Acidentes ocupacionais com material biológico: a percepção do profissional
acidentado
PESQUISA1. INTRODUÇÃO
Os riscos ocupacionais relacionados aos agentes biológicos estão amplamente
distribuídos na estrutura de uma unidade de saúde, sofrendo variações
proporcionais aos contatos mais intensos e diretos com os pacientes,
principalmente, envolvendo sangue, secreções e outros fluidos corporais.
As conseqüências de uma exposição ocupacional a patógenos veiculados pelo
sangue vão além do comprometimento físico a curto ou a longo prazos e podem
afetar outros aspectos da saúde do profissional, tais como: controle emocional,
social e até financeiro(1). O acidente envolvendo material biológico
potencialmente contaminado pode trazer repercussões psicossociais ao
profissional acidentado, levando a mudanças nas relações sociais, familiares e
de trabalho(2).
Na prática, pouca atenção é dispensada aos acidentes com materiais
perfurocortantes quando avaliamos sua alta freqüência, sua significativa
subnotificação e a necessidade de prevení-los em função das graves
conseqüências que acometem os trabalhadores expostos a esses acidentes(3).
Os fatos evidenciam que tanto o empregado quanto o empregador, costumam
menosprezar esse tipo de acidente por não terem a real consciência dos riscos
envolvidos nos acidentes com materiais biológicos que podem, ao longo do tempo,
ser causadores de doença e até de morte do trabalhador.
Apesar dos inúmeros estudos sobre o comportamento dos profissionais de saúde,
ainda não existe uma resposta clara que nos permita identificar os motivos
pelos quais rotinas, aparentemente óbvias, não sejam seguidas. O que em um
primeiro momento pode parecer óbvio, em análises mais profundas, revela
aspectos extremamente complexos do comportamento humano, os quais têm sido
objeto de pesquisa de diferentes áreas das ciências humanas(4).
Acreditamos que estudos adicionais são necessários para se conhecer melhor os
reais fatores de risco relacionados aos acidentes envolvendo materiais
biológicos, para que medidas preventivas mais eficazes possam ser
implementadas.
Nesse contexto, buscamos compreender os acidentes com materiais biológicos a
partir da percepção dos profissionais acidentados acerca do acidente com
material biológico, para que possamos indicar medidas mais eficazes para sua
prevenção, principalmente, para aqueles que podem estar associados ao
comportamento humano.
2. OBJETIVO
Analisar os acidentes com materiais biológicos de acordo com a percepção do
profissional acidentado, identificando suas causas, sentimentos vivenciados,
reações e condutas adotadas pelo profissional após o acidente.
3. METODOLOGIA
Estudo desenvolvido segundo os pressupostos da pesquisa qualitativa(5), visando
compreender os acidentes ocupacionais com material biológico a partir da
vivência de profissionais de saúde.
O projeto foi submetido à apreciação, análise e aprovação pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da instituição selecionada, de acordo com o preconizado pela
Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde(6).
A coleta de dados foi realizada em uma instituição pública de grande porte
voltada ao atendimento de pacientes em situação de urgência e emergência, em
tempo integral. Conta com um total de 195 leitos, oferecendo atendimento em
diferentes especialidades médicas como: cirurgia geral, neurologia, ortopedia,
cardiologia, clínica médica, pediatria, entre outras. Além de serviços
complementares como: odontologia, psicologia, fisioterapia, hemoterapia,
farmácia, nutrição e dietética, serviço social, dentre outros.
Tabela_1
Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram analisados quanto ao
seu conteúdo e forma por três profissionais com experiência em controle de
infecção e/ ou em seguridade ocupacional e em pesquisa, além do teste piloto
realizado no primeiro dia de coleta de dados a fim de verificarmos a
operacionalização dos instrumentos.
Inicialmente, os dados foram coletados utilizando-se um questionário aplicado
aos profissionais que compõem a equipe de saúde com a finalidade de identificar
aqueles que já sofreram algum tipo de acidente com material biológico durante
sua atuação profissional. Os profissionais já acidentados foram convidados a
continuar fazendo parte da pesquisa participando de uma entrevista, do tipo
estruturada individual, que abordava aspectos relacionados aos acidentes como:
causas, sentimentos e reações experienciadas, conseqüências, conhecimento dos
riscos, o uso de equipamentos de proteção no momento do acidente, as condutas
tomadas logo após o acidente incluindo sua notificação e a situação vacinal do
profissional na época do acidente.
Os critérios de inclusão estabelecidos foram: ser profissional de saúde efetivo
da instituição pesquisada; exercer atividades com maior risco de exposição aos
acidentes com material biológico; disponibilidade para participar da pesquisa
durante o turno de trabalho ou em dia, local e horário previamente
estabelecidos; concordar em participar do estudo, assinando o termo de
consentimento livre e esclarecido.
A análise dos dados foi baseada nos pressupostos da análise de conteúdo,
utilizando as três etapas consecutivas para o tratamento/ análise dos dados que
são: a pré-análise, a exploração do material, e a interpretação (7). Os
depoimentos foram separados de acordo com os questionamentos associados ao(s)
acidente(s), viabilizando a separação desses dados em categorias analíticas
agrupando as temáticas extraídas dos discursos. A partir da freqüência dos
núcleos temáticos dentro das categorias, iniciamos o processo de descrição e
interpretação dos resultados, estabelecendo nossas inferências e constatações.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Participaram da pesquisa, profissionais de saúde de nível fundamental, médio e
superior totalizando 15 categorias. Do total de profissionais lotados na
instituição (1.109), 382 (34,4%) participaram da primeira etapa da pesquisa
(questionário) e foram selecionados por conveniência levando-se em consideração
os critérios de inclusão estabelecidos. Destes, 39 (10,2%) dos profissionais já
acidentados, também participaram da segunda etapa da pesquisa (entrevista) e
mais uma vez foram selecionados por conveniência e em função dos mesmos
critérios de inclusão.
Entre os 382 profissionais de saúde que participaram da primeira etapa da
pesquisa, podemos verificar um alto índice de acidentes envolvendo material
biológico humano, perfazendo um total de 62% (237 profissionais). Este
percentual é bastante expressivo, pois, representa mais da metade do número de
profissionais abordados. Também verificamos que o número de profissionais
acidentados supera o número de não acidentados entre a maior parte das
categorias profissionais e, em alguns casos, chega a ser duas vezes maior.
Entre os profissionais entrevistados 25 (64,1%), informaram que já se
acidentaram por mais de uma vez, muitos não sabem informar precisamente quantos
acidentes já sofreram durante todo exercício profissional, principalmente em
função de sua longa experiência profissional. Encontramos uma grande variedade
de acidentes ocorridos com estes profissionais mas, a maior freqüência ainda
prevalece entre aqueles que envolvem materiais perfurocortantes como pelas
agulhas utilizadas para administrar medicamentos em pacientes incluindo os
anestésicos usados em odontologia, perfurações por agulhas de fios de sutura em
procedimentos cirúrgicos, perfurações com fios de aço utilizados em
odontologia, perfurações durante o reencape de agulhas, perfurações com scalps
e lancetas, perfurações/ cortes com instrumentais odontológicos como brocas e
sondas, entre outros. Os acidentes provenientes de respingos foram mencionados
em uma proporção bem menor. Ocorreram respingos de secreções nos olhos e boca
de profissionais (secreção gástrica, sangue, saliva, entre outras), respingo de
sangue em pele lesada e pele íntegra, entre tantos outros incluindo uma mordida
de paciente.
As categorias estabelecidas para a análise dos dados foram: principais causas
dos acidentes, sentimentos vivenciados, conseqüências dos acidentes, riscos
relacionados ao acidente, condutas adotadas após o acidente, medidas de
proteção utilizadas e a situação vacinal dos profissionais acidentados.
4.1 Principais causas dos acidentes
Em relação às causas dos acidentes, extraímos as seguintes temáticas,
caracterizando as opiniões dos entrevistados: descuido, condições do paciente,
não observação das medidas de prevenção, excesso de auto-confiança, inadequação
dos materiais, equipamentos e estrutura, pressa, risco inerente à profissão e
sobrecarga de trabalho como observamos nos seguintes depoimentos:
"Foi descuido, acho que a maior causa dos acidentes é o descuido, a
falta de precaução [...]" (TH1)
"Estava atendendo uma criança que chorava muito, não ficava quieta
[...]" (CD3)
"Sempre procurei me proteger, a não ser no acidente do respingo que
eu não usava óculos [...]" (TL2)
"[...] E a gente tem aquela autoconfiança na gente mesmo. Acha que
nunca vai acontecer comigo." (AE1)
"No primeiro a caixa para descartar perfurocortantes era improvisada
[...]" (AE6)
"Pressa para realizar o procedimento devido a condição do paciente
[...]" (CD3)
"A gente toma o maior cuidado possível os acidentes são riscos que a
gente corre [...]" (TL2)
"[...] Conseqüências de poucos funcionários para muitos pacientes
[...]" (AE6)
Verificamos que, ainda, ocorrem acidentes em decorrência de fatores/ causas que
poderiam ser evitados se fossem adotadas medidas básicas de proteção contra os
acidentes envolvendo materiais biológicos. Além disso, percebemos uma grande
semelhança entre este e outros estudos também realizados entre profissionais de
saúde no que se refere à grande diversidade de fatores predisponentes/ causas
atribuídas aos acidentes.
Em uma pesquisa sobre as dimensões psicossociais do acidente com material
biológico, verificou-se que dentre as muitas causas atribuídas aos acidentes
estão: descuido, sobrecarga de trabalho, cansaço físico, estresse, correria nos
plantões, múltiplos empregos, falta de esclarecimento sobre biossegurança,
precarização do trabalho (equipamentos e recursos humanos) e inadequação ou
insuficiência de equipamentos de proteção individual e de proteção coletiva(8).
Um estudo realizado entre enfermeiros e auxiliares de enfermagem em um hospital
escola, identificou que a circunstância que mais gerou exposição a material
biológico foi pelo manuseio de perfurocortantes após o seu uso. Os acidentes
ocorreram durante o transporte desses materiais para o recipiente de descarte
ou para o local de reprocessamento, durante a lavagem dos artigos, pelo
reencape de agulhas e por estas terem sido descartadas em local inapropriado
(9).
4.2 Sentimentos vivenciados
Dentro desta categoria analítica, destacamos as seguintes temáticas emanadas
das declarações dos entrevistados: preocupação e pânico, medo da contaminação,
tranqüilidade e segurança, preocupação com a família, raiva, descrédito nos
homens e apego à religiosidade, preconceito e discriminação, culpa, dor,
preocupação com o paciente e nojo. Estes sentimentos ficam evidentes nos
relatos relacionados a seguir.
"[...] Não, foi só preocupação. É, preocupação e medo que a gente
sente." (AE4)
"Medo, eu fiquei morrendo de medo de ter contraído alguma doença como
a aids, a hepatite [...]" (ACD1)
"[...] Não tive medo, pois achei desde o início que a paciente não
tinha aids." (CD3)
"[...] A gente que tem família, filhos, neto; a gente preocupa."
(AE3)
"[...] raiva por não ter afastado o equipo, para não ter acontecido
este acidente." (CD1)
"[...] Eu cheguei em um ponto em que eu não acreditava no que as
pessoas me falavam, eu só acreditava em Deus e em Nossa Senhora
[...]" (AE6)
"Alguns passaram desapercebidos. Outros preocuparam pela procedência
dos pacientes e tamanho do acidente [...]" (M2)
"Senti que fiz algo errado e perigoso para mim [...]" (M4)
"Picada no dedo." (M5)
"[...] Eu fiquei preocupada mais com o estado geral da paciente, pois
ela não estava bem." (TH1)
"Na verdade, senti especialmente nojo do vômito pois eu estava bem
protegida [...]" (ACD2)
A experiência de passar por um acidente com material biológico provoca
sentimentos e reações totalmente diferenciadas e diversificadas entre os
profissionais acidentados, ou seja, cada indivíduo vivencia o acidente a partir
de seus conceitos, pré-conceitos, valores e conhecimento do assunto. Podemos
inferir que é por conta desta subjetividade que encontramos tanta diversidade.
Nesse tipo de acidente os profissionais, freqüentemente, experimentam sensações
de frustração, minimização ou negação do risco envolvido, vivência de ter
adquirido uma doença, receio de ser menosprezado ou excluído pelos colegas de
trabalho, sensações de perdas as mais diversas(10).
Em uma pesquisa sobre as dimensões psicossociais do acidente com material
biológico verificou-se que os profissionais passaram a ficar com medo da
contaminação no trabalho, ansiedade, depressão e medo da morte em função da
expectativa do resultado do teste anti-HIV, fantasias de contaminação,
preocupação com a vida sexual passada, presente e futura, receio de reações
negativas da família, parceiro e colegas de trabalho (críticas, discriminação),
sentimento de culpa pelo acidente, raiva do hospital e do sistema de saúde
hostil(8).
4.3 Conseqüências dos acidentes
Praticamente metade dos profissionais entrevistados relatou não ter sofrido
nenhum tipo de conseqüência relacionada ao(s) acidente(s) descrito(s).
Entretanto, alguns manifestaram uma certa preocupação, ou melhor, incerteza
quanto a possíveis conseqüências futuras talvez por não terem procedido
adequadamente em relação ao processo de notificação e acompanhamento pós-
acidente. Estes aspectos estão evidenciados nas seguintes declarações:
"Até o momento não [...]" (M2)
"Não, nenhuma. Eu fiquei com medo de alguma conseqüência, alguma
coisa no futuro que viesse acontecer." (TE3)
A outra metade, declarou que os acidentes trouxeram conseqüências positivas,
principalmente para suas vidas profissionais, uma vez que, representaram
indicadores de condutas, procedimentos e rotinas que contribuíam para a
ocorrência desses acidentes. Portanto, acabaram servindo como um alerta em suas
vidas para a mudança de postura profissional.
"Muda. Muda muito. Sabe, parece que é um alerta; serve de alerta pra
gente sabe? [...]" (AE1)
"Não, mas de certa forma serviu como um alerta. Proporcionou maior
atenção em relação ao meu trabalho." (AL1)
Em uma pesquisa sobre a ocorrência de acidentes de trabalho por material
perfurocortante entre trabalhadores de enfermagem de um hospital universitário,
verificou-se que a maioria dos trabalhadores (95,7%) respondeu negativamente
quando questionados a respeito das conseqüências trazidas pelo acidente(11).
Apesar de ser freqüentemente considerado como um evento individual, o acidente
de trabalho apresenta repercussão coletiva. Além disso, esta repercussão
coletiva pode ter conotação positiva ou negativa. Dentro da conotação positiva,
podemos citar o estímulo ao uso dos equipamentos de proteção individual, que o
acidente desperta, mesmo que momentaneamente, nos outros trabalhadores. Por
outro lado, dentro da conotação negativa, podemos ter a possibilidade de
afastamento do trabalhador pelo comprometimento emocional em função de um
acidente evolvendo sangue e/ou outros fluidos corpóreos(12). Parte destes
aspectos ficou evidente nesta pesquisa onde praticamente metade dos
profissionais informou ter mudado seus hábitos e rotinas, consideradas de
risco, quando se acidentaram.
4.4 Riscos relacionados aos acidentes envolvendo material biológico
Estudos demonstram que os riscos relacionados aos acidentes ocupacionais com
material biológico são bastante diversificados, principalmente em função do
tipo de acidente sofrido e das circunstâncias associadas ao mesmo.
Neste estudo, todos os profissionais afirmaram ter conhecimento a respeito dos
riscos relacionados aos acidentes com material biológico. Entretanto,
verificamos deficiências e dúvidas relacionadas, principalmente, aos mecanismos
de transmissão de algumas doenças entre profissionais de nível médio e
fundamental. Também identificamos profissionais que manifestaram a necessidade
de maiores esclarecimentos relacionados aos acidentes envolvendo material
biológico.
"Tinha e tenho mais ou menos [...]. Você só se conscientiza quando
cai na no laço. Aí foi que me interessei em estudar e buscar mais
sobre as doenças [...]" (AE6)
"Apesar de sempre trabalhar em hospitais de grande volume: hospitais
universitários, pronto-socorros estaduais, os riscos são pouco
divulgados [necessitamos de mais esclarecimentos]" (M2)
Verificamos que ainda existe um despreparo muito grande dos profissionais de
saúde em se tratando de aspectos relacionados aos acidentes tais como: cuidados
locais com o ferimento, procedimento de notificação, processo de acompanhamento
(monitoramento sorológico) pós-exposição, entre outros. Esta situação é
agravada principalmente pelo baixo índice de participação dos profissionais,
que trabalham em instituição de saúde, nos treinamentos que são realizados, ou
mesmo pela não realização de atividades direcionadas à prevenção de tais
eventos.
4.5 Condutas adotadas após os acidentes
Quando questionamos aos profissionais entrevistados a respeito das condutas
adotadas imediatamente após a ocorrência do(s) acidente(s), constatamosmuitas
variações quando comparamos com as recomendações padronizadas nos casos de
acidentes envolvendo material biológico.
Apesar da imprecisão de alguns ao responderem esta questão, pudemos constatar
que a maioria não adotou as condutas recomendadas para o tratamento da região
afetada pelo material biológico e em relação ao processo de notificação e
acompanhamento sorológico pós-exposição. Acreditamos também que, provavelmente,
alguns profissionais tenham omitido alguma informação simplesmente por
esquecimento ou por não acharem o dado relevante em relação ao que foi
destacado nas seguintes falas dos profissionais:
"Sempre lavei com água corrente e sabão e também usei hipoclorito
fazendo compressão das lesões. No respingo no olho, também lavei com
água corrente e depois cm soro fisiológico." (TL2)
"Procurei me lavar rapidamente. Verifiquei se o paciente era do grupo
de risco, como não era, decidi aguardar para ver o que acontecia."
(M4)
Poucos profissionais, aparentemente, adotaram medidas compatíveis com os
acidentes sofridos, desde os primeiros cuidados com a área exposta até o
procedimento de notificação e acompanhamento sorológico, pois ainda existem
muitas dúvidas e equívocos, especialmente relacionados aos cuidados locais com
o ferimento em função de mitos e crenças infundadas.
Em caso de exposição acidental a material biológico, deve-se lavar
imediatamente a região afetada com água e sabão, também podem ser usadas as
soluções anti-sépticas degermantes, nos casos de exposições cutâneas ou
percutâneas. Já em caso de exposição de mucosa, lavar imediatamente o local
atingido com água corrente ou solução fisiológica, repetindo o procedimento de
maneira exaustiva, garantindo a limpeza completa do local. Não se recomenda a
lavagem do local com soluções irritantes para a pele ou mucosas (hipoclorito de
sódio, soluções alcoólicas, glutaraldeído, entre outros) ou a realização de
procedimentos que possam aumentar a área lesada (cortes, injeções)(13).
Em uma pesquisa sobre a compreensão da organização do trabalho em saúde por
meio da vivência dos trabalhadores envolvidos em acidentes de trabalho,
verificou-se que o desconhecimento das condutas a serem adotadas após o
acidente provocou ansiedade, preocupação e até medo nos profissionais
acidentados(12).
Quando questionamos a respeito das condutas relacionadas à busca de atendimento
especializado e notificação dos acidentes, grande parte dos profissionais
acidentados 18 (46,1%) declarou ter recorrido aos serviços de apoio a esse tipo
de ocorrência.
Entretanto, uma parcela representativa de profissionais 9 (23,1%) declarou não
ter notificado todos os acidentes envolvendo material biológico sofridos, ou
seja, geralmente notificaram aqueles considerados mais graves de acordo com a
sua percepção de gravidade.
Outros 12 profissionais (30,8%) nunca notificaram nenhum dos acidentes sofridos
envolvendo material biológico. Além disso, muitos desses, nunca procuraram
profissionais especializados no assunto para esclarecerem possíveis dúvidas
relacionadas aos acidentes sofridos. Quando manifestadas, as justificativas
para esse comportamento são variadas como:
"As probabilidades de contaminação para mim não eram tão certas."
(E2)
"Não. Não havia serviço de CCIH na época." (E4)
"Não. Como os pacientes não eram de grupo de risco, não vi
necessidade de fazer passarmos por estresse desnecessário." (M4)
Em um estudo sobre os acidentes perfurocortantes entre trabalhadores de
enfermagem de um hospital universitário, constatou-se um índice de
subnotificação desses acidentes de 29,92%, entretanto, as autoras afirmam que
se esse dado fosse obtido através de entrevistas com todos os profissionais de
enfermagem, este índice poderia ser bem maior, ou seja, provavelmente fossem
encontrados profissionais que se acidentaram e não registraram o fato em nenhum
dos dois serviços existentes(14).
4.6 Medidas de proteção utilizadas
Sem dúvida os equipamentos de proteção, especialmente, os equipamentos de
proteção individual (EPI) são fundamentais para o trabalho dos profissionais de
saúde garantindo a estes, padrões mínimos de segurança dentro de
estabelecimentos de saúde, visando a prevenção dos acidentes ocupacionais
envolvendo material biológico.
Entretanto, pesquisas têm demonstrado que muitos profissionais de diferentes
categorias ainda demonstram grande resistência em adotar adequadamente as
medidas preventivas recomendadas, e dentre estas estão os EPI que,
freqüentemente, são utilizados de maneira inapropriada.
Nesta pesquisa, muitos profissionais manifestaram dificuldade em especificar
com precisão todos os equipamentos de proteção utilizados no dia do acidente,
principalmente, em função do tempo decorrido desde o acidente e a data da
pesquisa como destacamos a seguir:
"Em alguns: luvas, gorro, máscara, capote. Outros, apenas luvas de
procedimento." (M2)
"No primeiro não usava óculos. Nos demais, às vezes estava com
luvas." (E2)
Alguns profissionais acabaram não mencionando a utilização de determinados
equipamentos que seriam obrigatórios para a realização dos procedimentos
associados à ocorrência do acidente. Só não podemos afirmar se estes
equipamentos não foram lembrados por esquecimento ou pelo próprio
desconhecimento e/ ou não distinção dos EPI como ressaltamos:
"Máscara facial." (M3) Acidente durante procedimento cirúrgico.
"Capote, luvas e instrumental cirúrgico." (M5) Acidente durante
procedimento cirúrgico.
Os resultados de uma pesquisa sobre os riscos de contaminação ocasionados por
acidentes de trabalho com material perfurocortante entre trabalhadores de
enfermagem, demonstraram que a continuidade de ocorrência de acidentes com os
mesmos trabalhadores, em períodos anteriores e posteriores a 1999, reflete a
falta de adoção de medidas preventivas e/ ou que as medidas adotadas necessitam
ser reavaliadas(3).
4.7 Situação vacinal dos profissionais
Quando questionamos aos profissionais a respeito da sua situação vacinal,
constatamos que 29 (74,3%) dos profissionais entrevistados afirmaram estar com
as doses das vacinas contra tétano e hepatite B completas na época dos
acidentes, o que representa uma baixa cobertura vacinal entre os profissionais
pesquisados.
Entretanto, 6 (15,4%) profissionais informaram estar imunizados apenas contra o
tétano quando se acidentaram e, apenas 2 (5,1%) declararam estar imunizados
apenas contra a hepatite. Outros 2 não souberam informar precisamente sobre sua
situação vacinal na época do acidente.
Em uma pesquisa realizada sobre os riscos de contaminação ocasionados por
acidentes de trabalho com material perfurocortante entre trabalhadores de
enfermagem verificou-se que dos 30 profissionais acidentados, 27 (90,01%)
apresentavam esquema completo de imunização contra a hepatite B quando da
ocorrência do acidente, 2 (6,66%) necessitaram receber uma dose da vacina como
reforço e, 1 (3,33%) iniciou o esquema completo após o acidente(3).
Em Goiânia a Secretaria Estadual de Saúde disponibilizou a vacina contra a
hepatite B aos profissionais a partir de 1992 e, mesmo assim, somente 59, 2%
dos participantes de um estudo sobre o perfil soroepidemilógico da infecção
pelo vírus da hepatite B em profissionais das unidades de hemodiálise de
Goiânia tinham recebido as três doses recomendadas da vacina. Além disso,
apenas 20 (50%) profissionais susceptíveis à infecção pelo VHB aderiram à
imunização realizada(15).
5. CONCLUSÕES
Acreditamos que a experiência de passar por um acidente ocupacional envolvendo
material biológico potencialmente contaminado é algo extremamente individual e,
provavelmente, cada profissional enquanto indivíduo adotará comportamentos e
condutas diferenciadas considerando-se um mesmo tipo de acidente nas mesmas
condições.
O significado do acidente para cada profissional está diretamente associado aos
conceitos, valores, princípios de vida e conhecimentos do indivíduo sobre o
assunto, ou seja, de acordo com sua percepção de todo contexto relacionado ao
acidente.
Constatamos que a adoção de condutas adequadas pós-exposição nem sempre está
associada ao nível de escolaridade do profissional acidentado mas,
provavelmente, relacionadas ao significado do evento para o mesmo, ou seja, um
acidente pode ser considerado importante para um indivíduo e para outro não. No
ambiente hospitalar parece estar arraigado o sentimento de "naturalização" dos
riscos ocupacionais, ou seja, a incorporação dos acidentes de trabalho enquanto
componentes da rotina de trabalho inclusive na instituição pesquisada.
Verificamos que muitos profissionais não dispensam atenção necessária em
relação aos cuidados com a própria saúde, menosprezando ou ignorando, muitas
vezes, os riscos relacionados aos acidentes envolvendo material biológico. A
convivência cotidiana com ambiente insalubre ou de risco, pode diminuir a
percepção das pessoas sobre a necessidade de adotar medidas preventivas para a
sua própria segurança.
Identificamos a necessidade de realização de treinamentos, cursos, entre outros
instrumentos de educação, reforçando os diferentes riscos envolvidos nos
acidentes com materiais biológicos, além da importância da utilização adequada
das medidas preventivas incluindo as precauções padrão.
Consideramos necessária a estruturação e implementação de um sistema efetivo de
vigilância e controle rigoroso dos acidentes evolvendo material biológico
incluindo os provenientes de materiais perfuro-cortantes, respingos em mucosas
em pele íntegra ou lesada, entre outras possibilidades.
Além disso, recomendamos a estruturação e/ ou ampliação de um programa voltado
para uma melhor assistência à saúde do trabalhador como um todo, incluindo um
programa de imunização dos profissionais de saúde segundo a natureza das
atividades exercidas pelos profissionais.