência positiva no cuidado: "(...) Essa figura (referindo-se à produção do Almanaque) me lembra como foi tranqüila a minha internação! Na primeira vez, eu estava muito ruim, mas nas outras, eu estava melhor e foram sempre tranqüilas".

Jorge tem quarenta e três anos, um ano soube que estava com AIDS. Acredita ter contraído a doença através de sua namorada, cujo ex-marido morreu seis anos em decorrência do mesmo diagnóstico. esteve internado por três vezes em curtos períodos. Permaneceu bem humorado e sorridente durante todo o nosso encontro. Quando questionado sobre sua posição no cuidado de enfermagem, declarou: "Tudo que eu queria saber eu perguntava e elas (a equipe de enfermagem) me respondiam, me informavam (...). A enfermagem tem uma vida nas mãos dela, aquele amor que elas tratam ajuda a ficar bom".

(Jorge) Nessa linha de reflexão, Boff(10) relata: "Numa palavra eu diria que o ser humano é um projeto infinito (...). O cuidado sempre acompanhou o ser humano durante seu ciclo de vida". Assim, o cuidado é mais que um ato, é uma atitude, é uma necessidade, e estas manifestam-se de várias formas: afetiva, espiritual, material...

Cabe reforçar que a proposta de cuidado que defendemos junto ao cliente vivendo com AIDS no ambiente hospitalar, permeia dar voz a este sujeito, o que vem ao encontro das palavras de Freire(2) quando destaca que "a partir do diálogo, é possível o encontro com o outro, e no qual a reflexão e a ação inseparáveis daqueles que dialogam, orientam-se para o mundo que é preciso transformar e harmonizar..." Assim, complementa o autor, "o amor é ao mesmo tempo o fundamento do diálogo e o próprio diálogo, e não pode surgir numa relação de dominação".

O cuidado humano, na concepção de Watson(1), vem resgatar valores em que se cultiva a sensibilidade, a criatividade, a comunicação, a solicitude e outros aspectos valorizados na visão holística de cuidar. Nessa mesma perspectiva, Waldow(7) salienta que "No processo de educar para o cuidado humano, é necessário a conscientização como um valor e imperativo moral, sensibilização e conseqüentemente exercício. O cuidado humano é um processo de empoderamento, de crescimento e de relação de nossa humanidade". Assim, conduz-nos a um relacionamento recíproco, na maneira de ver de Watson(3).

Isto sugere que encontramo-nos, clientes e profissionais no espaço do cuidado, com nossas singularidades e modos de viver, numa relação humano para humano.

Deste modo, afetamos e somos afetados neste espaço, porque ambos vivenciamos esse momento e expressamos, no plano intersubjetivo do cuidado, nossas implicações enquanto humano que cuida de humano.

Neste contexto:"Nas atitudes de cuidado é que encontramos a essência da expressão humana, pois somente o ser humano é capaz de sentir com emoção, imprimir emoção nos atos e expressar emoção nas atitudes, entendendo-as como tomada de posição que resulta da inter-relação que se estabelece entre o conhecimento e o afeto. É que está a verdadeira dimensão humana do cuidado" (11).

A sensibilidade expressa na solidariedade com a dor do outro é um dos elementos para nós essenciais no processo de cuidar. Em casos como os de doenças crônicas incuráveis, a exemplo da AIDS, a convivência com a doença afeta não somente o indivíduo vivendo com AIDS, mas todo o seu ciclo sócio-familiar; e os profissionais de saúde, em especial, a equipe de enfermagem, passa a integrar o cotidiano desse doente a partir de seu vínculo com o hospital.

Waldow(7) acrescenta que o cuidado humano é uma atitude ética em que os seres humanos percebem e reconhecem os direitos uns dos outros. Pessoas se relacionam de forma a promover o crescimento e o bem-estar. Enfatiza ainda que: "No cuidado humano existe um compromisso, uma responsabilidade em estar no mundo, não apenas para fazer aquilo que satisfaz, mas ajudar a construir uma sociedade com base em princípios morais. Isto permite construir uma história da qual se tenha orgulho"(7).

Neste estudo, os clientes vivendo com AIDS qualificaram a atenção e a presença física como requisitos indispensáveis no cuidado humano, expressos na experiência dialógica e na participação do cliente em todas as etapas do cuidado. Essas dimensões expressivas revelaram a importância da ação sensível que, no espaço intersubjetivo de cuidado, colaborou com a comunicação e a interação entre a equipe de enfermagem e o cliente. Deste modo, foi possível constatar através do discurso dos sujeitos participantes da pesquisa que, a atividade expressiva, aqui manifesta pela atenção e a presença física, é um cuidado fundamental junto ao cliente vivendo com AIDS.


transferir texto