Análise da atuação do enfermeiro na gerência de unidades básicas de saúde
INTRODUÇÃO
A gerência constitui um importante instrumento para a efetivação das políticas
de saúde, pois incorpora um caráter articulador e integrativo, em que a ação
gerencial é determinada e determinante do processo de organização dos serviços
de saúde(1).
Em cada organização é necessária a atuação de gerentes que têm o papel de
solucionar problemas, dimensionar recursos, planejar sua aplicação, desenvolver
estratégias, efetuar diagnósticos de situações, garantir o desempenho de uma ou
mais pessoas entre outras atividades que são imprescindíveis para o desempenho
da mesma(2).
Nesse contexto, a ação gerencial numa unidade básica de saúde caracteriza-se em
grande parte pela análise do processo de trabalho, com identificação de
problemas e busca de soluções para reorganização das práticas de saúde, na
tentativa de alcançar as metas descritas no planejamento. Portanto, o gerente
atua como interlocutor e mediador do processo de trabalho(3).
É necessário a participação da academia e dos serviços, num esforço conjunto
para rever as práticas e as intervenções necessárias, no âmbito gerencial,
repensando as dicotomias existentes entre os propósitos e projetos de formação
da força de trabalho em saúde e propósitos e projetos dos serviços, implicando
em mudanças na visão de mundo, de idealista para realista(4).
Com o advento do Programa de Saúde da Família como modelo de atenção básica e
centro ordenador da rede de atenção à saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) e
sua grande expansão no país, é de suma importância que se conheça e se defina
um modelo de gerência para esta área. Este deve contar com planejamento
adequado e um fluxo de atendimento sem grandes obstáculos para o usuário, sendo
assim coerente com os princípios do programa(5).
A enfermagem é uma das categorias da saúde mais mobilizadas para o
gerenciamento das unidades básicas de saúde e cabe a essa o compromisso, junto
aos demais profissionais, da viabilização do SUS, incentivando a participação
da equipe na organização e produção de serviços de saúde para atender às reais
necessidades dos usuários, trabalhadores e instituição. Para isso, deve
utilizarse da descentralização administrativa, comunicação informal,
flexibilidade na produção e estímulo à iniciativa e à criatividade de
indivíduos e grupos(6).
No espaço em que ocorre a gerência exercida por enfermeiros, à relação desse
profissional com o usuário e com outros trabalhadores existentes no cenário da
saúde, são condições que constituem e imprimem determinadas características no
processo de trabalho desse profissional.
Dentre as competências gerenciais dos enfermeiros pode-se citar: análise
crítica para tomada de decisão gerencial e o desenvolvimento do pensamento
autônomo; organização de redes de serviços de saúde; desenvolvimento de
instrumento para análise da situação de saúde e provisão de serviços e elaborar
estratégias de intervenção; identificação de potencialidades e limitações
institucionais que diminuam ou impeçam a efetividade das ações de saúde;
realização de planejamento e programação, fundamental à análise de situação e
elaboração de propostas de intervenção. Utilização do sistema de informação,
avaliando suas potencialidades e limitações; desenvolvimento dos conhecimentos
gerenciais a partir de novos enfoques e modernas técnicas de gestão, entre
outras(7,8).
Sabe-se que a maior parte da produção do gerenciamento em enfermagem está
voltada ao gerenciamento de recursos humanos, entretanto, existem outras áreas
que não têm merecido a devida atenção desse profissional, como a área de custo,
da regulação, da avaliação entre outras. Portanto, este estudo justifica-se
pela carência e relevância da elaboração de pesquisas na área do gerenciamento
da atenção básica e a participação do enfermeiro(9).
No Brasil se gasta, anualmente, 80 dólares per capita com saúde, com
significativo desperdício de recursos e a capacitação gerencial para definir e
resolver problemas torna-se imprescindível na contenção e redirecionamento de
gastos nos serviços de saúde(10).
Assim, considerando que a garantia da satisfação de trabalhadores e clientes,
aliada à sobrevivência da organização é uma tarefa gerencial complexa, a
análise do trabalho do enfermeiro gerente em organizações de atenção básica, é
fundamental para o avanço das melhorias neste serviço. Esse estudo pode
favorecer reflexões para futuras intervenções mais adequadas voltadas à
melhoria da gestão.
Objetivou-se analisar o trabalho do enfermeiro gerente de Unidade Básica de
Saúde (UBS), no município de Fortaleza, CE e especificamente, descrever o
perfil profissional dos enfermeiros gerentes, conhecer as ações gerenciais
realizadas, verificar a importância atribuída pelos mesmos ao planejamento das
atividades e identificar fatores que facilitam e dificultam a realização das
ações gerenciais do enfermeiro na Unidade Básica de Saúde.
METODOLOGIA
Pesquisa de abordagem qualitativa desenvolvida em 10 UBS pertencentes a duas
secretarias executivas regionais (SER) IV e V, em Fortaleza, CE.
Os sujeitos deste estudo foram enfermeiros, com vínculo funcional efetivo da
Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, exercendo a função de gerência/
direção de Unidade Básica de Saúde, independente do tempo de exercício do
cargo.
A amostra foi composta por 10 enfermeiros, de um total de 16 que gerenciavam
Unidades da área, sendo quatro enfermeiros coordenadores de UBS da SER IV e
seis que gerenciavam unidades da SER V.
O instrumento de coleta de dados foi à entrevista estruturada que constava de
perguntas abertas e fechadas, com informações acerca do perfil profissional,
caracterização de atividades dos gerentes e questões sobre o processo de
trabalho dos mesmos. As entrevistas foram gravadas e transcritas conforme a
permissão dos sujeitos.
A coleta de dados foi realizada em janeiro de 2008. Os enfermeiros foram
abordados em seus respectivos locais de trabalho, em horário previamente
acordado entre as partes. Os resultados foram apresentados por meio de tabelas
e transcrições de falas dos entrevistados, com posterior análise.
O processo de coleta de dados iniciou-se após aprovação do Comitê de Ética da
Universidade Estadual do Ceará e liberação dos campos para pesquisa, através do
parecer n°. 073942138 FR CONEP 159829.
O presente estudo foi conduzido conforme a Resolução 196/96 da Comissão
Nacional de Ética na Pesquisa, que regulamenta as diretrizes e normas da
pesquisa envolvendo seres humanos. Dessa forma os sujeitos da pesquisa
assinaram o termo de consentimento, após ter sido informado sobre objetivos,
métodos, benefícios previstos ou potenciais riscos da pesquisa e garantido
anonimato(11).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados são apresentados e analisados descritivamente. Optouse por organizá-
los em duas partes. A primeira refere-se à apresentação dos enfermeiros, que
participaram do estudo, e a segunda aborda os processos de trabalho dos mesmos,
no exercício do cargo de gerentes de unidades básicas de saúde.
Perfil da população estudada
Quanto ao perfil dos sujeitos, nove eram do sexo feminino. A maioria situava-se
na faixa etária de 37 a 57 anos. Seis entrevistadas trabalhavam na instituição
há até três anos e oito exerciam o cargo em média há três anos. Ao analisar-se
o tempo de trabalho na Instituição e o tempo do exercício do cargo, verificou-
se que esse tempo é bem próximo na quase totalidade dos gerentes, e seis
entrevistados referiram, ainda, trabalho anterior na mesma função, o que
significa que estes já possuem certa experiência no cargo que ocupam.
Em relação à qualificação dos gerentes, oito tinham realizado curso de
especialização, sendo dois na área de educação e seis na área de gestão. A
capacitação para o cargo, neste estudo, foi considerada quando relacionada a
cursos e/ou programas na área de gestão, administração e organização de
serviço, especificamente, para a atenção básica. Com esta compreensão, seis
afirmaram ter feito cursos específicos para o cargo.
Entretanto, para alguns autores a capacitação no âmbito da gestão e do
gerenciamento em saúde e em enfermagem, ainda carece de fortalecimento das
competências que integram as dimensões éticas - políticas, que compreendem a
instância relacional e de responsabilidade social da profissão. Portanto, só a
capacitação na área não é garantia de um bom trabalho de gerência(9).
Prática gerencial dos enfermeiros no cotidiano da Unidade
Sobressai nessa seção a caracterização dos diferentes momentos do processo de
trabalho dos gerentes, que relacionam modos de pensar e agir. Enfoca, ainda,
relações de poder e interpessoais, formais e informais, desses trabalhadores
com as equipes e os usuários (Quadro_1).
Dentre as atividades apontadas como importantes, a gestão de pessoas foi citada
por sete como característica importante no gerenciamento das UBS, seguida pela
gestão de processos e a gestão centrada no usuário.
No processo de trabalho da gestão, as habilidades sociais são hoje mais
valorizadas que as técnicas e o seu desenvolvimento fica mais presente quanto
mais alto na hierarquia se encontra o gestor. A habilidade em gerenciar equipes
é crucial para o gestor e, portanto, o investimento em desenvolvimento pessoal
contínuo, provimento de senso de direção e estrutura, ajuda a equipe a
gerenciar fronteiras, gerenciar o tipo e o tempo das intervenções(12).
Para pensar e fazer o gerenciamento do trabalho em saúde, deve-se visualizar o
ser humano, meio ambiente e a integração dos diversos saberes. A ordem deste
tempo atual é de repensar novas alternativas, não radicais e sim integrativas,
que possam agregar eficiência e, conseqüentemente, saúde aos seus profissionais
e aos pacientes.
Conforme dados do Quadro_1, o trabalho gerencial centrado no usuário foi o
menos citado, o que demonstra ser necessário que os gerentes compreendam que a
ação gerencial deve incluir o usuário, inclusive como ator e parceiro do
processo gerencial, já que a finalidade desta atividade é fornecer um cuidado
qualificado a estes.
Em pesquisa realizada com enfermeiros gerentes da área básica, os enfermeiros
consideram que, dentro do processo de trabalho gerencial, manter o bom
relacionamento com o usuário e com a comunidade faz parte da função gerencial
como uma ação de respeito à cidadania e participação popular(13).
Os gestores têm grande dificuldade para entender e para propor soluções viáveis
para os problemas cotidianos do trabalho da gerência, o que significa uma
carência de compreensão mais profunda dos fundamentos dos sistemas de serviços
de saúde e de seu papel(14).
Visão dos gerentes quanto às dificuldades e facilidades no gerenciamento das
atividades exercidas na UBS
As principais dificuldades apontadas pelos entrevistados foram composição
incompleta das equipes de PSF, falta de capacitação de alguns profissionais
para o trabalho na unidade, falta de recursos financeiros, material e
equipamentos para o exercício contínuo das atividades, além da dificuldade em
referenciar usuários. Isso pode ser verificado nas seguintes falas:
[...] Agora com o concurso vieram mais seis agentes comunitários de
saúde, mas ainda falta... a gente tem bastante área descoberta... (G
4).
[...] Falta de apoio financeiro às vezes... você faz um projeto pra
desenvolver uma atividade grande né?, que envolva a comunidade...
você vai atrás de apoio a nível Central, a nível Regional e às vezes
tem um bloqueio, ou por falta de verba ou não sei o quê que aí
custa...(G 6).
[...] De dificuldade é a nossa demanda que é grande e funcionário que
é meio complicado... tem muita fofoquinha... muita
besteirinha...entre funcionários, tanto nível médio, como nível
superior (G7).
Pode-se destacar nas falas, que as dificuldades citadas são as mesmas inerentes
a todo o sistema de saúde, entretanto, é preciso repensar formas de superação
dessas, para que as mesmas não se tornem uma situação natural, previsível e
inerente a área.
Observando essas limitações, percebe-se a importância que elas ocupam no
trabalho cotidiano do gerente e o empenho desprendido por eles para a resolução
dos problemas canalizando assim, a maior parte da sua atenção.
As situações que favorecem o trabalho, conforme referiram os entrevistados
foram: as relações interpessoais com a equipe, usuários e diversos setores da
comunidade, além da identificação com o trabalho e o comprometimento da equipe.
Entretanto, essa integração da equipe é fundamental para a Estratégia Saúde da
Família e, caso falhe, o modelo de atenção fragmenta, desumaniza, apresenta
divisão rígida de trabalho e desigual valorização dos diferentes profissionais
(15).
De acordo com o Quadro_2, é referido pelos gerentes que a importância do
planejamento na ação gerencial relaciona-se, principalmente, a facilidade no
alcance das metas e objetivos e ao controle e estímulo as atividades na UBS.
Planejar é o processo de analisar e entender um sistema, avaliar a sua
capacidade, formular suas metas e objetivos, avaliar a efetividade dessas
ações, ou planos, escolher as prioridades, iniciar as ações necessárias para
sua implantação e estabelecer um monitoramento contínuo do sistema, a fim de
atingir um nível ótimo de relacionamento entre o plano e o sistema(16).
No depoimento dos entrevistados também foram detectadas etapas para a
formulação do planejamento, como diagnóstico, prioridades, metas, recursos,
discussão entre funcionários, execução, resultados, avaliação das ações e
reformulação de ações, como podemos observar a seguir:
[...] A gente divide de acordo com as épocas. Estamos numa quadra
invernosa agora, então a gente programa para os tipos de doenças
oportunistas nesse período, né?..., que são as viroses, doenças
respiratórias e tudo (G8).
[...] Fizemos o mutirão da dengue, em que a população veio doar lixos
recicláveis na unidade... vendemos esse lixo coletado pras indústrias
de reciclagem de lixo, e, com o dinheiro, montamos uma biblioteca
para a comunidade, e muita gente vem fazer empréstimo de livro com a
gente, alunos vêm fazer pesquisas... Isso serviu pra combate à
doença, como também pra enriquecimento cultural à população...(G5).
[...] Você vai aprendendo, esse planejamento a cada ano vai
melhorando... tá tudo muito avançado...(G3).
A função gerencial tem como propósito o desenvolvimento e a eficiência
organizacional. No caso da saúde, o gerente deve utilizar o conhecimento para
planejar, programar, desenvolver, controlar as atividades realizadas nas
unidades básicas de saúde, cumprindo com a missão social e humana, promovendo e
protegendo a saúde da população(17). Portanto os enfermeiros do estudo, em suas
falas, referem valorizar o planejamento como um instrumento importante da
prática da gestão, bem como adequá-lo as especificidades de cada situação.
Quanto à solicitação de ajuda para a elaboração do planejamento, as falas
reportadas abaixo confirmam a presença de coordenação de programas, chefias e
profissionais envolvidos para resolução de problemas.
[...] Foram realizadas várias ajudas, inclusive a Regional..., apesar
dos funcionários também terem contribuído muito(G2).
[...] A ajuda vem dos cursos de capacitação profissional que a gente
faz, né?... Temos também um "tutor", ligado ao Ministério da Saúde, e
a gente vai aprendendo... Pedimos ajuda às enfermeiras também, né?...
(G3).
A utilização de recursos de forma sistematizada, aliada à participação
comunitária inexiste na elaboração do planejamento e é contrária à inovação, já
que constitui uma opção de planejamento normativo. No entanto, há um caráter
dinâmico, flexível, atrelado à conjuntura do planejamento nos depoimentos dos
gerentes. Eles reconhecem que o planejamento envolve o enfrentamento de forças
sociais, que seria o enfoque estratégico da programação em saúde. A ação dos
grupos sociais e o significado que adquire a interação entre eles através dos
aspectos formais, materiais ou organizativos podem, pelo seu caráter
"objetivo", ser tratados na ação do planejamento(18).
No entanto, para que o gerente comande com eficiência é necessário planejar,
isto é, determinar aonde se quer chegar, sendo importante a clareza da missão
da unidade, objeto que deve ser construído com toda a equipe. É o planejamento
que vai nortear o processo de tomada de decisões que levará a meta desejada(8).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados relativos ao perfil e qualificação, dos sujeitos do estudo, indicaram
que os gerentes de unidades possuem certa experiência no cargo que ocupam.
Em relação às atividades gerenciais referidas como importantes, destacou-se a
gestão de pessoas, seguida pela gestão de processos e posteriormente, a
centrada no usuário, demonstrando ser necessária a compreensão, pelos gerentes,
da importância da participação do usuário como ator social e parceiro no
processo gerencial.
Dentre as dificuldades apontadas pelos entrevistados, na execução do trabalho
gerencial, foram citadas composição incompleta das equipes de PSF, falta de
capacitação de alguns profissionais para o trabalho na unidade, falta de
recursos financeiros, material e equipamentos, entretanto, é preciso repensar
formas de superação dessas. As situações que favorecem o trabalho da gerência
foram às relações interpessoais com a equipe, usuários e diversos setores da
comunidade, além da identificação com o trabalho e o comprometimento da equipe.
O planejamento das ações é realizado pelos gerentes que atribuem a este
importância relacionada, principalmente, a facilidade no alcance das metas e
objetivos e ao controle e estímulo as atividades na UBS.
Conclui-se que, a pesquisa apresentada reúne informações relevantes para o
conhecimento e análise das ações do processo de trabalho gerencial do
enfermeiro na Unidade Básica de Saúde. Embora considerando que o presente
estudo contribui para o conhecimento do perfil, considera-se a necessidade de
estudos que ampliem as fontes de coleta de dados e permitam trabalhar outros
elementos de análise da gerência de enfermagem nessa área.