Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRCVHe0034-71672006000100015

BrBRCVHe0034-71672006000100015

variedadeBr
ano2006
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

A humanização e seus múltiplos discursos: análise a partir da REBEn REVISÃO

A humanização e seus múltiplos discursos - análise a partir da REBEn

Humanization and its multiple discourses - an analysis from REBEn's content

Humanización y sus multiplos discursos - una analisis a partir de la REBEn

Caroline Pimenta de OliveiraI; Maria Henriqueta Luce KruseII IEnfermeira. Educadora Polpular. Militante da ANEP-RS IIEnfermeira. Professor Adjunto da Escola de Enfermagem da UFRGS. Doutora em Educação. Chefe do Serviço de Enfermagem Cirúrgica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Membro do Núcleo de Estudos Culturais e Sociais do Cuidado da Escola de Enfermagem da UFRGS. kruse@uol.com.br

1. INTRODUÇÃO Os diferentes discursos sobre a humanização da assistência à saúde e as transformações ocorridas em seu significado ao longo do tempo nos fizeram questionar a assistência à saúde prestada aos indivíduos e as características que lhe eram conferidas para torná-la humanizada. Desde quando é utilizada esta palavra e a que veio? Quais os sentidos que lhe são atribuídos? Em nosso entendimento, durante a formação não temos esclarecimentos suficientes sobre o tema, embora seja freqüente a referência à humanização como norteadora das ações de enfermagem.

A leitura de artigos de periódicos revelou a existência de um grande número de textos que, em seu título, fazem referência à humanização. Assim, nos propomos a compreender esta temática que envolve os profissionais que prestam cuidado ao paciente e fundamenta a prática de saúde proposta pelo governo, desde a atenção primária até a mais especializada. Partimos do princípio de que estas práticas são construções discursivas, que geram relações de poder e estão circunscritas a um determinado contexto histórico e cultural, que toda a verdade é parcial e provisória e resulta das disputas que se travam nos diferentes âmbitos(1). Nossa curiosidade também foi despertada pela percepção de que a humanização era referenciada a partir de diferentes expressões e significados que lhe foram sendo atribuídos ao longo do tempo.

O termo humanização tem sido empregado constantemente no âmbito da saúde. É a base de um amplo conjunto de iniciativas, mas não possui uma definição. Existem autores que colocam a humanização como a busca da atenção, além da técnica e preocupação com a doença. Vêem a humanização como a necessidade de avaliar o ser humano levando em consideração suas características pessoais. Aliado a isso, temos observado argumentações que se preocupam em modificar determinadas práticas, principalmente quanto à melhoria e qualificação da assistência através da atenção ao profissional de saúde, com o objetivo de torná-la humanizada, sendo atribuídos a este termo que estas são defendidas por cada categoria, à sua maneira. Buscamos refletir sobre os significados deste termo, suas marcas específicas e a que estão relacionados entendendo-os como sentido, ou acepção da palavra(2).

Assim, as questões que emergem da problematização deste tema são: que significados sobre humanização são encontrados na literatura de enfermagem? Como se a construção desse discurso? influência destes significado nas políticas de saúde? Acreditamos que este trabalho poderá contribuir para uma maior compreensão sobre a humanização da assistência à saúde, pois ao estudar os significados que esta palavra foi adquirindo ao longo do tempo será possível conhecer o modo como se tem pensado assistência à saúde de maneira humanizada e que aspectos são priorizados para a sua consolidação.

2. MÉTODO O estudo foi desenvolvido, num primeiro momento, através de uma pesquisa bibliográfica, pois esta permite ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos mais ampla do que aquela que se poderia pesquisar diretamente(3).

Este tipo de pesquisa é desenvolvido a partir de material elaborado, em livros e artigos científicos, e tem por objetivo colocar o pesquisador em contato com o que foi escrito sobre o assunto, permitindo aprimorar os conhecimentos e explorar novas idéias.

Inicialmente, percorremos os passos da pesquisa bibliográfica: formulação do problema, elaboração do plano de trabalho, identificação, localização e obtenção de fontes, leitura do material e confecção de fichas de documentação.

No entanto, a análise do material encontrado foi inspirada na tese de Palamidesi(4) que descreve um método denominado hipótese de leitura. Esta se caracteriza por ser uma leitura interessada, que varia de acordo com aquele que e que se distingue por sua provisoriedade, pois parte do princípio de que nada é natural, que é construído histórica e socialmente e compõe a cultura.

Ao analisar os artigos publicados na Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn), observamos que nela se encontra um rico painel sobre a enfermagem brasileira, desde seu início, no Brasil do século passado. Na REBEn se encontram as vozes que estão autorizadas a falar pela enfermagem, está quem pode praticar o discurso válido sobre a profissão, dizer o que é verdadeiro, estão os discursos possíveis, isto é, aqueles que estabelecem o que pode ser pensado, escrito e dito sobre a enfermagem(5). Para analisar os significados desta palavra que se articulam, utilizamos a REBEn como um mapa indicativo dos caminhos a serem trilhados. A REBEn nos remeteu a textos que tratam desta temática, onde localizamos os significados que foram atribuídos a esta palavra de modo que ao serem organizados em uma determinada ordem, compõem um conjunto de conhecimentos sobre o tema. Nestas análises destacamos os discursos sobre a humanização. Tomamos discursos como capazes de produzir subjetividades, isto é, influenciar naquilo que pensamos de nós mesmos e do mundo(6).

Pensamos em "não mais tratar os discursos como conjunto de signos(...) mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam"(6). Assim, olhamos para estes discursos não para tomá-los como documentos de uma verdade sobre os sentidos da humanização, mas como monumentos de sua construção(6).

A identificação e localização das fontes que foram utilizadas neste estudo foi possível através de busca no Sistema de Automação de Bibliotecas da UFRGS e na Internet, acessado através dos computadores do Núcleo de Informática da Escola de Enfermagem da UFRGS, no período de janeiro a março de 2005. Também foi feita pesquisa manual no acervo da Associação Brasileira de Enfermagem Seção RS e na Biblioteca da Escola de Enfermagem da UFRGS, no mês de abril e maio de 2005.

Nos artigos científicos publicados na Revista Brasileira de Enfermagem selecionamos aqueles que faziam referência à humanização no seu título, além de material disponibilizado pelo Ministério da Saúde que abordava o tema.

Obtivemos como resultado da busca 14 artigos, publicados de 1973 a 2004.

As palavras-chave relacionadas ao objetivo do trabalho foram: humanização, cuidado humanizado e assistência humanizada. Em relação aos aspectos éticos, as normas de autoria foram respeitadas, sendo que todas as obras utilizadas têm seus autores citados e referenciados.

3. RESULTADOS 3.1 Humanização como característica da enfermagem profissional em oposição ao Modelo Hegemônico Um primeiro conjunto de significados para a humanização da assistência está relacionado ao ideal da profissão de enfermagem e o impacto sofrido, na década de 70, relativo ao modelo assistencial biomédico, que se caracterizava pelo tratamento da doença, pelas práticas curativas, dando ênfase ao conhecimento científico. Momento em que a aplicação e modernização das técnicas e a evolução da ciência médica pressionavam por mudanças nas atitudes para alcançar um bom desempenho das funções, ocasionando a perda daquilo considerado a raiz essencial da profissão: o amor ao próximo(7). A enfermagem era considerada o centro da assistência humanizada, o que era encarado como algo natural, inerente à profissão, que ela englobava atributos como amor, compaixão, tolerância, benevolência, dedicação, compreensão, respeito ao próximo, valorização do homem, de seus problemas e aspirações e, principalmente atenção ao elemento espiritual.

A década de 70 foi distinguida como a década do grande avanço tecnológico e progresso científico, mecanização, mudanças nas características do trabalho, valorização da especialização e o domínio da racionalidade, o que se configurou como intimidação aos princípios que norteavam a profissão de enfermagem, que na ânsia de adequar-se aos moldes da época, instrumentalizou-se profissionalmente, o que teria desviado a atenção do paciente(7). Com isso, teriam se perdido aspectos tradicionais da profissão, tornando o cuidado desumanizado. Nos centros urbanos, nesta época, se concentravam a maioria das instituições de saúde, prevalecendo nestas as interações formais, o individualismo, o utilitarismo, a burocratização das funções e estes fatores diminuíam o espírito humano das relações e das condutas(8).

A Enfermagem não poderá fugir ao processo de evolução global da sociedade. Será mais ou menos lento e inexorável (...). No entanto, a burocratização e formalização das interações são fatos crescentes nos grandes hospitais e a enfermeira está se distanciando cada vez mais do seu objetivo principal, que é o paciente(8).

Em que se fundamentava essa afirmação de que era a enfermagem a profissão responsável pela assistência humanizada? Em todo o material analisado encontramos que a enfermagem tinha como objetivo principal a preocupação com os sentimentos do próximo, o respeito e compaixão, o contato direto com o paciente, a busca de valores humanos e espirituais e a reflexão sobre o homem e a concepção da vida. Isso pactuava o comprometimento da atuação da enfermeiraa com o ser humano e legitimava o cuidado como humanizado.

Esta possível evolução da enfermagem e sua adequação às práticas científicas e ao modelo biomédico, hegemônico na época, eram consideradas uma recusa ao compromisso profissional, constituindo uma ameaça à humanização da assistência, visto que se não houvesse este comprometimento da enfermagem com as características humanas, não haveria outro profissional capacitado para tal prática. Frente a esta situação pautavam-se discussões sobre os modos de pensar a humanização como uma prática delicada, quase maternal de abrigar o ser humano, confortá-lo, apoiá-lo, compreendê-lo, ser solidário a ele e impedir que a tecnologia dominadora abalasse esse ideal.

A reflexão sobre o significado da humanização demonstra que, nos primeiros artigos da REBEn, o discurso sobre a humanização surge com a preocupação de legitimar uma profissão, idealizada a partir de princípios norteados por uma prática humanitária e com o intuito de afirmar essa prática humanitária para si. Esta preocupação resulta em um modelo de atendimento, centrado na biologia e na medicina, que afastaria os trabalhadores de enfermagem dos ideais tradicionalmente cultivados. Deste modo, a enfermagem se mantinha resistente ao modelo assistencial vigente por acreditar que ele desumanizava qualquer prática em saúde.

Numa situação conflitiva, qualquer ser humano necessita de assistência, de apoio. A palavra serena e persuasiva do enfermeiro e a sua atenção têm significado gratificante para o paciente; muitas vezes a sua simples presença é terapêutica. (...) O paciente precisa de alguém para expor seus problemas, suas preocupações e seus conflitos e é o enfermeiro que está apto para ouvi-lo, compreende-lo e incentiva-lo(9).

3.2 Humanização associada ao conhecimento científico Mantendo um fio cronológico de reflexão percebemos a inserção de outros valores e considerações na prática assistencial que, sutilmente, transformam o significado da humanização à assistência em saúde. Mesmo persistindo a afirmação de que a principal característica da humanização é o relacionamento pessoa a pessoa e, que humanizar pressupõe o desenvolvimento da sensibilidade, respeito e solidariedade para com os semelhantes, não mais, nos artigos analisados, publicados nas décadas de 80 e 90, uma oposição aos princípios científicos e tecnológicos. Pelo contrário, a enfermagem tenta munir-se de ferramentas com respaldo científico para comprovar sua prática e tem no Processo de Enfermagem o instrumento de humanização do paciente.

Se a assistência de enfermagem na realidade visa à humanização do paciente, os instrumentos e a metodologia empregados precisam encontrar o seu respaldo técnico-científico (...). A pessoa humana como centro das atenções deve ser respeitada também no manejo adequado da recuperação de sua saúde. Visando a ordenar as intervenções, está sendo adotado o processo de enfermagem como instrumento sistemático do estágio de maturidade em que entra a profissão atualmente. É o sinal certo da melhoria do nível teórico da enfermagem também no Brasil(10) .

Assim, através da implementação do Processo de Enfermagem(10) pode-se identificar as necessidades de saúde do paciente e de sua família, fazer diagnósticos de enfermagem e, a partir deles, elaborar o plano de cuidados. Do mesmo modo, este Processo quando bem implementado auxiliaria também a equipe multiprofissional, qualificando o atendimento e promovendo a satisfação dos profissionais envolvidos.

Nos artigos publicados observamos a descrição da enfermagem como uma profissão que "acredita" no homem como um todo. Sua fundamentação científica seria procedente principalmente das ciências naturais e das ciências sociais o que, por si , estimularia a equipe aos estudos e atualizações permanentes. Neste significado de humanização da assistência, que evidencia suas mutações, agrega-se a preocupação com o sujeito enquanto paciente, bem como algumas considerações acerca da equipe de enfermagem, destacando a integração e motivação entre seus membros, a qualidade do atendimento prestado, o respaldo técnico-científico das ações implementadas, as boas condições de trabalho, a habilidade na comunicação interpessoal e a integração com toda a equipe hospitalar. Reforça-se que através da humanização da equipe de trabalho se alcançaria a humanização da assistência e, portanto, o cuidado bio-psico- social.

Quando se fala de uma equipe humanizada imagina-se que todos mantêm compromisso e estão dispostos a proporcionar uma assistência sistematizada, fundamentada em princípios científicos, valorizando os aspectos técnicos dos cuidados a serem desenvolvidos e ressaindo-se nas abordagens humanas de compreensão, sentimento de interação entre enfermeiro-criança, ajudando a manter o equilíbrio físico- emocional, através da comunicação que se estabelece pessoa a pessoa e pessoa/ ambiente(11).

Neste novo significado da humanização cabe a enfermeira sistematizar as ações, lidar com estas considerações e avaliar suas repercussões. Nesta época ainda é reforçado o significado da humanização como prática inerente ao profissional da enfermagem, no entanto percebemos que a família é incluída na assistência, sendo valorizada a sua participação no cuidado.

É lembrado também, neste período, que a orientação e acompanhamento, após a alta hospitalar, fazem parte de uma assistência humanizada. E que a educação em saúde é primordial neste sentido. Ao considerar aspectos que fogem a prática inteiramente hospitalar nos parece que uma sinalização da aproximação do significado da humanização com as políticas governamentais, visto que, em 1988, a Constituição Federal reconhece a saúde como direito de todos e dever do Estado, tendo importante papel, tanto na redução do risco de doença e de outros agravos, quanto no acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e, portanto, não recuperação.

3.3 Humanização: da reafirmação dos significados tradicionais à busca pela adequação á nova política de saúde A partir de 2000 a REBEn apresenta uma série de abordagens sobre a humanização da assistência, desde um resgate de valores passados que reforçam as convicções da prática da enfermagem até a analogia entre humanização, enfermagem e as atuais políticas de saúde. Chama a atenção o grande número de publicações entre 2000 e 2005. Neste mesmo período, é definida pelo Ministério da Saúde (MS), uma política nacional que visa mudanças no modelo de atenção e gestão na área de saúde, a Política Nacional de Humanização (PNH) Humaniza SUS. No site do MS é referido que se trata da construção de uma política de qualificação do SUS, tendo a humanização como uma das dimensões fundamentais, não podendo ser entendida apenas como um "programa" a mais a ser aplicado aos diversos serviços de saúde, mas como uma política que opera transversalmente em toda a rede do SUS(12) .

Nos artigos deste período, observamos referências a uma boa comunicação como um fator importante para a assistência humanizada, sendo a mesma referida como o grande veículo pelo qual a humanização pode ser praticada. Portanto, ao que parece oferecer apoio emocional, acesso a informações e conversar com o cliente, estimulando-o a manifestar seus sentimentos torna a assistência mais humanizada(13).

Através do estabelecimento da comunicação ocorre a interação entre enfermeiro e cliente, propiciando identificar e compreender os fatores causadores de ansiedade, desconforto e medo, sentimentos presentes no pré-operatório do cliente, e, consequentemente haverá a redução desses sentimentos, tornando a assistência adequada, isto é, humanizada(13).

Aliado a isso, é referido que a empatia seria instrumento de consolidação da comunicação entre equipe de enfermagem e paciente, o que reafirmaria o cuidado como humanizado. Sendo assim, a qualificação da equipe de enfermagem é buscada através da valorização da interação entre enfermeira e paciente, promovida pela comunicação e empatia. Aponta-se a necessidade de assunção de responsabilidade compartilhada entre os enfermeiros no sentido de buscarem continuamente o resgate do valor da arte da enfermagem entendida em sua configuração mais plena, de modo que a humanização seja prestigiada e demonstrada através das competências em comunicação como uma das maneiras para o alcance de maior eficiência e de melhor qualidade do cuidado prestado, redundando em satisfação no trabalho através do exercício da empatia e da solidariedade(14).

A família aparece novamente como importante fator de efetivação da assistência humanizada, conforme ressaltado por Medina e Backes(13) , que relatam que a presença do familiar, junto ao cliente hospitalizado, contribui significativamente para o sucesso do tratamento, pois o desligamento da família traria distúrbios psicológicos influenciando no desenvolvimento físico, mental e social da pessoa refletindo na recuperação de sua saúde. A participação da família na assistência humanizada é reforçada A assistência humanizada ao paciente com câncer e seus familiares consiste no emprego de atitudes que originem espaços que permitam a todos verbalizar seus sentimentos e valorizá-los; identificar áreas potencialmente problemáticas; auxiliá-los a identificar a fonte de ajuda, que pode estar dentro ou fora da própria família; fornecer informações e esclarecer suas percepções; ajudá-los na busca de soluções dos problemas relacionados ao tratamento; instrumentalizá- los para que tomem decisões sobre o tratamento proposto; e levar ao desempenho de ações de auto-cuidado, dentro de suas possibilidades(15).

Na análise observamos que diversos autores buscaram a teoria humanística para fundamentar teoricamente a implementação das práticas de enfermagem e inserir a humanização na equipe de trabalho. A argumentação pauta-se na idéia de que a enfermagem tem respaldo nesta teoria, visto que o humanismo é um valor cultivado pelos profissionais e que o mesmo procura atingir o equilíbrio entre a técnica e o comportamento humanitário, tentando compreender o ser humano e os fenômenos vividos por ele. Por isso, ressalta-se, em diferentes trechos das leituras, a importância do conhecimento de si próprio, da valorização do homem como pessoa, da preocupação com o cuidador, do diálogo e da interação entre as pessoas.

A partir da teoria humanística, pôde-se interagir melhor com os membros dessa equipe, oferecendo um espaço para o diálogo para que, desta forma, pudessem ser exteriorizados os sentimentos. Acreditamos na importância desta prática tanto para nós, como enfermeiros, quanto para a equipe de trabalho da unidade de oncologia porque reconhecemos que a interação e o diálogo vivo podem ser utilizados como prática assistencial, permitindo que se possa estabelecer e atingir objetivos compartilhados(15).

Integrando ainda os artigos analisados, publicados a partir de 2000, se tem a afirmativa de que humanizar significa reconhecer as pessoas que buscam nos serviços a resolução de suas necessidades de saúde, como sujeitos de direitos, munidos de sua individualidade, de autonomia, ressaltando alguns princípios éticos que devem ser considerados pela equipe na relação com o usuário. A inclusão dos demais profissionais de saúde, bem como dos gestores, aparece como importante fator de validação da humanização, porém, ainda toma-se como referência o profissional de enfermagem como imprescindível para a efetivação de uma assistência humanizada. Collet e Rozendo(16) afirmam que a enfermagem tem papel fundamental nesse processo pois resgata em sua prática profissional a humanização como aspecto fundamental de seu trabalho e é quem mais tem produzido conhecimento acerca do tema. As autoras citam ainda a preocupação com a equipe de trabalho, entendendo que o processo de humanização se produz e reproduz nas relações entre profissional e usuário e dos profissionais entre si, por isso é necessário qualificar a equipe de trabalho, através de uma formação adequada, aperfeiçoamento constante e melhoria das condições de trabalho.

Retoma-se, então, a discussão sobre tecnologia e implementação de uma prática humanizadora. Estes termos: tecnologia e humanização apresentariam um ponto em comum, são complexos e difíceis de definir. É destacado que o modelo biomédico, centrado nas práticas hospitalares é predominante, além de utilizar uma tecnologia impregnada no cotidiano. Meyer(1) refere que essas tecnologias não apenas colocam em dúvida a origem divina do humano, mas colocam em xeque, isto sim, a originalidade do humano. Collet e Rozendo(16) complementam este significado ao evidenciar que o cuidado é prestado ao ser humano e isto, essencialmente, implica em cuidado humanizado, por ser produzido por humanos.

Desta forma o profissional esquece de humanizar o cuidado, justamente por entendê-lo como humanizado e presta uma assistência mecanizada, tecnicista e não-reflexiva. As autoras colocam que a tecnologia não pode ser vista como opositora de um processo de humanização, visto que se deve ver a tecnologia como interdependente e complementar para a construção de uma assistência humanizada e integral. Seguindo este significado, a noção de uma humanidade essencial e original, representada agora como mais próxima do feminino, absolutamente diferente e separada da tecnologia, representada agora como masculina, ainda se sustenta? A que ela serve? Onde termina, hoje, o humano do corpo e começa a máquina? Ou, talvez fosse melhor inverter a pergunta, sobretudo na área da saúde: onde termina a máquina e começa o humano? Ou, será que ainda sabemos ou podemos cuidar do humano sem interposição da máquina? Ainda poderíamos ser as enfermeiras que somos e promover os cuidados que prescrevemos se nos desconectarmos das máquinas e equipamentos e deixarmos de implementar a multiplicidade de procedimentos e técnicas tecnologicamente fundamentadas que povoam e configuram nossos ambientes de trabalho(1)? O que se deve redefinir, segundo a autora, é o que se entende por humano para que a partir daí reconfigure-se o sentido de humanização.

Concomitante aos significados evidenciados, começam a ser abordadas questões da assistência baseadas na nova política de saúde, a humanização do Sistema Único de Saúde Humaniza SUS, vista agora como um modelo assistencial, que aponta para a saúde como direito social.

Aqueles que atuam nas equipes de Saúde da Família, quer sejam médicos e enfermeiros, assim como outros profissionais de saúde incorporados, como auxiliares de enfermagem e os agentes comunitários, devem estar cônscios da responsabilidade individual de esclarecer os usuários sobre questões que lhes são mais afeitas, assim como cabe aos gestores dos Programas criarem condições para o estabelecimento de uma cultura institucional de informação e comunicação que leve em conta as condições sócio-culturais de cada comunidade atendida(17).

A preocupação com a saúde coletiva ganha espaço e o suprimento às necessidades e demandas de saúde da população passa a ser vista como via possível para a aplicabilidade prática do novo modelo assistencial. Assim, a humanização exige uma reflexão sobre a comunidade e a forma de tornar humana sua condição de vida, considerando os recursos disponibilizados.

Falo de estratégias e experiências no campo da saúde coletiva como o Acolhimento, que consiste em uma 'ferramenta leve' utilizada para promover mudanças no processo de trabalho em Unidades de Saúde US, com vistas a garantir o acesso universal aos serviços de saúde, humanizado-os, tornando-os resolutivos e de qualidade, em que as necessidades de saúde dos usuários se tornem responsabilidade de todos os trabalhadores de saúde (...) É uma proposta que pretende viabilizar a implantação do SUS, com todos os seus princípios e diretrizes humanizantes, sendo para isso necessário a reorganização dos serviços de saúde, a partir do processo de trabalho, num movimento que envolve toda a equipe da unidade(17).

O acesso a ações para a manutenção da vida, o vínculo que buscaria aproximar as relações, a importância de responsabilizar o profissional de saúde pelo usuário, tornando assim a equipe de saúde referência para o indivíduo e para o coletivo integram-se também, segundo a autora, como características da humanização da assistência. Enquanto isto, dentro dos hospitais providencia-se modificações profundas na qualidade da assistência nas diferentes áreas, com ações específicas e condutas efetivas que caracterizem um atendimento integral, buscando o bem-estar do usuário. O significado da humanização da assistência encontra agora respaldo na modificação do modelo assistencial e na nova Política Nacional em implementação que, segundo alguns de seus princípios, citados no marco teórico da PNH, referem à dimensão subjetiva e social das práticas de atenção e gestão do SUS, fortalecendo o compromisso com os direitos do cidadão, o apoio à construção de redes cooperativas, solidárias e comprometidas com a produção de saúde, a construção de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos implicados na rede do SUS, o fortalecimento do controle social com caráter participativo, bem como o compromisso com a democratização das relações de trabalho e valorização dos profissionais de saúde.

3.4 Analisando os discursos Para melhor compreensão sobre o nosso estudo é importante esclarecer que tomamos discursos em uma visão pós estruturalista, tal como entendido por Michel Foucault(19). Este conhecido e instigante filósofo francês diz que o discurso, mesmo aparentemente pouco significativo, pode revelar sua ligação com o desejo e o poder. Ele não é simplesmente aquilo que traduz as lutas, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos assegurar.

Usamos suas palavras para que nos auxiliem na compreensão dos sentidos que são atribuídos aos discursos: em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade(19).

Portanto, pautadas neste referencial, fazemos uma das possíveis análises dos discursos que circulam na REBEn, tomando-a como produtora de múltiplos discursos sobre a humanização. Desta forma, entendemos que além da Revista ser detentora do direito privilegiado da fala, visto que tem legitimidade histórica para a profissão, ela também separa e rejeita discursos, o que fica evidenciado nas múltiplas mudanças que ocorreram nos significados da humanização da assistência, modificações estas sustentadas por condições de possibilidade e por um emaranhado de relações. Além disso, estes discursos têm uma vontade de verdade, considerada por Foucault(19) como mais um procedimento de controle e delimitação do discurso. Essa vontade de verdade, afirma o autor, é reforçada por todo um compacto conjunto de práticas como o sistema dos livros e da edição.

Mas ela também é reconduzida, mais profundamente sem dúvida, pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído (...). Enfim, creio que essa vontade de verdade assim apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional tende a exercer sobre os outros discursos estou sempre falando de nossa sociedade uma espécie de pressão e como que um poder de coerção(19).

Assim, os discursos seriam possuidores de mecanismos de controle, de delimitação e regras de formação. Entendem-se como regras de formação as condições de existência, de coexistência, de manutenção, de modificação e de desaparecimento, em uma dada repartição discursiva(5). Ao olhar para os discursos sobre a humanização oferecidos pela REBEn identificamos que as condições do seu aparecimento afirmam as características do profissional de enfermagem em oposição ao modelo hegemônico, para associar o significado de humanização ao conhecimento científico e, para reafirmar seu tradicional significado e adequá-lo a nova política de saúde. É necessário ainda identificar quem os delimitou, quem reconhecidamente competente os instaurou, e aqui temos como instâncias delimitadoras: a enfermagem, o governo e a tecnologia. A enfermagem e suas instituições, na medida em que afirmam no seu ideal e nas suas práticas o que significa a humanização. O governo, ao instituir um modelo assistencial hegemônico centrado na medicina e que exclui o atendimento integral a população e, mais tarde, na incorporação da humanização como princípio de sua gestão e atuação. E a tecnologia, representada pelos conhecimentos e instrumentos que produzem determinados modos de fazer e cuidar, e que aqui é considerada como oponente no processo da humanização da assistência.

Seguindo uma cronologia crescente, associada aos sentidos que se apresentam em cada época distinta, os discursos buscam suprir a necessidade de mostrar a que vieram e até onde vão, para que possam designar e diferenciar aquilo a que se referem. Após compreendermos como se forma aquilo que entendemos por humanização, através das suas condições de aparecimento e instâncias de delimitação é que podemos, finalmente, especificá-los. E aqui, afirmar que a REBEn traz, nos primeiros artigos da década de 70, a humanização da assistência como o amor ao próximo, a demonstração de interesse humano pelo outro, o modo humano de ser despertando o sentimento de solidariedade, a preocupação com as questões espirituais, a tolerância, a benevolência, a compreensão e respeito mútuo, a delicadeza, a cortesia, a paciência, o relacionamento pessoa a pessoa, a sensibilidade, o comprometimento com as relações humanas e o envolvimento com a vida e com o ser humano.

Num segundo momento, nos artigos da década de 80 e 90, temos a ampliação de outros sentidos como definidores da humanização da assistência, são eles: a atenção com as condições do ambiente de trabalho, a motivação da equipe de enfermagem, a implementação do processo de enfermagem, a compreensão das ciências humanas e sociais, a assistência sistematizada fundamentada em princípios científicos, a destreza nos cuidados técnicos, o auxílio na manutenção do equilíbrio físico-emocional, a interação com a família e a orientação e acompanhamento após a alta hospitalar.

No terceiro momento, nos artigos escritos após 2000, é interessante ver que aparecem muitos significados distintos sobre a humanização da assistência, que vão desde a reprodução de significados anteriores, que reafirmam o que foi dito, até o aparecimento de outros, como: a comunicação interpessoal efetiva, a aplicação integral do conhecimento do profissional que presta assistência, a fundamentação na teoria humanística, o reconhecimento da autonomia das pessoas, o respeito à tomada de decisão individual, o direito a informação, a atenção aos aspectos éticos envolvidos no cuidado, a presença do usuário nas decisões que envolvem as políticas de saúde, a inclusão de práticas alternativas de tratamento de doenças, a implementação do acolhimento, o vínculo entre a equipe de saúde e o usuário e a comunidade da qual ele faz parte, o acesso universal aos serviços de saúde do micro ao macro local, o reconhecimento de todos os profissionais envolvidos na atenção como essenciais para a sua efetivação, a modificação estrutural e ambiental dos locais de atendimento, a empatia, o ouvir, o cuidado individualizado, a visão holística do paciente, as novas formas de gestão das instituições, a necessidade de sensibilização dos dirigentes e idealizadores das políticas de saúde e o investimento na qualidade da assistência e dos programas de saúde.

Ao analisar os discursos produzidos acerca da humanização da assistência observamos que não uma explícita anulação de um em relação ao outro. Para esclarecer os nossos leitores, informamos que as análises foram se desenrolando sem ter a preocupação de considerar algum significado verdadeiro ou falso. Para Foucault(19) os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem, estabelecendo um princípio de descontinuidade. Ao mesmo tempo, este autor diz que não basta transformar o discurso num jogo de significações e imaginar que, partindo do que nos é apresentado, teremos que decifrar o que ele significa. Temos sim, a partir do discurso, que passar para as condições externas de sua possibilidade, por isso não é suficiente apenas identificar a que vieram, quem os delimitou e o que são e não são, temos ainda que compreender o seu sistema de formação, o problema, na realidade, é saber o que os tornou possíveis e como essas "descobertas" puderam ser seguidas de outras que as retomaram, corrigiram, modificaram ou eventualmente anularam(5).

O autor afirma, ainda, que as condições de aparecimento de um discurso, isto é, as condições históricas para que se possa dizer alguma coisa e para que várias pessoas possam dizer coisas diferentes sobre alguma coisa são numerosas e importantes e que não se pode falar de qualquer coisa em qualquer época, mas uma complexa trama de relações que permitem o aparecimento ou desaparecimento dos discursos. Essas relações podem ser estabelecidas entre instituições, processos econômicos e sociais, formas de comportamentos, sistemas de normas, técnicas, tipos de classificação, modos de caracterização(5). Além disso, estas relações não estão ali presentes num significado em si, não ficam evidentes apenas quando se faz a análise do que é humanização, mas são estas relações que permitem que os discursos apareçam, que lhes justapõe significados, que possibilitam que nos situemos em relação a eles, que suas diferenças fiquem claras e, assim, nos interpelem, ou não.

Por isso, ressaltamos a importância de compreender o conjunto de relações que possibilitou esta compreensão que ora apresentamos do que seria humanização da assistência e, neste sentido, entendemos que a humanização surgiu na REBEn a partir de relações que foram estabelecidas entre suas instâncias de aparecimento, de delimitação e de especificação. Para que seja possível compreender o que analisamos, destacamos que a análise do discurso não vai revelar a universalidade de um sentido, mas os seus múltiplos significados, os domínios de parentesco com outros objetos, as relações de semelhança, de vizinhança, de afastamento, de diferença, de transformação, o que traz à luz do dia um poder fundamental de afirmação (19).. Assim, os discursos povoam a sociedade e ditam os significados das coisas a partir de uma trama de acontecimentos que os permitem existir. É interessante perceber que o que é dito por quem reconhecemos como apropriados do saber é aceito como legítimo e é disseminado, compondo o que são denominados de acordos de verdade.


transferir texto